Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNÇÃO PARTIDARIA NO PROCESSO POLITICO BRASILEIRO, OS ASPECTOS DA FIDELIDADE PARTIDARIA E DOS PARTIDOS POLITICOS SEM REPRESENTATIVIDADE POPULAR. APOIO A APROVAÇÃO DA PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 35, DE 1996, DE AUTORIA DO SENADOR ADEMIR ANDRADE E OUTROS SRS. PARLAMENTARES, QUE ALTERA O PARAGRAFO 1, DO ARTIGO 17 DA CONSTITUIÇÃO E ACRESCENTA PARAGRAFOS AO MESMO ARTIGO, A FIM DE REGULAR A DISCIPLINA PARTIDARIA. APELO A COMISSÃO TEMPORARIA ESPECIAL, DESTINADA A ESTUDAR A REFORMA POLITICO- PARTIDARIA, PARA QUE PROCEDA A UMA ADEQUADA ATUALIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNÇÃO PARTIDARIA NO PROCESSO POLITICO BRASILEIRO, OS ASPECTOS DA FIDELIDADE PARTIDARIA E DOS PARTIDOS POLITICOS SEM REPRESENTATIVIDADE POPULAR. APOIO A APROVAÇÃO DA PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 35, DE 1996, DE AUTORIA DO SENADOR ADEMIR ANDRADE E OUTROS SRS. PARLAMENTARES, QUE ALTERA O PARAGRAFO 1, DO ARTIGO 17 DA CONSTITUIÇÃO E ACRESCENTA PARAGRAFOS AO MESMO ARTIGO, A FIM DE REGULAR A DISCIPLINA PARTIDARIA. APELO A COMISSÃO TEMPORARIA ESPECIAL, DESTINADA A ESTUDAR A REFORMA POLITICO- PARTIDARIA, PARA QUE PROCEDA A UMA ADEQUADA ATUALIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Aparteantes
Ernandes Amorim, Humberto Lucena.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/1996 - Página 13856
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, POLITICA, BRASIL, FALTA, ESTABILIDADE, PARTIDO POLITICO, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO, OBJETIVO, MELHORIA, DEMOCRACIA, ESPECIFICAÇÃO, ELEIÇÕES.
  • CRITICA, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, AUSENCIA, REPRESENTAÇÃO, EFEITO, PERDA, UNIDADE, MANDATO.
  • JUSTIFICAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, DEFESA, FIDELIDADE PARTIDARIA, SOLICITAÇÃO, ATENÇÃO, COMISSÃO, REFORMULAÇÃO, POLITICA PARTIDARIA, REFORÇO, PARTIDO POLITICO.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a prática da verdadeira democracia pressupõe a existência de Partidos fortes e representativos como canais de manifestação da sociedade. E a definição objetiva e clara da função partidária no processo político é fundamento básico nas relações entre o cidadão e as suas expectativas de bem-estar. No passado mais remoto e no presente, o Brasil não tem sido nenhum primor de coerência em termos de tradição partidária. E as relações de causa e efeito na história de instabilidade e de inconsistência de nossas organizações partidárias têm dado origem a rupturas institucionais e a crises políticas de naturezas diversas.

Felizmente, temos hoje todas as razões para acreditar que a restauração do processo democrático veio para ficar. A Nação está definitivamente vacinada contra as aventuras, mas é inegável também que há grandes espaços para aperfeiçoar os instrumentos políticos de afirmação da democracia. O Brasil precisa estabelecer rapidamente uma reforma de princípios que garanta a estabilidade, purifique o ambiente político, reduza as influências da demagogia e permita que as correntes de pensamento assumam entidades representativas próprias e bem definidas.

Estamos vivendo o auge da campanha pelas eleições municipais. E o que vemos é um cipoal de muitas siglas, a maioria delas sem programas objetivos e sem mensagem ideológica, servindo de pasto para o oportunismo eleitoral. A menos de dois meses das eleições municipais, temos um palco perfeito para os coadjuvantes de ocasião, como se fossem táxis alugados para uma corrida que vai terminar em três de outubro. Há candidaturas alimentadas por coligações de quase uma dezena de Partidos periféricos, sem expressão e sem lideranças e, em muitos casos, conflitantes entre si. Não quero condenar, a priori, os candidatos que são obrigados a aceitar essa miscelânea de conflitos à direita e à esquerda, porque, se um não faz de cá, o outro vai fazer de lá. É o preço a pagar por uma legislação partidária permissiva e desatualizada.

