Discurso no Senado Federal

EXPECTATIVA DE S.EXA. NA VOTAÇÃO, AINDA SOB A PRESIDENCIA DO PRESIDENTE JOSE SARNEY, DO RELATORIO APRESENTADO PELO GRUPO DE REFORMA E MODERNIZAÇÃO DO SENADO FEDERAL. CARTA RECEBIDA DO SR. MARIO SERGIO CONTI, DIRETOR DA REDAÇÃO DA REVISTA VEJA, EM QUE REGISTRA O ERRO COMETIDO PELA REVISTA ATRIBUINDO ACUSAÇÃO DE AUGUSTO FARIAS CONTRA S.EXA.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. IMPRENSA.:
  • EXPECTATIVA DE S.EXA. NA VOTAÇÃO, AINDA SOB A PRESIDENCIA DO PRESIDENTE JOSE SARNEY, DO RELATORIO APRESENTADO PELO GRUPO DE REFORMA E MODERNIZAÇÃO DO SENADO FEDERAL. CARTA RECEBIDA DO SR. MARIO SERGIO CONTI, DIRETOR DA REDAÇÃO DA REVISTA VEJA, EM QUE REGISTRA O ERRO COMETIDO PELA REVISTA ATRIBUINDO ACUSAÇÃO DE AUGUSTO FARIAS CONTRA S.EXA.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/1996 - Página 14941
Assunto
Outros > SENADO. IMPRENSA.
Indexação
  • EXPECTATIVA, AGILIZAÇÃO, VOTAÇÃO, RELATORIO, GRUPO DE TRABALHO, MODERNIZAÇÃO, SENADO.
  • LEITURA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CORRESPONDENCIA, AUTORIA, MARIO SERGIO CONTI, DIRETOR, REDAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RECONHECIMENTO, ERRO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, ACUSAÇÃO, ORADOR.
  • DEFESA, DEMOCRACIA, CONGRESSO NACIONAL, IMPRENSA.

       O Sr. Pedro Simon - Acho muito importante o pronunciamento de V. Exª. Também li a reportagem da Veja. Também acho que, em termos de reforma agrária, temos muito que fazer. Mas a grande verdade, perdoe-me V. Exª, é que não podemos atirar pedras dizendo que os culpados são os sem-terra ou os invasores, ou seja lá quem for. O principal culpado somos nós, o Poder Público: o Governo Federal, o Presidente da República, o Ministro da Agricultura, o Senado, o Congresso da República, porque até hoje não fizemos uma legislação correta sobre a matéria. Há muito tempo se tem feito alguns questionamentos. Por exemplo: "os sem-terra fazem o levantamento, não se sabe quem são nem de onde são. Deveria haver um cadastramento municipal". Por que não se fez e não se pensou em fazer isso até hoje? A segunda questão que se levanta é que os terrenos são entregues, e muitos os vendem depois. Mas por que não se proíbe essa venda? Por que, na entrega da terra, não se diz que ou trabalham lá ou devolvem à União, que, por sua vez, a dará a outro sem-terra? Na verdade, nós não estamos tendo seriedade nem responsabilidade em legislar sobre a reforma agrária. Essas coisas estão acontecendo, mas não adianta dizer que muita gente vendeu sua terra. É verdade: vendem porque podem vender; a legislação já deveria, há muito tempo, ter estabelecido que a terra é entregue para o cidadão fazer reforma agrária; que quem não fizer cai fora, e o que está na fila entra. O cadastramento deveria ser feito no âmbito nacional e no âmbito municipal, porque o município deveria tomar conhecimento também de quem são os sem-terra desse município. Terceiro: coloca-se o cidadão na terra, mas depois ele não tem a infra-estrutura. É verdade. Lamentavelmente entregamos ao cidadão a terra sem estrutura. Inclusive, onde o Governo tem dado o mínimo de infra-estrutura eles têm conseguido ir adiante, e isto em mais de um lugar. Mesmo na revista Veja, a que V. Exª se refere, está dito que aqueles que trabalham na terra conseguem ganhar, em média, um salário mínimo por mês, mais a comida que é plantada por eles. V. Exª está fazendo um pronunciamento da maior importância, só que recebo para mim a acusação: eu sou responsável - eu, V. Exª, o Senado, a Câmara e, principalmente, o Executivo. O Presidente da República deveria fazer com a agricultura e com a reforma agrária o que fez com o sistema bancário: de repente, em um ano, Sua Excelência está fazendo uma revolução para resolver o problema do sistema financeiro. Pois que Sua Excelência faça essa revolução para resolver o problema da terra, da reforma agrária e da agricultura. V. Exª tem razão: isso está acontecendo, mas nós somos os grandes responsáveis.

       O SR. EDISON LOBÃO - Nobre Senador Pedro Simon, não há dúvida de que a legislação brasileira não é completa. Ela não é a melhor, não é a ideal, mas ela também não é a pior.

       O Estatuto da Terra é um diploma legal de muito boa contextura. Foi muito bem elaborado e tem produzido bons resultados. É claro que faltam ainda alguns ajustes para que essa legislação possa, de fato, balizar uma reforma agrária de grandes proporções.

       Quando fui Governador do Estado do Maranhão, promovi, no Estado, a reforma que pude fazer, distribuindo cerca de 25 mil títulos de terra. O que nenhum outro Estado fez em três anos, eu fiz: 25 mil títulos de terra. Na distribuição que fazia, nos documentos que expedia - escritura aos assentados - estava dito que a terra não poderia ser alienada em menos de 10 anos. Em seguida, passamos a adotar um outro sistema: títulos coletivos, que resultaram em coisa muito boa, porque as famílias ali assentadas - 200 famílias - estão produzindo, e produzindo razoavelmente bem.

       O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

       O SR. EDISON LOBÃO - Ouço, com prazer, o aparte do nobre Senador Ramez Tebet.

