Discurso no Senado Federal

DISCURSO PROFERIDO PELO PRESIDENTE DA AFRICA DO SUL, NELSON MANDELA, NO PARLAMENTO INGLES.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • DISCURSO PROFERIDO PELO PRESIDENTE DA AFRICA DO SUL, NELSON MANDELA, NO PARLAMENTO INGLES.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Totó Cavalcante.
Publicação
Publicação no DSF de 26/07/1996 - Página 13260
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • LEITURA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, NELSON MANDELA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, AFRICA DO SUL, SOLENIDADE, PARLAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, REINO UNIDO, ELOGIO, PRONUNCIAMENTO, OPOSIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DEFESA, LIBERDADE, PAZ, SOLIDARIEDADE, DESENVOLVIMENTO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Exmº Senador Jefferson Péres, na semana passada, o Senador Pedro Simon registrou, em plenário, a forte impressão que teve, ao assistir - pela televisão internacional CNN, acredito - ao extraordinário discurso de Nelson Mandela perante o Parlamento inglês.

Tive a oportunidade de receber este discurso ontem. O Embaixador do Brasil na Inglaterra, Rubens Barbosa deu uma cópia desse discurso à Deputada Marta Suplicy, que sabe o quanto aprecio Nelson Mandela. A nobre Deputada estava retornando da Holanda, convidada que foi pelas autoridades do Organismo das Nações Unidas para pronunciar-se sobre as mulheres Ela me deu cópia desse discurso como presente, o que muito prezo.

E tão belo avaliei este pronunciamento que pedi à Srª Lélia Lages Bastos, médica que trabalha como minha assessora, que traduzisse o documento. Como acaba de ser feita a tradução e terminei de fazer a revisão, talvez haja algumas imperfeições mas vou aqui reproduzi-lo e V. Exªs compreenderão o porquê de reproduzir as palavras de Nelson Mandela.

      "Discurso do Presidente da República da África do Sul, Nelson Mandela, para as duas Casas, em Sessão Conjunta, do Parlamento do Reino Unido.

      Londres, 11 de junho de 1996.

      Meus Lordes, Senhoras e Senhores,

      É com profundo senso de humildade que venho hoje aqui para me dirigir às históricas Casas do Parlamento do Reino Unido.

      É uma rara honra estendida pelos senhores a um orador estrangeiro, que aumenta e aquece as relações entre nossos povos. Falo da perspectiva de aprofundamento das nossas excelentes relações.

      Talvez nossa presença aqui hoje possa servir para fechar um círculo que nos une há 200 anos. Eu digo 200 anos porque a primeira vez que este país entrou no nosso como poder colonizador foi no ano de 1795.

      Há algumas partes de nosso país onde muitas cidades e localidades levam, até hoje, os nomes de lugares e personalidades britânicas, alguns dos quais têm uma importância fundamental no processo de colonização britânica que começou em 1795.

      Para citar apenas alguns deles - o Cabo Leste - tem nomes como Port Elizabeth, East London, Grahamstown, King Williamstown, Alice, Albany, Somerset East, Fort Beaufort, Fort Glamorgan e simplesmente, Queenstown.

      Aqui, também vamos encontrar o que é chamado o Monumento dos Colonizadores de 1820, construído em tributo dos colonizadores britânicos que vieram ocupar terras e que ajudaram a garantir o salvamento do espólio, para o benefício do país e do império.

      Tivessem aqueles ocupantes a vantagem da educação e acesso à nossa excelente herança cultural, eles teriam as palavras de um de nossos cidadãos no maior apóstolo de Shakespeare, "Coriolano", para descrever a atitude deles na Grã Bretanha da época."

      Vamos ouvir os desfavorecidos e os despossuídos cidadãos daquele dia:

      "Nós somos tidos como cidadãos pobres, os bons patrícios;

      Que a autoridade que nos oprime, iria nos aliviar...

      A pobreza que nos aflige, o objeto de nossa miséria,

      É um inventário que particulariza a abundância deles;

      Nosso sofrimento é um ganho para eles.

      Deixai-nos vingar com nossas lanças e nós nos tornaremos libertinos;

      Porque os deuses sabem,

      Eu falo isso com fome de pão

      E não com sede de vingança."

