Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO EX-DEPUTADO ESTADUAL, DA PARAIBA, FRANCISCO SOUTO NETO.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO EX-DEPUTADO ESTADUAL, DA PARAIBA, FRANCISCO SOUTO NETO.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/1996 - Página 13858
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, FRANCISCO SOUTO NETO, EX-DEPUTADO, ESTADO DA PARAIBA (PB), LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, HOMENAGEM, ATUAÇÃO, POLITICA.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faleceu no último dia 7 do corrente, quarta-feira da semana próxima passada, em João Pessoa, na Paraíba, o ex-Deputado estadual Francisco Souto Neto, mais conhecido como Chico Souto, sem dúvida, uma das personalidades mais fortes e mais presentes na vida pública do Estado, desde que iniciou a sua carreira política, em 1958.

Era natural de Esperança, onde detinha uma grande liderança popular - basta dizer que em várias eleições sempre contou, ali, com mais de 80% dos votos, no município - o ex-Deputado Chico Souto foi aluno do Seminário Diocesano da Paraíba, onde iniciou estudos de Filosofia.

Foi Deputado estadual eleito e reeleito durante três legislaturas consecutivas, destacando-se na Assembléia Legislativa do Estado pelas funções que exerceu e pelas idéias que sempre defendeu durante a sua atuação parlamentar.

Foi líder do Governo Pedro Gondim e primeiro-secretário na Assembléia Legislativa do Estado. Pertenceu à Frente Parlamentar Nacionalista. Marcou a sua luta parlamentar pela defesa permanente não só dos interesses da Paraíba e do Nordeste, mas sobretudo dos interesses do Brasil. Revelou-se um intransigente defensor, desde aquela época, da reforma agrária e do sindicalismo rural.

Talvez essas suas idéias, consideradas, então, muito à esquerda, tenham provocado a cassação do seu mandato em 1969, pelo Movimento Militar de 1964, logo após a edição do Ato Institucional nº 5. Há quem diga na Paraíba, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o ex-Deputado Chico Souto teve o seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos por 10 anos pelo fato de ter sido o autor do projeto de lei que concedeu o título de cidadão paraibano a Dom José Maria Pires, considerado, à época, um dos maiores líderes da Igreja progressista do Nordeste por sempre exercer atividades bem autênticas no âmbito da Pastoral da Terra, por exemplo.

Chico Souto defendeu com ardor, sobretudo, os direitos dos trabalhadores rurais, particularmente ao tempo da criação, na Paraíba e em todo o Nordeste, das chamadas Ligas Camponesas, cuja mobilização em favor da reforma agrária levou ao sacrifício tantos camponeses, como, no caso do meu Estado, o Nego Fuba, o João Pedro Teixeira e tantos outros, que foram sacrificados nessa luta.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi dentro desse contexto que o ex-Deputado Chico Souto exerceu as suas atividades parlamentares e políticas. Após a sua cassação, ele, que sempre foi um animal político por natureza, como não podia mais atuar ostensivamente, o que fazia? No recôndito de seu gabinete de trabalho no cartório que tinha em João Pessoa, reunia diariamente, logo após o almoço, uma plêiade de pessoas representativas da sociedade (políticos, empresários e jornalistas), que lá iam discutir problemas da Paraíba, do Nordeste e do Brasil.

Esses encontros passaram a ser chamados "as reuniões do Senadinho". E como não tinha mais como exercer a atividade política, porque estava cassado e com seus direitos políticos suspensos por tanto tempo, Chico Souto procurava ajudar financeiramente, como pessoa física -na época a lei o permitia-, aqueles candidatos que pareciam merecer mais de perto a sua confiança e, sobretudo, o seu apoio, na linha de suas idéias progressistas.

É verdade que isso lhe valeu sempre uma fiscalização permanente, inclusive das autoridades militares, que, de perto, acompanhavam a situação não só na Paraíba, mas no Nordeste e no Brasil.

Eu não poderia deixar, neste instante em que presto esta homenagem à saudosa memória do ex-Deputado Chico Souto - e V. Exª, Senador Ney Suassuna, que, no momento, preside, eventualmente, a sessão e que o conheceu de perto, tenho certeza de que também comunga com este preito -, de ler rapidamente algumas passagens das homenagens que lhe foram prestadas pela imprensa paraibana, por intermédio das penas de jornalistas eminentes.