       O Sr. Ramez Tebet - Senador Edison Lobão, é claro que V. Exª, como sempre, com muita propriedade, no meu entendimento, aborda um dos assuntos mais importantes, senão o mais importante deste País, para atingirmos o objetivo de maior justiça social. Tenho observado que não existe uma política para a reforma agrária. Não sabemos efetivamente o que queremos. Vejo que estamos agindo e procedendo ao sabor das circunstâncias. As circunstâncias é que estão determinando determinadas e eventuais decisões governamentais. Exemplificando: as circunstâncias é que estão fazendo a Câmara dos Deputados acabar de votar ou estar votando o rito sumário; as circunstâncias é que estão determinando que o projeto, do qual sou relator, com relação ao procedimento legal para a concessão ou não de medida liminar, tudo isso surgiu depois que houve o episódio tão sentido pela Nação brasileira no Estado do Pará. Essa é que é a verdade. Então, as circunstâncias estão governando este País na política de reforma agrária, quando devia ser o contrário; quando devíamos proclamar em alto e bom som - o Governo tinha que dizê-lo - que queremos a reforma agrária e que ela será feita mediante as seguintes regras e condições, estabelecendo-as. Claro que não de cima para baixo, porém, com a participação da sociedade, do Congresso Nacional. Mas, se não for feito isso, evidentemente, a reforma agrária nunca vai existir no País, porque seremos sempre tocados pelas circunstâncias. Queria apenas acrescentar isso ao seu brilhante pronunciamento e cumprimentá-lo por levantar, neste dia, debate dessa envergadura.

       O SR. EDISON LOBÃO - Penso, Senador Ramez Tebet, que esse é um tema em relação ao qual não devemos temer o debate. É preciso que a Nação debata esse problema, porque é fundamental não apenas para o homem do campo, para aquele que precisa, que vai ou não receber o seu quinhão, mas para todo brasileiro, de todas as camadas.

       Na medida em que atendermos o trabalhador do campo, assentando-o dignamente, estaremos não apenas atendendo-o e à sua família, como até impedindo que venha para os grandes centros, onde não encontrará emprego e viverá infeliz, sem ajudar a comunidade que ali já existe.

       O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

       O SR. EDISON LOBÃO - Ouço o Senador Eduardo Suplicy.

       O Sr. Eduardo Suplicy - Considero da maior importância que V. Exª traga o tema da reforma agrária e a sua experiência como Governador do Maranhão, como também as experiências coletivas, no sentido de procurar garantir que as pessoas assentadas, como relatou, permaneçam, por pelo menos dez anos, na terra onde lutaram para ser assentados. Esperamos que, a qualquer momento, se realize uma pesquisa de maior profundidade sobre os assentamentos formados por cooperativa, como, por exemplo, na região do Paraná. Há dois meses, visitei a Coagri dessa região e percebi que há um esforço, por parte das cooperativas, pela reforma agrária no Brasil. É realmente impressionante notar o grau de aproveitamento tanto da terra quanto do desenvolvimento e até da comercialização de cereais e assim por diante, que estão relacionados ao Movimento dos Sem-Terra. O Senador Darcy Ribeiro fez um pronunciamento, há pouco tempo, mencionando que considera o Movimento dos Sem-Terra o mais importante da história dos movimentos sociais no Brasil. Realmente, esse é um movimento digno de se tirar o chapéu, dado que conseguiu galvanizar esforços de uma população marginalizada, uma população que tem uma aspiração reconhecida por todos os brasileiros como de extraordinária importância. Assim como outros Senadores o têm feito, V. Exª coloca o prenúncio de um debate que devemos aprofundar. Os Ministros de Política Fundiária e da Agricultura, com a coordenação do Movimento dos Sem-Terra, os Presidentes da Contag, da Sociedade Rural Brasileira e da Confederação Nacional da Agricultura estão convidados para um debate que, caso haja grande interesse por parte de todos os Senadores, poderá talvez até se realizar no plenário do Senado, no dia 19 de dezembro, ou, então, nas salas das comissões - isso a circunstância dirá. Os temas que V. Exª aqui coloca poderão ser objeto inclusive de esclarecimento por parte do Movimento dos Sem-Terra, dos trabalhadores rurais ou dos proprietários de áreas, fazendeiros, e assim por diante. Acredito que o esclarecimento desse assunto é da maior relevância.

       O SR. EDSON LOBÃO - Recolho com satisfação o aparte de V. Exª, sempre vazado em termos cordiais, como é da sua personalidade.

       Lamentavelmente, não posso concordar inteiramente com o que expõe V. Exª, inclusive no que diz respeito à manifestação do eminente Professor Darcy Ribeiro.

       Li alguns trechos de uma ampla reportagem da revista Veja que considero importante examinarmos - até para discordarmos, se for o caso -, referindo-se basicamente à atuação do Movimento dos Sem-Terra, que, segundo a revista, em nada contribui para que se realize de fato a verdadeira reforma agrária. Vale a pena conhecer o que diz a reportagem:

       "No País inteiro, as chacinas de Corumbiara e de Eldorado do Carajás, em que 31 sem-terra morreram massacrados, provocaram um clamor nacional. Até agora, apesar da importância da organização, pouco se sabe sobre seus principais dirigentes, que não pegam na enxada nem trabalham na terra. Desse comando fechado não faz parte sequer o mais famoso líder da organização, José Rainha, que, sendo apenas um bom orador, na estrutura interna é um quadro de segundo escalão. Esses dirigentes vivem viajando de um lugar para outro - de ônibus - e sobrevivem numa ocupação que se supunha em extinção, a de agitador profissional."

       O principal dirigente do Movimento dos Sem-Terra é o economista João Pedro Stedile, "que fica pouco tempo em casa. Quando aparece, seu local predileto é uma biblioteca enfeitada com um manifesto dos zapatistas mexicanos do comandante Marcos e recheada com a literatura clássica de Lenin, Marx e Engels."

