Discurso no Senado Federal

VIOLENCIA URBANA EM SÃO PAULO. LANÇAMENTO, NO PROXIMO SABADO, DA CAMPANHA 'REAGE SÃO PAULO', DE INICIATIVA DOS PARENTES E AMIGOS DE VITIMAS DA VIOLENCIA NA CIDADE. TRANSCRIÇÃO DO ESTUDO DE PAULO SERGIO PINHEIRO, BEM COMO DO MAPA DE RISCO DA VIOLENCIA DA CIDADE DE SÃO PAULO, PREPARADO PELO CENTRO DE ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORANEA - CEDEC.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • VIOLENCIA URBANA EM SÃO PAULO. LANÇAMENTO, NO PROXIMO SABADO, DA CAMPANHA 'REAGE SÃO PAULO', DE INICIATIVA DOS PARENTES E AMIGOS DE VITIMAS DA VIOLENCIA NA CIDADE. TRANSCRIÇÃO DO ESTUDO DE PAULO SERGIO PINHEIRO, BEM COMO DO MAPA DE RISCO DA VIOLENCIA DA CIDADE DE SÃO PAULO, PREPARADO PELO CENTRO DE ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORANEA - CEDEC.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/1996 - Página 14102
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, DENUNCIA, AUMENTO, VIOLENCIA, INFORMAÇÃO, LANÇAMENTO, CAMPANHA, COMBATE, CRIME, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, AUTORIA, SERGIO PINHEIRO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), ESTUDO, PROBLEMA, VIOLENCIA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr.Presidente, Senador José Sarney, Srªs e Srs. Senadores, há duas semanas, no Jardim Paulistano, em São Paulo, dois assaltantes puseram álcool sobre o corpo de um senhor de 70 anos, em frente de sua esposa, e no vigilante da casa, para que fosse revelado onde ficava o cofre da casa. Acabaram ateando fogo naquele homem, que ainda se encontra em estado delicado e no vigilante, que conseguiu se desvincilhar com algumas queimaduras.

Na noite de segunda-feira desta semana, Valdemir Moreira de Almeida, de 20 anos, conversava com vários estudantes, no volante de um Escort parado na Escola Estadual de 1º e 2º graus João Brohemer Jardim, no Jardim Peri. Nesse momento, ocupantes de um Santana, de um Volks e de uma Pampa dispararam vários tiros em sua direção. Foram mortos Valdemir e Clécio Roberto Bezerra, de 17 anos, que caminhava no outro lado da rua.

Na mesma noite, também no Jardim Peri, Arnaldo Borges, de 19 anos, estava sendo perseguido por cinco homens e procurou socorro na Escola Estadual de 1º e 2º graus Pastor Paulo Leiva. Borges foi alcançado no pátio e recebeu um tiro na boca. Outros tiros acertaram os estudantes Cícera Neves, de 15 anos, Rogério Pereira Campana, de 16 anos.

Na Zona Leste, uma briga entre grupos rivais terminou em tiroteio na Escola Municipal Brasílio Machado Neto, no Parque Santa Madalena, ficando feridos os estudantes Regina Nascimento Pereira, de 15 anos e Renato Aparecido Carvalho, de 17 anos, José Alexandre Vicente da Silva, de 18 anos, que fora buscar a namorada, e Reginaldo Raimundo da Silva, que passava pela escola, de 17 anos.

No dia seguinte (terça-feira, ou seja, anteontem), colegas e parentes da estudante de odontologia, Adriana Ciola, de 23 anos, realizaram um ato em sua homenagem no campus da Universidade Paulista-UNIP, em Vila Clementino. Adriana foi assassinada com um tiro, na madrugada do dia 10 de agosto, durante assalto à Choperia Bodega, em Moema, na Zona Sul. No assalto, também foi morto o dentista José Renato Pousada Tahan, de 25 anos. O estudante Milton Betoline Neto, de 21 anos, ficou ferido.

O Jornal O Estado de S.Paulo, referindo-se a tais fatos na edição do dia 14 de agosto, assinalou que a violência das ruas, bares e restaurantes chegou às escolas da capital paulista. Pais, alunos, professores e funcionários das escolas da Zona Leste, onde ocorreram os tiroteios, estão assustados com a violência. Por precaução, anteontem as aulas foram suspensas na Escola Municipal Brasílio Machado Neto, onde estudam duas mil crianças e adolescentes. Não houve, também, aulas na Escola João Bohemer que abriga 1.600 alunos.

