Discurso no Senado Federal

DEFINIÇÃO DE UMA LEGISLAÇÃO ESPECIFICA PARA A NAVEGAÇÃO INTERIOR.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • DEFINIÇÃO DE UMA LEGISLAÇÃO ESPECIFICA PARA A NAVEGAÇÃO INTERIOR.
Aparteantes
Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/1996 - Página 13824
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, ESTATISTICA, VIAS NAVEGAVEIS, BRASIL, AUSENCIA, CONTINUAÇÃO, PRECARIEDADE, NAVEGAÇÃO INTERIOR.
  • ANALISE, LEGISLAÇÃO, NAVEGAÇÃO INTERIOR, DERIVAÇÃO, NAVEGAÇÃO MARITIMA, CRITICA, UNIFORMIDADE, DESCONHECIMENTO, DIFERENÇA, EXCESSO, EXIGENCIA, BUROCRACIA, PREJUIZO, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, FRETE, ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • JUSTIFICAÇÃO, SEPARAÇÃO, LEGISLAÇÃO, NAVEGAÇÃO INTERIOR, CRIAÇÃO, ORGÃO PUBLICO, SUPERVISÃO, TRANSPORTE AQUATICO, INTERIOR.
  • DEFESA, GARANTIA, MANUTENÇÃO, NAVEGABILIDADE, ESPECIFICAÇÃO, CONSTRUÇÃO, BARRAGEM, DIVERSIDADE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, ATENÇÃO, NIVEL, AGUA.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero abordar um assunto ao qual, lamentavelmente, não se costuma dar a monta que merece. Trata-se do problema da navegação interior.

Vejo hoje que quase a unanimidade da Casa representa a Região que tanto depende da navegação. Resolvi dar um título a este meu pronunciamento: "Definição de uma legislação específica para navegação interior."

Começo dizendo que a extensão total da águas superficiais flúvio-lacustres do Brasil é estimada em 50 mil km. Destes, 27.420 km são, hoje, naturalmente navegáveis. Em termos potenciais, dependendo de obras de melhoramento ou de transposição, podem ser acrescidos mais 11.410 km, totalizando, assim, 38.830 km de vias, efetivas ou potenciais, em condições de realizar transporte hidroviário interior.

Parte significativa dessa extensão se encontra ainda intocada, inclusive com seus obstáculos naturais à navegação (cachoeiras, saltos, corredeiras, locais de menor profundidade, etc.). Em vários trechos, nas diversas bacias, foram construídos obstáculos (pontes e linhas de transmissão baixas e barragens sem obras de transposição para embarcações) ou mesmo reduzida a lâmina de água por ações predatórias nas margens dos rios e por despejos nas águas. Assim, as extensões apresentadas não são, em muitas situações, contínuas, reduzindo sensivelmente as possibilidades atuais do transporte hidroviário interior.

A análise e a evolução recente no segmento hidroviário interior indicam que não se modificaram as condições que historicamente vêm dificultando, onerando e reduzindo a eficiência econômica e operacional desse modo de transporte, em nosso País. Assim, o setor vem se deparando com problemas de ordem variada, tanto estruturais como conjunturais, dentre eles os aspectos legais e institucionais inerentes às hidrovias, que passaremos a analisar.

A legislação brasileira, até poucos anos, não cogitava especificamente da navegação interior, aplicando-se a ela, simplesmente, os dispositivos que regiam a navegação marítima.

Assim, sob as mais diferentes formas de instrumentos legais e normativos (Constituição, Leis, Decretos-leis, instruções normativas, etc.) a legislação cobre os aspectos relativos às vias, aos portos, à navegação e às embarcações. Em adição, as Convenções Internacionais e os convênios firmados também regem esses aspectos da navegação internacional por vias interiores.

A característica marcante do regime jurídico da navegação interior é o seu caráter derivado, ou seja, trata-se, em geral, como já dito, de uma assimilação das normas feitas para a navegação marítima. A regulamentação é essencialmente dirigida para a navegação marítima, estendendo-se a aplicação desses dispositivos legais à navegação interior. Ultimamente , nota-se a preocupação de introduzir na legislação alguns dispositivos específicos para a navegação interior, sem contudo atenderem a todas as diferenças existentes entre as duas modalidades. A propósito, pode-se afirmar que a navegação interior se assemelha mais ao transporte ferroviário do que à navegação marítima.

