Discurso no Senado Federal

DESINTERESSE GOVERNAMENTAL EM FORMULAR UMA POLITICA AGRICOLA PARA O BRASIL.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • DESINTERESSE GOVERNAMENTAL EM FORMULAR UMA POLITICA AGRICOLA PARA O BRASIL.
Aparteantes
Guilherme Palmeira, Lúdio Coelho, Ney Suassuna, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 26/07/1996 - Página 13227
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, INTERESSE, GOVERNO, HISTORIA, BRASIL, APOIO, AGRICULTURA, EFEITO, REDUÇÃO, APROVEITAMENTO, TERRAS, CLIMA, SAFRA, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEFESA, SUBSIDIOS.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CULTIVO, TRIGO, CRITICA, FALTA, POLITICA AGRICOLA, CALENDARIO, PLANTIO, REGISTRO, PRODUTIVIDADE, AGRICULTURA.
  • NECESSIDADE, DEFESA, PRODUTOR, BRASIL, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, ANALISE, EFEITO, IMPORTANCIA, AGRICULTURA, INDUSTRIA NACIONAL.
  • CRITICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INCENTIVO, AGRICULTURA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero agradecer ao querido amigo, Senador Casildo Maldaner, pela gentileza de nos ceder o seu espaço neste momento. Espero muito em breve poder lhe retribuir a gentileza, também cedendo-lhe o mesmo espaço.

Sr. Presidente, pretendo continuar o debate que se vem travando nesta Casa com relação à agricultura brasileira.

Quando assumi o Ministério da Agricultura, pude sentir o quanto é importante, necessário, um país como o nosso preocupar-se com a sua agricultura.

O Brasil tem hoje a maior reserva de terras agricultáveis do mundo inteiro. O Brasil é hoje, no mundo inteiro, o país que tem condições de plantar, criar e, praticamente, alimentar metade do mundo. O que dói, o que machuca, é, ao longo do tempo, a falta de interesse para se equacionar essa questão. Vamos fazer justiça: ao longo, praticamente, da maioria dos governos.

Juscelino Kubitschek foi um grande Presidente; afirmou que, no seu Governo, o Brasil avançaria 50 anos em 5. Não há como deixar de reconhecer que o Brasil cresceu extraordinariamente sob o Governo de Juscelino Kubitschek. Assumindo Jânio Quadros, com a renúncia de Jango, Juscelino se candidatou - "JK-65" - a voltar à Presidência. Dizia: "Eu tenho uma dívida enorme para com o meu País, porque eu cuidei de muitas coisas do meu País, mas não cuidei da agricultura. Eu posso ser até considerado como um dos responsáveis pelo atraso da agricultura. A minha próxima meta é fazer na agricultura o que fiz no restante. No meu Governo, a agricultura brasileira crescerá 50 anos em 5."

Lamentavelmente, não se permitiu a eleição em 1965. Seria fantástica - JK e Lacerda. Venceria, na minha opinião, JK, mas seria uma grande eleição, com dois grandes estadistas.

De lá para cá, é isso que está aí: cada governo debatendo, analisando, um fazendo um pouco mais, outro fazendo um pouco menos.

Para resumir, a nossa safra de grãos é de 80 milhões. A safra de milho dos Estados Unidos é de 240 milhões. O que os Estados Unidos produzem em milho é três vezes o que o Brasil produz em todos os grãos. Não é preciso dizer mais nada.

Imaginamos que os Estados Unidos sejam um país fantasticamente industrial e que a sua receita venha da indústria. Não; a grande fonte da receita americana é a produção agrícola, a exportação da agricultura.

Os Estados Unidos podem se despreocupar, e, às vezes, se despreocupam, com relação aos automóveis - o Japão, em certa época, infernizava os Estados Unidos em venda de automóveis. Numa ocasião, a Volkswagen entrava e tomava conta do mercado americano. O americano nunca se assustou muito com isso.

Nunca me esqueço da primeira vez em que fui aos Estados Unidos - e já faz muito tempo que viajei para lá, a convite do governo americano -, tendo visitado cerca de vinte estados em dois meses. Quando voltei a Porto Alegre, trazendo para casa os relicários que comprei - lembrancinhas como a Estátua da Liberdade representando Nova Iorque e o búfalo de Chicago -, verifiquei serem todos fabricados na China, já naquela época, há 23 anos.