      (Coriolanus: Ato I. Cena I).

      Depois de um século que esse grito de desespero seria ouvido pela primeira vez, o que definiu as relações entre os nossos povos foi o contínuo clamor, um dos quais a famosa Batalha de Isandhiwana, quando os exércitos zulus ganharam o dia.

      Há oito décadas meus predecessores, na liderança do Congresso Nacional da África, vieram a esta venerável Casa para dizer que o Governo e os legisladores daquele tempo, que eles, os patrícios, deveriam vir para ajudar os cidadãos pobres.

      Sem lanças para acompanhá-los, porque o exército britânico os derrotou e os desarmou, eles falaram eloqüente e apaixonadamente da necessidade do poder colonizador tratá-los como seres humanos iguais aos Settlers (colonizadores) de 1820 e outros banidos da Europa, antes e após 1820.

      Ao mesmo tempo, os legisladores britânicos da época falavam eloqüente e apaixonadamente nessas Casas para dizer que eles não poderiam ocupar suas agendas com assuntos da África do Sul, para defender os interesses desse setor da nossa população que não era branca.

      Apesar da rejeição e terrível custo que tivemos de suportar, como conseqüência, retornamos a este lugar honrado sem lanças, sem desejos de vingança, nem mesmo para solicitar a V. Exªs para aplacar a nossa fome por pão.

      Viemos como amigos.

      Retornamos à terra de William Wilberforce, que ousou se colocar para demandar que os escravos de nosso país se tornassem livres.

      Viemos para a terra de Fenner Brockway, que através do Movimento pela Liberdade Colonial, estava preocupado com nossa liberdade tanto quanto ele se preocupava com a independência da Índia.

      Estamos na Casa em que Harold Macmillan trabalhou - ele que falou na nossa Casa do Parlamento, em Cape Town, em 1960, antes do infame massacre de Shaperville, e que nos alertou da estupidez e cegueira da oligarquia branca em nosso país "o vento da mudança está soprando através desse continente"... - e para quem um cartunista da África do Sul pagou tributo para tê-lo recitando outras palavras de Shakespeare - "Oh! Perdoe-me pedaço de terra sangrenta, que eu tenha sido gentil com esses açougueiros!

      Viemos como amigos para todo o povo nativo da terra do Arcebispo Trevor Huddleston, que na sua gentil compaixão pela vítima, resolveu dar nenhum dinheiro para qualquer açougueiro.

      Seus sacrifícios pela nossa liberdade nos mostrou que a verdadeira relação entre nosso povo não era entre cidadãos pobres em uma mão e patrícios bons na outra, mas uma subscrição através da nossa humanidade comum e nossa capacidade humana de tocar o coração um do outro através dos oceanos.

      Viemos como amigos, trazendo conosco, para os senhores e as nações que os senhores representam, calorosas saudações do coração de milhares dos nossos cidadãos.

      Mesmo na mais sem vida das estações históricas, duas centenas de anos seriam um período longo demais para que a força da mudança não se tornasse liberdade.

      Mudanças vieram para o nosso país também, talvez, finalmente, mas trazendo com isso a alegria, a promessa de um futuro melhor e um festival de esperança através do globo.

      Racismo é a ferida da consciência humana. A idéia de que uma pessoa é inferior a outra, a ponto daqueles que se consideram superiores definirem e tratarem o resto como subumanos, nega a humanidade mesmo daqueles que querem se elevar ao status de deuses.

      As milhões de sepulturas espalhadas pela Europa, resultado da tirania do nazismo, a dizimação dos povos nativos das Américas e da Austrália e a destrutiva trilha do crime do apartheid contra a humanidade estão trazendo à luz uma questão que flutua no vento: por que permitimos que coisas como essas acontecessem?

      Parece-nos que, a partir do momento em que pessoas comuns do mundo entenderam a real natureza do sistema de apartheid, decidiram que não iriam permitir que suas respostas para essa questão ficassem pendentes em suas cabeças cobertas de vergonha.

      Aproveitamos essa oportunidade, mais uma vez, para pagar o tributo a milhões de britânicos, que, através dos anos e como outros em qualquer lugar do mundo, posicionaram-se para dizer não ao apartheid.

