Discurso no Senado Federal

PARABENIZANDO O SENADO PELA APROVAÇÃO NESTA TARDE, DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 41, DE 1991, HA 5 ANOS TRAMITANDO NA CASA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • PARABENIZANDO O SENADO PELA APROVAÇÃO NESTA TARDE, DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 41, DE 1991, HA 5 ANOS TRAMITANDO NA CASA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Lúcio Alcântara, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/1996 - Página 13551
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, SENADO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, TRABALHO, EMPREGADO DOMESTICO, EXTENSÃO, CATEGORIA, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, EXPECTATIVA, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o trabalho doméstico é uma instituição antiga, tanto que são inúmeras as referências bíblicas em relação a essa atividade. Desde que o mundo é mundo, encontramos a figura do patrão e do empregado doméstico. Na Bíblia Sagrada encontramos, no Livro de Ester, referência a Edissa, chamada de Ester, filha do irmão de Mardoqueu, da linhagem de Jemini, deportado de Jerusalém na época de Nabucodonosor, rei da Babilônia. Ester, órfã de pai e mãe, segundo as escrituras, foi levada para a casa do rei para que cuidasse do "adorno e bom tratamento da casa do rei e das demais criadas". Assim, Ester conseguiu as graças do rei, tomou o lugar da rainha Vasti, transformando-se, por ordem do rei, em rainha.

Igualmente, na antigüidade clássica, os episódios dos quais temos notícias revelam a presença de trabalhadores livres, ocupados com a prestação de serviços de natureza doméstica.

Os trabalhadores domésticos são uma categoria constituída por expressivo número - cerca de 3 milhões de pessoas, segundo os sindicatos, e mais de 500 mil cadastrados, segundo dados da Previdência Social - representando a segunda atividade profissional exercida por mulheres no Brasil, superadas apenas pelas trabalhadoras rurais. Mesmo representando tamanha força de trabalho, o reconhecimento da profissão, pela Constituição, somente foi alcançado com muita luta para vencer o preconceito que até hoje impera em nossa sociedade, quando se fala dos direitos dessa categoria. A regulamentação, por intermédio da lei ordinária, vem se arrastando há vários anos no Congresso Nacional. Somente no Senado Federal, projeto de minha autoria, apresentado quando ainda era Deputada Federal, tramita há cerca de 5 anos.

Enquanto a regulamentação não vem, esse importante segmento profissional continua sendo regido, em suas relações de trabalho, por uma legislação obsoleta e discriminatória, que relega o trabalhador doméstico à situação de inferioridade em relação aos outros trabalhadores brasileiros. Antes da Constituição de 1988, o trabalho doméstico era regulado pela Lei nº 5.859, de 11/12/72 e poucos direitos lhes eram garantidos, como assinatura da carteira de trabalho, férias de 20 dias e alguns benefícios da Previdência Social.

As empregadas domésticas continuam discriminadas pelas leis trabalhistas brasileiras. Colocadas à parte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regulamenta as relações de trabalho no País, não possuem, até hoje, por exemplo, os direitos básicos como o limite de jornada de 8 horas de trabalho. Somente a partir de 1988, com a promulgação da Constituição atual, passaram a desfrutar da licença maternidade, aviso-prévio e irredutibilidade de salários. Assim, o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal determina que são assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os seguintes direitos:

      "IV - salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

      VI - irredutibilidade de salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

      VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

      XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

      XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

      XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias;

      XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

      XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 dias, nos termos da lei;

      XXIV - aposentadoria."

A Constituição Federal aproxima-se do seu oitavo aniversário, sem que até agora sequer tenham sido regulamentados os dispositivos mais importantes para as domésticas.

O Senado Federal volta a discutir, no dia de hoje, o Projeto de Lei da Câmara nº 41/91, que "disciplina o regime de trabalho da categoria dos trabalhadores domésticos e dá outras providências", votação em turno suplementar, para analisar as emendas por mim apresentadas ao Substitutivo (Parecer 245/95), que receberam pareceres favoráveis da Comissão de Assuntos Sociais, cujo relator foi o Senador Jonas Pinheiro, e na Comissão de Assuntos Econômicos, onde foi relator o Senador Ney Suassuna. 

O objetivo da proposição é equiparar as trabalhadoras domésticas aos demais trabalhadores, regulamentando o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, estendendo-lhes os benefícios da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) relacionados à rescisão de contrato de trabalho, sem nenhuma distinção que gere preconceitos e seguindo o princípio da isonomia de direitos, que prevê a igualdade para todos perante a lei, assegurada como princípio constitucional (art. 5º da Constituição Federal).

