Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM OS MENINOS DE RUA DO RIO DE JANEIRO. NECESSIDADE URGENTE DA REALIZAÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS CONJUNTAS - PODER PUBLICO, SOCIEDADE CIVIL E POLITICOS - NO SENTIDO DE FAZER FRENTE A TERRIVEL REALIDADE DESSES MENINOS DE RUA. DEFESA DE AUXILIO FINANCEIRO AS FAMILIAS POBRES, COMO FORMA EFICAZ DE REDUZIR A SITUAÇÃO DA MARGINALIZAÇÃO INFANTIL, A EXEMPLO DO PROGRAMA DESENVOLVIDO PELO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. LEVANTAMENTO REALIZADO PELA SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO MUNICIPIO DO RIO, QUE VAI DETECTAR AS AREAS DE RISCOS, ONDE ESTÃO ESSES MENINOS E MENINAS DE RUA DESEMPREGADOS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM OS MENINOS DE RUA DO RIO DE JANEIRO. NECESSIDADE URGENTE DA REALIZAÇÃO DE AÇÕES SOCIAIS CONJUNTAS - PODER PUBLICO, SOCIEDADE CIVIL E POLITICOS - NO SENTIDO DE FAZER FRENTE A TERRIVEL REALIDADE DESSES MENINOS DE RUA. DEFESA DE AUXILIO FINANCEIRO AS FAMILIAS POBRES, COMO FORMA EFICAZ DE REDUZIR A SITUAÇÃO DA MARGINALIZAÇÃO INFANTIL, A EXEMPLO DO PROGRAMA DESENVOLVIDO PELO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. LEVANTAMENTO REALIZADO PELA SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO MUNICIPIO DO RIO, QUE VAI DETECTAR AS AREAS DE RISCOS, ONDE ESTÃO ESSES MENINOS E MENINAS DE RUA DESEMPREGADOS.
Aparteantes
Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/1996 - Página 14760
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, LEVANTAMENTO, SECRETARIA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEFINIÇÃO, AREA, RISCOS, CONCENTRAÇÃO, MENOR ABANDONADO.
  • APREENSÃO, ORADOR, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MENOR ABANDONADO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, UNIÃO, PODER PUBLICO, SOCIEDADE CIVIL, POLITICO, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, EFICACIA, RESGATE, CRIANÇA, REINTEGRAÇÃO, SOCIEDADE.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, INICIATIVA, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), CONCESSÃO, SALARIO MINIMO, FAMILIA, BAIXA RENDA, MANUTENÇÃO, FILHO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Srs. Senadores:

Levantamento realizado, há 15 dias, pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro, apontou sete áreas onde se localizam os meninos de rua, considerados os mais "perigosos" e de difícil ressocialização.

À luz do conhecimento e de uma interpretação lúcida da realidade, são eles na sua imensa maioria crianças e adolescentes, negros, de famílias miseráveis, abandonados, que vivem na mais completa ociosidade, roubando, desafiando a polícia, drogando-se e iniciando outros menores nesse "estilo alternativo" de ser.

Para os de visão míope, para os embrutecidos pelo preconceito e pelo egoísmo, para os truculentos, a situação é um caso de polícia, de repressão e de cadeia. São marginais perigosos, os quais o Estado precisa dar cabo; párias da sociedade que precisam ser apartados, isolados e esquecidos. Ora, estudos sociológicos de algumas correntes de vanguarda afirmam que a violência não é inerente ao homem - a agressividade sim. Isto significa que o ser humano traz em sua essência animal a capacidade de revelar-se, de nutrir sentimentos de raiva e medo, de manifestar comportamento hostil todas as vezes que se sentir ameaçado.

Já a violência seria a degeneração dessa agressividade. Seria a agressividade doente, a agressividade em seu estado patológico.

Dentro desse conceito, distinguem-se duas facetas da violência: a originária e a reativa.

A violência originária caracteriza o comportamento daqueles que detêm a capacidade de mudar o estado das coisas, daqueles que detêm o poder sobre os destinos, manifestando-se de maneira sofisticada.

