Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM O IMPACTO PARA O ESTADO DE MATO GROSSO, DO DECRETO 1.963, DE 25 DE JUNHO DE 1996, E DA MEDIDA PROVISORIA 1.511, DE 1996, QUE DISPÕE SOBRE A PROIBIÇÃO DO INCREMENTO DA CONVERSÃO DE AREAS FLORESTAIS EM AREAS AGRICOLAS NA REGIÃO NORTE E NA PARTE NORTE DA REGIÃO CENTRO-OESTE.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM O IMPACTO PARA O ESTADO DE MATO GROSSO, DO DECRETO 1.963, DE 25 DE JUNHO DE 1996, E DA MEDIDA PROVISORIA 1.511, DE 1996, QUE DISPÕE SOBRE A PROIBIÇÃO DO INCREMENTO DA CONVERSÃO DE AREAS FLORESTAIS EM AREAS AGRICOLAS NA REGIÃO NORTE E NA PARTE NORTE DA REGIÃO CENTRO-OESTE.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/1996 - Página 13707
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, IMPACTO AMBIENTAL, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), RESULTADO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DECRETO FEDERAL, PROIBIÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, AREA FLORESTAL, AREA, AGRICULTURA, REGIÃO NORTE, REGIÃO CENTRO OESTE, INCENTIVO, CLANDESTINIDADE, DESMATAMENTO, FLORESTA, AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, PROJETO, RACIONALIZAÇÃO, EXPLORAÇÃO, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quanto ao impacto projetado para o Estado de Mato Grosso, decorrente da Medida Provisória nº 1.511 e do Decreto nº 1.963, de 25 de julho último, é nossa ótica que se tratam de atos discricionários, que têm por escopo a liberação de recursos junto ao BIRD, desprovidos, entretanto, de qualquer embasamento técnico que evidencie os seus impactos sobre os Estados, e suas respectivas populações, atingidos pela norma. Ora, diminuir por decreto a devastação das florestas representa, no mínimo, Sr. Presidente, ignorância e insensatez diante dos problemas da Amazônia, da qual V. Exª também é um dos representantes, como brilhante Senador que é pelo Estado do Acre.

Ignorante, pois não se apóia naquilo que é o pleito histórico do País, ou seja, um projeto envolvendo os melhores cérebros da comunidade científica e, fundamentalmente, o habitante da região, que possa conduzir a um desenvolvimento racional e auto-sustentado da região que representamos, que é Mato Grosso e Amazônia. Acessoriamente, termina penalizando estados, como é o caso de Mato Grosso, onde é patente a vocação agropecuária, até porque não dispõe de recursos energéticos ou facilidades de escoamento de sua produção que justifiquem um outro modelo econômico. Sabemos o quanto é carente de energia o meu estado e também de meio de transporte.

Insensato, pois acrescenta ônus adicional aos órgãos de proteção ambiental, sabidamente em estado de penúria de recursos humanos e materiais, aumentando, assim, no papel, uma proteção que não funciona, na prática.

Conclui-se, portanto, tratar-se a medida provisória de uma peça destinada a oferecer aos organismos de crédito internacionais uma pseudo-mostra de preocupação ambiental, que, entretanto, somente estimulará a clandestinidade, por ausência de fiscalização e manterá a devastação por ausência de um projeto sério de exploração racional, e, o que é pior, aniquilará os empreendimentos projetados para a nossa região, gerando perdas de arrecadação e desemprego em nosso Estado e na Região Amazônica.

Do ponto de vista econômico, elencamos alguns fatores impeditivos no desenvolvimento regional.

1 - Inviabilização de projetos agropecuários e agroindustriais, em virtude da relação maior investimento e menor produtividade, advindas do subaproveitamento da terra - 20% nas terras com tipologia de florestas e 50% nas terras de outras tipologias e de outro revestimento vegetal. Ou seja, o cidadão, para plantar 1.000h, para produzir alimentos sob 1.000h, tem que ser proprietário de 5.000h. Ou seja, um cidadão, em determinadas áreas, para produzir 2.500h, tem que ser dono de 5.000h, dependendo da tipologia da vegetação sob a sua terra. Por isso, são projetos que, via de regra, carecem de financiamento, pois somente apresentam viabilidade dentro de um longo prazo.