Na edição de O Norte de 9 de agosto, no artigo "A presença de Chico Souto", diz João Manoel de Carvalho:

      Como político, Chico Souto exerceu grande influência e considerável liderança, no cumprimento de vários mandatos de deputado estadual, não limitando sua atuação apenas à interpretação literal dos sentimentos e anseios dos agricultores e da população de Esperança e da região do brejo, mas soube levar para a Assembléia Legislativa do Estado a discussão de assuntos de interesse nacional, como a reforma agrária, a defesa da economia brasileira, a questão do petróleo, que ele considerava problema de cuja solução dependia não somente o destino de cada cidadão, mas a própria sobrevivência do país como nação.

      Por isso, Chico Souto tornou-se não só uma evidência estadual, mas um cidadão digno do respeito de todo o País, na medida em que defendia a sua pátria das investidas devastadoras das corporações internacionais e sabia distinguir entre o que fosse uma convivência saudável entre nações e povos e a dependência ou a rendição incondicional do Brasil aos interesses internacionais.

Eis um trecho do artigo "Adeus, amigo!", de Luíz Ferreira, publicado no Correio da Paraíba de 10 de agosto corrente:

      A política favoreceu-o por algum tempo. Depois, puniu-o com extrema severidade e com não menos extrema injustiça. Lembro-me de quando ele, cassado, foi despedir-se dos funcionários da Assembléia Legislativa, pelos quais era muito estimado. Na mão direita segurava um pequeno envelope branco, contendo uns poucos documentos particulares que ele retirara das gavetas do seu birô de primeiro-secretário. A única coisa, portanto, que levava para casa e para fora da política após muitos anos de militância. Só isso. Aliás, não só isso: levava também suas mãos tão brancas e tão limpas quanto o envelope. Para ele isso era tudo.

Gonzaga Rodrigues, na mesma edição do Correio da Paraíba, escreve num artigo sob o título "As cobras de agosto":

      Chico andava leve, de branco, entre as facções e as ideologias. Aliou-se ao melhor pensamento da época, não porque se debruçasse sobre os tratados da Reforma, mas pelo exemplo igualitário de Esperança, cidade sem discriminações, sem grandes ricos nem pobres extremos. Cidade de pequenos comerciantes, de pequenos proprietários, precisando mais de escolas do que de bancos para crescer. Cidade afetiva de Silvino Olavo e liberal de Samuel Duarte. Chico pupilo dos dois, ambos acenando em todos os momentos da sua vida. No auge da Assembléia ou no infinito desamparo em que até o crepúsculo lhe foi negado: ficou de costas para o poente, recostado a um coqueiro do mar, o horizonte breu de naufrágio.

Ainda no Correio da Paraíba, na mesma edição, Luiz Augusto Crispim escreve em seu artigo "Chico, o bom":

      Aos poucos, a Paraíba vai perdendo suas derradeiras unanimidades.

      Chico Souto gozava dessa unanimidade. E é um dos últimos a nos deixar. Ser bom não lhe pesava nem um pouco. Fazia parte do seu jeito de carregar a vida. Metia a mão no bolso para cobrir a aflição de um amigo, do mesmo jeito que sacava um daqueles seus aromáticos charutos de Havana. Não fazia muita diferença. Aspirava o gosto da fumaça com o mesmo prazer.

      Chico Souto era feito dessa matéria.

      Algumas vezes, no meio da conversa, dava-me a vontade de lhe perguntar de que matéria era mesmo feito. Não seria uma ficção da humanidade desacostumada às coisas do bem-querer? Quem sabe uma forma de compensar os males que sobram e que prosperam por toda parte. Ficou aqui, neste canto que os antigos resolveram chamar de Esperança, a semente última dos afetos esquecidos - como diz o poeta.

Na referida edição do Correio da Paraíba, diz Nonato Guedes no artigo "A perda de Chico Souto":

      Os meios políticos foram unânimes em reconhecer, ontem, a perda inestimável causada com a morte do ex-deputado e empresário Chico Souto. Político atuante, combativo, Souto pagou o preço dessa coerência com a punição injusta do regime militar, que cassou seu mandato legítimo e seus direitos políticos. Quando foi para o ostracismo, manteve a integridade pessoal e a solidariedade com os amigos e ex-colegas.

Por sua vez, o Governador José Maranhão, ao tomar conhecimento do falecimento do ex-deputado Chico Souto, disse:

      Nem mesmo impedido de exercer cargos eletivos o ex-deputado Chico Souto perdeu sua grandeza, sabendo manter-se, ao longo dos dez anos de cassação de seus direitos políticos, com dignidade e com altivez.

      (...)