Já a violência reativa seria sempre uma resposta à primeira: desordenada, caótica, com uma força redobrada em seu fenômeno, mas incapaz de reverter o estado das coisas.

Identificando nossa realidade dentro desse conceito, conclui-se, logicamente, o seguinte: como uma sociedade, que podendo-se organizar e se mobilizar para mudar o estado de coisas, deixa à margem de seu processo milhares de crianças e adolescentes, pode exigir dessa parcela um comportamento socialmente aceitável? Se uma sociedade se omite em buscar soluções que possam auxiliar a população carente, se ela não mantém uma relação de civilidade com os mais desprotegidos, como poderá exigir que estes mantenham uma relação de civilidade com ela?

Esta, portanto, Sr. Presidente, seria a razão primeira do fenômeno que se verifica, principalmente nas grandes cidades.

Impossível acabar com um tipo de violência que é uma resposta, que é uma reação frente a outro tipo de violência, muito mais cruel e sofisticada.

Quem detém o poder para mudar, pouco ou nada faz efetivamente neste sentido.

Não há nenhum sinal mais contundente e mais sórdido de deterioração social do que a violência covarde de permanecer omisso enquanto o pesadelo se perpetua.

Na cidade do Rio de Janeiro, especificamente, há muito que defendemos a necessidade urgente da realização de ações sociais conjuntas - Poder Público, sociedade civil e políticos - no sentido de fazer frente à terrível realidade desses meninos de rua.

Esta era, inclusive, uma das minhas prioridades, que quero lembrar aqui, durante a última campanha para a prefeitura do Rio de Janeiro, onde, no debate político e no confronto ideológico, o candidato, hoje Prefeito da cidade do Rio de Janeiro, colocava também como uma de suas prioridades resolver o problema dos meninos de rua.

Hoje, essa mesma Secretaria faz um levantamento, após quase 4 anos, e faz essa constatação que há muito havíamos feito.

Porém, do discurso à prática administrativa instalou-se um abismo e nada foi feito. Priorizou-se a destinação de recursos financeiros para dar cara nova a alguns pontos da cidade, para maquiá-la e deixá-la bonitinha para inglês ver, ou melhor, para alguns eleitores, quando o verdadeiro embelezamento de nosso Município seria resgatar do abandono e reconduzir à vida plena as nossas crianças de rua.

O que se verifica é que não há instituições - oficiais ou não-governamentais - suficientes para atender os menores carentes que vagam pelas ruas da cidade.

O que se verifica é que não existem ações efetivas voltadas para um trabalho de resgate dessas crianças. O que está surgindo agora, no final da administração municipal, em meio à campanha para as novas eleições, são algumas idéias e ações tímidas, que mais servem para discurso em palanque.

O auxílio financeiro no valor de um salário mínimo, por exemplo, para as famílias de baixa renda, a fim de que mantenham os filhos na escola, é uma excelente iniciativa (o custo de cada menor nas ruas ou nas instituições é mais caro do que isso - em torno de R$300,00).

O auxílio às famílias é uma forma eficaz de reduzir o número de menores nas ruas, pois a crise econômica e social cria condições para que as crianças saiam precocemente de casa.

Mas não é uma ação para fim de mandato, quando nada mais poderá ser feito efetivamente. O Governo do Distrito Federal implantou e vem desenvolvendo essa iniciativa desde o início de sua gestão, e encontrou e continua encontrando inúmeras dificuldades, tendo que adequar constantemente o projeto à realidade. É uma situação altamente complexa e que demanda tempo para começar a ser revertida. Não é de um dia para o outro que ela será resolvida.

Muitas políticas sociais podem e devem ser executadas visando reeducar e reintroduzir os meninos de rua e, assim, diminuir os índices de violência e criminalidade.

Na cidade de Nova Iorque, por exemplo, as autoridades conseguiram reduzir os índices em até 45% (o que vinham tentando há mais de uma década) devido a uma série de ações sociais que buscaram reintegrar a juventude marginalizada à sociedade. Entre essas ações destaco os campeonatos esportivos que são realizados durante as madrugadas nos bairros mais pobres. São ações que nada têm a ver com repressão, pancadaria ou extermínio. Ações que respeitam os direitos humanos e percebem verdadeiramente onde está o monstro e como deve ser atacado.