No entanto, o americano nunca deixou de se preocupar com a sua agricultura, com a sua produção de carne, de pão, de leite. Se é necessário subsídio, lá está o subsídio, para o americano, para o francês, para o alemão, para o italiano, para o inglês. As grandes potências, campeãs do liberalismo, subsidiam a sua agricultura, tanto quanto necessário. O que é produzido a mais pelo americano, seja de leite, de carne ou o que for, se tiver que concorrer no exterior, eles subsidiam tanto quanto for necessário para colocar o produto no mercado internacional.

O que o Brasil fez com o trigo foi crime! O País chegou a produzir 6 milhões de toneladas, faltando 2 milhões de toneladas para a auto-suficiência. E o que fizeram? Disseram que o trigo brasileiro estava a US$150.00; o importado, a US$80.00. E o Governo boicotou! Disseram para mim, pessoalmente, que a orientação do Governo era no sentido de não plantar trigo.

Dizia eu: mas nós vamos ficar auto-suficientes; poderemos fazer um feriado nacional e dizer que o Brasil é auto-suficiente na produção de trigo, um elemento essencial na alimentação; mas não temos interesse. Vou pagar trigo a U$150,00 podendo importar a U$80,00? O Governo boicotou o plantio do trigo e foi vitorioso. A produção de trigo baixou de 6 milhões para 1 milhão e 800 mil. Ao invés de subirmos para 8 milhões e ficarmos auto-suficientes em trigo, baixamos de 6 para menos de 2 milhões.

O Governo brasileiro acertou; em vez de importar 1 milhão e 800 mil, vai importar 6 milhões e 500 mil. Só que o Governo se recusou a dar US$150,00 por tonelada para o produtor brasileiro e vai dar US$250,00 por tonelada ao produtor estrangeiro. Agora, por questões climáticas que acontecem - e nós sabemos que acontecem - o trigo internacional pulou de US$70,00 para US$250,00. Entretanto, não acontece nada. O Presidente não diz nada, nem o Ministro da Agricultura, que, por sinal, largou o Governo, e muito menos o homem do Banco do Brasil. Ninguém diz nada.

Ora, Sr. Presidente, fiquei um pouco mais de um ano no Ministério da Agricultura e, naquele período, uma das coisas que fizemos foram debates nacionais no Pará, reunindo o Norte; em Recife, no Nordeste; em Goiânia, reunindo o Centro-Oeste; em Curitiba, reunindo o Sul. Isso para estabelecer - já transcrevi várias vezes no Anais - uma política agrícola para o Brasil. Temos que ter uma política agrícola para o Brasil. Qual é a nossa política agrícola? Um País como o nosso tem que ter uma política agrícola.

Alguns exemplos muito singelos: o alho e a batata. Lá pelas tantas, na época da safra, dá-se batata aos porcos e o alho se joga fora, pelo exagero da safra. Quatro meses depois, importa-se o alho do Chile e a batata do exterior a um preço três vezes maior.

O Brasil é um País que tem, praticamente, todas as estações do ano; portanto, podemos produzir todos os produtos durante todo o ano. O correto seria fazer um calendário, ou seja, podia instituir-se que o Rio Grande do Sul, por exemplo, para ter direito ao financiamento do Banco do Brasil, para ter a garantia do Banco do Brasil, plantaria o alho e a batata em tal época, e o mesmo seria feito com os outras regiões do País. É simples! Um calendário. É a coisa mais rudimentar do mundo. Entretanto, há anos em que se joga batata, alho e cebola fora, na época da safra - ocasião em que o preço vai para o chão -, para, três meses depois, importarmos do exterior - época em que o preço sobe.

O SR. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Tem V. Exª a palavra.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Pedro Simon, já abordei esse assunto aqui algumas vezes, mas ele é sempre tão palpitante que nos empolga. Anteontem, estive com o Ministro da Agricultura e tomei conhecimento de que o orçamento daquele Ministério para este ano é inferior a R$260 milhões. Isso para ser dividido por 27 Estados em 12 meses.

