Discurso no Senado Federal

DEFENDENDO A APROVAÇÃO DE PROJETO DE LEI, DE SUA AUTORIA, OBJETIVANDO A SUPRESSÃO DO INCISO VI, DO PARAGRAFO 2 DO ARTIGO 171 DO CODIGO PENAL, QUE DEFINE A EMISSÃO DE CHEQUE SEM FUNDOS COMO CRIME DE ESTELIONATO.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO PENAL.:
  • DEFENDENDO A APROVAÇÃO DE PROJETO DE LEI, DE SUA AUTORIA, OBJETIVANDO A SUPRESSÃO DO INCISO VI, DO PARAGRAFO 2 DO ARTIGO 171 DO CODIGO PENAL, QUE DEFINE A EMISSÃO DE CHEQUE SEM FUNDOS COMO CRIME DE ESTELIONATO.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/1996 - Página 13915
Assunto
Outros > CODIGO PENAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL, DESCARACTERIZAÇÃO, CRIME, EMISSÃO, CHEQUE, FALTA, FUNDOS.
  • SUGESTÃO, CARACTERIZAÇÃO, EMISSÃO, CHEQUE, FALTA, FUNDOS, ATO ILICITO, DIREITO CIVIL, MOTIVO, CRESCIMENTO, DEVOLUÇÃO, UTILIZAÇÃO, ANTECIPAÇÃO, DATA, EXCESSO, OCUPAÇÃO, VARA CRIMINAL, POLICIA.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos submetendo à deliberação superior dos Srs. Congressistas projeto de lei objetivando, em síntese, a supressão do inciso VI, do parágrafo 2º, do artigo 171, do Código Penal, assim redigido:

      Art.171......................................

      §2º..........................................

      VI -- Incide em crime de estelionato aquele que emite cheque sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhes frustra o pagamento.

Definindo, como se vê, a emissão de cheque sem fundo como crime de estelionato, esta disposição, de fato, mostra-se envelhecida, ultrapassada e, por isso mesmo, injusta, à semelhança de outras tantas do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que aprovou a codificação das normas penais ainda hoje prevalecentes.

Especialmente em nossa economia, onde o cheque assumiu características de moeda e de instrumento de crédito, a emissão de cheques sem fundo deve ser tratada apenas como ilícito civil .

Deve-se acrescentar que o nosso Código Penal tipifica como crime de estelionato o recurso à fraude nos pagamentos por meio de cheque, o que geral não se configura, responsabilizando pelo fato delituoso o indivíduo que, em qualquer caso, "emite cheque sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhes frustra o pagamento", como vimos há pouco.

A penalidade a ser aplicada ao emitente, no caso assinalado, é a de reclusão de um a cinco anos, acrescida de multa, sem embargo de se admitir, nas hipóteses de cheque de pequeno valor e de o réu ser primário, que o magistrado limite a condenação à sanção pecuniária e à substituição da pena de reclusão pela de detenção.

Conforme esclareceu, recentemente, o Juiz Roberval Casemiro Belinati, da Terceira Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, devolvido o cheque, o credor, de hábito, transfere o título para um escritório de cobrança. Esse, não conseguindo receber, oferece representação criminal por estelionato contra o emitente à Delegacia de Polícia e, ao mesmo tempo, ajuíza ação de cobrança ou de execução, no juízo civil.

Mobiliza-se, assim, o aparelho do Estado contra o faltoso: a delegacia instaura o competente inquérito policial e o Poder Judiciário dá conseqüência à ação executiva impetrada. Insatisfeita a primeira exigência, o inquérito é encaminhado ao Ministério Público, para oferecimento de denúncia contra o emitente, iniciando-se a ação penal para apurar o crime de estelionato.

Tem-se aí que o emitente, afinal, acaba sendo processado duas vezes, uma na vara cível e outra na vara criminal.

É normal acontecer que o emitente efetue o pagamento do cheque devolvido durante a ação penal. Nesse caso, a solução produzirá efeito somente no juízo cível, onde corre a ação de cobrança, que será extinta. O mesmo, entretanto, não ocorrerá com a ação penal. Depois de instaurada, ela deve ir até à sentença final, com a absolvição ou condenação do emitente, uma vez que o pagamento do cheque somente autorizará o juiz a atenuar a pena.

