Pronunciamento de Sebastião Bala Rocha em 14/08/1996
Discurso no Senado Federal
DEFENDENDO A EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DA RECICLAGEM E COLETA SELETIVA DE LIXO NO BRASIL.
- Autor
- Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
- Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA SANITARIA.:
- DEFENDENDO A EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DA RECICLAGEM E COLETA SELETIVA DE LIXO NO BRASIL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/08/1996 - Página 14014
- Assunto
- Outros > POLITICA SANITARIA.
- Indexação
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- COMENTARIO, EFICACIA, EXPERIENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ALEMANHA, RECICLAGEM, REAPROVEITAMENTO, RESIDUO, LIXO.
- DEFESA, NECESSIDADE, INCENTIVO, RECICLAGEM, LIXO, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, CONSUMIDOR, INDUSTRIA, REUTILIZAÇÃO, PRODUTO, IMPEDIMENTO, PRODUÇÃO, RESIDUO, PRESERVAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE.
O SR. SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho aproveitado a oportunidade em que o Brasil inteiro discute eleições municipais para trazer ao plenário da Casa assuntos que considero de relevante interesse, do ponto de vista da administração municipal, sobretudo, como fiz há mais ou menos uma semana, ao tratar, neste Plenário, da questão da Bolsa-Escola, do Orçamento Participativo, do Programa de Garantia de Renda Mínima e do Programa Médico de Família, que considero programas sociais exitosos e que têm contribuído muito nesses Municípios para o combate das desigualdades sociais.
Hoje, trago um tema que considero também de elevada importância no Município, sobretudo com relação à Saúde, quer seja da população ou a saúde ambiental das nossas cidades principalmente, que é a questão da coleta e destino do lixo.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é espantoso como a coleta e a disposição do lixo no Brasil são consideradas questões menores, que não justificam uma atenção das autoridades.
Nesse particular, o Brasil age como o faxineiro preguiçoso que, terminando de varrer a sala, olha para um lado e para outro e, constatando que não é observado por ninguém, joga o lixo para debaixo do tapete.
A diferença é que não há tapete que esconda a quantidade de resíduos sólidos produzidos no Brasil. São 96 mil toneladas por dia. Isso corresponde a um estádio do Maracanã de lixo.
É difícil esconder tanto lixo. Não só pela fabulosa quantidade que representa, mas também pelo modo como é coletado e depositado. Metade dos resíduos é lançada a céu aberto ou em cursos d'água. Sem falar no que é apenas "jogado fora", que constitui cerca de um quarto de todo o lixo produzido no País, como aponta o Censo de 1991, do IBGE.
Esse quadro indica que o Brasil não admitiu, até hoje, que o gerenciamento do lixo constitua um problema a ser resolvido. É, no máximo, um motivo de constrangimento público para as autoridades. Se o problema é encarado assim, a solução é, simplesmente, retirar a sujeira dos lugares onde possa ser vista.
Felizmente, nos últimos dez anos, têm surgido experiências inovadoras de coleta seletiva e reciclagem de resíduos, em alguns municípios brasileiros. Essas experiências, que pretendemos relatar mais adiante, aproximam-se da concepção de desenvolvimento sustentado, hoje em dia tão falada, mas pouco praticada.
Para ter um parâmetro do grau de preocupação das autoridades brasileiras com a questão, é importante observar o que tem sido feito lá fora. Nos chamados países desenvolvidos, desde a década de 60, a coleta e destinação do lixo constitui-se motivo de preocupação e de ocupação dos governantes, que muito têm feito para resolver o problema. Inicialmente, incentivaram a reciclagem; posteriormente, acharam mais vantajoso reutilizar, ou seja, evitar que o lixo fosse jogado fora; por último, têm responsabilizado diretamente os produtores de lixo, com a filosofia do "quem polui paga", sendo que o objetivo desta última é evitar a geração de produtos facilmente descartados.