Um dos lados mais trágicos disso para o aperfeiçoamento democrático é que vale mais a busca do poder que o interesse do eleitor. Na distribuição dos cargos, cada facção vai exigir o seu naco, comprometendo o mandato com perda de substância e de unidade. Peço a Deus que ajude a nos livrarmos desse modelo de deformação política, que é o excesso de Partidos já para as eleições seguintes. O pleito municipal é um fato político localizado, mas reflete, num universo menor, a realidade de todo o País. Precisamos superar a fase em que os arremedos de partidos políticos funcione como cartórios de interesses.

É indispensável repensar uma democracia que funcione sobre bases partidárias fortes, realistas e ideologicamente consistentes. Uma democracia sustentada por Partidos grandes e médios, e não por siglas apenas simbólicas que só servem apenas para desmoralizar o processo político, confundir a cabeça do eleitor e contaminar a imagem do Legislativo com exemplos do que há de pior, num efeito de generalização que é injusto com a maioria dos homens públicos. Minha opinião é de que os Partidos sem expressão política ferem os princípios mais elementares da cidadania. Não têm história, não têm representatividade e só fazem alimentar o clientelismo e a infidelidade partidária, que deve ser combatida em todos os sentidos. Nesse particular, acho que deve ser olhada com atenção a emenda constitucional do Senador Ademir Andrade, que trata da matéria. A proposta pune com a perda de mandato os políticos que deixarem os Partidos pelos quais foram eleitos ou se opuserem às diretrizes estabelecidas pela direção partidária. Sem dúvida, essa é uma questão importante que deve ser analisada no conjunto das reformas políticas que esta Casa vem estudando.

Além disso, entendo também que a boa democracia é aquela que consegue construir bases políticas sólidas, com organizações bem estruturadas e em que não haja espaço para grupos partidários sem representação no contexto social. Nesse sentido, o cientista político francês Maurice Duverger resume muito bem o que deve ser um Partido político em uma sociedade moderna e democrática: "Os partidos políticos, como os conhecemos modernamente, são as organizações que visam ao enquadramento das massas e à seleção de quadros, e correspondem às estruturas das sociedades contemporâneas".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, daqui deste plenário faço um apelo à Comissão de Reforma Político-Partidária, presidida pelo ilustre Senador Humberto Lucena, no sentido de que busque a mais ampla participação desta Casa e conclua os seus trabalhos, olhando mais para o Brasil do século XXI. Essa é uma questão que nos deve envolver a todos neste Senado. O Senador Humberto Lucena tem sabedoria, experiência e sensibilidade para captar as aspirações da sociedade e transformá-las em um texto legal adequado às nossas realidades. Esse foro privilegiado é a nossa oportunidade para mudar.

Alimentar as velhas práticas e manter os mesmos vícios significará condenar o Brasil ao pauperismo no campo das instituições políticas. Somos hoje uma potência emergente no contexto da globalização econômica.

O Sr. Humberto Lucena - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MAURO MIRANDA - Ouço o nobre Senador Humberto Lucena.