Neste particular, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, podemos afirmar, com o aproveitamento de terras previstas pela legislação anterior - 50% nas florestas e 80% em outros tipos de vegetação - situarmos pedidos de financiamentos no limite mínimo da relação investimento/ geração de rendas; com a medida provisória assinada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, na semana passada, torna-se praticamente impossível demonstrar capacidade de pagamento, não bastasse o Decreto nº 1963, que no seu art. 3º restringe o crédito oficial apenas aos proprietários de terras já desmatadas, "os créditos e incentivos fiscais oficiais para empreendimentos produtivos na região Amazônica deverão preferencialmente ser destinados às áreas já convertidas para fins agropecuários". Quer dizer, os novos projetos praticamente ficarão fora dos benefícios.

2 - Diminuição do potencial de arrecadação de impostos. A falta de estímulos para novos empreendimentos inexoravelmente diminuirá arrecadações futuras projetada para o Estado.

A proibição de que trata o Decreto nº 1963, ainda que ambientalmente correta, principalmente para o mundo exterior, esbarra mais uma vez na realidade precária da fiscalização, determinando a clandestinidade em que se processa de inúmeras formas - e só o sabe o cidadão da Amazônia -: a substituição de notas fiscais da madeira "proibida" por outras que se lhe assemelham, como o cedro-rosa, tauari, cedro-mara, controle de estoques "antigos" de mogno e virola. Em conseqüência é de se duvidar da eficácia dessa medida, haja vista a inevitável diminuição da arrecadação de ICMS sobre toda a atividade madeireira e, via de conseqüência, a diminuição dos empregos na nossa região.

Há determinada região do nortão de Mato Grosso, por exemplo, Alta Floresta, Juina, Sinop, em que há um grande pólo madeireiro, com tecnologia avançada, até mesmo já exportando os seus produtos para o exterior, que, com essa medida, ficará praticamente inviabilizada. A região já está sofrendo com o fechamento dos garimpos, cujos trabalhadores, uma vez exaurida a riqueza mineral da região, passaram a trabalhar na área da madeira.

Hoje, lamentavelmente, com a nova Medida Provisória assinada pelo Governo Federal e pelo Ministério do Meio Ambiente do Governo Fernando Henrique Cardoso, sem que se ouvissem as autoridades da região, nosso Estado fica muito prejudicado. Tenho certeza absoluta de que nenhum Governador dos estados que compõem a região amazônica - Mato Grosso, Tocantins, Acre, Rondônia, Amazonas, Pará, Roraima, Amapá e parte do Maranhão - foi sequer ouvido para que se tomasse uma medida dessa natureza.

Quanto aos aspectos sociais, como disse, há uma conseqüência direta na diminuição dos postos de emprego, isto em um País que já conta com milhares e milhares de trabalhadores desempregados após a edição do Plano Real. O aumento das atividades marginais ou clandestinas fará aumentar também a insegurança na nossa região.

Nos aspectos sociais, vão igualmente diminuir os investimentos do Estado, em decorrência da queda de arrecadação.

E quem vai sofrer com tudo isso é a população mais pobre, principalmente aqueles abnegados brasileiros que acreditaram na política de ocupação da Amazônia e migraram para o meu Estado, notadamente os sulistas: gaúchos, paranaenses e catarinenses que estão no extremo norte mato-grossense, fazendo uma política de desenvolvimento na área da agricultura, da pecuária e também na área madeireira.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, esperamos que o IBGE de Mato Grosso possa obter dados certos sobre a cobertura vegetal específica do Estado, visando, com isso, a aferir a dimensão das áreas preservadas ou economicamente utilizadas, resultantes desta medida provisória.