A diferença de abordagem começa pelo próprio nome. Para nós, a palavra LIXO ainda é largamente empregada como sinônimo de tudo que é lançado fora, de rejeitos, de algo imprestável. Já nos países desenvolvidos, há muito se trabalha com o conceito de RESÍDUO SÓLIDO. Enquanto o primeiro nos traz a idéia de algo inaproveitável, o segundo contém a idéia de um bem valorizado economicamente. Alguns países que já acordaram para o reaproveitamento dos resíduos sólidos lucram com o que é jogado fora. Nos Estados Unidos, o mercado de produtos ecológicos gera cerca de duzentos bilhões de dólares e, na Europa, outros 100 bilhões têm essa mesma fonte.
A cidade norte-americana de Newark, com trezentos mil habitantes, recicla metade dos seus resíduos, queima um quarto e apenas o restante, por não ser aproveitável, vai para aterros. Isso gerou para eles, de 1988 a 1994, uma economia de 325 milhões de dólares em custos que deixaram de ser bancados com o depósito do lixo. Além disso, auferiram lucros de trinta e três mil dólares com a venda dos produtos reciclados. Como se pode ver, não se ganha tanto com a venda do material para reciclagem, mas, sim, com a economia de custos para disposição do lixo. Essa consideração é válida se quisermos ficar fazendo contas rasteiras. Se, em vez disso, pensarmos no custo de renovação dos recursos naturais, veremos que o principal ganho é muito maior, em termos de fontes de riquezas naturais preservadas, beneficiando não só a geração presente como as futuras. Para ficarmos apenas no âmbito das cifras do desperdício, é significativo considerar que o Brasil joga fora, todo ano, o correspondente a quinhentos milhões de dólares em resíduos que poderiam ser reaproveitados para reciclagem.
Um país como a Alemanha é representativo de uma esforço de proteção do meio ambiente, no que se refere ao tratamento dado aos resíduos sólidos. No início da década de setenta, era insignificante a reciclagem de vidro e de papel. Mas, em 1994, os níveis de reciclagem chegavam a 65% para o vidro e 40% para o papel. De quebra, houve redução, em algumas cidades, de até um terço do lixo coletado nas casas. Outros países têm taxas significativas de reciclagem, como a Holanda e a Áustria, onde os percentuais chegam a 73% e 64%, respectivamente.
Então, Srªs e Srs. Senadores, no que respeita ao problema dos resíduos sólidos, o Brasil tem muito que evoluir. Embora o Relatório sobre o desenvolvimento humano no Brasil, da Organização das Nações Unidas -- ONU, aponte alguns dos Estados da Federação com níveis de desenvolvimento humano comparáveis aos de países desenvolvidos, esses mesmos Estados deixam muito a desejar quando o assunto é gerenciamento de resíduos sólidos.
Embora em algumas grandes cidades o percentual de coleta de resíduos sólidos chegue a 95%, como é o caso de São Paulo, na maioria dos municípios essa coleta não passa de 80%, sendo que, para algumas cidades do Maranhão, o índice não é maior que 26%. Esse fato se torna mais grave quando constatamos que as famílias com os menores níveis de renda são as menos alcançadas pela coleta.
Nossas autoridades sanitárias se mostram até satisfeitas com a média nacional de coleta de lixo -- 80% dos domicílios urbanos --, como revela o relatório denominado Demanda, oferta e necessidades dos serviços de saneamento (1995), do Ministério do Planejamento e Orçamento. Entretanto, no que tange à disposição final, a prática nacional é desastrosa. Como dissemos anteriormente, metade do lixo é jogado a céu aberto. O restante tem a seguinte destinação: 22% vão para aterros controlados, que não evitam a contaminação do meio ambiente; 23% vão para aterros sanitários, estes, por sua vez, capazes de evitar riscos à segurança sanitária. Parcos 3% se transformam em adubo e insignificantes 2% são reciclados. A quantidade de incinerados é desprezível. Para se ter uma idéia, neste último aspecto, o Japão queima 80% dos dejetos, a Suíça, 75% e a França, 35%.