Igualmente estamos verificando um trabalho de excelência, por parte do Ministério Extraordinário dos Esportes, nesse mesmo sentido, junto às populações carentes do Rio.

Algumas inteligências falam em modificar o Estatuto da Criança, para que fosse dada a ele mais rigidez no trato da delinqüência infanto-juvenil. Dentro dessa linha sustentam que se deveria diminuir a idade para responsabilidade penal. Entendemos que começar a punir mais cedo, ainda na adolescência, com prisão, é o atestado simplório da incapacidade da polícia de agir na sua esfera de responsabilidade e reduzir a criminalidade.

Para medir o tamanho dessa estultice, basta reconhecer a crise (para não dizer a falência) do nosso sistema penal e de segurança. É motivo suficiente para qualquer mente lúcida ter o pudor de sequer mencionar a redução da idade de responsabilidade penal.

O Estatuto do Menor é internacionalmente reconhecido como uma das legislações mais avançadas do mundo. O Estatuto determina que o município deve cuidar do atendimento aos menores carentes, e o Estado, aos infratores. O que precisamos é colocá-lo em prática. Temos, reiteradas vezes, repetido o que o Relatório sobre Desenvolvimento Humano no Brasil recentemente divulgou: de nada adianta acumular riquezas se os frutos da economia não são aplicados em benefício da qualidade de vida da população. Sabe-se que, independentemente de modelos políticos, as populações dos países que investem em saúde e educação atingiram padrões de vida condignos.

É claro que um melhor aparelhamento e preparo da polícia é necessário. É claro que rever a nossa legislação à luz da modernidade é sempre válido. Mas o problema dos menores de rua em nosso País está acima do Direito ou da questão policial. Apenas um trabalho persistente e sério poderá reconstruir as bases para uma sociedade mais democrática, mais humana, onde todos tenham acesso às possibilidades que constituem uma promessa de dignidade humana.

Não haverá nem polícia nem direito nem comunidade, não haverá nada nem ninguém que consiga reverter essa situação se não houver uma conscientização e um trabalho árduo para transformar o papel do Estado e das relações sociais neste País.

Faço minhas algumas palavras que li em uma coluna de jornal:

      A China queimou os seus livros na revolução cultural. O Brasil queima os cérebros de seu povo, ao condená-lo à escravidão da miséria e da ignorância.

Por isso, eu não poderia deixar de vir à tribuna para falar a respeito desse tema. Coincidentemente, ontem, eu falava a respeito da prostituição infanto-juvenil e da responsabilidade que temos de implementar políticas para acabar de vez com ela. 

Hoje, os jornais publicam que o levantamento feito pela Secretaria de Desenvolvimento Social do Município do Rio de Janeiro vai detectar as chamadas áreas de riscos, que são, evidentemente, aquelas onde estão esses meninos e meninas de rua desamparados.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Benedita da Silva?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Pois não, Senador.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senadora Benedita da Silva, por acaso estou com alguns dados aqui que se referem ao assunto de que V. Exª trata oportunamente e com muita profundidade. São dados sobre a violência em relação aos menores. Na faixa de 15 a 17 anos, nos anos 80, 8 em cada 100 adolescentes mortos eram vítimas de homicídio. Nos anos 90, essa proporção aumentou para 25 em cada 100; quer dizer, de cada 100 adolescentes que morrem, 25 são vítimas de homicídio. Na faixa de 10 a 14 anos, também aumentou a incidência de homicídios. Nos anos 80, de cada 100 mortos nessa idade, 2 eram assassinados, portanto 2%. Nos anos 90, 5 em cada 100. Passou, então, para 5%. As estatísticas das mortes abaixo dos 18 anos eram lideradas pelos acidentes de trânsito. Para todos os que morriam com menos de 18 anos, a principal causa eram os acidentes de trânsito. Hoje, os homicídios estão no topo da lista. Em números absolutos, as mortes violentas de menores de 18 anos, incluindo assassinatos, acidentes de trânsito e afogamentos totalizam 340 mil entre os anos de 1979 e 1993, número maior do que aqueles associados a alguns conflitos armados que abalaram o mundo, como a guerra da Bósnia, com seus 250 mil mortos. É um verdadeiro massacre; há uma escalada de violência, abrangendo os menores, os adolescentes, que, a cada dia, são as maiores vítimas dessas mortes violentas. V. Exª, oportunamente, traz esse assunto ao debate, como já o fez em outras ocasiões, por ter uma preocupação especial com esse tema. Mas essa é daquelas questões que não é demais repisar, para que a sociedade acorde e se dê conta da monstruosidade que é deixar crianças ao abandono nas ruas, vítimas da droga, da violência, do desajuste familiar e de morte precoce. Esse assunto é um passivo que a sociedade brasileira precisa resolver, é uma nódoa em todo o nosso processo de desenvolvimento. Quero solidarizar-me com o pronunciamento de V. Exª, acrescentando esses dados que são por si só eloqüentes, para denunciar a violência contra os menores e os adolescentes. Muito obrigado.

