Discurso no Senado Federal

ABUSO NA ADOÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS. HIPERTROFIA DO PODER EXECUTIVO E ATROFIA DO PODER LEGISLATIVO. RESPONSABILIDADE DO CONGRESSO NACIONAL QUANTO AO EXCESSO DE MEDIDAS PROVISORIAS.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • ABUSO NA ADOÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS. HIPERTROFIA DO PODER EXECUTIVO E ATROFIA DO PODER LEGISLATIVO. RESPONSABILIDADE DO CONGRESSO NACIONAL QUANTO AO EXCESSO DE MEDIDAS PROVISORIAS.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/1996 - Página 14666
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, EDIÇÃO, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXECUTIVO, PREJUIZO, COMPETENCIA LEGISLATIVA, CONGRESSO NACIONAL.
  • COMENTARIO, RESPONSABILIDADE, MAIORIA, BANCADA, GOVERNO, EXCESSO, DEFESA, INTERESSE, EXECUTIVO, INEFICACIA, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ESTABELECIMENTO, LEGISLAÇÃO, IMPEDIMENTO, EDIÇÃO, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), APRECIAÇÃO, VETO (VET).

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, por algumas vezes, já utilizamos a tribuna do Senado para externar nossa preocupação com o fato de hoje termos claramente uma hipertrofia do Poder Executivo e uma atrofia do Poder Legislativo em nosso País.

A grande verdade é que hoje o Poder Legislativo de fato não está na nossa Casa ou na Câmara dos Deputados, e sim no Palácio do Planalto. A primeira coisa que comprova isso, assunto que já foi inclusive objeto de debate nesta Casa, diz respeito às famigeradas medidas provisórias. É até cansativa a repetição dos argumentos de que o Governo vem exorbitando de sua capacidade de legislar. Diversos Senadores já apresentaram aqui estatísticas relacionadas ao número de medidas provisórias que foram editadas no atual Governo, o número de reedições das medidas provisórias.

Muitas vezes, procura-se dizer que o Congresso tem responsabilidade também nesse fato, e é verdade, mas, a meu ver, é uma responsabilidade relativa, porque não podemos continuar encarando o Congresso como um ser amorfo, que não sofre interferência do Poder Executivo.

Concretamente, o Congresso Nacional ainda não tomou posição a respeito da questão das medidas provisórias por uma ação clara e constante das Lideranças do Governo, particularmente no Senado, no sentido de impedir que, de uma vez por todas, estabeleçamos uma legislação que impeça a proliferação de tais medidas provisórias.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, se não me engano, existem 4 propostas de emenda constitucional em tramitação no Senado, e todas elas procuram limitar a possibilidade de reedição de medidas provisórias. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania perdeu todos os prazos que tinha para analisar essas propostas.

Por diversas vezes, foram apresentados requerimentos nesta Casa, tanto de minha parte quanto do Senador Eduardo Suplicy e do Senador Roberto Requião, para que se colocasse na Ordem do Dia, para votação do Senado, as diversas propostas de emenda constitucional que tratam de medidas provisórias.

O último movimento que houve para tratar dessa matéria foi a Comissão Especial, presidida pelo Presidente da Casa, na qual foi indicado Relator o Senador Josaphat Marinho, para apresentar um parecer que contemplasse as preocupações que estavam expressas nas diversas propostas de emenda constitucional que estavam em tramitação.

O Senador Josaphat Marinho apresentou o seu relatório, fazendo questão de registrar que aquele parecer não era o seu pensamento pessoal, mas uma síntese das preocupações apresentadas nas propostas de emenda constitucional, e, aí, como o Governo não gostou muito do parecer de S. Exª, passou a não valer mais tudo aquilo que víamos aqui: as preocupações externadas pelas Lideranças do Governo de que a questão das medidas provisórias não é simplesmente de Governo e Oposição, mas do interesse do Congresso Nacional, do Poder Legislativo.

