Discurso no Senado Federal

DESIGUALDADES REGIONAIS, DESTACADAS NOS DADOS DO RELATORIO SOBRE DESENVOLVIMENTO HUMANO ELABORADO PELA ONU, EM PARCERIA COM O IPEA, ESPECIALMENTE NO QUE TANGE A QUESTÃO DA SAUDE DO CIDADÃO BRASILEIRO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. SAUDE.:
  • DESIGUALDADES REGIONAIS, DESTACADAS NOS DADOS DO RELATORIO SOBRE DESENVOLVIMENTO HUMANO ELABORADO PELA ONU, EM PARCERIA COM O IPEA, ESPECIALMENTE NO QUE TANGE A QUESTÃO DA SAUDE DO CIDADÃO BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/1996 - Página 13490
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, DESIGUALDADE SOCIAL, DESIGUALDADE REGIONAL, RELATORIO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ESPECIFICAÇÃO, EFEITO, AREA, SAUDE, RELACIONAMENTO, POBREZA, SUBDESENVOLVIMENTO, CONDIÇÕES SANITARIAS, DOENÇA.
  • REGISTRO, AUMENTO, DOENÇA TRANSMISSIVEL, TUBERCULOSE, DOENÇA, CARACTERISTICA, IDOSO, INSUFICIENCIA, DESIGUALDADE REGIONAL, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, SAUDE PUBLICA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as imensas desigualdades existentes entre as diversas regiões e estados brasileiros tornou-se extremamente visível, nos dias atuais, em virtude da divulgação, entre outros documentos, do consistente Relatório sobre Desenvolvimento Humano no Brasil, elaborado pela Organização das Nações Unidas - ONU, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA.

Muitos de nós já ocuparam a tribuna desta Casa do Congresso Nacional para falar sobre esse tema da maior importância para um país tão contraditório como o nosso, que, apesar de ser uma das maiores economias do Planeta, ostenta índices de desenvolvimento social semelhantes aos dos países mais atrasados do mundo.

Entre os grandes defeitos do País, segundo o Relatório, está a má distribuição da renda, da saúde, da educação, da terra e de tantos outros benefícios.

No que concerne à distribuição da riqueza nacional, o Brasil, um dos campeões mundiais de concentração de renda, apresenta tamanha desigualdade na distribuição de renda pessoal que se vem criando um permanente conflito entre a abundância e a riqueza das minorias abastadas e a pobreza e a miséria das grandes maiorias despossuídas.

Estatísticas recentes mostram claramente a situação. Segundo dados do mencionado Relatório da ONU, divulgados pela revista Veja, os 20% mais ricos detêm 65% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres ficam com apenas 12% da renda. Já a revista IstoÉ forneceu dados comparativos com os de outros países divulgando que, no Brasil, os 10% mais abastados detêm uma renda 30 vezes superior a dos 40% mais pobres, sendo que essa relação na Holanda é de apenas 4 vezes, na Alemanha de 5 e na vizinha Argentina de 10 vezes.

Quaisquer que sejam os dados, não há dúvida de que as desigualdades em nosso País são imensas e suas conseqüências dramáticas para o bem-estar social de nosso povo.

Na tarde de hoje, é sobre as conseqüências dessas desigualdades sobre a saúde da população brasileira que desejo falar mais detidamente, Srªs e Srs. Senadores.

O próprio Ministro da Saúde, Dr. Adib Jatene, já afirmou que as disparidades de renda aqui existentes são causa de inúmeras doenças, pois pessoas bem nutridas resistem mais às doenças infecciosas ou do aparelho respiratório, por exemplo.

Tem razão o Ministro. Muitos fatores que afetam a saúde são fortemente influenciados pela condição sócio-econômica da população, incluindo-se aí a condição educacional que reflete o nível de pobreza e de ignorância dessas mesmas populações.

Todos sabemos que, em um país com tantas desigualdades e contradições como o nosso, o estado de saúde da população, principalmente da população pertencente às camadas sociais mais carentes é afetado por uma série de fatores imediatos que incluem o nível de renda, as condições alimentares, as condições ambientais de saneamento e habitação, as condições de disponibilidade e de qualidade da assistência médica, a escolaridade e outras, dentro de um quadro mais amplo definido como estrutura social.

Em 12 de maio deste ano, o jornal Folha de S.Paulo apresentou, dentro de uma série de reportagens sobre a dívida social do Brasil que vinha publicando desde fins de abril, matérias abordando o tema da saúde, cujos títulos ou subtítulos corroboram a grande influência das nossas desigualdades regionais sobre esse fator essencial para a vida humana, que é a saúde. Eis alguns desses títulos e subtítulos: "Contraste regional marca saúde do País", "Pobreza faz crescer doenças que afetam crianças", "Radiografia da saúde no Brasil", "Diagnóstico: doenças infecciosas e parasitárias são mais comuns nos Estados pobres; infartos crescem nas regiões ricas".

Essa é outra situação que mostra a contradição do País. Estamos convivendo, ao mesmo tempo, com padrões de saúde do Terceiro Mundo e padrões de saúde do Primeiro Mundo. O Brasil tem, cada vez mais, mercê do aumento da expectativa de vida do nosso povo, uma população mais idosa e, conseqüentemente, o aumento da incidência das chamadas doenças crônico-degenerativas: o câncer, as doenças cardiovasculares, o diabetes, doenças neurológicas, e assim por diante.

Ao mesmo tempo, têm incidido largamente entre nós muitas endemias - a doença de Chagas, a esquistossomose, a malária, a AIDS, doenças respiratórias na infância, diarréias e outras. Isso traz para nós uma dificuldade muito grande de lidarmos com essas duas situações, com um quadro de recursos escassos, para fazer face a essas responsabilidades.