       Sobre os recursos que utiliza o Movimento dos Sem-Terra, diz a revista Veja:

       "O MST se tornou uma organização próspera. Ela recebe doações da Igreja Católica, que lhe forneceu perto de meio milhão de reais no ano passado. Outra parte dos recursos vem dos assentamentos e cooperativas, que lhe entregam o equivalente a 2% da produção anual de seus lotes. Não é pouca coisa. Tanto que, há dez anos, as despesas do congresso de fundação do MST ficaram em 70.000 dólares. No ano passado, outro encontro, com milhares de participantes, convidados e viajantes, saiu por 2,5 milhões - pagos sem maiores sobressaltos financeiros."

       O Sr. Eduardo Suplicy - Permite V. Exª um aparte?

       O SR. EDISON LOBÃO - Ouço V. Exª com prazer.

       O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Edison Lobão, não entendi bem porque V. Exª condena tais informações. Por exemplo, na biblioteca de V. Exª não há livros de Karl Marx, Engels ou Che Guevara? Nunca V. Exª leu esses livros ou V. Exª os leu e retirou-os de sua biblioteca? Qual o mal de o João Pedro Stedile, coordenador do Movimento dos Sem-Terra, ter como um dos seus lugares preferidos sua própria biblioteca? E qual é o mal de um coordenador do Movimento dos Sem-Terra procurar ler livros em biblioteca e ter livros técnicos? A Veja diz que ele estudou na Universidade Autônoma do México, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e que conhece em profundidade a questão da terra, tanto é que publicou quatro livros sobre o tema. É uma pessoa que viaja muito, pois o Movimento dos Sem-Terra demanda que seus coordenadores estejam sempre viajando para trocar idéias. O próprio Presidente da República, de vez em quando, convida membros do Movimento dos Sem-Terra para dialogar. Aproveito também para fazer um esclarecimento. A Veja tem o propósito de trazer informações que demonstrem que o Movimento dos Sem-Terra não é tão positivo em suas ações. Há um certo trecho, que conheço bem, sou inclusive citado, onde ocorreu o seguinte episódio: a Presidência da República, diante da solicitação de audiência para o Movimento dos Sem-Terra, disse que só poderia receber os líderes dos partidos que estavam pedindo audiência, logo depois do episódio de Eldorado dos Carajás, limitando a dois os membros do Movimento dos Sem-Terra. A coordenação do Movimento dos Sem-Terra disse que queriam dialogar com a Presidência e queriam que, pelo menos, estivessem lá representantes dos diversos estados. E seria necessário que pelo menos um número maior do que dois. Por esta razão é que foi esclarecido o assunto. E como não puderam estar presentes em número maior no dia seguinte é que houve a audiência quatro dias depois com a coordenação do Movimento dos Sem-Terra. A reportagem da revista Veja deu a impressão de que houve um desentendimento entre o PT e os Sem-Terra. E não houve. Mas é preciso salientar que as observações que V. Exª menciona, contidas na Veja, podem ser vistas sob diversos ângulos e olhos. Para quem quer ver como o movimento vai se organizar, se seus coordenadores não estão estudando os problemas e indo aos diversos lugares do Brasil e como o fazem. A revista Veja, aliás, menciona que os coordenadores do Movimento dos Sem-Terra vivem modestamente, com simplicidade, estudam e procuram analisar os problemas de seus companheiros. Há companheiros que estudaram, que conhecem o problema da terra, que resolveram se solidarizar com o problema e a ele se dedicam quase que dia e noite, que costumam inclusive, dado o uso muito modesto dos recursos escassos - isso é registrado pela revista Veja - viajar de ônibus. Quando estiveram na semana passada, João Pedro Stedile e outros conversando com o Ministro Raul Jungmann e voltaram para São Paulo - até por causa de inúmeras solicitações que ocorrem ao Movimento dos Sem-Terra pelo Brasil, que os demandam, Senador -, procurei João Pedro Stedile e só consegui falar com ele de sábado para domingo, na hora em que ele chegou a São Paulo, de ônibus, exatamente vindo da reunião com o Raul Jungmann. Portanto, estou comprovando o que aí está dito, ou seja, dirigentes que usam dos recursos existentes da organização da forma mais modesta possível. V. Exª lê essas informações como se isso fosse algo negativo, que não fosse um movimento da importância que realmente está tendo. Só quero compreender a natureza da crítica e do valor que V. Exª está dando às informações.

       O SR. EDISON LOBÃO - Em primeiro lugar, Senador, V. Exª há de compreender que não está aparteando a mim e, sim, à revista Veja, porque estou apenas lendo trechos de uma reportagem que aqui mencionei. Em segundo lugar, parece claro que a revista procura demonstrar que o Movimento dos Sem-Terra está marcado profundamente pela ideologia. Começa mostrando as fotografias que estão aqui, que V. Exª também viu, de Mao Tsé-Tung, de Che Guevara e etc.

       Isso significa que o Movimento dos Sem-Terra não persegue exata e precisamente a destinação de quinhões de terras aos seus sem-terra e, sim, a uma ideologia. É isso que se procura mostrar nessa revista. É claro que, à medida em que a revista comparece, prejudica a realização da reforma agrária. No meu estado, se eu tivesse cedido à ação da ideologia, eu não teria feito nada. E porque não cedi, pude fazer, graças a Deus, um movimento vitorioso em matéria de distribuição de terras.

       O Sr. Eduardo Suplicy - Tão perigoso é o João Pedro Stedile, que a revista Veja o flagra jogando futebol, ele que é um torcedor esmerado do Grêmio. Toda vez que fala para o Movimento dos Sem-Terra, ele sempre compara o futebol com a questão da terra. Convido V. Exª para, em algum momento, ouvir o quão interessantes são as reuniões do Movimento dos Sem-Terra, para que V. Exª possa olhar esse Movimento com olhos mais adequados.

       O Sr. Carlos Bezerra - Permite V. Exª um aparte?

       O SR. EDISON LOBÃO - Ouço V. Exª com muito prazer.

