Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE OS DOIS ANOS DO PLANO REAL.

Autor
Freitas Neto (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Antonio de Almendra Freitas Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÕES SOBRE OS DOIS ANOS DO PLANO REAL.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/1996 - Página 13763
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, DIFICULDADE, PLANO, REAL, CRESCIMENTO, TAXAS, JUROS, REDUÇÃO, INFLAÇÃO, INICIO, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, AUMENTO, INVESTIMENTO, CAPITAL ESTRANGEIRO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • ANALISE, DIFICULDADE, PLANO, REAL, CRESCIMENTO, TAXAS, JUROS, EFEITO, FALENCIA, MICROEMPRESA, PEQUENA EMPRESA, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), AUMENTO, CONCORRENCIA, INDUSTRIA NACIONAL.
  • ANALISE, COOPERAÇÃO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, REFORMA CONSTITUCIONAL, ACEITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPINIÃO PUBLICA, RESPEITO, BRASIL, POLITICA INTERNACIONAL.
  • CRITICA, COORDENAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, ORÇAMENTO, AUSENCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO, AREA, SAUDE, EMPREGO, HABILITAÇÃO, RODOVIA, DEFICIENCIA, POLITICA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, EXPECTATIVA, AJUSTE, GOVERNO FEDERAL.

O SR. FREITAS NETO (PFL-PI. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil pode comemorar o segundo aniversário do Plano Real em circunstâncias favoráveis. A inflação mantém-se em declínio, mostrando índices que, anualizados, não superariam os 15%. A economia volta a crescer, permitindo projetar-se para 1996 o aumento de, pelo menos, 3% do Produto Interno Bruto. Os investimentos estrangeiros no País tendem a se expandir, indicando que deverão confirmar-se as previsões de que chegarão no próximo ano a um valor superior a US$10 bilhões, dando assim a medida da confiabilidade alcançada pelo plano no exterior.

Esses dados mostram o êxito alcançado até agora pelo real, resgatando a credibilidade do Brasil e proporcionando um novo padrão de bem-estar a seus cidadãos. Após sucessivas frustrações, conseguiu-se, enfim, a estabilização tão desejada pelo povo deste País. Diferentemente do que ocorreu com os planos anteriores - e foram muitos -, o real foi implantado sem traumas. Não houve confiscos ou congelamentos, mas total respeito aos agentes econômicos. Um mecanismo engenhoso, a utilização da URV, como vetor para anular a inflação inercial, proporcionou uma transição suave para a nova etapa que a economia brasileira começava a viver.

Com a irrestrita cobertura política do Presidente Itamar Franco, o plano elaborado sob a responsabilidade do então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, teve o condão de tranqüilizar a população. Desde o seu início, encontrou ampla confiança dos brasileiros, justamente por mostrar resultados com rapidez e por evitar medidas tempestuosas que representassem ruptura de contratos ou esbulho de poupanças. Constituiu, antes de mais nada, uma proposta aberta e tecnicamente bem constituída, o que todos perceberam em bem pouco tempo.

Passados dois anos da adoção da nova moeda, o balanço é positivo. Podemos citar uma série de fatos que comprovam esse êxito:

# A inflação se mantém em níveis bastante reduzidos, tendo ficado a 0,23%, em março, que registrou, assim, a menor alta mensal do custo de vida em 39 anos. Em julho, conforme acaba de anunciar a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Universidade de São Paulo, ficou em 1,31%. Enquanto os planos anteriores não impediram que a inflação explodisse novamente alguns meses depois de sua implantação, o índice apurado pela Fundação tem-se mantido sempre abaixo de 2% mensais.

# A cesta básica, essencial para o trabalhador, registrou aumento de preços ainda inferior à média inflacionária. Hoje, o conjunto de produtos nela contidos custa apenas 2% a mais do que em junho de 1994.

# As reservas brasileiras ultrapassaram de muito a casa dos US$60 bilhões, constituindo um recorde histórico e transformando-se em uma garantia a mais de estabilidade para a moeda.

# Os investimentos estrangeiros no País, investimentos diretos, de risco, multiplicaram-se nos últimos meses, alcançando, entre janeiro e julho deste ano, a casa dos U$4 bilhões e 958 milhões, nível recorde em nossa história.

# O nível global de investimentos da economia brasileira retornou a um patamar que não se via desde os anos 70, saltando de menos de 14% do PIB, antes do Plano, para quase 17%, hoje.

Tudo indica que essa elevação prosseguirá.

# A renda per capita do brasileiro, que despencara para U$3.228 em 1992, recuperou-se e fechou o ano passado em U$3.545. Caso se adotem os critérios do Banco Mundial e das Nações Unidas, que levam em conta também as peculiaridades do mercado interno, essa renda seria já de U$5.370.