Sr. Presidente, é inegável a verdade dessas manchetes a que me referi. No processo saúde-doença, as desigualdades sociais têm um peso significativo.

Os contrastes regionais do Brasil intensificam-se assustadoramente quando o tema é a saúde. Nas zonas mais pobres e de população mais jovem, espalham-se as mortes por doenças infecto-contagiosas, típicas dos países do Terceiro Mundo.

Além disso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, estamos presenciando o ressurgimento de doenças que pareciam praticamente eliminadas no nosso meio. É o caso da tuberculose, que aliás recrudesce em todo o mundo, inclusive nos países desenvolvidos. Dados da Organização Mundial da Saúde revelam que, no ano passado, o número de casos de tuberculose registrados no mundo todo foi comparável a dados de décadas passadas, mostrando que ela ressurge, inclusive com características novas e assustadoras, como por exemplo a questão da resistência aos antibacterianos.

As doenças infecciosas ou as do aparelho respiratório estão mais presentes no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste enquanto no Sul e no Sudeste, regiões mais ricas e desenvolvidas, é bem maior a incidência de óbitos por doenças cardiovasculares, mais freqüentes nos países do Primeiro Mundo.

Para dar uma idéia da íntima relação existente entre saúde e desenvolvimento, gostaria de citar apenas alguns dados. As internações motivadas por doenças infecciosas ou parasitárias correspondem a apenas 5,5% do total de internações em São Paulo. Já em Roraima, esse percentual sobe para 17% Casos, como o do infarto do miocárdio, corresponde a 11% das internações paulistas, enquanto não passam de 2,2% em Roraima. Quer dizer, esses dados refletem o padrão sanitário dessas populações em que temos uma população subdesenvolvida, pobre, e outra de melhor nível de desenvolvimento.

Há também em nosso país variações quanto ao número de leitos por habitante bastante ilustrativas. No Estado do Pará, por exemplo, a relação é de 629 habitantes para cada leito hospitalar, a pior do País; em Goiás, que dispõe da melhor taxa, há um leito para cada 187 habitantes, índice superior a média recomendada pela Organização Mundial da Saúde que é de um leito para cada 250 habitantes.

O perfil da saúde dos brasileiros de qualquer faixa etária é diretamente influenciado pelas suas condições sócio-econômicas e pelo meio em que vivem. Doenças como a hanseníase, a malária, a febre amarela, esquistossomose, a leishmaniose, doença de Chagas e outras continuam vitimando as populações mais carentes das regiões menos desenvolvidas.

Os índices de mortalidade infantil e de desnutrição também mostram claramente o nível de renda das diversas regiões. E o lamentável em tudo isso é que esses problemas, em sua grande maioria, poderiam ser perfeitamente evitados.

Todos sabemos que o setor saúde passa por grave crise, que veio se acentuando desde o final da década de 70, à medida em que a crise econômica fazia minguar os recursos públicos no País.

No Brasil, como um todo, os serviços públicos de saúde têm-se revelado ineficientes, e são chocantes as cenas das enormes filas de pacientes que aguardam atendimento às portas dos prontos-socorros ou de doentes sendo atendidos em cima de pias ou aguardando no chão a chegada de quem os possa socorrer.

Não obstante, devemos reconhecer que temos avançado substancialmente em algumas áreas com a redução da mortalidade infantil e na oferta de atendimento nas zonas rurais do País, mediante programas médicos de famílias e dos agentes de saúde.

Ninguém ignora a existência informal de uma verdadeira roleta-russa, de uma verdadeira "escolha de Sofia" que, muitas vezes, é usada para determinar qual paciente deve ser atendido primeiro.

Se esses problemas sucedem de forma generalizada em todo o País, eles ocorrem em maiores proporções nas regiões mais pobres, onde a assistência médico-hospitalar da rede pública, além de ineficiente, é insuficiente para atender a toda a população que dela tem absoluta necessidade.

Calcula-se que o Sistema Único de Saúde - SUS atenda a 80% da população, impossibilitados de recorrerem a planos de saúde privados. Em 1995, ocorreram 13 milhões e 200 mil internações na rede do SUS, tendo sido gastos para custeá-las R$3.400 bilhões.

O Ministério da Saúde vem procurando prevenir as doenças, por meio de campanhas de imunização e programas de saneamento, apoiados esses últimos também pelo Ministério do Planejamento. Vem procurando, ainda, baixar os custos com o setor, com a multiplicação do número de agentes comunitários de saúde, principalmente no Nordeste, para prevenir as doenças em vez de curá-las, ensinando às população mais carentes cuidados básicos com a saúde, hábitos de higiene, na tentativa de reduzir índices de mortalidade infantil e outros, e assim modificar o perfil da saúde em nosso País.

Srªs e Srs. Senadores, estamos plenamente conscientes da necessidade de um volume maior de recursos para ampliar as possibilidades de atendimento à população brasileira.

Bem sabemos, entretanto, o quanto é grande o papel desempenhado pelas desigualdades sociais no processo saúde-doença e o quanto há ainda a ser feito para reduzi-las. Não é lícito esperar uma redução significativa nos diferenciais de saúde sem mudanças sociais profundas.

Ao concluir meu pronunciamento, faço um apelo ao Governo Federal para que concentre esforços ainda maiores, conferindo prioridade ainda maior, para melhorar as condições de saúde do nosso povo, reduzindo, ainda nesta década, as imensas desigualdades regionais e sociais que são indignas de um País com as potencialidades do nosso. Só assim deixaremos de ter índices tão díspares que hoje nos fazem ser um misto de Bélgica, Bulgária e Índia. Seremos um só Brasil, um País integralmente desenvolvido e socialmente justo.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/1996 - Página 13490