       O Sr. Carlos Bezerra - Senador Edison Lobão, essa reportagem da Veja está no estilo TFP, que foi de um radicalismo acendrado durante décadas aqui no Brasil. Penso que os trabalhadores se organizarem para lutar pela distribuição da terra é correto. Até o trabalhador ter ideologia é necessário e correto. Creio que não há nenhum crime nisso. Se o empresário tem o direito de ter sua ideologia, fazer suas organizações e lutar pelos seus interesses, os trabalhadores devem ter essa mesma regalia. De modo que acho que essa reportagem é um pouco exagerada, não está bem à altura de uma revista importante como a Veja. Ela está exagerando, está num estilo muito TFP, que era contra, condenava todo e qualquer movimento social no País. Isso, em primeiro lugar. Em segundo lugar, Senador Edison Lobão, penso que esse tema é de transcendental importância. O Brasil, enquanto não enfrentar a questão da terra, não será um grande País, não será um País desenvolvido. Todos os países do mundo que se desenvolveram tiveram que mexer, primeiro, na questão da terra. Inclusive os Estados Unidos é o que é em função da distribuição da terra. No próprio Estados Unidos há uma diferença muito grande entre o Norte e o Sul, porque no Norte a terra foi melhor distribuída, o Norte é muito mais desenvolvido que o Sul em toda sua estrutura, este, apesar de rico, é mais atrasado, porque a distribuição de terra não foi a mais correta. O Brasil, se não fizer uma reforma agrária, se não tiver uma política agrícola de proteção ao pequeno produtor para que ele possa produzir e trabalhar com dignidade, não irá a lugar algum. Gerar um emprego no campo é muito mais barato que gerar um emprego urbano, infinitamente mais barato. O que penso é que falta, apesar dos discursos, mais ênfase política por parte do Governo. Tive grande esperança com a posse do Ministro Raul Jungmann, que é um homem sério e quer a reforma agrária, de que andasse mais rápido, mas não anda, tudo continua paralisado e não será a aprovação do rito sumário, pela Câmara, que irá resolver esse problema. O problema não está no rito sumário e não está na lei, o problema está na vontade política da estrutura em fazer a reforma agrária. Sentimos que, apesar de alguns quererem fazer a reforma agrária esta não anda, está paralisada, é lenta. Há contradições no Governo, uma contradição enorme. Esta semana assisti a uma brutalidade. Os trabalhadores ocuparam a sede do Incra em Cuiabá. Fui para lá ajudar e levamos dez dias negociando com eles. Depois que conseguimos que os trabalhadores saíssem da sede do Incra, o Ministro da Justiça, no dia seguinte, mandou abrir inquérito. Todos foram intimados. Para que isso, se a questão já estava negociada? Foi só para radicalizar. Enquanto, de um lado, conversávamos nós e dois assessores enviados pelo Ministro da Reforma Agrária, tentando acertar a situação, de outro lado, o Ministério da Justiça tomava uma atitude como essa. A propósito, há pouco tempo, esse mesmo Ministério mandou atirar em trabalhadores na ponte sobre o rio das Mortes, em Mato Grosso. A Polícia Rodoviária Federal, que nunca havia feito isso antes, chegou em um ônibus para desobstruir a estrada e atirou nos trabalhadores. Há uma contradição do Governo, não há unidade com relação a esse assunto. Parabenizo V. Exª por levantar o tema aqui hoje. Eu já disse da tribuna que o Senado deveria debater mais esse assunto, discuti-lo mais, dar a ele mais força. Parabenizo V. Exª por suas ações em favor da reforma agrária. Foram ações concretas que ajudaram a viabilizar a reforma agrária no seu estado. Torço para que o processo de reforma agrária caminhe mais rápido no Brasil e que consigamos acabar com essa vergonha nacional que são os acampamentos dos sem-terra que há pelo País. Aliás, o meu estado é um dos que mais tem acampamento de sem-terra. E só não houve em Mato Grosso o que houve no Pará e em Rondônia porque tanto o Governador Dante de Oliveira quanto nós estamos lá negociando diuturnamente com os trabalhadores. Onde há um problema, vamos lá discutir, conversar, intermediar e equacionar. Caso contrário, em Mato Grosso, já teria havido muito mais mortes do que em Rondônia devido às ações de algumas pessoas do Governo Federal. Alguns homens do Governo querem usar leis draconianas contra indefesos trabalhadores que nada mais fazem do que lutar por um direito, por um lugar ao sol. Isso é mais do que justo, mais do que correto. Parabéns a V. Exª pelo seu brilhante pronunciamento!

       O SR. EDISON LOBÃO - Senador Carlos Bezerra, muito obrigado. De fato, precisamos perder o medo de debater a questão, que é fundamental para todo o País. É aqui que precisamos deglutir esse problema, para chegarmos a conclusões práticas sobre a reforma agrária que deve ser feita e a reforma agrária que deve ser evitada.

       A Srª Marina Silva - V. Exª me permite um aparte?

       O SR. EDISON LOBÃO - Concedo o aparte a V. Exª.