Acontecendo a quitação antes do recebimento da denúncia, o inquérito será arquivado, porquanto não mais haverá justa causa para a ação, o que deveria ocorrer durante a ação penal, fosse esse o entendimento da jurisprudência dominante. Identifica-se aí uma incoerência, haja vista o fato de que o interesse maior da vítima não é recolher o emitente do cheque sem fundo à cadeia, mas unicamente receber o que tem a seu crédito.

Preocupam-se os juízes com o fato de que, somente no mês de maio de 1995, foram devolvidos um milhão e quatrocentos e onze mil cheques sem a devida provisão de fundos, segundo os apontamentos da Centralização de Serviços de Bancos. Isso representa 0,415 por cento do total compensado e corresponde à maior taxa do último decênio. Somente nos primeiros cinco meses do ano citado foram devolvidos mais de seis milhões de cheques sem fundo, configurando um número assustador.

Pergunta-se, então, como ficaria a situação do Poder Judiciário e da Polícia se todas as pessoas prejudicadas quisessem processar por estelionato os emitentes daqueles seis milhões de cheques? A verdade é que não há estrutura física nem para receber cinco por cento desse montante. Todavia, de acordo com a lei vigente, as pessoas que receberem cheques sem fundos podem procurar a Policia, o Ministério Público e o Poder Judiciário para processar criminalmente os emitentes que não lhes honraram o pagamento.

Esse cenário demonstra que o problema é gravíssimo, principalmente agora que o cheque passou a ser utilizado como moeda. A realidade é que as varas criminais e a polícia não estão preparadas para enfrentar o crescente problema.

Assim, para desafogar as varas criminais e os cartórios policiais que estão recebendo diariamente milhares de reclamações e de ações devidas a cheques sem fundos, a solução imediata seria a revogação do inciso VI do parágrafo 2º do artigo 171 do Código Penal, para pôr fim ao estelionato-cheque e determinar que a simples devolução de cheque sem fundos somente configuraria ilícito civil, a ser reparado pelo juízo cível.

Comprovado que o agente utilizou-se de cheques sem fundos para aplicar golpes, para enganar as pessoas, o crime de estelionato continuaria existindo nessa modalidade, mas seria enquadrado no caput do artigo 171 do Estatuto Repressivo.

Tão-só a alegação de que recebeu cheque sem fundos não garantiria o direito de processar o emitente pelo estelionato, exigindo-se, primeiro, instrumento de prova quanto à existência de golpe ou de fraude por meio de cheque.

Por outro lado, a revogação do estelionato-cheque aumentaria a responsabilidade e o cuidado de quem recebe cheques e obrigaria o Governo a agir com maior rigor contra os emitentes, de má fé, de cheques sem fundos.

Continuando como está, não vai demorar muito e as Varas Criminais e a Polícia haverão de estar ocupadas, a maior parte do tempo, somente com as ações de estelionato-cheque, em prejuízo da apuração dos crimes graves.

Devemos acrescentar, finalmente, em abono da proposição, que a média altíssima de cheques compensados, a partir da implantação do Plano Real, e, conseqüentemente, o crescimento extraordinário do número daqueles devolvidos por insuficiência de fundos, tem estreita ligação com o uso cada vez maior do cheque pré-datado -- uma instituição nacional. Segundo informes da Centralização dos Serviços Bancários -- Serasa, eles representam hoje mais da metade dos cheques emitidos no País.

Pois, no Brasil, a população empobrecida está afastada dos mecanismos regulares de crédito e as empresas, à míngua de capital de giro, não têm como financiar as vendas. Então, num notável exercício de criatividade, instituiu-se o pré-datado, que aqui exerce a função de título representativo de compra a prazo, enquanto no resto do planeta todo cheque preserva a condição de instrumento de troca à vista.

Conseqüentemente, é por inteiro defensável que o cheque pré-datado, oferecido à compensação em data antecipada à do vencimento combinado, não pode ensejar o apenamento do emitente, por crime de estelionato, no âmbito do Direito Penal.

A proposição, até por força da argumentação expendida, contará, decerto, com o amplo acolhimento dos membros de ambas as Casas Legislativas, e com a subseqüente sanção presidencial, posto que intenta atualizar as normas reguladoras das trocas de valores mediante cheque, tornando-as consentâneas com os procedimentos consagrados pelo uso comum das pessoas, em geral inocente, e que, não obstante, vem sendo injustamente apenado como dos mais graves ilícitos da lei penal.

Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/1996 - Página 13915