O SR. PEDRO SIMON - V. Exª, que é um craque em matemática, considerando os R$6 bilhões do Nacional, dá um percentual de quanto para a agricultura brasileira? Para o Banco Nacional foram R$6 bilhões, e V. Exª está dizendo que para a agricultura brasileira o orçamento é de R$258 milhões, para serem divididos por 27 Estados em 12 meses. Meu querido Presidente Fernando Henrique Cardoso, responda o que está errado nisso: R$6 bilhões de reais para o Nacional enquanto o orçamento do Ministério da Agricultura é de R$258 milhões. Continua V. Exª com a palavra.

O Sr. Ney Suassuna - Então, Senador, estamos em uma situação difícil. O Ministério não tem praticamente capital para fazer, por exemplo, uma política sanitária, não tem como fazer maiores investimentos. Graças a Deus, de quando em vez, há um crédito especial, fora do Ministério, como foi o do cacau, como foi o do algodão. Mas, lamentavelmente, acontece o que V. Exª acabou de dizer. Com relação ao algodão do Nordeste, fomos instados a aumentar a área podada. Aumentamos, e o que aconteceu? Permitiram a importação e o preço caiu pela metade, porque veio subsidiado. Então, este ano ninguém quer plantar algodão, e por quê? Porque sabem que é prejuízo certo. Algo semelhante aconteceu com o trigo e acontecerá com outros grãos brasileiros, muito embora, como bem disse V. Exª, tenhamos 20% da área agricultável do mundo. Solidarizo-me com esse tema, porque é realmente importante para o País. Pobre do país sem agricultura, pois não poderá ter mais nada. Não adianta ter carro, avião ou outro tipo de indústria, se não há o que comer. Com comida temos paz e gerações futuras bem alimentadas, ou seja, em plenas condições de desenvolvimento; no entanto, com subnutrição não teremos sequer inteligência no nosso povo.

O SR. PEDRO SIMON - Muito obrigado a V. Exª.

O Sr. Lúdio Coelho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Lúdio Coelho - Senador Pedro Simon, seu pronunciamento é muito importante, e desejo colaborar com V. Exª. Neste momento, para entrar nos Estados Unidos, o suco de laranja paga uma taxa de US$450,00 a tonelada. Observo também que, quando o Governo brasileiro pareceu parar de produzir trigo - e eu era produtor de trigo naquela ocasião, no tempo da Ministra Zélia -, importaram trigo e, conseqüentemente, não tivemos para quem vender o trigo brasileiro. Logo em seguida, outro Ministro importou algodão na colheita do algodão. Conseguiram, então, liquidar o trigo e o algodão, e V. Exª bem sabe da importância do algodão na geração de empregos para as populações menos qualificadas da Nação brasileira. Felicito-o porque um discurso partido de V. Exª parece que tem melhor repercussão no cenário nacional.

O SR. PEDRO SIMON - Não, V. Exª está equivocado. A diferença entre mim e V. Exª é que V. Exª tem dez vezes mais brilho e mais competência do que eu. V. Exª tem um milhão a mais de terra do que eu, que não tenho nem um metro.

O meu pronunciamento tem o sentido da imparcialidade, embora V. Exª também seja imparcial, respeito a sua competência, mas há sempre aquela história: "Como tem terra..." Como não tenho terra, digo que V. Exª está absolutamente correto. O caso do algodão é a mesma questão.

Volto a dizer: o mundo está partindo para a globalização. Mas será que vamos partir para a globalização, imaginando que não há mais fronteira, que está tudo aberto? Quem quiser comprar a nossa Vale do Rio Doce que compre; quem quiser comprar a Petrobrás que compre. Está tudo aberto, não tem fronteira. O pessoal que traga o leite para cá...

Muito bem, mas qual a política do Governo? O que o Brasil pensa da globalização? Quais serão os esquemas de defesa e de ação do Brasil na globalização? Será que nós vamos entrar no vazio, sem saber, no mínimo, quais são os nossos esquemas de atuação na globalização?

É o que está acontecendo. Bato palmas ao Governo, até porque eu era Líder do Governo Itamar Franco, do qual o Senhor Fernando Henrique foi Ministro da Fazenda, seguido do Sr. Rubens Ricúpero e depois do ex-Governador do Ceará, Ciro Gomes. Nasceu o Plano Real e está aí. Não há dúvida alguma de que temos que bater palmas para o Plano Real. Só podemos estar aqui discutindo, analisando com certa serenidade devido ao Plano Real. Isso porque, em um país com uma inflação de 80% ao mês, não se pode discutir o passo seguinte, uma política econômica ou uma política social, não se pode pensar em nada.