       A Srª Marina Silva - Agradeço a V. Exª pela oportunidade do aparte. Faço minhas as palavras dos Senadores que o parabenizam por trazer nesta tarde o tema da reforma agrária. V. Exª falou sobre a reconcentração fundiária. A revista Veja fez um levantamento segundo o qual um terço das pessoas venderam o lote de terra com o qual foram beneficiadas. No meu Estado, esse problema é muito grave. Gosto de ilustrar por meio de parábolas. Se fôssemos criar peixes em cativeiro sem colocar o alimento necessário para os mesmos viverem e se reproduzirem, com certeza todos morreriam ou, na primeira enchente, sairiam do açude para um lago de água corrente. Muitas vezes o Governo assenta os sem-terra sem lhes dar a mínima condição de estrutura. E falo com conhecimento de causa, em virtude do que vejo na minha região. Posso citar, no Estado do Acre, os projetos Redenção, Padre Peixoto, Santa Luzia e tantos outros, que estão completamente abandonados. Muitas pessoas não saem de lá porque não têm como sobreviver de jeito nenhum na cidade. Preferem permanecer lá a morarem no meio das ruas. Mas os que têm a mínima chance vendem os lotes nem que seja para viverem alguns meses daquele dinheiro. Nesse sentido eu não os culpo, porque, na verdade, eles foram colocados em campos de concentração onde até morrem de malária. O recente episódio de Corumbiara fez com que o Governo Federal tomasse algumas medidas no Estado de Rondônia, porque no dia 9 do corrente completou um ano da chacina ocorrida naquela cidade. Quando conversei com o vice-Governador daquele estado e com os representantes do Incra e das secretarias ligadas à reforma agrária nos estados, eles disseram que os assentamentos estão sendo feitos nas piores condições. As pessoas têm um lote, mas não têm assistência médica, técnica nem de crédito. Portanto, não se pode culpar os sem-terra pelo fato de depois venderem os seus lotes. Tenho algumas sugestões, as quais até gostaria de levar ao Ministro Jungman, com relação à titulação da terra. Antes quero tratar de um outro assunto. V. Exª nos informou que a revista Veja afirma que um percentual proveniente dos assentamentos é destinado à organização do movimento. Eu digo o seguinte, Senador: a sociedade, muitas vezes, de forma organizada ou não, tenta suprir a ausência do Estado. No caso da reforma agrária, o Estado, em que pesem alguns acenos, continua ausente. Talvez seja por isso que as organizações paralelas ao poder do Estado têm tanto sucesso. Posso aqui citar uma experiência da prefeitura de Rio Branco, que está assentando pessoas em pequenos lotes de 4 a 5 hectares com um retorno em termos de renda familiar de até 5 salários mínimos, além do que as famílias podem tirar em termos de subsistência. O prefeito faz algo parecido com o que faz o MST: dá um carro de mão, ferramentas, matrizes de porcos e galinhas, para que os trabalhadores que são assentados comecem sua vida. Depois de dois anos, a prefeitura recebe o mesmo que ela entregou e assenta um outro sem-terra. É isso que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra faz. Por que no Acre quem faz isso é o prefeito? Porque o poder público assumiu a responsabilidade. Por que o Governo Federal não faz essa parceria com o assentado? Porque ele pouco oferece e, em não oferecendo quase nada, pouco pode cobrar de volta. O MST, parece-me, neste caso conseguiu mais crédito do que as próprias instituições. E, para concluir, quero dizer que acho o problema da reconcentração fundiária grave. E nós aqui não queremos legislar para o errado, todos queremos legislar para o certo. O Governo deve preocupar-se em fazer a reforma agrária para o certo e não para o errado, mas neste caso é fundamental que se repense o problema da titulacão. Defendo a tese de que ao assentado deveria ser dado o direito ao usufruto da terra, para que ele não pudesse vendê-la. O Estado seria o dono da terra e apenas indenizaria as suas benfeitorias ou, por uma outra forma, quem quisesse ter acesso àquela terra indenizaria o primeiro usufrutuário pelas benfeitorias que tivesse feito, para evitar o problema de os grandes, em sã consciência, sabendo, pressionarem os pequenos para que vendam as terras. Conheço muitos grandes que conseguem fazer com que benefícios de ramais, de pavimentação, de melhoria de estradas não cheguem até as colônias dos pequenos no meu estado, para que se sintam obrigados a vender os seus lotes. Conheço casos de pessoas que fazem a semeadura do capim de avião, para empestearem a terra dos pequenos e obrigá-los a venderem os seus lotes. Então, eu não culparia tanto os pequenos; culparia a ausência do Estado e, acima de tudo, a falta de uma política de reforma agrária, como muito bem já disseram os colegas e V. Exª mesmo. Para concluir, Sr. Senador, devo dizer que nunca vi ninguém ser criticado por ter em sua biblioteca livros de David Ricardo ou de Adam Smith. A meu ver, trata-se de uma questão de preferência bibliográfica. Penso mesmo que se existe esse afinco por parte da liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em tentar compreender o problema da reforma agrária, o Estado brasileiro, em vez de renegar esse conhecimento, deveria estabelecer uma parceria. Se hoje o Poder Público quer resolver os problemas reais do Brasil, há que, necessariamente, instituir uma parceria com a sociedade. Muito obrigada.

       O SR. EDSON LOBÃO - Veja V. Exª como o debate é benéfico. V. Exª lembra que não basta distribuir a terra. Em verdade, não basta. A terra é um dos itens da reforma agrária. A assistência médica, a educação, a eletrificação rural, enfim, uma série de outras questões também precisam ser consideradas no bojo da reforma agrária.

       Ao final de seu aparte, V. Exª propõe ainda que o Governo estabeleça como meta de política de reforma agrária o usufruto da terra e não a doação da mesma. Correto. Talvez seja uma boa solução. O Estado, com isso, impediria definitivamente situações como essa que estamos vendo aqui, ou seja, um terço das terras doadas aos sem-terra sendo transferido a outrem.

       Por conseguinte, a proposta de V. Exª deve ser considerada, deve ser levada a sério na devida conta. No meu governo, além de doarmos a terra, doávamos também a ferramenta agrícola, as sementes selecionadas, dávamos assistência técnica por intermédio da EMATER, e assim por diante. Fazíamos, no Maranhão, aquilo que, em parte, também se fez no Acre, segundo o relato de V. Exª.

       O Sr. Epitacio Cafeteira - V. Exª me permite um aparte?

       O SR. EDISON LOBÃO - Com muito prazer, Senador Epitacio Cafeteira.