O Sr. Humberto Lucena - Acompanhava, com interesse, o discurso de V. Exª, justamente por versar matéria que diz respeito à Comissão Temporária Especial deste Senado, que tenho a honra de presidir, e cujo Relator é o Senador Sérgio Machado, do PSDB. Temos trabalhado no sentido de realizar um debate amplo, o que já foi praticamente feito, porque levamos ao âmbito dessa Comissão não só o Vice-Presidente da República, o Ministro da Justiça, como governadores representantes dos mais diversos Partidos, além de outras eminentes personalidades. Recolhemos também subsídios, por escrito, dos presidentes de Partidos e na próxima semana, terça-feira, às 10h, teremos a última audiência, quando será ouvido o Deputado João Almeida, Relator de comissão idêntica na Câmara dos Deputados. Com isso, objetivamos realizar um trabalho conjunto com a Câmara dos Deputados. Todo o material ali levantado, e que está nas mãos do nobre Relator Sérgio Machado, já constitui subsídio suficiente para que S. Exª possa produzir, o mais rápido possível, o seu relatório final, inclusive sugerindo proposições como Proposta de Emenda Constitucional, uma delas, naturalmente, visando essa questão da fidelidade partidária que V. Exª abordou com muita propriedade, porque temos em conta a necessidade de fortalecer os Partidos, sem o que, na verdade, não se pode consolidar a democracia no País. Um dos pontos que mais me impressionaram nos debates ali travados foi justamente a questão levantada, se não me engano, pelo Governador Antonio Britto, do Rio Grande do Sul, no que diz respeito à necessidade de, para chegarmos à fidelidade partidária, se rever o sistema eleitoral, porque justamente o atual não fortalece os partidos. Os candidatos de um modo geral, mas sobretudo os candidatos às eleições para a Câmara dos Deputados, levam em conta mais a sua pessoa, a sua imagem, e não propriamente o Partido. Contudo, ao lado do trato da questão da fidelidade partidária, temos que resolver a questão do sistema eleitoral, se não adotando um sistema majoritário, que é a chamada eleição por distrito, pelo menos o sistema misto, que seria 50% pelo voto proporcional e 50% pelo voto distrital, como um caminho para o fortalecimento dos partidos, e, aí sim, viria a exigência da fidelidade partidária. Esse e outros temas serão tratados em Proposta de Emenda Constitucional, mas teremos, também, projetos de lei complementares e projetos de lei ordinária. A nossa idéia é estarmos, até o final do ano, com essas proposições prontas, para começarmos a apreciá-las nas duas Casas do Congresso Nacional. Muito obrigado e parabéns a V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. MAURO MIRANDA - Agradeço profundamente a sua manifestação. Sei do trabalho que V. Exª está fazendo hoje. Todavia, achei boa a oportunidade de falar, neste momento, porque nós, Senadores, nas nossas bases, estamos vendo essa dificuldade aflorar com muita intensidade, causando essa desordem partidária no País.

O Sr. Ernandes Amorim - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Mauro Miranda?

O SR. MAURO MIRANDA - Concedo o aparte ao nobre Senador Ernandes Amorim.

O Sr. Ernandes Amorim - Nobre Senador, fala-se em fidelidade partidária, em fortalecer partidos. Existem, hoje, inúmeros partidos no Brasil. No entanto, ao chegarmos ao Senado da República, vemos praticamente dois partidos: o Partido da Oposição, que é o PT, e os outros partidos com o mesmo pensamento, o mesmo programa, o mesmo apoiamento. Daí fico a pensar: será que essas reformas não seriam mais necessárias na cabeça dos políticos do que no papel?

O SR. MAURO MIRANDA - Senador Ernandes Amorim, da minha parte, não. Estou tranqüilo que precisamos fazê-las, resolvendo com isso uma dificuldade, porque o Presidente da República tem que governar este País com uma base partidária consistente e ideologicamente afinada.

Prossigo o meu discurso.

O nosso Produto Interno Bruto já se aproxima da casa de US$1 trilhão, nosso poder econômico é o maior de toda a América Latina, mas a realidade política interna é atrasada e não acompanhou os avanços materiais conquistados pela sociedade organizada.

É imperativo superar essas diferenças para que o político, o econômico e o social caminhem no mesmo passo e de mãos dadas. O aperfeiçoamento político, por meio do fortalecimento dos partidos e da fidelidade a programas e a compromissos, estabelecerá uma nova era de afinidade entre o cidadão e os seus representantes. Só com partidos fortes e com elos permanentes de afinidade entre eleitores e eleitos, poderemos escrever páginas mais nobres para a História deste País e para a democracia. Mas é preciso ter coragem, determinação e espírito público para vencer as resistências de sempre e mudar o quadro de mentira e de fragilidade que temos hoje. Creio que teremos, depois das eleições municipais, um momento extremamente favorável para concluir as mudanças na legislação e oxigenar a política brasileira com um universo partidário menos pulverizado e mais representativo.

A reorganização partidária vai permitir o encontro das várias tendências atuais em novos leitos comuns, mais autênticos e uniformes, e fará fluir, com maior naturalidade, os entendimentos políticos entre o Executivo e o Legislativo. Sem isso, a governabilidade do País continuará rateando; o povo se manterá descrente e sem rumos, e a consolidação democrática não estará definitivamente livre das crises que têm marcado a história recente do País.

São as minhas expectativas, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/1996 - Página 13856