Discurso no Senado Federal

VALIDADE DO ALERTA DO PROFESSOR RUDIGER DORNBUSCH AO BRASIL QUANTO A SITUAÇÃO DAS CONTAS PUBLICAS - ACUMULO DE DEFICIT E O AUMENTO DO ENDIVIDAMENTO PUBLICO.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • VALIDADE DO ALERTA DO PROFESSOR RUDIGER DORNBUSCH AO BRASIL QUANTO A SITUAÇÃO DAS CONTAS PUBLICAS - ACUMULO DE DEFICIT E O AUMENTO DO ENDIVIDAMENTO PUBLICO.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/1996 - Página 13714
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, ADVERTENCIA, AUTORIA, RUDIGER DORNBUSCH, PROFESSOR, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, POSSIBILIDADE, DETERIORAÇÃO, SITUAÇÃO FISCAL, GOVERNO, AUMENTO, DEFICIT, DIVIDA PUBLICA, EXTINÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL.

O SR.CASILDO MALDANER (PMDB-SC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, causaram grande celeuma nos meios financeiros internacionais e nos meios políticos, burocráticos e acadêmicos nacionais, as críticas proferidas à condução da política econômica brasileira pelo influente economista alemão, com cátedra nos Estados Unidos, Dr. Rudiger Dornbusch.

As apreensões do Professor Dornbusch (1) direcionam-se -- e nesse particular ele está acompanhado pelos principais economistas brasileiros -- para as questões do déficit público, do câmbio valorizado e das altas taxas de juros. A lógica do raciocínio é a mesma sempre ouvida e não apresenta novidades.

Exposta aqui com palavras um pouco diferentes das usadas pelo economista alemão, é a seguinte.

O Brasil está-se colocando numa perigosa situação de risco. A estratégia para a estabilização do real continua a se apoiar no câmbio artificialmente valorizado, que representa um freio para o crescimento dos preços, por conta do barateamento das importações, mas que, não obstante, provoca déficits expressivos nas Contas-Correntes do Balanço de Pagamentos, onde são registrados os fluxos do comércio internacional de bens e de serviços do País. Esse desequilíbrio das contas externas, por sua vez, tem sido financiado pela entrada de capitais estrangeiros no Brasil, destinando-se grande parte desses capitais para investimentos especulativos de curto prazo. E o que garante a atração desses capitais voláteis para nosso mercado? Resposta: os juros internos altíssimos, bastante superiores aos praticados pelos principais países do mundo.

Dessa forma -- como se pode depreender do raciocínio exposto --, o plano brasileiro de estabilização possui uma fragilidade muito aguda, que é sua dependência em relação à continuidade do ingresso, no País, dos capitais estrangeiros. Portanto -- o Professor Dornbusch nos alerta para esta possibilidade --, qualquer elevação mais acentuada nas taxas de juros nos mercados estrangeiros ou qualquer modificação brusca das condições do mercado financeiro internacional pode estancar esse fluxo de investimentos para o Brasil e representar o malogro do plano de estabilização. Ademais, a camisa-de-força das altas taxas de juros internas -- complementa Dornbusch -- estorva o crescimento da economia.

Vê-se, assim, que a análise do Dr. Dornbusch em nada difere de centenas de outras críticas à conjuntura econômica produzidas aqui dentro do País. Então, se é assim, por que motivo houve tantas reações indignadas -- por parte de membros da equipe econômica, de acadêmicos e de jornalistas especializados -- contra as declarações de Dornbusch?

Por duas razões.

Em primeiro lugar, por causa da influência e do prestígio do professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). O artigo de Dornbusch foi reproduzido em dois importantes veículos do mundo das finanças e da economia: o The Wall Street Journal e o Business Week. Imediatamente provocou desconfianças no mundo dos negócios em relação à condução da economia brasileira, chegando-se mesmo a verificar uma queda das cotações dos títulos de dívida externa do Brasil no mercado internacional.

Em segundo lugar, em razão do tom alarmista e hiperbólico do artigo mencionado. Dando a entender que o colapso do Plano Real seria iminente, caso o Governo não tomasse medidas duras e imediatas em favor do equilíbrio das contas públicas, o professor do MIT foi, até certo ponto, justamente criticado -- no meu entender -- por economistas brasileiros.

Chamou-se atenção, principalmente, para o fato de que a defasagem cambial no Brasil não é tão alta quanto o Sr. Dornbusch parece supor. Excessivamente com os olhos voltados para a diferença entre a inflação brasileira e a norte-americana desde a implantação da nova moeda, o professor alemão esquece de considerar os acentuados ganhos de produtividade que os produtores brasileiros lograram obter desde que foram expostos à concorrência estrangeira, bem como a redução de custos para a indústria nacional representada pela queda das alíquotas de importação de insumos e de máquinas e equipamentos.

No entanto, um pouco em descompasso com as reações apaixonadas que surgiram contra as declarações do Sr. Dornbusch, penso que devemos prestar muita atenção em seu alerta de que a deterioração da situação fiscal do Governo pode significar o fim do sonho da estabilidade no Brasil. Porque, apesar dos pronunciamentos otimistas do Presidente da República e do Ministro Malan no sentido de que, neste ano, o déficit do setor público será a metade do ocorrido no ano passado, a verdade é que, até o momento, a análise das contas públicas não autoriza tais esperanças, muito pelo contrário.