O primeiro passo foi dado, e bem dado: hoje, a inflação é 1% ao mês, o Brasil é um país civilizado; mas faltam os outros pontos. Que preço o Brasil está pagando para ter essa inflação baixa? E quanto às importações? O Brasil abriu suas portas às importações - na minha opinião, exageradamente. O Brasil não vive o regime do capitalismo. Que bom se o Brasil tivesse um regime capitalista como o dos Estados Unidos, onde uma calça Lee é vendida a US$9. Aqui é vendida a US$ 30 e, fruto da importação, o preço baixou e agora a calça está sendo vendida a US$14. No capitalismo não pode acontecer o que acontece aqui: oligopólios que se formam, como os grupos fechados de cimento, que impõem o preço. No regime da livre iniciativa, isso é crime! Então, o Governo tem que importar para fazer esses grupos balançarem.

O Governo tem que ter competência. Penso que a importação foi a grande responsável pela baixa dos preços. Tem que se bater no empresariado nacional para que eles aprendam a competir e a trabalhar. Mas tem que ser com jeito.

Um exemplo: a indústria de brinquedos. V. Exªs são pessoas mais velhas, mas eu, que tenho um filho de dois anos de idade, volta e meia estou levando o Pedrinho para comprar brinquedo e fico boquiaberto com o preço insignificante de brinquedos espetaculares, todos vindo de Hong Kong, da China, de tudo que é lugar do mundo. A Estrela ia fechar, assim como todas as fábricas de brinquedos brasileiras. Mas, então, o Ministro Dornelles tomou uma decisão, que, a mim, pareceu séria: de que os brinquedos passarão a entrar no País a uma taxa de 80%, e não mais 20%. Os consumidores vão ter que pagar muito mais caro, mas as fábricas de brinquedos brasileiras terão que garantir o aumento da produção, tantos por cento ao mês, até dezembro e, até lá, baixar o preço no mesmo percentual. Caso isso não aconteça até o dia 6 de dezembro, as importações serão liberadas. Parabéns ao Ministro Dornelles!

Não sei se V. Exªs concordam comigo, mas entendo isso como competência. Claro que vou ficar chateado porque não vou comprar o brinquedo mais barato. Mas toda essa situação iria provocar a implosão da indústria nacional, milhares de brasileiros iam deixar de ter emprego e, quando não tivéssemos mais indústria nacional, até o preço do brinquedo importado iria subir. O preço estava baixo pela situação de dumping, em que o produto importado tinha que concorrer com o nacional; mas, no momento em que desaparecesse a produção nacional, o preço subiria.

Nesse ponto, tiro o chapéu para o Governo, que foi competente. Mas, quanto ao restante, o Governo, na verdade, não está tendo uma política de controle das importações em relação à produção brasileira.

O Sr. Roberto Requião - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON - Concedo a aparte a V. Exª, nobre Senador Roberto Requião.

O Sr. Roberto Requião - Senador Pedro Simon, acrescento alguns dados ao seu pronunciamento: o Brasil, em 1988, produziu 6,3 milhões de toneladas de trigo. Quando se fala em trigo, fala-se no Paraná.

O SR. PEDRO SIMON - E no Rio Grande do Sul.

O Sr. Roberto Requião - Nós e os gaúchos produzimos cerca de 90% do trigo brasileiro.

O SR. PEDRO SIMON - Quando se fala em trigo, fala-se nos gaúchos do Rio Grande do Sul e nos gaúchos que foram morar no Paraná.

O Sr. Roberto Requião - Como queira, Senador. Mas, hoje, o Paraná produz cerca de 60% a 70% e o Rio Grande do Sul produz a diferença, o que faz com que o Sul produza 90% do trigo brasileiro. De 6,3 milhões de toneladas, caímos para a colheita deste ano, que não passará de 1,2 milhão de toneladas. Estamos importando trigo a mais de US$300,00 a tonelada porque o Governo não quis admitir um preço mínimo acima de US$100,00; não estabeleceu preço mínimo algum.