Esses dados, Senhoras e Senhores Senadores, são indicativos claríssimos de que o Brasil ainda não tomou providências para alcançar um desenvolvimento sustentado. Os princípios elementares do novo modelo, no que concerne à produção de resíduos são: evitar que sejam produzidos, reutilizar antes de jogar fora e reciclar o que foi lançado.
As experiências de reciclagem e coleta seletiva em nosso País, ainda são poucas e, contra elas, pesa o fato de não terem comprovado serem economicamente viáveis, pois, num momento inicial, implicam maiores custos.
Dos cerca de cinco mil municípios, apenas cem deles têm sistemas de coleta seletiva. Cidades como Niterói-RJ, Florianópolis-SC, Curitiba-PR, Porto Alegre-RS, São José dos Campos-SP, São Paulo-SP, São Sebastião-SP tiveram êxito em suas experiências de coleta seletiva. Ressalte-se que nessas experiências ficou evidente a necessidade da educação dos moradores e da parceria do governo com associações de moradores e empresas, com condições para o sucesso. É preciso, também, que haja empresas recicladoras que comprem o material separado (vidros, plásticos, papéis), para que os projetos dêem certo.
Uma das experiências mais significativas é a de Niterói, no Rio de Janeiro. Pioneira no Brasil, pois funciona desde 1985, hoje serve de referência para outras cidades que queiram iniciar sistemas semelhantes. O projeto tem-se viabilizado graças à parceria estabelecida entre a universidade, as organizações de moradores, prefeitura e empresas privadas. Com um início modesto, em apenas um bairro e abrangendo uma centena de casas, hoje o projeto recebeu adesões e não só se expandiu como comprovou sua viabilidade para ser estendido a toda a cidade. O vidro recolhido é vendido para indústrias, os metais vão para os sucateiros, o papel para aparistas. A experiência se revelou auto-sustentável porque, além do que é recebido pela venda dos materiais, a prefeitura paga ao projeto, por tonelada recolhida, o mesmo preço que repassa às empreiteiras de coleta regular.
As experiências de coleta seletiva, por sinal, são muito significativas para o resgate da dignidade de comunidades carentes, como é o caso da Favela Monte Azul, em São Paulo-SP; mostram seu valor, também, ao incorporarem setores marginalizados da sociedade, como os catadores de papel, também de São Paulo, que formaram associações para melhor atuarem e auferirem vantagens de seu trabalho. Em Porto Alegre também ocorreu esse tipo de resgate de populações marginalizadas. Outro aspecto positivo é o autoconceito das populações de bairros de classe média que se sentiram ganhando status, ao participarem de programas de coleta seletiva, pois, no imaginário de algumas dessas pessoas, igualavam-se aos hábitos de suíços e de alemães. As escolas, na maior parte das experiências, foram chamadas a participar, com ganhos para a educação ambiental, implicando o engajamento dos alunos em projetos concretos de defesa da ecologia. Enfim, todas elas significaram um ganho de cidadania muito importante para o Brasil.
Dizer que tais experiências devam ser seguidas tal como ocorreram nessas cidades é temerário, pois cada contexto é que dirá das condições e viabilidade de tais práticas. Mas o importante é se engajar em alguma prática que altere as atuais condições. Nesse sentido, políticas públicas devem ser implementadas, com urgência, visando a dar melhor destinação ao lixo coletado. Alguns projetos, por sinal, estão muito bem delineadas na Agenda 21, resultante da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92.
É preciso incentivar a reciclagem, mas, antes disso, é mais importante promover a reutilização de produtos, evitando a produção de lixo. Devemos atentar que, nos últimos anos, o padrão de consumo tem valorizado mais os produtos descartáveis, em detrimento de um padrão anterior, que prestigiava a durabilidade do bem. É incomensurável a quantidade de papéis e plásticos jogados na rua pelos consumidores. Só em São Paulo, mais de 60% do lixo coletado é de papel, papelão e plástico. Essa sujeira degrada o meio ambiente, a médio e a longo prazo, pois é de difícil reabsorção pela natureza. Além disso, o que não é coletado contribui fortemente para enchentes e inundações nos grandes centros, pois se acumulam nos locais por onde as águas pluviais deviam escorrer, barrando-lhes a passagem. Ou favorecem os desabamentos nas encostas de morros, causando inúmeros prejuízos, inclusive em vidas humanas.