Hoje a Folha de S.Paulo informa que os parentes e amigos de vítimas da violência estarão lançando, sábado próximo, uma campanha contra a criminalidade na cidade: "Reage São Paulo", por ocasião da missa de sétimo dia da estudante Adriana Ciola. As pessoas estarão de branco ou portanto fitas brancas, fazendo um pedido de paz, em silêncio, segundo a sua colega, Adriana Miori.

Os trágicos fatos aqui denunciados, ilustrativos da dramática escalada da violência na Cidade de São Paulo, levam-nos a uma séria e profunda reflexão a respeito desse inquietante fenômeno que assola não apenas a capital paulistana, mas também os outros centros urbanos não só no Brasil como no resto do mundo. Quais são as raízes dessa explosão de violência que nos atinge indistintamente? Será uma súbita conversão dos homens em bestas-feras, como quer fazer crer determinada corrente de opinião ou as conseqüências de uma patologia de raízes essencialmente sociais? Com o intuito de contribuir para o exame de tema tão atual, gostaria de reportar-me inicialmente à reflexões do eminente cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, do Centro Para Estudos da Violência da USP. Ele, de longa data, vem-se dedicando ao estudo da violência, com base nas estatísticas disponíveis, divulgando suas conclusões através de diversas publicações.

Dentre as diversas raízes da violência, apontadas pelo nomeado estudioso, destaca-se a relação entre desigualdade e violência. Com base no estudo de estatísticas referentes ao assunto, Paulo Sérgio Pinheiro verificou que a criminalidade violenta tem crescido na maior parte das sociedades latino-americanas, especialmente a partir dos anos 80. Em quase todos os países da região, com exceção da Costa Rica, entre as mortes por causas externas, são altas as taxas de homicídio. Na Cidade de São Paulo, os homicídios e tentativas de homicídio, que em 1988 atingiam a taxa de 41,6% por 100 mil habitantes, passaram para 50,6% em 1991; 44% em 1992 e 50,2% em 1993, e mais ainda agora.

Nas manifestações mais visíveis dessa criminalidade individual, sobressaem crimes contra a vida ou a integridade física, contra a propriedade, a liberdade sexual e a criminalidade organizada. A criminalidade violenta, como o homicídio, tem como alvo, em geral, pessoas em posições sociais similares. Os bairros populares e as habitações irregulares são o espaço da violência: na maior parte das regiões metropolitanas há uma coincidência entre os lugares onde vivem os pobres e a morte por causas violentas.

Há, portanto, clara correlação entre as condições de vida, violência e taxas de mortalidade. A violência é claramente uma parte significativa da privação social - a alta mortalidade por causas externas nos bairros populares reflete mortes causadas pela violência, ainda que não seja a única causa da mortalidade.

De acordo, ainda, com as estatísticas apresentadas pelo nomeado estudioso, o grupo social que tem apresentado os níveis mais altos de crescimento de homicídios - colocando diversas grandes cidades latino-americanas no mesmo patamar - são os jovens. E, em especial, na Cidade de São Paulo o que se nota é que as cifras de homicídios nos bairros populares mais pobres da cidade atingem níveis mais altos, por exemplo, do que a Cidade de Cali, considerada a mais violenta.

Sr. Presidente, aqui destaco a relação que existe entre violência e desigualdade, chamando a atenção para a necessidade de se modificar rapidamente isso, chamando à responsabilidade Executivo e Legislativo com respeito a dar consideração relevante, não apenas à meta de se ter a estabilidade de preços, mas, sobretudo, à necessidade de se compatibilizar o crescimento da economia com a melhoria da distribuição da renda e da riqueza.

Assim, Sr. Presidente, solicito seja transcrito como parte do meu pronunciamento o estudo de Paulo Sérgio Pinheiro, bem como o mapa de risco da violência da Cidade de São Paulo, preparado pelo Cedec, que trata desse assunto, com as estatísticas a que me referi.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/1996 - Página 14102