O SR. PEDRO SIMON - Não, o Governo, deliberadamente, não quis que se plantasse trigo.

O Sr. Roberto Requião - Produzíamos - o Paraná e São Paulo - cerca de 800 mil toneladas de algodão por ano. Este ano vamos colher 150 mil toneladas. Parecia, Senador, que depois do início do século, com a política do Léon Blum, na França, a política de recuperação alemã e o New Deal, nos Estados Unidos, essa história de globalização e de Estado mínimo tinha deixado de existir no planeta Terra. Todas as recuperações partiram de uma participação pesada do Estado: o planejamento indicativo, na França, do Léon Blum, a política de recuperação econômica da Alemanha nazista e o New Deal, do Franklin Delano Roosevelt, que se suportava na preocupação com o prejuízo dos agricultores e que, através de uma política que se baseava em duas frases famosíssimas, viabilizou a recuperação da economia americana. Uma dessas frases: "Em cada panela, uma galinha, em cada propriedade, um poste de energia elétrica".

O SR. PEDRO SIMON - Em vez de galinha, pode ser frango.

O Sr. Roberto Requião - E a segunda frase: "Se as cidades queimarem, os campos se levantarão e reconstruirão as cidades. Se os campos queimarem, as cidades morrerão de fome". Não era uma visão nostálgica da vida do campo. Roosevelt não era um inimigo da tecnologia, mas ele sabia das respostas rápidas que a agricultura dá a estímulos governamentais. E o campo, capitalizado, viabilizava o crescimento das cidades, porque os agricultores passavam a consumir mais, melhoravam o seu padrão de consumo - sapatos, roupas, um triturador de grãos, uma ordenhadora mecânica movida a eletricidade. Tudo isso era produzido nas cidades e viabilizava a volta do círculo virtuoso do desenvolvimento econômico. Hoje, aqui estamos falando em globalização, em recordes de safra agrícola de 80 milhões de toneladas. A China planta uma área uma vez e meia maior do que a brasileira e, quando a safra da China naufraga, soçobra, fracassa, a China colhe 540 milhões de toneladas. No atual nível de produtividade, com a mesma área chinesa, nós estaríamos produzindo 120 milhões de toneladas, quase nada perto dos 540 milhões chineses. Vivemos num País de vocação agroindustrial, mas estamos, no momento, vivendo a fantasia da globalização. O Presidente espera que os grandes capitais venham aqui fazer o que ele realmente não faz. E fala no Custo Brasil, na reforma administrativa, reforma da Previdência, até o momento em que um organismo internacional vem nos dizer, com clareza, que o Custo Brasil, hoje, se suporta fundamentalmente na política cambial, na moeda valorizada e nos juros altos. Obrigado, Senador.

O SR. PEDRO SIMON - Aliás, isso que V. Exª está dizendo é interessante: de repente, vem o Banco Mundial dizer que essa história dos nossos queridos empresários com relação ao Custo Brasil, à folha de pagamento, não é bem assim; quando se diz que para um salário mínimo pago gastam-se R$105,00 em encargos, isso não é verdade. É uma coisa realmente estranha.

V. Exª cita uma questão muito importante, nobre Senador: os bancos refinanciam R$6,4 bilhões. Lembram-se daquela briga da Bancada agrícola, aquela guerra do refinanciamento, que durou mais de um ano e sobre a qual se disse que a Bancada agrícola precisou fazer chantagem para determinar a votação, para que se fizesse a renegociação da dívida da agricultura? Pois aquilo custou R$6,4 bilhões. Durou um ano e meio, houve agricultor que explodiu, que não existe mais, para que, agora, se fizesse a renegociação. A quantia do Banco Nacional.

O Senhor Fernando Henrique Cardoso, que é um sociólogo e cuja esposa também é voltada para a área social, deveria entender o que me parece o óbvio: que Sua Excelência não vai revolucionar o País fazendo do funcionário público o algoz do Brasil; mas que pode revolucioná-lo, no momento em que estamos vivendo, fazendo explodir a agricultura.