Neste instante, faço um apelo ao Presidente da República, ao Ministro do Meio Ambiente, Dr. Gustavo Krause e a toda a equipe do Ibama, onde estive, na tarde de hoje, conversando com o brilhante Presidente daquele órgão sobre esta medida provisória, que, antes de ser publicada, deveria ter sido melhor discutida com os mato-grossenses, com os homens da Amazônia.

O Sr. Pedro Simon - Permite V. Exª um aparte

O SR. JÚLIO CAMPOS - Com muita honra, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Sem entrar no mérito - até por que não tenho autoridade de conhecedor da matéria - do conteúdo do pronunciamento de V. Exª, eu vejo a gravidade da rotina na edição de medidas provisórias. Temos que decidir se estamos vivendo realmente numa democracia - porque, na democracia, o Executivo executa, o Legislativo faz as leis e fiscaliza o Executivo, o Judiciário julga - ou se estamos num outro regime. Na verdade, estamos vivendo um regime em que o Poder Executivo é um superpoder. E nós, aqui, estamos brincando de ser poder. Mas não temos poder nenhum. O que de importante votamos, este ano, que mudou a vida do País? Nada. A única coisa seria a CPMF, que ainda vai depender de regulamentação e não sei mais o quê. Enquanto discutimos durante um ano e meio o imposto sobre cheque, o Governo editou três medidas revolucionárias sobre os bancos: a medida provisória do Proer (30 bilhões de reais); a de ontem, de socorro aos bancos estaduais (20 bilhões de reais); e mais uma medida do Conselho Monetário. Antigamente, o Conselho Monetário realmente era Conselho, composto de 40 pessoas; era um Conselho de tecnocratas, mas era um Conselho. Agora são três pessoas, sendo que somente duas mandam: o Ministro da Fazenda e o Ministro do Planejamento. O Presidente do Banco Central é apenas auxiliar, pois está subordinado ao Ministro da Fazenda. Essa matéria, como diz V. Exª, é da maior importância. Até acredito na boa vontade desses técnicos. A matéria é da maior seriedade. Mas será que é matéria para medida provisória? Era necessário surpreender o Brasil com uma medida provisória sobre matéria dessa natureza? V. Exª, que foi governador do seu Estado, um Senador, toma conhecimento da medida pelo Diário Oficial. Não consigo entender. É urgente e relevante essa matéria? É relevante, mas não é urgente. Poderia ter esperado mais tempo, um, dois, quatro meses, mais de um ano até. Medida provisória é para matéria urgente. Ninguém sabe o que tem atrás dessa medida provisória. Vai ver nem V. Exª, nem eu, menos ainda o Governo. Lá pelas tantas, um desses artigos oculta interesses, sei lá eu de quem, que estão misturados a outros que são legítimos. Nós temos que decidir o rumo que queremos seguir. O Brasil está dando um exemplo para o mundo. Já deu um exemplo durante a ditadura militar, porque na época de Médici, de Costa e Silva, de Geisel e de Figueiredo, havia uma ditadura diferente: havia o Congresso e o Judiciário, e ambos funcionavam. Nada valia nada, mas funcionavam. Era ditadura: o povo não elegia o Presidente da República; era nomeado. O general que saía indicava o seu sucessor; os governadores também eram escolhidos pelos generais. Sabíamos que tudo era mentira. Agora, não. Agora temos uma democracia: o Presidente foi eleito pelo povo, assim como os Governadores e os Senadores. Nós fomos eleitos pelo povo e estamos no Senado da República. No entanto, tudo é mentira, não fazemos nada. O Governo está iniciando uma nova forma de governo: a democracia de mentira. O Presidente foi eleito democraticamente, o Congresso funciona, está tudo muito bem, mas sabemos que aquilo que é para valer vem por medida provisória, e o que é de mentira, o Governo manda para o Congresso. O Governo não tem posição sobre reforma agrária. O Sr. Fernando Henrique Cardoso não tem coragem de tomar posição sobre essa matéria. Podia fazê-lo, contra ou a favor, isso não importa, mas devia tomar uma posição. Não toma. E o projeto de lei sobre reforma agrária anda para lá e para cá. O próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal questionou o fato de o