É imperativo, pois, Srªs e Srs. Senadores, que se criem novos padrões de consumo. E isso depende da conscientização dos consumidores. Devemos, inclusive, aproveitar a "onda de consumo do verde", em que as pessoas se têm engajado. Esse é o momento para mostrar que a ecologia começa na casa de cada um, no comportamento de cada um ao comprar, ao usar, ao jogar ou deixar de jogar fora. É hora de deixar claro que, para cidadão, é mais fácil preservar a cidade onde vive do que as baleias do Ártico. Essa conscientização seria um grande ganho.
Mas a conscientização dos consumidores não é suficiente. É necessário desestimular a produção de resíduos sólidos. As indústrias de alguns países, como as da Alemanha, são responsabilizadas financeiramente pelo recolhimento e pela guarda dos resíduos que geram. Isso tem trazido como conseqüência um desestímulo à produção de tantos descartáveis, pois a lei ataca diretamente o bolso do produtor. Quando a responsabilidade financeira não era das indústrias, estas não diminuíam sua produção de lixo, pois os custos eram arcados por terceiros.
Já em algumas cidades dos Estados Unidos, cidadãos comuns são estimulados a produzir menos lixo, pelo benefício que recebem na estipulação de taxas menores para quem usa menos os serviços de coleta.
O que é preciso ficar claro, Srªs e Srs. Senadores, é que, no Brasil, não precisamos chegar aos níveis de degradação do ambiente a que chegaram alguns desses países desenvolvidos aqui citados e que, após verem seus recursos naturais num nível de esgotamento muito sério, tomaram as medidas que aqui relatamos.
A redução dos resíduos sólidos, a reciclagem daqueles produzidos, bem como a incineração com aproveitamento energético dos rejeitos são práticas para o aqui e agora do Brasil, para que tenhamos o tão falado desenvolvimento sustentado. Ao não produzir resíduos, estaremos economizando os recurso naturais; ao reciclar, estaremos deixando de lançar mão dessa riqueza. Para se ter uma idéia das vantagens, observe-se que cada tonelada de papel reciclado proporciona uma economia de 17 a 20 eucaliptos de sete anos de idade.
Um aspecto interessante de uma nova abordagem é a utilização dos meios locais, chamando atenção para o papel ativo de cada pessoa, de cada residência, de cada município na mudança dos padrões de consumo, coleta e disposição final do lixo. Os consumidores, deixando de comprar produtos facilmente descartados; cada residência, separando o lixo para facilitar a reciclagem; o municípios, editando normas que coíbam a produção de lixo e favorecendo programas de reciclagem.
Embora o gerenciamento dos resíduos sólidos seja um problema nacional, as ações não dependem de programas centralizados, dispendiosos, com muitas exigências. A contribuição do governo federal para esses programas municipais está, principalmente, na transferência de tecnologias, na disseminação de experiências exitosas, no monitoramento dos dados sobre coleta e disposição de lixo, no estímulo à adoção de práticas conservacionistas e, até, nas transferências financeiras para aqueles municípios que não dispõem de recursos próprios.
Srªs e Srs. Senadores, o fato é que o Brasil, aqui compreendidos governos federal, estaduais, municipais, empresas e sociedade civil organizada, precisa definir com urgência o que fazer com os resíduos sólidos que o País produz. Do contrário, estará condenando as gerações futuras a pagarem um custo muito alto não só para recuperar áreas degradadas, mas também para obter meios de continuar produzindo os bens necessários à sobrevivência. E como pudemos ver, como no caso da experiência aqui relatada, essas soluções são simples. Basta ter boa vontade e parar de tentar esconder o lixo debaixo do tapete.
Era o que tinha a dizer. Muito Obrigado.