Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO RELATORIO SOBRE DESENVOLVIMENTO HUMANO - 1995, ELABORADO PELO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO RELATORIO SOBRE DESENVOLVIMENTO HUMANO - 1995, ELABORADO PELO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/1996 - Página 13717
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • ANALISE, RELATORIO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), SITUAÇÃO, BRASIL, ESCALA, AFERIÇÃO, DESENVOLVIMENTO, UTILIZAÇÃO, FATOR, EXPECTATIVA, VIDA, EDUCAÇÃO, PODER AQUISITIVO, POPULAÇÃO.

           O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a divulgação, em meados de julho, do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano/1995, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, continua obtendo intensa repercussão nos mais variados setores da sociedade brasileira.

           No Congresso Nacional, na esfera do Executivo, assim como na imprensa em geral, têm-se multiplicado os pronunciamentos, artigos, comentários e análises, motivados pela posição nada confortável ocupada pelo Brasil no ranking instituído pelo PNUD, para classificar as nações, de acordo com os indicadores de seu desenvolvimento humano.

           Criado por essa prestigiosa agência da ONU, em 1990, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) vem permitindo o levantamento anual da posição alcançada pelas nações, nesta nova escala de aferição do desenvolvimento, resultante do cotejo de três fatores: a expectativa de vida, a educação e o poder de compra básico da população.

           Noutras palavras, o IDH reflete o amadurecimento dos analistas da ONU para a adoção de um conceito novo de desenvolvimento que passa a ser avaliado não exclusivamente com base em dado puramente econômico (o poder de compra), mas, também, a partir de relevantes indicadores sociais tais como a expectativa de vida - denotativa do estado geral de saúde de uma população - e nível educacional (medida pelas tachas de matrícula do 1º ao 3º grau de ensino), por sua vez, determinante do potencial de participação dos indivíduos no processo de produção e no usufruto dos bens culturais e econômicos gerados em suas comunidades e na comunidade globalizada do mundo contemporâneo.

           Não é meu propósito, Sr. Presidente, descrever as "performances" obtidas pelo Brasil nesses levantamentos, até porque estas já foram largamente comentadas nos pronunciamentos aqui proferidos e nos artigos publicados sobre essa matéria nos principais órgãos da Imprensa.

           Meu escopo é, antes, o de aprofundar algumas indagações e outras tantas reflexões impostas ao nosso espírito, tão logo nos inteiramos das conclusões do Relatório do PNUD.

           Entretanto, à guisa de encaminhamento às reflexões que pretendo suscitar, relembro, en passant, as conclusões mais incitantes do referido relatório.

           Relembro, pois, que de acordo com o Relatório PNUD - 1995, e com base em dados levantados até 1993, o Brasil ocupa o 58º lugar entre as 174 nações do mundo avaliadas e classificadas segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

           Pontuado com o índice de 0,796, o Brasil é o primeiro colocado entre os países com índice médio de desenvolvimento humano, sendo que o primeiro colocado de todo o ranking é o Canadá, com um IDH de 0,951. O país latino-americano que está em melhor posição é a Argentina que, com o IDH de 0,885, alcançou a 30ª colocação.

           Dentre as 57 nações situadas em plano superior ao do Brasil, ou seja, no nível de alto desenvolvimento humano, figuram algumas bem mais pobres e bem menores do que o Brasil, como é o caso das Bahamas, Barbados, Trinidad e Tobago, Costa Rica, Uruguai, Luxemburgo, Irlanda, Chipre e Portugal, para só citar algumas.

           Ainda, de acordo com o relatório, no período de 1960 a 1992, o Brasil foi entre os países latino-americanos e do Caribe, um dos dois que alcançaram maiores índices de crescimento econômico, suplantado apenas pela diminuta Barbados.

           Por outro lado, o Brasil figura, ao lado de Honduras, El Salvador, Nicarágua, Bolívia, Guatemala e Haiti, entre os países da América Latina e do Caribe "de menor eficiência em transformar sua renda em desenvolvimento humano".

           Tendo logrado alçar nossa economia entre as dez maiores do mundo, ainda não soubemos traduzir esse crescimento em favor do bem-estar e da melhoria da qualidade de vida dos contingentes majoritários de nossa população. É, assim, que continuamos campeões mundiais de concentração de renda, já que os 20% de brasileiros mais ricos concentram uma renda 32,1 vezes maior do que a dos 20% mais pobres.