O projeto de combate à fome nasceu quando o Lula, Presidente do PT, procurou-me - eu, Líder do Governo à época - para que levasse a idéia ao Ministro, mas achei o projeto tão importante que o levei ao Presidente da República. Aí nasceu o programa de combate à fome que o Presidente da República houve por bem entregar ao Betinho e ao Bispo de Duque de Caxias, para deixar com a iniciativa privada. O projeto foi bem. Quando vi o Presidente Fernando Henrique com esse projeto de Comunidade Solidária, achei que o caminho do social fosse o mais importante. E o caminho do social, que é o de dar comida para 30 milhões, parece-me fundamental.

Sr. Presidente, não existe nenhum setor do mundo com resposta mais imediata do que o dinheiro aplicado na agricultura. Se se quer aplicar numa indústria, até montar a infra-estrutura, até garantir a energia, até garantir o transporte, até montar a fábrica, até garantir a mão-de-obra, leva-se de seis a sete anos e não sei que quantidade de dólares para torná-la rentável. Na agricultura, não. É questão de botar o dedo. É plantar o dinheiro e colhê-lo meses depois.

O Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso não entendeu dessa forma. Neste País há 34 milhões de pessoas que passam fome. E o que é mais dramático, Sr. Presidente, é que se hoje todas resolvessem comer e beber o que têm direito, não seria possível, faltaria, porque nós não estamos preparados para isso. O Governo Fernando Henrique Cardoso considerou prioridade absoluta não deixar os bancos irem mal. Mas, pelo amor de Deus, o que vai acontecer se os bancos forem mal? E jogou todo o peso do seu trabalho, assinando, inclusive, medidas provisórias dramáticas, como a de criar o Proer. Com isso, arriscou até o seu prestígio - que é grande - entrando num Banco em que, por laços familiares, S. Exª tinha ligação. Mas se o Presidente, que tem essa competência, essa garra, essa coragem para resolver o problema financeiro, tivesse aplicasse esse dinheiro na agricultura deste País, sinceramente, o seu Governo seria diferente. O Brasil estaria diferente.

Sr. Presidente, acho que é tempo. Tenho uma mágoa desde o Governo Itamar Franco, quando insisti para que o Ministro da Agricultura fosse aquele que está ali sentado, o Senador Osmar Dias. Era, então, Secretário da Agricultura do Paraná, um dos mais competentes que conheci. Ele teria condições de fazer na agricultura a revolução que fez nos governos do Sr. Roberto Requião e do Sr. Álvaro Dias no Paraná.

Querendo se pode, Sr. Presidente. Pelo amor de Deus, podemos discutir entre nós as divergências, que são milhares, mas primeiro temos que produzir alimentos. Num País como o Brasil, temos que produzir alimentos para os nossos brasileiros todos.

O Presidente Fernando Henrique é um sociólogo! Ora, Sr. Presidente, se fosse um banqueiro ou um empresário... Mas Sua Excelência é um sociólogo, é profundamente conhecedor da matéria. E, de certa forma, justiça seja feita, a biografia do Senhor Fernando Henrique Cardoso é a de um homem ligado à cultura, à ciência, ao debate, à discussão das grandes teses. A única atividade, a única preocupação, o único capital com que ele se preocupa fora esse é um pedaço de terra onde planta. E ele diz que plantou soja e se deu mal. Portanto, sentiu na própria carne, na terrinha dele e na do Ministro das Comunicações, onde plantou soja e se deu mal, não deu para pagar. Felizmente, possuía outras fontes de renda e pagou.

Ora, Sr. Presidente, juro que não entendo. Agradeço a V. Exª e vou encerrar. Votei com amor em Fernando Henrique Cardoso. Conheço-o de longa data. Era jovem. Na época da ditadura, na hora do arbítrio, era um jovem brilhante, um intelectual, estava lá no exterior, num auto-exílio, mas vinha aqui e empolgava a todos. É um homem de uma biografia extraordinária, Sr. Presidente. Um pouco de esquerda demais, à época, para o meu gosto; mas o mundo tinha mais ou menos esse perfil, até a Igreja estava naquela direção, e eu pensava que ele se identificava com o caminho da Humanidade. Mas, agora, Sr. Presidente, vejo muita identidade entre o Governo do Sr. Fernando Henrique e algumas teses que não consigo entender. É claro que se está dizendo que o mundo mudou: caiu o Muro de Berlim; terminou o comunismo; o socialismo é bobagem; é uma aldeia global. Mas existem teses sociais que me parecem que são sociais. Parece-me que o homem tem direito a um trabalho e dele receber como fruto o necessário para viver com dignidade.