# A economia manteve-se em crescimento, com o Produto Interno Bruto mostrando uma evolução positiva de 4,2% no ano passado. Ainda que esse nível não deva repetir-se em 1996, o PIB certamente terá desempenho favorável, ao que tudo indica, o Brasil terá cinco anos de desenvolvimento contínuo. Não há muitos exemplos de planos de estabilização que combinem queda drástica da inflação com crescimento econômico.

# Um número muito elevado de brasileiros, cerca de 30 milhões, incorporou-se ao mercado, fazendo com que crescessem as vendas de segmentos como os de eletrodomésticos e de alimentos industrializados.

# A produção de cimento, aço, papel, celulose e veículos aumentou desde que se iniciou o plano.

Todos esses fatos, na verdade, poderiam resumir-se em um só: o brasileiro vive hoje melhor do que antes do real. Não se trata apenas do fim do desconforto criado pela inflação. O que pesa para a maioria da população é que houve um incremento em seu padrão de vida, um incremento visível, palpável e promissor.

Não desejamos, porém, dizer que tudo foi cor-de-rosa nesse processo. É preciso reconhecer que o real também vem enfrentando seus problemas. A necessidade de uma política monetária rígida tem conduzido as empresas a dificuldades: tanto elas quanto as pessoas físicas, aquelas que tomam um empréstimo ou entram no vermelho do cheque especial, arcam com juros extremamente elevados.

No período de doze meses decorrido entre julho de 1995 e junho de 1996, o segundo ano do real, portanto, o número de falências e concordatas praticamente duplicou. O mesmo ocorreu com os títulos protestados. As pequenas e médias empresas foram as principais vítimas do processo. Os juros altos, principais responsáveis por essa situação, inviabilizam assim setores inteiros da economia.

O próprio sistema financeiro enfrenta problemas, o que levou à criação do Proer, até hoje a medida econômica do Governo que mais desconfiança desperta na população. E a taxa de câmbio, para muitos artificialmente elevada, somou-se à abertura para estimular as importações, pressionando a balança comercial e fortalecendo a concorrência externa à produção nacional.

Embora as linhas básicas do plano, apelidadas de "âncoras", tenham sido mantidas à risca, apesar dessas dificuldades, a equipe econômica tem sabido introduzir elementos corretivos, de modo a atenuá-las. É assim que já podemos registrar uma recuperação do crescimento econômico, assim como uma retração dos juros, ainda que só lentamente chegue ao consumidor.

É importante ressaltar que o plano foi desenvolvido em perfeita harmonia entre o Executivo e o Congresso. As reformas de início propostas pelo Palácio do Planalto foram aprovadas com rapidez, inclusive as que se referiam a temas polêmicos como a quebra do monopólio do petróleo. Estamos hoje na fase de sua regulamentação, embora encaminhada ao Legislativo com certa demora. De qualquer forma, o capítulo da Ordem Econômica da Constituição está inteiramente refeito e adaptado às exigências da nova conjuntura mundial. Outras propostas de reforma tramitam no Congresso Nacional e, apesar de eventuais turbulências, poderão ser aperfeiçoadas nesse processo. O clima de cooperação entre os Poderes permanece, como uma garantia a mais e sucesso para o plano.

Assim, temos a convicção de que partimos para uma nova etapa da gestão econômica. Até agora, o Governo mostra a adequada coordenação política. Não é para menos. Quem exerce essa coordenação é o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, que associa extraordinária formação teórica a notável experiência parlamentar, além de contar com a sua extrema sensibilidade. Infelizmente, muitos dos ministros pouco ajudam nesse processo. Mostram visão tecnocrática e ignoram as legítimas reivindicações da comunidade que lhes são levadas pelos parlamentares. Mesmo assim, o Congresso Nacional tem colaborado com o Governo, praticamente nada lhe negando para cumprir o seu programa.

Graças, assim, à sua capacidade de negociação e ao respaldo do Legislativo, o Presidente Fernando Henrique Cardoso vem conseguindo aprovar as medidas de que precisa para dar andamento ao Plano Real. O clima positivo que cerca o atual governo se completa com a confiança dos agentes econômicos, e enfim, com invejáveis índices de aceitação popular.

Essa situação se reflete na projeção internacional alcançada pelo Brasil, projeção absolutamente inédita. Nas viagens empreendidas pelo Presidente da República registra-se sempre esse novo tratamento concedido ao País hoje, visto não mais como uma promessa que se cumpriria sabe-se lá quando, mas como uma verdadeira potência emergente, em função da economia próspera e de peso político que extrapola os importantes vínculos regionais construídos de uma década para cá.

Por enquanto, porém, não se pode dizer que a coordenação administrativa tenha obtido os mesmos resultados. Compreende-se até que nesses primeiros 19 meses de Governo, tendo-se como prioridade a condução do Plano Real, a ação administrativa venha a preocupar menos. É preciso, entretanto, que se proceda a urgentes correções neste quadro. Quando se vive uma crise fiscal, com a conseqüente escassez de recursos para investimentos, uma perfeita coordenação passa a ser imprescindível. Não é o que vem ocorrendo.