Parece-me que a matéria voltou para o freezer, voltou a hibernar; continua o Governo a editar e a reeditar medidas provisórias sobre as mais diversas matérias, sendo que em algumas, os legisladores do Palácio do Planalto, para diminuir as críticas com relação à quantidade de medidas provisórias, resolveram incluir assuntos os mais díspares possíveis.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Com muito prazer, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Apenas para um aditamento ao que V. Exª informa. É que o parecer foi aprovado na Comissão Interpartidária sem divergência, o que confirma que, efetivamente, o que estava no parecer final era uma representação do pensamento coletivo da Comissão e não apenas, ou principalmente, do Relator.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Josaphat Marinho, é exatamente isso. Houve até alguns questionamentos, mas quando se colocou em votação o relatório, na Comissão, ele foi aprovado por unanimidade. Parece-me que a matéria vai agora para o freezer.

Mas, não diz respeito apenas às medidas provisórias a constatação que estamos fazendo da atrofia do Poder Legislativo e de que quem está legislando, hoje, é o Poder Executivo. Olhando o nosso avulso, constatei que existem 66 vetos do Presidente da República, sejam eles vetos totais ou parciais, a matérias aprovadas pelo Congresso Nacional que até hoje ele não apreciou. Um deles foi lido no dia 18 de agosto de 1993. Prazo na Comissão: dia 7 de setembro de 1993; prazo no Congresso Nacional: dia 17 de setembro de 1993. Faz três anos o veto mais antigo. Trata-se de um veto parcial ao PLC nº 135:

      "Dispõe sobre a descentralização dos serviços de transporte ferroviário coletivo de passageiros, urbano e suburbano, da União para os Estados e Municípios, e dá outras providências."

Como este, existem mais 66 vetos. De 1994 existem uns 10 ou 15; há alguns de 1995 e outros de 1996, e até hoje o Congresso Nacional não se manifestou sobre esses vetos. Nós debatemos, estabelecemos diálogo e votamos; a matéria vai para o Executivo, que veta, usando uma prerrogativa constitucional, e, depois, o Congresso não aprecia o veto. Continua valendo, simplesmente, a vontade do Poder Executivo.

Há alguns vetos aqui, que, inclusive, surpreendem. Um deles, segundo informações que foram publicadas na imprensa, o próprio Governo teria interesse em que o Congresso derrubasse. É o veto ao projeto, se não me engano, que trata do planejamento familiar, que o Governo teria vetado por engano e, segundo informação da imprensa, ao próprio Governo interessaria que o veto fosse derrubado. No entanto, o Congresso não aprecia o veto.

Salvo engano, durante todo o ano de 1996, o Congresso Nacional não se reuniu uma única vez para apreciar vetos; e quando se reuniu, no ano passado, eram sessões em que eu, particularmente, ia votar bastante constrangido, porque era a famosa marmita, dos tempos das eleições, em que as pessoas já iam com o voto pronto - eram aquelas cédulas com "n" vetos a serem apreciados, e cada Senador ou Deputado colocava o seu voto na urna sem nem saber o que estava votando, já que aquela foi a forma encontrada para limpar a pauta. A meu ver, não foi a forma ideal mas, pelo menos, contribuiu, durante um certo período, para que a pauta fosse limpa.

No entanto, em 1996 nem isso aconteceu. Volto a registrar: o Congresso Nacional não fez uma única sessão, em 1996, para apreciar vetos, numa subordinação absoluta do Congresso ao Executivo.

Quero registrar particularmente um veto sobre o qual já fiz questão de fazer pronunciamento nesta Casa, que foi o veto ao projeto que anistia as multas que foram impostas aos sindicatos de petroleiros por ocasião da greve de 1995. Esse projeto foi aprovado na Câmara, em regime de urgência, por unanimidade das Lideranças. Ele foi aprovado no Senado, em regime de urgência, pela unanimidade das Lideranças, e com voto contrário, se não me engano, de 4 ou 5 Senadores. Um projeto tramita em tempo recorde nas duas Casas, é aprovado, por unanimidade, pelas Lideranças, vai para o Executivo, que o veta, e o Congresso não faz nada!? O Congresso nem sequer se reúne para analisá-lo! O caso, em particular, do veto ao projeto de interesse dos petroleiros foi um dos poucos, dos 66, em que o Regimento foi cumprido à risca.