       O Sr. Epitacio Cafeteira - Senador Edison Lobão, talvez eu seja o mais radical de todos os Senadores no que tange à reforma agrária. Quando se quer fazer reforma administrativa, consulta-se à Constituição, procura-se mudá-la para, então, se fazer a reforma administrativa. Quando se quer fazer a reforma da Previdência, consulta-se à Constituição para mudar o que lá está, mas, ao se falar em reforma agrária, ninguém procura o Texto Constitucional para verificar o que é preciso alterar fundamentalmente, ou seja, a pedra de toque. A reforma agrária que se discute e que tem até Ministério objetiva a modificação da titularidade da terra, mas há também a defesa para atender, com assistência, àqueles que irão para a terra. Talvez tenhamos que chover nesse deserto, em que há falta de tudo para um homem que hoje não tem terra, não tem teto e não tem trabalho, sem se ir à base, ao alicerce. Olho a terra, talvez, de uma maneira diferente. Sei que no nosso estado foram negociadas grandes glebas de terra. No meu Governo, que antecedeu ao de V. Exª, diminuí o tamanho da gleba que poderia ser transferida pelo Iterma para qualquer pessoa. Na realidade, foi uma solução drástica, que, de certa forma, até impediria grandes investimentos no setor agrícola, mas eu visava muito mais ao homem. Ouvi, ontem ou anteontem, na televisão, o que é a defesa de um grupo: pescadores do Ceará resolveram criar um tribunal para julgar aqueles que estão pescando lagosta em tamanho menor do que o permitido. O Ibama não aparece por lá; diz que não tem lancha, nem pessoal; então, os próprios pescadores, para se autodefenderem, organizaram-se e estão hoje julgando e proibindo os companheiros que infringem essas leis de irem para o mar. O problema de assentamento agrário, que não é o de reforma agrária, teria de ser feito em função de incentivar cooperativas ou grupos que tenham algo em comum. Não se pode colocar numa gleba de terra um cidadão que não conhece o vizinho que ganhou outra gleba; isso é perder tempo e agravar o problema. Quero dizer a V. Exª - não precisaria fazê-lo, mas desejo apenas registrar - que, no meu Governo, não houve nenhuma morte no campo decorrente de luta agrária. O nosso estado é grande e, talvez, por isso mesmo, não haja tão grande luta. Hoje, o problema deste País, em termos de reforma agrária, é mudar a estrutura agrária. As terras são usadas como cadernetas de poupança. O cidadão possui a terra, coloca uma cerca e diz: "Eu não planto, mas ninguém planta; não cuido, mas ninguém cuida". Ele não precisa de correção monetária, e a terra passa a ser uma propriedade, uma caderneta de poupança garantida. Congratulo-me com V. Exª porque traz a debate, nesta Casa, matéria tão importante como essa da questão agrária. Não chamarei jamais de reforma agrária enquanto não houver a disposição de examinarmos, dentro da Constituição, quais os direitos e obrigações dos proprietários de terras. Na Constituição só constam os direitos, não há obrigações. Parabéns a V. Exª.

       O SR. EDISON LOBÃO - Obrigado, Senador Epitacio Cafeteira. Assim como V. Exª, também condeno o egoísmo dos grandes proprietários de terras. Realmente, ele existe, o que é lastimável.

       Os grandes detentores de terras não as utilizam, muitas das quais são herdadas ou laçadas, e também não pretendem ou não permitem que os verdadeiros trabalhadores rurais delas façam uso.

       Observe como o progresso, até na ação de Governo, vai acontecendo de maneira extremamente benéfica.

       V. Exª assumiu o Governo e estabeleceu algumas regras no Estado do Maranhão no sentido de que áreas maiores de terras não fossem distribuídas senão dentro de determinados critérios, pelo ITERMA - Instituto de Terras do Estado do Maranhão.

       Em seguida, assumi o Governo e fui além: proibi que o ITERMA distribuísse ou vendesse terra para grandes e médios proprietários. No meu governo, as terras do estado só foram distribuídas aos pequenos lavradores, aos sem terra realmente. É ao progresso, na ação de governar, que estamos assistindo.

       O Sr. Lauro Campos - Senador Edison Lobão, V. Exª me concede um aparte.

       O SR. EDISON LOBÃO - Ouço V. Exª, Senador Lauro Campos.

       O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Edison Lobão, não é preciso enfatizar a importância do tema escolhido por V. Exª, basta ver o número de eminentes Senadores que me antecederam e que o apartearam. Gostaria apenas de aduzir, depois de concordar, em grande parte, com inúmeras intervenções que foram feitas aqui, algumas considerações. Não conheço nenhum país em que tenha sido feita uma reforma agrária verdadeira que tivesse se encaminhado para o socialismo. Do meu ponto de vista, a história demonstra que a reforma agrária aumenta o número de proprietários, resolve conflitos sociais em torno da propriedade e é, portanto, em certo sentido, um instrumento de apaziguamento desses conflitos sociais. Só entre 1900 a 1910, os Estados Unidos distribuíram, através do homestead, 90% das terras que constituem o centro-oeste norte-americano. Quando o Exército de Ocupação chega ao Japão, após a II Guerra Mundial, fazem uma reforma agrária, pois consideravam que 25% de assalariados na agricultura japonesa eram demais. No entanto, não tinham a intenção de reduzir ou redistribuir a terra, já que a propriedade fundiária naquele país asiático é, em média, de 8 mil metros quadrados. Portanto, essa aversão à reforma agrária parece-me ideológica, como se fosse a tentativa de implantação ou fortalecimento de um regime que não o da propriedade privada de terras no campo. Na medida em que o Brasil não deseja fazer sua reforma agrária, percebemos que o problema se agrava a cada dia. Onde está a violência? Nos trabalhadores que lutam pelo seu acesso à terra? Nos trabalhadores que, obviamente, foram expulsos de suas condições de trabalho? Naqueles que se destacaram, talvez, dos 1.350 milhão de desempregados que há em São Paulo? Na indústria capitalista, no capitalismo urbano, que não é capaz de fornecer oportunidades de emprego? Se o campo não conseguir absorver parte dessa mão-de-obra, ficará cada dia mais evidente que a violência não está do lado daqueles que pretendem trabalhar, mas, sim, das instituições, daqueles que não quiseram obedecer aos postulados da Constituição de 1946 e dos outros instrumentos legais que apontam no sentido da reforma agrária. Antes de terminar, gostaria de lembrar a V. Exª que agora se compara - parece-me que a própria revista Veja comete esse erro - a produtividade dos trabalhadores assentados com a das grandes empresas agrícolas. Ora, o Governo brasileiro está oferecendo, só neste ano, R$7 bilhões como incentivo à agricultura - obviamente uma importância muito menor do que aquela que foi destinada à tentativa de reforma agrária. Por outro lado, quanto à modernização da agricultura, vemos que uma máquina utilizada, por exemplo, em plantações de cana e de soja é capaz de dispensar seis mil lavradores. Ou seja, uma máquina produz novos assentamentos que o Governo não consegue resolver, por intermédio das medidas tomadas pelo Sr. Jungmann. Então, parece-me que existe realmente um agravamento da situação, e o lado dos proprietários está ganhando. Já houve, de acordo com dados oficiais, mais de 1.100 mortes praticadas por proprietários de terras ou seus mandantes. Nessa guerra, há uma perda evidente do Movimento dos Sem-Terra. Talvez se conte, no máximo em dezenas, o número de pessoas que foram atingidas pela chamada violência daqueles que são, na realidade, as vítimas dessa violência institucional. E esse atraso nos leva, às vésperas do ano 2000, a ainda estarmos discutindo aquilo que o mundo já resolveu, que é a reforma agrária. Ficamos a favor da violência institucionalizada, que justifica e acirra esses conflitos. Parabenizo V. Exª pela importância do tema que escolheu para trazer aqui, ao qual dou a minha modesta contribuição, talvez apenas para enfatizar a sua importância e o modo pelo qual V. Exª o tratou. Muito obrigado.

