Discurso no Senado Federal

LAMENTANDO O FALECIMENTO DO ATOR ALAGOANO JOFRE SOARES, OCORRIDO NO ULTIMO DIA 19, DESTACANDO SUA BRILHANTE TRAJETORIA ARTISTICA.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • LAMENTANDO O FALECIMENTO DO ATOR ALAGOANO JOFRE SOARES, OCORRIDO NO ULTIMO DIA 19, DESTACANDO SUA BRILHANTE TRAJETORIA ARTISTICA.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/1996 - Página 14743
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOFRE SOARES, ATOR, ESTADO DE ALAGOAS (AL), IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, CINEMA, TELEVISÃO, TEATRO, BRASIL.

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez ocupo esta tribuna para lamentar o falecimento de um ilustre alagoano. No segundo semestre do ano passado, registrei aqui a perda de um dos maiores atores brasileiros, Paulo Gracindo, agora, um ano depois, Alagoas perde outro luminar das artes cênicas. Faleceu, na madrugada de ontem, em São Paulo, aos 77 anos, o ator Jofre Soares.

Considerado um dos maiores símbolos do Cinema Novo, Jofre Soares nasceu em 22 de setembro de 1918 em Palmeira dos Índios, Alagoas, cidade natal de Graciliano Ramos. Tornou-se marítimo e, após 25 anos de trabalho, foi reformado, voltando à sua terra, como diria depois, em várias ocasiões, "para morrer".

Mas o destino, em seus insondáveis caminhos, foi encontrá-lo, aos 43 anos, como palhaço em um circo para crianças índias. Nelson Pereira dos Santos estava em Palmeira tentando começar as filmagens de Vidas Secas, quando conheceu Jofre que, naquele momento fazia às vezes de assistente de produção, e perguntou a ele se já havia tido alguma experiência anterior como ator. Jofre respondeu timidamente que já havia feito "uma ou outra coisinha, aqui e ali". Nascia, naquele momento, um dos maiores atores do Cinema Brasileiro, como diria depois, o próprio Jofre: "aos 43 anos fui descoberto e reconduzido à vida".

Incorporado ao elenco do Clássico Vidas Secas, onde interpretou o papel do fazendeiro, Jofre iniciou sua trajetória de brilhantismo. Foi uma presença constante na maioria dos grandes filmes feitos no período de ouro do cinema nacional, tendo participado de 85 produções cinematográficas, além de peças teatrais e novelas de televisão. Em "A Hora e a Vez de Augusto Matraga", considerada a melhor versão de Guimarães Rosa já feita para o cinema, Jofre interpreta um personagem que se tornou antológico: o chefe dos jagunços, Joãozinho Bem-bem.

Intuitivo, Jofre não freqüentou nenhuma escola de arte dramática, era um ator "orgânico" como gosta de lembrar Nelson Pereira dos Santos, que cunhou, à época, uma frase que traduzia bem sua principal característica: "com essa voz, só essa cara; com essa cara, só essa voz". Era associado, até por seu tipo físico, às figuras rijas do sertão nordestino. Ainda segundo Nelson, Jofre tinha um método infalível para compor com verossimilhança esse tipo de personagem, "ele tirava sua técnica da própria experiência de vida, tinha aquela experiência nordestina arraigada, de modo que, quando apresentávamos um personagem, ele logo tentava relacioná-lo a alguém que tivesse conhecido na realidade".

Com o decorrer do tempo, e com a prática, foi transcendendo a esse tipo de personagem, baseado na transposição de suas experiências reais para a ficção. Um exemplo marcante desse amadurecimento é sua interpretação em Chuvas de Verão, de Cacá Diegues, onde vive um aposentado suburbano que leva o espectador a sentir o que é ser velho, pobre e sem perspectiva, e, ao mesmo tempo, reencontrar a alegria, apesar de tudo.

Com o mesmo diretor interpretou também o Cacique Canindé em Quilombo e viveu, simultaneamente, em outro clássico de Nelson Pereira, o líder comunista do Rio Grande do Norte, Soares, personagem marcante de Memórias do Cárcere. Ainda com Nelson faria Tenda dos Milagres e, mais recentemente, A Terceira Margem do Rio.

Seria impossível tentar relacionar aqui todos os seus trabalhos, mas vale destacar ainda sua participação em três clássicos de Glauber Rocha, são eles: Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. Na televisão participou de inúmeras novelas e minisséries como: Beto Rockefeller, Renascer, Padre Cícero e O Pagador de Promessas. Seus trabalhos mais recentes são o longa metragem A Felicidade É, e o remake de O Cangaceiro, em fase de montagem. Há dois meses, foi o grande vencedor do 6º. Festival de Cinema do Ceará, com o curta de José Araripe Jr., Abrakadabra, interpretando o papel de um mágico terminal. Vinha, atualmente, trabalhando na peça Memórias de um Sargento de Milícias, no teatro que leva seu nome no Bairro do Bixiga em São Paulo e já havia sido convidado para atuar em Enquanto a Noite não Chega, longa, ainda em projeto, do Diretor Guilherme de Almeida.

Perdemos Jofre Soares no apogeu de sua carreira, um ator em plena atividade, um homem que, como nenhum outro, interpretou o sofrimento, a firmeza e a dignidade do povo nordestino, transpondo para as telas a sua realidade.

Em uma de suas entrevistas, contou de sua emoção ao entrar pela primeira vez em um teatro, ainda nos tempos de Marinha. Era o Municipal do Rio de Janeiro, onde assistiu o espetáculo de Ballet "O Lago dos Cisnes", relembra: "Quando vi o povo todo aplaudindo aquela maravilha, bateu uma vontade louca no meu peito e pensei: não morro sem pisar num palco. Mas, depois achei que aquilo era fantasia". Não era, Jofre! E o povo Alagoano jamais irá esquecer-se do filho de Palmeira dos Índios, que encheu de orgulho a todos os seus conterrâneos

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/1996 - Página 14743