Por falta de uma legislação própria e adequada, a navegação interior tem sido, em muitos casos, penalizada, principalmente quando aplicada por autoridades severas, que cumprem à risca as determinações de leis e regulamentos, a ponto de prejudicarem a principal característica da modalidade que é a de poder oferecer fretes muitas vezes mais baixos que os dos outros meios de transporte.

Na verdade, muitos dos controles estabelecidos para a navegação marítima, necessários ao navio que se destina ao mar, ao deixar seu último porto de contato com a terra, são dispensáveis na navegação interior, em que o barco está sempre próximo da terra, em águas geralmente tranqüilas. As medidas de segurança podem ser muito atenuadas bem como as relativas à tripulação. Dentre as exigências excessivas, citamos ainda o número elevado de tripulantes; uso do aço naval para a construção de embarcações (mais caro do que o comum); a obrigação de o profissional estar vinculado a uma determinada embarcação, conforme determinam as normas marítimas.

Deve-se, ainda, registrar que o Regulamento para Tráfego Marítimo, no âmbito do Ministério da Marinha, apesar do nome, é também aplicado ao transporte por navegação interior (Decreto nº 87.648/82).

Esses procedimentos geram, muitas vezes, uma série de problemas práticos. As águas navegáveis do interior, as embarcações que nelas trafegam e o pessoal que trabalha nesse tipo de navegação constituem elementos que, inter-relacionados, resultam num quadro gerador de situações típicas, bastante diversas das apresentadas na navegação marítima.

No atual estágio de desenvolvimento do País, toda legislação deve ter em vista facilitar e estimular a navegação interior, sem descuidar das medidas de segurança de fato imprescindíveis.

Não existe, assim, uma legislação específica que considere os vários aspectos próprios deste tipo de transporte. O atual complexo legal pode ser considerado inadequado, uma vez que as condições de implantação, manutenção, operação, controle e segurança do transporte hidroviário interior são completamente diferentes das do transporte marítimo.

Da mesma forma, as instalações portuárias situadas nas vias navegáveis interiores mostram particularidades que não são levadas em consideração na legislação portuária vigente, elaborada com vistas à operação de terminais marítimos. A estrutura tarifária, por exemplo, é a mesma definida em lei para portos marítimos; sua aplicação aos portos fluviais é imprópria, cobrando-se, muitas vezes, serviços não utilizados.

Aqui, Sr. Presidente, basta notar o que sofre o nosso Estado, o Amazonas. Até Belém, como o frete é considerado marítimo, e a partir daí utilizamos o rio Amazonas, somos obrigados a ter um preço altamente onerado das mercadorias que chegam até o meu Estado porque a aplicação dessa estrutura tarifária, que deveria apenas ser relativa para os portos marítimos, é desconhecida porque imprópria para o porto fluvial.

No intuito de suprir a inexistência de uma legislação voltada especificamente para a navegação interior, é criada uma excessiva regulamentação que acaba por impor mais dificuldades a esse transporte. Devido ao grande número de órgãos, agindo ou interferindo sobre a navegação interior, observa-se a proliferação de normas e exigências legais quanto a pessoal, estado das embarcações, documentações, taxas, vistorias, serviços em relação ao nível de eficiência exigido pelo mercado, com a conseqüente perda de competitividade em relação às modalidades concorrentes.

No tocante aos aspectos institucionais, consideramos que a questão deve ser enfocada sob dois prismas: o primeiro sobre o transporte hidroviário propriamente dito e o segundo sobre o gerenciamento dos usos múltiplos das águas. No âmbito da função transporte, é indispensável, como já vimos, o tratamento da questão hidroviária interior separadamente da questão marítima, e com o mesmo status institucional conferido às modalidades congêneres, sempre tendo como referência o máximo aproveitamento das vantagens comparativas que a navegação interior pode proporcionar em determinadas rotas.

Desta maneira, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, impõe-se a criação de um organismo governamental, com status institucional de segundo escalão, responsável pela supervisão do transporte hidroviário interior na área federal, que, à semelhança das demais modalidades congêneres, trataria de integrar e otimizar as ações pertinentes a esse modo, tanto em nível das diferentes esferas administrativas, como da iniciativa privada, à luz dos diversos aspectos que lhe são inerentes. Existe hoje, a nível federal, uma multiplicidade de órgãos agindo ou interferindo sobre a navegação interior, de forma nem sempre bem coordenada, proliferando ingerências e normas sobre este tipo de transporte, o que vem se constituindo em empecilho ao desenvolvimento do transporte hidroviário interior. O Brasil não dispõe de instrumentos para harmonizar os interesses, muitas vezes conflitantes, sobre os usos múltiplos dos recursos hídricos do País.