Governo não baixar medida provisória - já que a utiliza para tudo - a fim de resolver o problema da reforma agrária. Disse isso respondendo a uma manifestação da Primeira Dama, que, no programa do Jô Soares, afirmou que a reforma agrária não saía por vários motivos, um dos quais a Justiça, que muito atende os interesses dos fazendeiros. Com muita elegância, o Presidente do Supremo disse: "Se o Governo faz medida provisória para tudo, por que não faz uma sobre o rito sumário?" O Governo não fez. Sabemos que quando ele não quer, envia projeto de lei para o Congresso Nacional. Quando quer, edita medida provisória. Os bancos, ele quer. Duvido que haja na história do Brasil um governo que, num período de um ano e sete meses, tenha tratado tantas medidas de interesse dos banqueiros, como o Senhor Fernando Henrique Cardoso. Quanto à área social, econômica, ao resto, não. E aí vem a questão que me preocupa. Será que governo de tecnocrata é o melhor governo? Será que se ele mandasse esse projeto para o Senado e a Câmara discutirem, ouvisse governadores, deputados estaduais, entidades internacionais, será que o que resultaria seria pior do que essa medida provisória, feita nos gabinetes, sem se saber quem fez? Não foi o Ministro do Meio Ambiente, que é um cidadão de primeira grandeza, tem dignidade, caráter, seriedade, por quem tenho o maior carinho que a fez. Na verdade, foram os tecnocratas que fizeram isso. Quem foram as pessoas que fizeram isso? Onde estão? Onde está a representatividade dos vários interesses, do meio ambiente, da produção, da economia, da realidade do seu Estado? Onde foram vistos esses vários interesses, que devem ser debatidos na organização de uma lei? Uma lei deve ser vista sob os vários ângulos da sua repercussão. O Congresso age assim. Ele elabora a lei e a envia para o Presidente da República. Se Sua Excelência gostar, sanciona; se não, veta. Isso é democracia. No entanto, o Presidente publica uma medida provisória, que, daqui a 30 dias é republicada; depois de mais 30 dias, é republicada novamente, e assim continua. Ontem, uma medida provisória completou seu 39º mês de aniversário. Portanto, essa discussão é muito séria. Meu querido Senador Júlio Campos, escute o que vou lhe dizer: estamos fazendo história. No futuro, virão para cá os colegas do Senhor Fernando Henrique Cardoso, cientistas, sociólogos, estudarem o regime brasileiro. Estamos criando um regime de governo que não existe no mundo: a democracia de mentirinha. Se alguém nos perguntar: no Brasil tem democracia? Responderemos: tem. Tem Presidente da República? Tem. Foi eleito pelo povo? Foi. É um bom Presidente? Sim. É um homem sério? É. Tem Congresso? Tem. É um bom Congresso? É. É um Congresso sério? É. Tem Supremo? Tem. Tem Justiça? Tem. Tem democracia? Aí a resposta será: na realidade, não tem, porque estamos governando com medidas provisórias.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senador Pedro Simon. Concordo com V. Exª: se o Governo Federal mandasse um projeto de lei para a Câmara dos Deputados e, naquela Casa, ele fosse discutido nas comissões competentes; depois apreciado pelo seu Plenário e, posteriormente, viesse para o Senado, onde seria, também, submetido à apreciação das nossas comissões técnicas, posteriormente apreciado e votado pelo Plenário desta Casa, certamente teríamos um projeto mais bem elaborado. E por quê? Porque aqui temos audiências públicas, teríamos oportunidade de ouvir os Governadores dos estados interessados, as entidades de classe, os trabalhadores, os garimpeiros, os madeireiros, enfim, todos os segmentos da nossa sociedade que tivessem, de algum modo, interesse na matéria.

Todavia, isso não aconteceu. A medida provisória foi lançada na madrugada e dela tomamos conhecimento pelo Diário Oficial. E isso realmente causa repercussão seriíssima para a nossa região.

Espero uma providência do governo Federal no sentido de parar com a edição desse tipo de medida provisória que tem apavorado o Congresso Nacional.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/1996 - Página 13707