Vejo que o Presidente Fernando Henrique está abordando o seu governo pelo lado do PFL - que respeito. Outro dia, o Sr. Paulo Maluf veio ao Palácio do Planalto e de lá saiu garantindo os votos para uma votação e elogiando o Senhor Fernando Henrique. No entanto, a imprensa lhe cobrou, e S. Exª respondeu que não havia mudado nada, que as teses que defendia no passado eram as mesmas de hoje. Acrescentou ainda que quem havia mudado era o Senhor Fernando Henrique.

Aliás, foi o que disse aqui o Senador Esperidião Amin, o ilustre Presidente do PPB, quando foram lhe cobrar por estar defendendo as teses do Governo. O nobre Senador disse a mesma coisa, que tanto ele como o seu Partido, o PDS, não mudaram, que continuavam na mesma linha. É o que diz também o PFL. Inclusive, quando cobraram do Sr. Antonio Carlos Magalhães, outro dia, na Bahia, S. Exª disse exatamente a mesma coisa.

Isso me deixa na interrogação. Será que o Presidente está seguindo o objetivo? Ninguém tem dúvida de que o objetivo do Presidente é o melhor, é digno, é correto. Sua Excelência quer um Brasil grande, forte, desenvolvido. Agora, quem está pagando esse preço? Será que o Presidente está distribuindo de maneira justa esse preço a ser pago? Será que o operário que vive de salário e o dono do banco estão pagando o mesmo preço? Será que o Presidente não está sendo um pouco insensível e, de repente, virando um tecnocrata, para quem número é número e é necessário para se chegar lá? Não sei, Sr. Presidente.

Se tivesse, hoje, o diálogo que eu tinha no passado com o Fernando Henrique Cardoso... Mas não tenho. A meu ver, Sua Excelência deveria parar para pensar. Que bom se falasse mais com o Covas, com o Scalco, com o Pimenta! Que bom se conversasse mais com as pessoas do seu Partido! Que bom se falasse com o nobre Senador do Amazonas, do PSDB, que aqui está! Que bom se ouvisse mais pessoas que pensavam e pensam como ele, que gostam dele e que, na minha opinião, são os seus verdadeiros amigos!

De repente, olhamos para o Presidente Fernando Henrique e constatamos: é o governo do PFL. Eu gostaria que me dissessem qual seria a diferença se o Presidente da República não fosse o Senhor Fernando Henrique Cardoso, mas fosse o Presidente da Câmara dos Deputados. Qual é a diferença? Gostaria que me dissessem qual é a diferença entre o Governo Fernando Henrique Cardoso e o Governo do Sr. Marco Maciel. Eu teria uma diferença: eu teria a maior tranqüilidade de entrar lá no gabinete do Sr. Marco Maciel, porque para mim ele continua o mesmo. Não vi mudança nenhuma no Sr. Marco Maciel, que é um homem de bem, que eu respeito, e é um grande cidadão.

Aliás, falando em Marco Maciel, acho que o Senhor Presidente Fernando Henrique está sendo muito deselegante. Quanto ao namoro dele com o Presidente da Câmara, tudo bem! Acho que esse rapaz é competente, é um dos grandes valores que temos, não há dúvida nenhuma. Até entendo que o Senhor Fernando Henrique, que só pensa naquilo, que é a reeleição, esteja pensando nesse jovem para seu futuro vice - como está no jornal. Mas não precisava usar de deselegância numa hora em que o Marco Maciel está sendo operado, está lá no hospital, e dizer que o próximo candidato a vice dele vai ser o atual Presidente da Câmara, e que o Marco Maciel poderá ser ou Senador, ou embaixador de algum país. Isso é de uma deselegância...