      Acho que a Paraíba perde um dos seus grandes homens. Querido e estimado pelo povo, era uma grande figura humana.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de concluir, apenas para completar esta homenagem a esse ilustre paraibano, ex-Deputado Chico Souto, gostaria de dizer que o grande espelho em que ele se mirava na vida pública do Estado, a liderança que ele mais admirava era a do nosso ex-colega Senador Antônio Mariz, ex-governador do Estado da Paraíba, de saudosa memória. Foi justamente ouvindo os ensinamentos de Mariz que ele conseguiu formar a sua personalidade de homem público. É claro que tiveram grandes divergências, aqui e acolá, mas Mariz sempre exerceu uma grande influência na vida pública do ex-deputado Chico Souto.

E quanto a mim, o que quero dizer a V. Exª, Sr. Presidente, e às Srªs e aos Srs. Senadores, é que na época em que estive sem mandato, durante quatro anos, ao longo de 46 de vida pública, vivendo no Rio de Janeiro com a minha mulher e os meus filhos, foi uma fase difícil de minha vida. Como fui Líder do MDB e da Oposição no Senado e na Câmara, no período mais sombrio da ditadura, fazendo oposição ao Presidente Emílio Médici e, mais do que isso, ao regime militar, levando para a tribuna denúncias de cassações de mandatos, de suspensões de direitos políticos, de torturas e de desaparecimentos, quando se quis fazer um acordo geral na Paraíba entre a Arena e o MDB, eu disse que não tinha condições morais e políticas de aceitá-lo, participando da chapa de deputados federais, que seria uma chapa única, excluídos todos os que quisessem concorrer. Admitiria o acordo só para Senador, com vistas à reeleição de Argemiro Figueiredo. Fui vítima, Sr. Presidente, ao lado desse inesquecível paraibano, o ex-Senador Argemiro Figueiredo, de um acidente eleitoral, em 1970, na disputa que, afinal, tivemos de enfrentar para as duas vagas no Senado. Não fomos derrotados: perdemos para o voto em branco. Perdi por 50 mil votos, e Argemiro, por 65 mil votos; houve 95 mil votos em branco na Paraíba, porque os estudantes e trabalhadores - lá como em todo o Brasil - votaram em branco. O MDB só conseguiu eleger dois Senadores: um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Humberto Lucena, fomos Deputados Federais juntos, V. Exª exercitava a Vice-Liderança do MDB. Depois, a minha cassação me levou ao Rio de Janeiro - e é este o depoimento que quero dar -, onde V. Exª lutou bravamente, no escritório do saudoso Samuel Duarte, com quem formava sociedade. Devo dizer que tudo aquilo que puder ser registrado contra V. Exª não irão dizer nunca que foi por desonestidade, por falta de dignidade, por falta de decência política. Quero que V. Exª registre isso de um companheiro que foi cassado e que perdeu dez anos de seus direitos políticos. Sabemos o sacrifício passado no Rio de Janeiro, ambos advogando. Felizmente, a luz chegou ao fim do túnel. A resposta se deu pouco tempo depois, com a diáspora que houve: o retorno, o reencontro dos amigos aqui. Para minha satisfação, reencontro-me com V. Exª no Senado.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador Bernardo Cabral. Tenho uma grata recordação de nossos tempos na Câmara dos Deputados, da nossa luta ferrenha contra o garroteamento das instituições democráticas, ao lado de figuras notáveis desta República, como, por exemplo, Josaphat Marinho.

Mas quero lembrar a V. Exª que, depois - justamente era essa a época a que estava me referindo -, após o recesso compulsório a que foi submetido o Congresso, com a cassação de Mário Covas, fui alçado à condição de Líder. Esse é o ponto que estava lembrando, quando fui o Líder do MDB e da oposição ao Presidente Médici e ao regime militar, na fase mais sombria da ditadura. Foi nessa época, voltando à homenagem que estou prestando ao ex-Deputado Chico Souto, grande defensor das liberdades democráticas, particularmente na Paraíba -, quando me encontrava no ostracismo e havia momentos de não ter como viver com minha família no Rio de Janeiro - sabe V. Exª que sempre me mantive com subsídios -, que S. Exª me procurava, sempre com a sua generosidade, para dizer: "Não passe necessidade. Se precisar de qualquer coisa, procure-me, porque estou à sua disposição".

Esse é o homem que homenageio neste instante, Sr. Presidente, pessoa de bem, um democrata, um homem com H maiúsculo.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/1996 - Página 13858