       O SR. EDISON LOBÃO - Nobre Senador Lauro Campos, a sua contribuição não é modesta, mas importante, do ponto de vista histórico deste problema.

       O Sr. Jader Barbalho - Permite-me V. Exª um aparte?

       O SR. EDISON LOBÃO - Ouvirei V. Exª com muito prazer, nobre líder do PMDB, Jader Barbalho, que foi Ministro da Reforma Agrária e, conseqüentemente, entende profundamente esta questão.

       O Sr. Jader Barbalho - Senador Edison Lobão, desejo cumprimentar V. Exª por trazer ao Plenário do Senado um assunto que está preocupando a sociedade brasileira. Em primeiro lugar, desejo reafirmar que a questão da reforma agrária deve ser analisada como um projeto econômico e social do Brasil; não pode absolutamente ser entendida como um processo de natureza ideológica. Se caminhar para esse campo, haverá prejuízo para a sociedade e, inclusive, para aqueles que desejam e têm o direito de ter um pedaço de chão para trabalhar na agricultura no Brasil. O que me preocupa nesse quadro que aí está, em primeiro lugar, é o nível de desinformação. Num projeto de assentamento agrário, o valor da terra no Brasil está em torno de 10%. Imaginar que a simples distribuição de terra ou a invasão de uma determinada propriedade transformará a vida dos agricultores, é um grande equívoco. Aí estão dados a anunciar que há milhares de agricultores no sul do País, fundamentalmente no Paraná, deixando as suas terras por falta de financiamento para a agricultura. Então, o problema da agricultura, do assentado não é a simples distribuição de terra. Os números apresentados por essa pesquisa não distorcem absolutamente a realidade; são reais. Deixar o trabalhador apenas na terra, sem assistência técnica, sem financiamento, sem medidas de comercialização, é deixá-lo relegado à pobreza. Mas, o que me assusta é que, nesse processo, o Governo está perdendo rapidamente a liderança. E, fora da lei, não creio, Senador Edison Lobão, que se chegue a bom lugar. Esta história de que se vai fazer reforma agrária na marra neste País poderá dar muita dor de cabeça à sociedade brasileira. Além disso, no meu Estado, já estão invadindo propriedades produtivas, áreas de pasto que, na Amazônia, não se consegue recuperar para a agricultura, num verdadeiro crime contra o patrimônio. Por quê? Porque o INCRA, o Governo Federal pagará caríssimo pela área de terra invadida, a qual não servirá para a agricultura. E tem mais! Há pessoas que estão até desejando que suas terras sejam invadidas para receberem dinheiro do Governo. Então, nesse clima de desordem que aí está, de falta de liderança nessa área, o Governo querer bancar o bombeiro, saindo atrás do incêndio patrocinado pelo Movimento Sem-Terra, é simplesmente uma loucura, que será paga com sangue e com dinheiro público nas desapropriações. Há pouco dias, ouvimos aqui companheiros, inclusive o Senador Casildo Maldaner, falando a respeito dos precatórios judiciais nessa área. O próprio Senador por Pernambuco veio aqui pleitear uma modificação nos pagamentos, porque são valores astronômicos que representam os débitos do Governo, que não pode ficar passivo, querendo bancar o bombeiro, sem assumir a liderança que deve exercer. O Governo não pode ser substituído pelo Movimento Sem-Terra. Esse Movimento, como qualquer outro, pode defender seus interesses. Mas Governo, aqui ou em qualquer parte do mundo, que abre mão da sua liderança para comandar um processo, inevitavelmente produzirá o caos. V. Exª, com muita propriedade, traz ao debate a reportagem da Veja, que demonstra, na realidade, o caminho que estamos tomando nessa área. Veja o que aconteceu no Maranhão: invadiu-se uma fazenda, mataram os seus funcionários, e o Governo desapropriou a área. Absolutamente, não será com um gesto de fragilidade dessa natureza que se vai conseguir chegar a algum lugar. O Governo deve desapropriar áreas de terra. A reforma agrária é necessária, mas o Governo deve alocar recursos. O Estatuto da Terra fala no Fundo Nacional da Reforma Agrária, que nenhum governo instituiu. Se o Governo pretende fazer a reforma agrária com decreto de desapropriação, não se chegará a lugar algum. Os assentamentos sempre serão pobres. Não se recuperará essa gente de forma alguma se a reforma agrária não for entendida como um projeto econômico e social. Devem-se alocar recursos no Orçamento da União. A reforma agrária deve ser tratada como um programa sério. O problema da terra no campo não é diferente na área urbana. Quantas pessoas, na área urbana, não lutam pelo direito a um pedaço de chão para construir a sua casa? Se o Governo se afasta ou permite que o líder dos sem-terra se comporte - numa reunião em Brasília, na presença de dois Ministros e da mulher do Presidente da República, a Primeira Dama do País - como os jornais noticiaram, então ele deveria entregar o Ministério da Reforma Agrária ao Movimento dos Sem-Terra. Creio, Senador Edison Lobão, que temos a obrigação de entender que a reforma agrária é necessária e que existe concentração brutal de terra neste País. Mas, se o Governo quer realizá-la, tem que alocar recursos. E temos que entender também que o Governo não pode, absolutamente, abrir mão do dever de ser governo nessa área. E é o que está acontecendo, pois o Governo está deixando de agir como tal e vai pagar caro por isso.