A Comissão Especial destinada a analisar o veto foi instalada, reuniu-se, foi elaborado um parecer pelo Senador Josaphat Marinho, que foi aprovado por essa Comissão Especial, e o Congresso ainda não se reuniu para apreciá-lo.

Por isso perguntamos: de quem é a culpa? Uma parcela da culpa é do Congresso. Quero registrar uma parcela de culpa da Maioria do Governo, porque se o Congresso não se reúne para votar esses vetos é porque à Maioria, que atua nesta Casa, não interessa que ele se reúna. É muito mais cômodo, muito mais prático para o Executivo que continue valendo o veto, porque não está em vigor a lei que foi aprovada.

Portanto, a inoperância do Congresso Nacional é de responsabilidade da Maioria do Governo, que atua nesta Casa, e que está ultrapassando o limite de defender legitimamente os interesses do Poder Executivo, de dar prerrogativas inerentes ao Congresso Nacional, que está sendo subvertido e subalternizado em relação aos interesses do Poder Executivo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, essa é uma situação muito perigosa para a democracia, porque, nos tempos da ditadura militar, o Congresso não dispunha constitucionalmente das prerrogativas de que hoje dispõe. Então, poder-se-ia dizer que ele não está votando porque há uma série de questões cuja votação não é permitida pela Constituição. O Governo utilizava-se dos decretos-lei, que existiam em decurso de prazo, e se a matéria não fosse votada em 30 dias, pelo Congresso, passaria à lei.

Hoje, vivemos teoricamente em plenitude democrática, num Estado de Direito teórico, mas continuamos a verificar uma supremacia absoluta do Poder Executivo em relação ao Poder Legislativo. Isso não é bom para o Governo, não é bom para a Oposição, não é bom para o País, não é bom para a democracia e não é bom para a harmonia dos Poderes.

Sr. Presidente, essa preocupação é procedente, na medida em que consta, para a próxima quinta-feira, dia 29 de agosto, um requerimento de minha autoria para inclusão, na pauta, do Projeto de Lei da Câmara nº 13, de 1991, do então Deputado Nelson Jobim, que também trata de medidas provisórias.

Esse requerimento já foi apresentado e adiado inúmeras vezes e rejeitado; o Senado não o vota. Ora, se há o entendimento de que o projeto do então Deputado Nelson Jobim é inconstitucional, que o Senado o coloque em pauta, rejeite-o e o arquive. Será que não ficaria bem para o Senado arquivar um projeto do atual Ministro da Justiça, sob a alegação de inconstitucionalidade? Se o projeto é inconstitucional, se não contempla os interesses de limitação de medidas provisórias, devemos arquivá-lo. Mas, para isso, ele deve ser incluído na pauta para ser votado.

Não tenho a mínima dúvida de que, no dia 29, quando esse requerimento for votado, o Governo vai adiá-lo novamente ou rejeitar o requerimento - este é no sentido de incluir o projeto na Ordem do Dia.

Enfim, Sr. Presidente, são algumas ponderações, algumas preocupações e algumas constatações, a partir, inclusive, de publicações do próprio Senado, do quanto ainda temos de caminhar neste País para podermos dizer que vivemos efetivamente numa democracia; do quanto a modificação das mentalidades ainda é necessária - refiro-me àqueles que quando ocupavam a tribuna desta Casa faziam pronunciamentos bastante semelhantes a este.

Em um debate de proposta à emenda constitucional, tive oportunidade de ler alguns trechos de pronunciamentos do então Senador Fernando Henrique Cardoso. À época, as palavras de Sua Excelência eram mais duras do que as minhas hoje. Mas parece que "o uso do cachimbo faz a boca torta". Isso pode ser bom para o Executivo, para o Senhor Fernando Henrique Cardoso, mas, concretamente, não é bom para a democracia e nem para o País.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/1996 - Página 14666