           Continuamos, também, invictos em matéria de desigualdades regionais, configuradas neste mapa da pobreza do Brasil: 5% na região Norte; 45% na região Nordeste; 34% na região Sudeste; 10% na região Sul e 6% na região Centro-Oeste.

           Tão extremadas são nossas desigualdades, que coixistem, neste mesmo País, regiões cujo IDH atinge 0,871 (índice de países de alto desenvolvimento humano), ao lado de outras, cujo IDH situa-se em 0,466 (índice só inferior ao de Lesoto, na África).

           Não raro, Sr. Presidente, buscando perscrutar as causas profundas e determinantes dos impasses sociais com que se defronta a Nação, sou inclinado a admitir que esse Brasil problemático que aí vemos é a projeção colossal da problemática de milhões de brasileiros, que emergiram na sociedade, sem haverem antes forjado, no lar e na escola, os hábitos, a disciplina, os conhecimentos, os valores e as habilidades que transformam os homens em construtores de sociedades desenvolvidas e civilizadas.

           Não, experimento, Sr. Presidente e Srs. Senadores, satisfação alguma em comentar os aspectos desconfortáveis de nossa realidade social, reveladas em relatórios, como este do PNUD.

           Ele expõe, mais uma vez, aos nossos olhos e aos olhos do mundo, algumas de nossas mais dolorosas chagas sociais que, por se perpetuarem e por permanecerem incuráveis ao longo dos tempos, parecem constituir verdadeiras e vergonhosas taras nacionais.

           Também não me incluo, e V. Exªs tampouco, entre os cultores do prazer masoquista da autoflagelação e do auto-escárneo.

           Se, portanto, me alongo na consideração desses males, não é tanto para proclamá-los. Eles são por demais conhecidos. Quem afinal ignora os dois ou mais Brasis, há tanto tempo identificados por Roger Bastide? Quem ignora o Brasil dos contrastes, flagrado por Stephan Zweig? O Brasil desigual e injusto, denunciado por analistas sociais e políticos de todos os tempos e de todos os matizes? O Brasil - vasto hospital - visto assim por nossos melhores sanitaristas? O Brasil ignorante e iletrado, sobrevivendo teimosamente em milhões de brasileiros sem acesso à escola? O Brasil marginal, expulso dos campos e contido nas periferias urbanas, sem chance de exercer os direitos e deveres fundamentais da cidadania?

           O que pretendo, isto sim, é concorrer para que passemos, afinal, da ciência dessas taras à consciência aguda da necessidade de nos mobilizarmos voluntariosa e resolutamente para curá-las e saná-las sem mais delongas.

           O que mais me gratificaria, Sr. Presidente e Srs. Senadores, seria concorrer para que todos os brasileiros, em algum momento, experimentassem um estalo de responsabilidade cidadã e, deixando de lado o posicionamento diletante e descomprometido frente a esses graves problemas, tomasse-os pessoalmente como seus, indagando-se: por que, conhecendo, como conhecemos, nossas vergonhosas chagas sociais, sobretudo as que tendem a caracterizar-nos, em larga escala, como país desigual, injusto, doentio e ignorante, tão insuficiente é o esforço que fazemos para extirpá-las? Por que, consciente da vergonha e dos sofrimentos que tais problemas acarretam para toda a sociedade, a Nação inteira não se declara em estado de emergência ou de calamidade pública, até que todas essas mazelas sejam definitivamente expungidas de nosso cenário social?

           Quando, pois, considero todas essas contradições nacionais, não resisto à idéia, que logo me empolga, de que o que ainda falta ao País é uma grande e radical REVOLUÇÃO. A revolução educacional, única capaz de suprir as carências de milhões de brasileiros privados das capacidades básicas que os habilitem a libertar-se da miséria e a incorporar-se no processo produtivo da Nação.

           Penso, também, numa revolução interior, lavrando nas mentes e nos corações dos integrantes das elites brasileiras, e transmudando-as de egocêntricas em solidárias; de indiferentes em participantes; de exclusivistas em aderentes generosas ao imperativo da comunhão de todos em torno dos benefícios gerados por nosso crescimento econômico e social.

           Só assim, o Índice de nosso Desenvolvimento Humano deixará de ser uma vergonha nacional.

           É o que penso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/1996 - Página 13717