      Nossa emancipação é a recompensa deles. Nós sabemos que a liberdade que usufruímos é construída artesanalmente por pessoas comuns, que não permitiriam que nossa dignidade como seres humanos fosse insultada.

      A aceitação da dádiva contida no nosso povo não deve permitir novamente que o nosso país hospede o racismo. Também não devem as nossas vozes serem caladas se enxergarmos, em qualquer outro lugar do mundo, vítimas da tirania racial.

      Acima de tudo, acreditamos que nossa obrigação é preencher os desejos de toda humanidade, incluindo a do nosso povo, para garantir o enorme e sustentado esforço universal que levou à derrota do sistema do apartheid, alcançando seu propósito de transformar a África do Sul num país democrático, não racial, não sexista, pacífico e próspero.

      Nenhuma sociedade surgida de um grande desastre, representado pelo sistema de apartheid, pode evitar de carregar consigo a mancha do seu passado.

      Tivesse a África do Sul emergido do nada, isso não existiria. Sua maneira de ser, ditada pelas suas origens, constituiu a verdadeira escola do aprendizado sobre as necessidades do que precisa ainda ser feito para o fim do sistema do apartheid.

      Os que se lamentam e ficam esperando, prontos para culpar o presente por seus passados, e vendo os fantasmas do passado que ainda estão na nossa terra, acreditam que esses fantasmas representam a falha da nova realidade.

      Esses lamentadores representam a raça que se convenceu a si mesma de que não vamos conseguir construir a bela África do Sul que nós e que milhares de outros se atreveram a sonhar.

      Mesmo que se não tivéssemos capacidade para o sucesso, a África do Sul não estaria onde está hoje.

      A primeira pedra fundamental do nosso país é a reconciliação e a unidade nacional. O fato de termos estabelecido nossos alicerces não necessita ser anunciado.

      Se não for assim, o sangue nas ruas deveria gritar alto que falhamos em conseguir aceitação do nosso povo, preto e branco, para viverem em paz, como iguais e como cidadãos ligados, unidos em um destino comum.

      Nossa segunda pedra fundamental é o estabelecimento do sistema democrático, que assegura a todos os indivíduos o direito igual e a possibilidade de determinar o seu futuro. Ele proíbe a opção pela tirania, pela ditadura e garante os direitos humanos fundamentais de todas as pessoas.

Sr. Presidente, o Ministro Antônio Kandir havia marcado uma audiência_ comigo e a adiou por um tempo, porque tinha que comparecer a uma reunião do Conselho Monetário Nacional, mas sou informado agora que S. Exª está me aguardando.

O Sr. Bernardo Cabral - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Eduardo Suplicy, não gostaria que V. Exª saísse sem que eu registrasse que a oportunidade do seu discurso e com essa manifestação de Nelson Mandela, corrobora com a idéia de que quem tem posições firmes, quem não concede, quem não foge, quem não deserta, tem sempre uma audiência histórica marcada com a posteridade. Nelson Mandela é um deles e V. Exª faz muito bem em trazer para os Anais da Casa esse pronunciamento que aquele líder fez na pátria que tantos diziam que não o receberiam.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço a V. Exª, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Totó Cavalcante - V. Exª me concede um aparte, nobre Senador?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois não, Senador Totó Cavalcante.

O Sr. Totó Cavalcante - Senador Eduardo Suplicy, quero apenas cumprimentá-lo pelo entusiasmo, pela emoção que coloca em seu discurso, pois, na realidade, Nelson Mandela foi para nossa geração um exemplo de idealismo e de luta.

O SR. EDUARDO SUPLICY -  Sr. Presidente, peço a V. Exª que solicite a transcrição, na íntegra, tanto a tradução quanto a versão original em inglês, desse discurso de Nelson Mandela, dada a beleza das palavras nele contidas; é um dos mais belos discursos que já tomei conhecimento em minha vida e que constitui um exemplo para todos nós.

A luz de Nelson Mandela e sua energia é para nós uma fonte de inspiração. O Brasil precisa se aproximar da África do Sul para conhecer como se pode realizar uma transformação na direção da justiça e da prosperidade com fraternidade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/07/1996 - Página 13260