Discurso no Senado Federal

CRISE DA EDUCAÇÃO PUBLICA. DEFESA DA QUALIDADE E DA GRATUIDADE DO ENSINO PUBLICO BRASILEIRO. CONSTANTE EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS QUE VISAM TABELAR O ENSINO PRIVADO.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • CRISE DA EDUCAÇÃO PUBLICA. DEFESA DA QUALIDADE E DA GRATUIDADE DO ENSINO PUBLICO BRASILEIRO. CONSTANTE EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS QUE VISAM TABELAR O ENSINO PRIVADO.
Aparteantes
Jefferson Peres, Roberto Requião, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/1996 - Página 13522
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • DECADENCIA, ENSINO PUBLICO, NECESSIDADE, ESFORÇO, GOVERNO, RETOMADA, QUALIDADE, ESCOLA PUBLICA.
  • CRITICA, GOVERNO, TABELAMENTO, PREÇO, ESCOLA PARTICULAR, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REFERENCIA, ENSINO PARTICULAR, PROTESTO, LEGISLAÇÃO, APOIO, INADIMPLENCIA, ALUNO, EFEITO, FALENCIA, ENSINO, INICIATIVA PRIVADA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dos meus cinqüenta e cinco anos de existência, mais de quarenta foram dedicados à área da educação.

O meu pai, professor secundário, mantinha em casa, em uma sala, um preparatório para o exame de admissão ao ginásio, e, por muitos anos, nós o auxiliamos. Fiz isso até terminar o colegial, quando passei a ser professor no Colégio Estadual de Campina Grande, na Escola Normal de Campina Grande e, ao terminar a faculdade, fiz concurso para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde sou professor até hoje, embora licenciado para exercer este mandato.

Sr. Presidente, montei uma cadeia de escolas em vários Estados da Federação e também no exterior. Embora eu seja da área privada do ensino, nunca estudei em escola da área privada, sempre estudei em escola pública, e creio que é obrigação do Estado dar aos filhos do povo ensino de qualidade, ensino gratuito. A escola pública precisa voltar a ser boa, para que os alunos tenham orgulho dela, como eu tinha orgulho de ser aluno do Colégio Estadual da Prata, em Campina Grande.

Hoje, o ensino público não vai bem. São raras as escolas públicas que são exceções. Faltam vagas, falta estímulo ao professor, faltam instalações na maioria das vezes, enfim a escola pública não vai bem. É preciso que haja um esforço dos Governos municipal, estadual e Federal para que ela volte a ser o que era.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Pois não, Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Senador Ney Suassuna, ao reiniciar-se o trabalho legislativo, sinto que V. Exª traz ao plenário um assunto prioritário para a Nação brasileira, que procura encontrar o seu caminho, que vem da educação, da educação pública. Quando eu era jovem, criança ainda, e meu pai era imigrante, para se conseguir uma vaga na escola pública era necessária uma apresentação política, ou muito sacrifício. Do contrário, nossos pais tinham que submeter-se ao pagamento de mensalidades em escolas privadas. E a escola pública era a que realmente formava bem e dava qualidade aos alunos, no primário, no ginásio e no antigo colegial ou pré-universitário. Depois, casei-me com uma professora que, por concurso, tornou-se diretora escolar. Ao longo do tempo, ela sentiu que houve um processo de inversão na qualidade do ensino, perdendo o ensino público, até porque os professores passaram a ganhar uma miséria como salário; não tinham mais tempo para preparar as suas aulas, para ter amizade com os pais dos alunos e para buscar realmente a qualidade, para que os alunos saíssem de lá em condições de enfrentar as universidades e os seus vestibulares. Infelizmente, isso foi, a cada dia, se agravando. Não há uma projeção dessa situação, a não ser os novos estudos do Ministério da Educação, que pretende trazer à escola pública uma melhor qualidade, pagando um salário melhor e estimulando uma maior seleção dos professores, que terão melhor oportunidade com um salário melhor. Quero cumprimentar V. Exª pelo seu pronunciamento.