A SRª. BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lúcio Alcântara, porque ele referenda, sem dúvida alguma, a preocupação que temos tido em debater essa matéria nesta Casa.

Hoje, por coincidência, trouxe o assunto à baila através de notícias veiculadas nos jornais do nosso País, que destacam a cidade do Rio de Janeiro por ter os chamados "espaços e lugares de risco"; que nossas crianças adolescentes vivem em meio a uma verdadeira fábrica de marginais.

Por que digo isso? Estou à vontade para fazê-lo e o faço no momento da disputa eleitoral do Município do Rio de Janeiro. Desprezaram totalmente esse tema, quando deixaram de cumprir e de priorizar um compromisso de campanha para tornarem a abordá-lo agora - se todos não mais se recordam, eu me recordo; lembro-me perfeitamente desse debate político, no Rio de Janeiro, em 1992, porque participei do mesmo, contribuí com idéias.

Hoje, quando dizem que vão solucionar o problema, lembro-me de que já tiveram essa oportunidade, ganharam as eleições e nada fizeram nesse sentido. Mas, agora, referem-se novamente ao problema das crianças e dos adolescentes de rua porque eles servem de instrumento para os palanques, servem inclusive para que se possa injetar e investir recursos no Município do Rio de Janeiro. Sabemos que o IBASE, dirigido pelo Betinho, comprovou o número de crianças nessas circunstâncias, deu algumas sugestões e mencionou a necessidade de recursos.

Nesta Casa, temos votado todas as matérias necessárias não só para o Estado como para a cidade do Rio de Janeiro. Como podem usar os recursos para maquiar uma cidade sem que tenham a coragem de tirar os meninos e meninas das ruas?

A punição para essas crianças é fácil: apenas rebaixam as suas idades para puni-las, para incriminá-las; esquecem-se de que, antes de mais nada, foram deixadas ao abandono. E, passadas as eleições, quando já não precisam mais delas, transformam-nas pura e simplesmente em objetos descartáveis.

A população, insegura e desatenta aos compromissos assumidos pelos seus candidatos, ouve, a cada momento, que precisamos dar um jeito para solucionar o problema, como se esse jeito já não deveria ter sido dado com a nossa responsabilidade de eleitor, no sentido de impedir que o Rio de Janeiro seja administrado por aquele que deixou de ter a competência necessária para resolver esse sério problema.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, a minha indignação se faz não apenas no campo emocional, mas no político. Tenho essa responsabilidade como representante do Estado e tenho votado a favor dos interesses do Município do Rio de Janeiro. Portanto, não me posso calar no momento em que estão manipulando esses dados. Na verdade, eles já o tinham nas mãos para simplesmente levá-los ao palanque, receber da população assustada o seu apoio eleitoral e, de novo, nada fazer. Isso é bom para os palanques e é pura demagogia, o que não posso suportar.

Queremos sim que esses meninos estejam fora das ruas; queremos sim que eles estejam incluídos em projetos que façam deles verdadeiros cidadãos.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/1996 - Página 14760