O projeto também propõe direitos novos, direitos sociais aos quais a grande maioria dos trabalhadores já têm acesso, como o FGTS, o seguro desemprego e o vale transporte. Assegura ao empregador descontar moradia e alimentação, quando efetivamente fornecidas, nos percentuais de 6% e 3% do salário pago. Obriga, ainda, o empregado a fornecer referências sobre sua vida profissional, quando for admitido no emprego, e dar aviso prévio de 30 dias.

Suprimiu do Substitutivo aprovado em 1995 a exigência do atestado de boa conduta para admissão do empregado doméstico e o item que permitia ao empregador descontar do salários horas não trabalhadas. Suprimiu, também, a proibição de o empregado receber familiares no local de trabalho.

Não restam dúvidas sobre a necessidade de regulamentar o trabalho profissional doméstico, criando regras que os protejam e lhes assegurem as conquistas inerentes a todos os trabalhadores. O Brasil não pode mais continuar ignorando os direitos dessa categoria profissional secularmente desrespeitada em questões trabalhistas mínimas, porque fere os direitos de cidadania e contradiz todo o princípio de igualdade, fraternidade e justiça social que constam da nossa Constituição.

A necessidade de aprovação desse projeto de lei se justifica pela facilidade que vai propiciar no julgamento das ações trabalhistas em curso e as que vierem a tramitar na Justiça do Trabalho do País, hoje profundamente tumultuada pela ausência de uma legislação moderna e de acordo com os dispositivos constitucionais.

A lei que atualmente regula essas relações de trabalho necessita, com urgência, ser substituída por uma nova legislação, adequada aos novos tempos e, sobretudo, às conquistas e avanços do texto constitucional. Não podemos mais admitir que direitos sagrados como salário mínimo integral, sem descontos abusivos, férias de 30 dias com abono de um terço, entre outros, sejam desrespeitados nos dissídios individuais ou coletivos por falta de uma legislação moderna, abrangente e esclarecedora dos direitos e obrigações desses trabalhadores, deixando lacunas para interpretações que os prejudiquem.

Por essa razão, apelo aos nobres Senadores para sensibilizarem-se às reivindicações dos trabalhadores domésticos no que diz respeito à aprovação das emendas apresentadas ao PLC 41/91, corrigindo-se injustiças praticadas ao longo do tempo em relação a tão valorosa categoria de trabalhadores.

Permito-me reproduzir aqui um resumo do artigo publicado no jornal paulistano Folha de S.Paulo de 04/09/93, assinado pelo então articulista do jornal, empresário Ricardo Semler, cujo título é: "Escravas domésticas", porque traduz perfeitamente a situação da empregada doméstica e a maioria das relações patrão-empregado doméstico hoje no Brasil:

      "Poucas situações são mais vexantes e inaceitáveis, porém perfeitamente deglutidas na sociedade, do que o nosso exército de empregados domésticos. As elites, e no Brasil essa definição começa pela baixa classe média, são subdesenvolvidas enquanto empregadoras. As mesmas pessoas que clamam por um sistema de impostos justo, que elegem e depois derrubam um Collor, que bradam pela moralidade e sonham com Miami, são as casas pequenas e senzalas dos anos 90. A condição de uma empregada doméstica no Brasil é vergonhosa. A assinatura de carteira de trabalho é difícil, e raras vezes pelo salário correto, a rotina de trabalho é estafante e indigna, e o roteiro de folgas, estúpido. As exigências das "patroas" são totalmente desproporcionais ao salário, as condições de moradia estão no limiar da indecência, e a humilhação, um risco constante. É uma massa de trabalho semi-escravizada e logo por quem - os que clamam ruidosamente por um Brasil grande e melhor.

      (...) Essa hipocrisia precisa acabar antes que possamos falar de Primeiro Mundo. Ninguém pode ter horário de trabalho das seis da manhã à meia-noite, com folega quinzenal, em troca de um ridículo salário mínimo, e mais casa e comida. É um estágio sutilmente acima da escravidão. Claro, as patroas dirão que estão salvando as coitadas, que estariam na rua se prostituindo ou morrendo de fome, não fosse por elas. Isso não exime da pecha de malandros os que se aproveitam dessa condição para exigir mais do que oito horas e seis dias por semana dessa gente, que se comprime em cozinhas abafadas e dependências minúsculas em troca da sobrevivência. Todos nós desdenhamos os coronéis matreiros e antigos. O engraçado é que aceitamos esse mesmo procedimento nas nossas casas, transpondo a angústia rural para um cenário de novela urbana."

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/1996 - Página 13551