O Sr. Ney Suassuna - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma. Realmente, tínhamos orgulho do ensino público, e ele hoje está passando por uma crise muito séria. É obrigação nossa, é obrigação dos homens públicos, é obrigação do Governo Federal, é obrigação dos governos estaduais, é obrigação dos governos municipais, enfim, lutar pelo soerguimento da escola pública.

A situação da escola pública sofreu uma inversão: ela detinha 70% do ensino, hoje detém 30%. Setenta por cento do ensino está hoje com a iniciativa privada. Não tendo evitado essa massificação e essa deformação da escola pública, agora os vários níveis de Governo tentam levar a crise à iniciativa privada.

A iniciativa privada, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na área do ensino, só deve existir como complementar. Serve àquele pai que quer dar um ensino diferenciado, porque religioso, por exemplo, ao filho; serve àquele pai que quer dar uma orientação forte em línguas ao seu filho. Aquele que possa pagar deve ter a escola privada como opção.

Mas a escola particular passou a ser a única solução para a família de classe média oferecer um ensino bom para os seus filhos.

E o que fez o Governo e o que tem feito a sociedade brasileira? Em vez de soerguer a escola pública passaram a tentar tabelar os preços da escola da iniciativa privada. Enquanto o tabelamento era razoável, enquanto a ingerência era razoável - não se trata da fiscalização da qualidade, não é isso que se faz, o que se faz é olhar apenas a parte financeira -, dava para levar. Mas, de um tempo desses para cá, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós recebemos aqui 26 medidas provisórias na área de tabelamento do preço no ensino privado.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Ney Suassuna, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Por favor.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Ney Suassuna, V. Exª aborda o ponto. O tabelamento das escolas privadas, no Brasil, constitui a confissão da falência do ensino público. Na verdade, em um País civilizado realmente - se o Brasil fosse ou tivesse governos civilizados há décadas -, nós teríamos um ensino universal, público e de boa qualidade para todos, e, evidentemente, as escolas particulares poderiam cobrar R$10 mil por mês, que o Governo não teria nada, absolutamente nada a ver com isso. Mas como não faz o seu dever de casa, que é dar um ensino público bom para todos, o Governo investe contra as escolas particulares e cria essa situação, que só existe mesmo num País como este.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado.

O que estou aqui dizendo é exatamente isso, Sr. Presidente. Quero a escola pública, universal, gratuita e de qualidade. Estou dizendo que é obrigação da sociedade brasileira, dos homens públicos de todos os níveis da administração promoverem o soerguimento das escolas públicas, algo que tínhamos no passado e que nos dava orgulho.

O que é que aconteceu com o passar do tempo? Aconteceu essa aberração que vou contar para V. Exªs neste momento. Foram editadas 26 medidas provisórias, sendo que as duas últimas dizem que o aluno não tem obrigação de pagar a escola; que ele pode se matricular e ir até o final do curso - ou do ano - sem o pagamento, porque a escola não tem o direito de cobrar pelo serviço que prestou.

Vejam onde chegamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Vamos ver, por exemplo, o caso da Faculdade Integrada de Tapajós, no Pará, na região amazônica. Essa escola tem 1.160 alunos, dos quais 382 são alunos que usam o crédito educativo, que não os paga há 6 meses. O Governo Federal não paga essas escolas há 6 meses. Ele é o primeiro a dar calote. Retirem dos 1.160 alunos, os 382 alunos que o Governo Federal tinha de pagar e que não está pagando, e acrescentem mais 708 alunos, que estão inadimplentes desde do começo do ano, que fizeram a matrícula e não pagaram mais nada. A escola tem 2.239 mensalidades a receber e tem obrigação de pagar os professores, o que não tem sido possível fazer: o último mês pago foi maio. Lá em Tapajós há uma faculdade na qual os professores não recebem, porque os alunos não pagam, e o Governo ainda passa recibo dizendo que eles não têm que pagar.

Sr. Presidente, em São Paulo, por exemplo, na Escola de Medicina de Moji das Cruzes, dos 42 alunos que se formam este ano, 85% estão inadimplentes há um ano. Esses alunos pagaram a matrícula no começo do ano passado e a partir daí não pagaram mais coisa nenhuma.