Finalmente, é oportuno acrescentar que, ao resguardar as possibilidades de navegabilidade dos rios, o legislador deve estar atento ao fato de que as múltiplas utilizações das águas - navegação, irrigação, energia, controle de enchentes, piscicultura, abastecimento às populações etc - devem ser regulamentadas para minimizar os inevitáveis conflitos. Embora exista a base política geral, representada pelo Código das Águas, da década de 30, que estabelece a necessidade de preservação das condições de navegabilidade dos cursos d´água, o que se comprova é que suas determinações, muitas vezes, não foram ou não são acatadas. Os projetos de investimentos são, geralmente, elaborados pelas entidades responsáveis pela produção de energia elétrica, pertencentes ao setor melhor estruturado, prejudicando o melhor aproveitamento dos recursos hídricos.

Na construção de barragens para geração de energia elétrica, em vários casos, não foram implantadas obras de transposição dos desníveis criados, comprometendo, desta forma, a navegação.

Outro problema a ser considerado é o da regularidade do nível das águas, uma vez que, em épocas de estiagem, algumas usinas geradoras de energia elétrica não conseguem manter a vazão mínima requerida para a navegação.

Sabemos, Sr. Presidente, que o Poder Executivo, ano passado, enviou ao Congresso Nacional projeto de lei que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, no qual é abordada a questão dos múltiplos usos. Essa proposição ainda transita na Câmara dos Deputados. E tenho abordado a matéria daqui, juntamente com o companheiro que representa a Bahia, Senador Waldeck Ornelas, no sentido de darmos uma contribuição para essa navegação interior.

É com esta finalidade, Sr. Presidente, que trago essa nova proposição, no sentido de que possamos estudar o que é possível para a navegação interior, a fim de não confundirmos uma coisa com outra, ou seja, exigências para uma determinada circunstância de marítimo para o fluvial.

O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muita honra, Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - V. Exª, Senador Bernardo Cabral, aborda um assunto da mais alta importância para o nosso Estado. É um velho pleito dos amazonenses, governos e classes empresariais, que o rio Amazonas, até Manaus, até a embocadura do rio Negro, seja considerado um braço de mar para efeito de cobrança de frete, uma vez que se trata de um rio francamente navegável o ano inteiro. No entanto, como V. Exª assinalou, o frete fica caríssimo entre Belém e Manaus, isso numa cidade que é praticamente isolada do resto do Brasil por via terrestre, a não ser pela BR-319, que está hoje quase intransitável. Outro problema é o da excessiva regulamentação do transporte interior. Tudo isso, Senador Bernardo Cabral, onerando enormemente um transporte que é universalmente o mais barato de todos, ou seja, o transporte hidroviário. No entanto, paradoxalmente, na Amazônia, que está sobre a maior bacia hidrográfica do mundo, o frete fluvial acaba se tornando mais caro do que o frete rodoviário, por problemas legais e institucionais que V. Exª critica, com toda razão. Meus parabéns pelo seu pronunciamento.

O SR. BERNARDO CABRAL - Nobre Senador, o aparte de V. Exª, além do acolhimento que ele já teria pela sua oportunidade, reforça aquilo que digo. O nosso rio Amazonas, que tem navegabilidade inclusive para transatlânticos de luxo, que aportam em Manaus com grande facilidade, acaba fazendo com que não tenhamos ali, por essa circunstância do destino, o frete com baixo custo.

Não há como deixar de reconhecer que o que comanda a vida na Amazônia é o rio. Seria repetir o que disse o nosso autor Leandro Tocantins, quando prestava assessoria ao Governador Arthur Reis, ou seja, que não há nada que se compare àquela região do que a estrada natural, que é o rio, sem precisar de pavimentação alguma, sem enriquecer empreiteiros.

A grande realidade é que precisamos repensar tudo isso, para que a legislação referente àquela região seja considerada como deve ser.

Era o que tinha a trazer ao conhecimento do Senado.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/1996 - Página 13824