Levo o meu abraço ao Marco Maciel. Quem o conhece sabe que isso não faz o seu gênero. Marco Maciel é Vice-Presidente porque o Senador Guilherme Palmeiras, num gesto de grandeza, quando percebeu que se levantavam interrogações sobre a sua dignidade - da qual ninguém pode duvidar, porque é um homem de bem, é um homem sério, um homem digno -, quando viu a confusão que cercava o Lula e o vice dele, imaginou que poderiam tentar fazer aquilo com ele e retirou sua candidatura à Vice-Presidência. Então procuraram o Marco Maciel e o forçaram a ser candidato. Marco Maciel já não quis ser o vice de Tancredo. Tancredo queria, mas ele não aceitou. Agora, a esta altura, de repente, está nos jornais, já estão rifando meu amigo Marco Maciel: vai ser embaixador, ou vai ser Senador, porque na reeleição ele vai cair fora.

O Sr. Guilherme Palmeira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Tem V. Exª a palavra.

O Sr. Guilherme Palmeira - Senador Pedro Simon, gostaria de agradecer, desde já, as referências bondosas para comigo. Concordo com várias posições de V. Exª, penso que a Casa toda também. Todavia, penso que, se o Presidente Fernando Henrique se esqueceu de conversar, de dialogar com vários companheiros - como V. Exª, que realmente já participou de governo, tem grande experiência, foi governador -, precisamos alertá-lo, avisá-lo de que precisa ouvir opiniões como a de V. Exª, que retratam muito do que existe nesta Casa. Só discordo de V. Exª em uma coisa: quando quer ou deseja imputar ao PFL os erros que por acaso tenha cometido ou vem cometendo o Presidente Fernando Henrique. É aquela coisa: temos e defendemos uma posição muito clara. Veja bem, não mudamos de posição, nossa posição é liberal-social; defendemos isso. Não queremos avançar no Governo, talvez o Governo possa avançar em nós.

O SR. PEDRO SIMON - É capaz; fique de olho.

O Sr. Guilherme Palmeira - Isso é um susto, mas não queremos isso; queremos que o Presidente venha a ter êxito na sua administração, no seu programa, que considero ser um programa que faz todos convergirem - desde a oposição maior, que seria do PT - para o mesmo objetivo: um Brasil melhor, um povo mais participativo. Na verdade, nobre Senador, esse é nosso objetivo. Não fazemos o Governo, apenas participamos dele, como o Partido de V. Exª, como o Partido do nobre Presidente. Então, se há erros e virtudes, vamos dividi-los.

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Senador Pedro Simon, a Mesa solicita a compreensão de V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON - Sr. Presidente, atenderei à solicitação da Mesa.

Em primeiro lugar, registro o carinho e o afeto que tenho pelo Senador Guilherme Palmeira. Em segundo lugar, se dei a entender que tudo ocorreu por culpa do PFL, pelo amor de Deus, retiro o que disse. Nunca pensei isso. Digo publicamente - e V. Exª acabou de bem repetir - que estamos onde sempre estivemos. O PFL está onde sempre esteve. É verdade. Quanto a isso não há dúvida alguma. O Presidente tem a obrigação de ouvir o PFL pela competência, pela tradição e pelo conhecimento; mas deveria ouvir também outros segmentos, e isso Sua Excelência não está fazendo. Com todo o respeito ao PSDB e ao meu Partido, o Presidente não está ouvindo. Mas não precisa ouvir nossos Partidos; precisa, sim, ouvir a gente dele, os sociólogos, os homens que viveram, conviveram, cresceram e ainda vivem com o Presidente.

Agradeço, Sr. Presidente, dizendo que o meu pronunciamento tem um objetivo. Hoje pela manhã, ao felicitar o nobre Senador Jefferson Péres por S. Exª ter solicitado a criação de uma CPI, eu dizia: "V. Exª é o grande amigo do Governo, está querendo ajudar".

Criaram uma CPI na Assembléia Legislativa, envolvendo fatos que teriam acontecido quando eu era Governador; e quando fui Governador nunca se tocou naquele fato. Vieram me procurar e eu exigi que se fizesse, que se criasse a CPI, porque era um favor que estavam me fazendo.

Penso que o Senador Jefferson Péres é um amigo do Governo quando pede a apuração. Eu me considero amigo do Governo quando falo essas coisas.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso poderia começar amanhã uma revolução no Brasil: "No meu Governo, vou partir para um plano de agricultura, onde a resposta será dada na próxima safra".

Sr. Presidente, com uma pequena medida de 30% do Proer poderíamos resolver o problema da agricultura brasileira.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/07/1996 - Página 13227