Imaginem se V. Exªs houvessem montado uma estrutura na qual tivessem investido dinheiro, e de repente não fosse mais possível cobrarem pelos serviços que prestam! Querem fazer pública a escola privada.

Nas universidades, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o patrimônio não é mais do fundador inicial, porque essas instituições não têm fins lucrativos. As universidades, cada vez mais, passam a pertencer às comunidades, e são essas mesmas universidades que estão gritando, pelos jornais, que o ensino particular está falindo por culpa do Governo. Elas mostram que o menor índice de inadimplência é de 25%, em alguns Estados, mas há Estados em que o índice médio chega a 60%. Por quê? Porque dois senhores, um do Ministério da Fazenda, da Secretaria de Política Econômica, e outro do Ministério da Justiça resolveram fazer uma legislação que diz que o calote é legal e patriótico até. Não temos a escola pública e não vamos ter a escola privada.

Srs. Senadores, imaginem-se na situação desses educadores que deram sua vida inteira a uma instituição e que, de repente, estão vendo a instituição se evaporar - instituições que já são da comunidade, a exemplo da maioria das universidades.

Tínhamos de estar lutando pelo ensino público, universal, gratuito e de qualidade. É o que sempre tenho defendido desta tribuna.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, não posso assistir, de forma impassível, a uma injustiça como essa. Hoje um artigo da Associação Brasileira da Educação, publicado pela Imprensa, diz que na hora de salvar os bancos de suas dificuldades, rapidamente permitiu-se que eles poderiam cobrar taxas pelos serviços prestados; na hora de socorrer os bancos, criou-se um Proer. No entanto, na hora de salvar o ensino, a educação, que é a única alavanca de redenção de um povo - um povo só se liberta através da educação - o Governo se descuida da área pública e investe contra a área privada. Que educação vamos dar ao nosso povo? Se ele não tem a opção de freqüentar uma escola pública, universal, gratuita e de qualidade e se a escola privada, que devia ser complementar para aqueles que querem dar ensino religioso aos seus filhos, ou um ensino com a saturação de línguas ou um ensino diferenciado segundo determinada filosofia - esse deveria ser o papel da escola particular - de repente, essa instituição também vai deixar de existir porque o Governo, na sua incompetência, pune aquele que está sendo competente.

O Sr. Roberto Requião - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Roberto Requião - Senador Ney Suassuna, apenas gostaria de fazer algumas observações ao seu discurso sobre a política educacional do nosso Governo hoje. Eu diria que o Ministro Paulo Renato não gosta de atender telefonema de Senador; mas, por outro lado, temos de dar um crédito ao bom trabalho que S. Exª vem desempenhando no Ministério de Educação. Uma série de medidas tomadas por iniciativa do Executivo, a médio e longo prazo, trarão, sem sombra de dúvida, um resultado positivo. De outra parte, trago um dado da capital do meu Estado, Curitiba. Há 2.500 alunos, 2.500 pais de famílias que deixaram de pagar as mensalidades das escolas particulares por falta absoluta de recursos para fazê-lo. Estamos, sem sombra de dúvida, vivendo uma crise, um processo de recessão e de depressão, e essa crise vem a cavalo. O Cavallo caiu na Argentina, mas não podemos esquecer que o México foi o primeiro modelo para o desenvolvimento brasileiro, aquele país era tido exemplo de modernização e de globalização; depois foi a Argentina, e o Ministro Cavallo freqüentava os prédios de Brasília com a mesma insistência e freqüência com que um argentino de posses vai a um restaurante, e os nossos Ministros freqüentavam a Argentina com a mesma reciprocidade, e dessa reciprocidade não escapava nem o nosso Presidente da República. A crise está aí. Emergencialmente, uma vez que não podemos resolver um problema estrutural - e acho que um dos pontos positivos do Governo do Presidente Fernando Henrique é o trabalho feito na Educação - talvez a extensão do crédito-educação para um número maior de alunos pudesse resolver o problema da escola privada. Não se trata nem de tabelamento, pois, mesmo tabeladas as mensalidades, os pais não conseguem pagá-las; sem o tabelamento, vão chegar ao limite de ter que retirar os filhos da escola, e haverá uma crise muito maior ainda.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador Roberto Requião. Realmente, não falamos até agora do Ministro Paulo Renato. Estamos falando das vinte e seis medidas provisórias que institucionalizaram o calote. E uma surpresa para nós: a última veio com um número e seguida da letra "a", o que é uma novidade na área de medidas provisórias. Há medidas com as letras "a" e "b". Daqui a pouco vamos ter o alfabeto todo.