Como qualquer brasileiro percebe, tornou-se quase inexistente a ação do Governo em setores importantes como saúde, emprego, moradia e rodovias. A ausência de coordenação levou à pulverização de recursos e ao conseqüente problema de se completar as obras paralisadas em diversas regiões. Conforme mostrou importante comissão especial criada pelo Senado Federal, enorme número de obras inacabadas espalha-se por todo o País. O mais recomendável, para um Governo que se iniciava, seria priorizar sua conclusão, para a qual se exigia nível freqüentemente modesto de verbas. Bastaria que nisso se concentrasse a atenção das autoridades.

Preferiu-se, entretanto, dividir os recursos orçamentários em pequenas dotações, insuficientes para atender às mais relevantes exigências populares. Procurou-se agradar um pouco a todos e, em vez disso, não se agradou efetivamente a ninguém. Pior, não se resolveu efetivamente programa algum.

Dessa maneira, algumas áreas apresentam situação crítica.

Na saúde, a população brasileira horrorizou-se com episódios como o da seqüência de mortes de doentes renais no hospital de Caruaru ou o dos velhinhos recolhidos ao asilo Santa Genoveva, no Rio de Janeiro. Sabemos, porém, que não se trata de casos isolados e sim de exemplos do descaso para com o setor. Qualquer cidadão que visite um hospital público ou as áreas de hospitais privados reservadas a pacientes do SUS - com as exceções que confirmam a regra - certamente se assustará.

O sistema rodoviário brasileiro mostra-se em condições extremamente precárias. Levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Transportes revela que 93% das rodovias brasileiras está em situação péssima, ruim ou regular. O mesmo levantamento mostra que essa precariedade acentua-se em determinadas regiões. Das dez piores estradas do País, mostra a CNT, oito estão no Nordeste.

Paralelamente, nenhum programa eficiente foi apresentado até agora para enfrentar dois dos mais cruciais problemas que afetam os brasileiros: o desemprego, que, segundo o IBGE, era de 4,4% em janeiro de 1995, chega hoje a 6,2%. Caso comparado com outros países, mesmo a vizinha Argentina, constitui até um índice relativamente baixo. No entanto, não se pode esquecer que ele demonstra um crescimento de quase 50% no número absoluto de desempregados em dezoito meses. Mais do que isso, o próprio IBGE revela que, desde dezembro de 1994, o aumento do desemprego se mostra contínuo. Da parte do Governo, à parte declarações constrangedoras a respeito da naturalidade com que se deve encarar a questão em momentos de abertura econômica, só se registram medidas pontuais, de efeito lento e eficácia duvidosa.

O déficit habitacional, de acordo com levantamento determinado pelo próprio Governo, chega já a 5 milhões e 600 mil unidades. A conclusão é de estudo encomendado pelo Ministério do Planejamento. O volume de recursos destinado à construção civil, porém, nunca se mostrou tão reduzido. E os projetos lançados no setor pouco contribuíram para diminuir esse déficit. É o caso das chamadas Cartas de Crédito, que terminam recusadas pelos presumíveis beneficiários, por deixarem de atender às mais elementares exigências que fazem.

Esse é o mal maior que vem afetando a atual administração. Apesar do sólido programa de campanha apresentado, um programa que mereceu e continua merecendo nosso irrestrito apoio, ele não foi acompanhado da correspondente ação gerencial. Torna-se difícil listar medidas efetivas nesse sentido. Cito apenas um caso, até por se constituir em minha preocupação maior: qual a real política do Governo para enfrentar os desequilíbrios regionais? Poderemos encontrar inúmeras manifestações de boa vontade por parte dos ocupantes dos mais elevados cargos do Executivo, assim como poderemos registrar referências explícitas ao problema em documentos oficiais. No entanto, é impossível associar essas referências a um projeto amplo e estruturado, assim como a uma ação administrativa palpável.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as deficiências administrativas, felizmente, são ainda insuficientes para empanar os êxitos alcançados pelo Plano Real. O clima prevalecente no País é de confiança no Governo, e a retomada do crescimento que agora se delineia apenas reforçará essa tendência. Temos a absoluta convicção de que ela se consolidará, assim como temos a convicção de que os desajustes internos da própria administração rapidamente serão corrigidos, sob pena de comprometer a médio prazo a boa imagem do Governo. O povo está lhe cobrando ação.

O Governo Fernando Henrique, em seu conjunto, tem sabido corresponder às imensas expectativas geradas à época das eleições presidenciais de 1994. O êxito do Plano Real, até aqui indiscutível, é a maior prova disso. Estamos certos de que saberá proceder a ajustes internos que possibilitem o efetivo ingresso do País em uma nova era.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/1996 - Página 13763