Pois vejamos. O déficit público no conceito nominal -- incluindo União, Estados, Municípios e empresas estatais -- , que se havia situado em torno de 5,5 bilhões em janeiro e em torno de 8 bilhões nos meses de fevereiro e de março, saltou espetacularmente para quase 14 bilhões em abril! O acúmulo, mês após mês, de déficits nas contas públicas, por sua vez -- juntamente, é claro, com o acúmulo de reservas internacionais do Brasil --, tem-se refletido no aumento vertiginoso do estoque da dívida interna pública mobiliária da União, a qual, em menos de um ano, mais do que dobrou: passou de 69,5 bilhões de reais, em junho de 1995, para nada menos do que 151,3 bilhões de reais em maio último.

Em face de números tão negativos, é de se perguntar: será que as preocupações do Professor Dornbusch são tão exageradas assim?

Ora, é sabido que a única maneira eficaz de se desmontar o binômio câmbio valorizado--taxas de juros altas é por meio do saneamento das contas públicas.

Por um lado, não se pode, de uma hora para outra, desvalorizar o real, sob o risco de voltarem, com toda a força, as expectativas inflacionárias dos agentes econômicos. Por outro lado, baixar juros de forma significativa, também de uma hora para outra, significaria a fuga dos capitais estrangeiros que financiam nosso desequilíbrio em Contas-Correntes. Isso é, ou via volta das expectativas inflacionárias ou via crise no Balanço de Pagamentos, com certeza o resultado seria o fracasso do plano de estabilização.

Já, se o setor público conseguisse equilibrar suas contas e mesmo produzir um pequeno superávit, haveria menor necessidade de se recorrer ao endividamento público, o que teria um efeito imediato e positivo em relação à queda dos juros, ao aumento da poupança interna (com menor dependência em relação à poupança externa) e diminuição do nível de importação por meio da diminuição da demanda agregada (o que poderia abrir espaço para a desvalorização cambial).

Se, pelo contrário, as contas do Governo continuamente se têm deteriorado, ficará mais difícil desvalorizar o câmbio e baixar as taxas de juros. E aí permanecemos dependentes do ingresso de capitais voláteis no Brasil. Nesse sentido, a crise vivida recentemente pelo México já demonstrou cabalmente que a dependência dos capitais voláteis envolve uma situação de alto risco.

Gostaria de dizer, finalmente, que concordo, em parte, com o discurso oficial do Governo, que afirma que muitas das dificuldades em sanear as contas pública advêm do fato de que este Governo tem enfrentado problemas que seus antecessores se limitaram a empurrar com a barriga. É verdade.

É o caso, por exemplo, do programa de financiamento do Governo Federal voltado para o saneamento das contas de Estados e Municípios, que, num primeiro momento, ocasiona aumento, e não diminuição, das despesas públicas. É o caso também do rombo do Banco do Brasil e do passivo com a Caixa Econômica Federal em razão da dívida do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Aliás, o recente aporte do Tesouro para o Banco do Brasil da fábula de 8 bilhões de reais nos faz questionar se a União deveria manter a propriedade de um banco comercial.

Entretanto, há pontos obscuros, que levantam muitas dúvidas, nas recentes rubricas de gastos do Governo, como evidentemente acontece no caso do PROER. Vejam bem, não questiono a necessidade de um programa que financie a reestruturação do sistema financeiro em razão de um novo ambiente de estabilidade monetária. Preservar o sistema de pagamentos da economia é obrigação do Governo. Mas um programa que já consumiu mais de 12 bilhões de reais, até agora, não se deveria caracterizar pela falta de transparência em que está envolto.

Não vou discutir o PROER no presente momento, que, dada sua complexidade, exige um discurso separado. Somente quero dizer que o PROER, ao contrário do que o Governo afirma, não é um programa financiado com os recursos privados do sistema financeiro na forma de depósitos compulsórios recolhidos ao Banco Central. Os recursos do PROER provêm de operações ativas do Banco Central como qualquer outra, sem qualquer vinculação com depósito compulsório algum, e, portanto, provocam expansão da base monetária. Os juros dos empréstimos aos banqueiros compradores de bancos falidos são subsidiados e são concedidos mediante garantias discutíveis.

Em suma, Sr. Presidente e Srs. Senadores, penso que não deveríamos tratar os alertas do Professor Dornbusch com o desdém e com o pouco caso com que têm sido respondidos. Longe ainda de ser explosiva, a situação das contas públicas preocupa, sim. O acúmulo de déficits e o aumento do endividamento público vai lentamente solapando as bases de sustentação do Plano Real. Sem melhoria dessa situação, não conseguiremos escapar da camisa-de-força do câmbio valorizado e dos juros altos.

Temos, então, duas opções: ou encarar o perigo de frente, numa atitude corajosa, ou enterrar a cabeça, como fazem as avestruzes, e aguardar que chegue o momento da nossa crise mexicana.

Era o que tinha a dizer.

(1) DORNBUSCH, Rudiger. "Desculpas do Brasil estão acabando" in Gazeta Mercantil, 10-06-96, capa.


1() DORNBUSCH, Rudiger. "Desculpas do Brasil estão acabando" in Gazeta Mercantil, 10-06-96, capa.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/1996 - Página 13714