      "O professor Mário Henrique Simonsen, em trabalho recente, condenou os excessos do Governo na educação particular, setor para o qual o Estado não contribuiu com um único centavo, e explicou que é mínima a pressão inflacionária gerada pelas mensalidades cobradas pelos cursos superiores.

      O Ministro da Educação, professor Paulo Renato, está procurando fazer um bom trabalho em sua área, privilegiando, principalmente, o ensino oficial."

Este artigo foi publicado hoje em vários jornais do País, e estou lendo O Globo.

O Ministro Paulo Renato, segundo a reportagem:

      "Diz que o problema das mensalidades não é com ele. Também, ainda não teve tempo de prestigiar uma só das suas excelentes instituições privadas de ensino superior, ignorando que elas possuem hoje 70% do alunato brasileiro. Em face da falência e do desmoronamento do ensino público, as escolas privadas, agindo supletivamente, estavam para chegar a ter 90% de participação no mercado antes da virada do século, que também não é bom. Agora, diante do quadro falimentar que as aflige, incerto é o futuro da escola particular. Cabe ao ilustre Ministro Paulo Renato - que está fazendo um trabalho inclusive de valorização do professor - lembrar-se que ele não é só "ministro da educação pública" e assumir a responsabilidade de preservar a Educação Privada e agir velozmente. O ensino particular tem tudo a ver com seu ministério."

Sr. Presidente e Srs. Senadores, em síntese, estamos aqui falando que temos de fazer uma cruzada para o soerguimento da escola pública. A escola pública tem de ser de qualidade, universal e tem que ter vaga para todos. Temos de soerguê-la e temos que ter o juízo de não levar à falência a escola privada.

Não é só instruindo que se educa, educa-se também por meio de exemplos. E quando saem medidas provisórias dizendo que não se precisa pagar um serviço prestado, isso é um exemplo de calote, isso vai levar a iniciativa privada ao imobilismo e à falência. E mais do que isso: vai estragar, com toda a certeza, o caráter de toda uma geração que está aprendendo que não precisa pagar pelos serviços que contrata.

Constrangido, levanto um tema como esse. Hoje presenciei uma verdadeira romaria de educadores privados que me deram exemplos da Faculdade Integrada de Tapajós, que está sem pagar salários há meses porque não consegue receber do seu alunado. O que é pior, para a Justiça do Trabalho não há nenhuma satisfação que possa ser dada, tem que se pagar o salário.

Um trabalhador não pode adiar a fome, tem que pagar os seus compromissos. Como a escola não recebe, não pode pagar. Como vai terminar todo esse entrevero? É preciso que as autoridades caiam em si e ofereçam soluções para esses problemas. A solução primeira - e estou alertando para esse fato -, é melhorar a escola pública, e a escola privada tem que ser apenas complementar. Não se pode penalizar uma por ser eficiente, e fazer de conta que não está se vendo a falência do sistema público.

Essa é a responsabilidade que todos nós temos. E o alerta que estou aqui fazendo não é no sentido de defender a iniciativa privada, porque nunca ocupei esta tribuna a não ser para pugnar, gritar e pedir que o ensino público volte a ser aquilo que era no passado: um elemento de orgulho de todos os que passaram pelos seus bancos escolares, inclusive eu.

Lamento que estejamos vivendo uma situação surrealista como esta. Lamento que a incompetência na área pública possa levar a uma situação em que uma faliu e busca-se levar à falência a única opção que ora existe.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/1996 - Página 13522