       O Sr. Pedro Simon - Senador Edison Lobão, V. Exª concede-me um aparte.

       O SR. EDISON LOBÃO - Se o Sr. Presidente permitir.

       O Sr. Pedro Simon - Dentro do contexto, S. Exª vai permitir.

       O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros) - A Mesa faz uma concessão a V. Exª e ao Senador Pedro Simon, mas, entretanto, deve alertá-lo de que o seu tempo já se esgotou há 10 minutos, Senador Edison Lobão.

       O SR. EDISON LOBÃO - Concluirei em seguida, Sr. Presidente.

       O Sr. Pedro Simon - Sr. Presidente, concorda V. Exª que o tempo se esgotou há 10 minutos, mas que a reforma agrária já espera há mais 100 anos e que estamos tentando chegar lá. V. Exª e a Presidência têm a grandeza da tolerância, pois o assunto aqui abordado é da maior importância. Não há dúvida - repito - de que esse assunto é da maior importância. Se V. Exª observar, como falou há pouco o líder do meu partido, sob os mais variados ângulos sobre os quais se queira discutir, chegamos sempre à uma conclusão: a reforma agrária não sai porque não se tem decisão política a respeito de como ser feita. A verdade é esta. Quando o líder do meu partido diz que os sem-terra gritam, fazem isso e aquilo, e o Governo não faz nada, é porque o Governo não faz nada mesmo, pois se fizesse, saberíamos qual é o seu projeto. Mas qual é o projeto do Governo? Em relação ao sistema financeiro, vamos ser claros: o Brasil inteiro sabe que o projeto do Governo é salvar os bancos. Para isso, o Governo teve coragem de baixar uma medida provisória na sexta-feira, de madrugada, colocando de R$20 a R$30 bilhões nos bancos - Banco Nacional, Banespa. E agora baixou outra medida - um absurdo, um escândalo - que permite que os bancos alterem as tarifas como bem entendam, dizendo que é a livre iniciativa. Mas há mais de 1.500 Municípios que têm um banco só, onde, portanto, não haverá livre iniciativa e os cidadãos terão de pagar o percentual que o banco quiser. O Governo tem política para o sistema financeiro, não tenho dúvida alguma. E qual é a política do Governo para a reforma agrária? Repare V. Exª que os sem-terra estão protestando, porque querem terra; os com-terra, tenho dito isso, que saíram da Itália ou da Alemanha há 150 anos para o Rio Grande do Sul, receberam do Império, devido a uma reforma agrária feita à época no Estado, 30 hectares de terra. Durante todo esse tempo plantaram, colheram, cresceram em cima de uma reforma agrária, feita há 150 anos, em Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Garibaldi, a região mais próspera do Rio Grande do Sul, através da pequena propriedade cultivada. Hoje, esse pequeno proprietário está entregando suas terras para o Banco do Brasil em troca da dívida - 30, 40 ou 50 hectares. E o Banco do Brasil está publicando editais de venda daquelas terras, o que considero até um absurdo. O Presidente José Sarney disse, em certa oportunidade: "Mas como é que o Banco do Brasil vende terra que é menor do que o módulo rural?" Se existe um módulo rural, o Banco do Brasil deveria ter uma fórmula de venda, mas não fora do módulo rural. Então o pequeno produtor não consegue pagar suas dívidas e está vendendo a sua terra. Em relação ao grande produtor, citei o caso do Sr. Olacyr de Moraes, que quer vender 200 mil hectares da terra mais moderna, tecnicamente melhor, a de maior produtividade. E ele quer entregar essas terras, porque entende que não compensa produzir no Brasil. O Governo não olha por quem não tem terra. Tudo bem, não olha por quem não tem terra. O Governo entende que, no Brasil, não dá para se fazer reforma agrária, sai muito caro. Então, aquele que tem terra, o pequeno proprietário, o Governo não olha por ele. Vamos ver o grande proprietário. Um certo jornal publica que o físico nuclear Rogério Cerqueira Leite - que aqui esteve quando discutíamos o Sivam -, herdeiro de terras na região de Pontal do Paranapanema, no auge da crise em São Paulo, a única região de São Paulo onde existem problemas de reforma agrária, aceita a desapropriação pelo Governo de suas terras. De acordo com os dados, a área é suficiente para assentar mais de 4.000 famílias. Cerqueira Leite propõe que a indenização seja equivalente a 30% do valor das terras. O Sr. Olacyr, lá de Mato Grosso, veio aqui dizer que quer entregar suas terras; e, agora, é o físico nuclear que declara também querer entregar suas terras. E não é lá no meio do Mato Grosso, é lá em São Paulo. Vem dizer que entrega as terras dele por 30% do seu valor. Lembro-me de que venho discutindo isso, nobre Senador, há 40 anos, desde quando era estudante da Faculdade de Direito e, quando falávamos em reforma agrária, o pessoal gritava: "E o Governo, e o Exército, que têm muitas terras, não sei o que, não poderia entregá-las para a reforma agrária?" O Governo está entregando. O Exército diz que entrega as terras, que serão divididas, demarcadas por engenheiros; essas terras serão demarcadas e entregues ao Governo. Juro por Deus que não sei o que o Governo quer. O que o Governo quer? Volto a repetir: em relação ao sistema financeiro, todo o Brasil sabe, o Governo resolveu fechar com os bancos. Há o protesto da dona de casa, tenho aqui dossiê, abaixo-assinado, uma guerra de protestos contra o apoio exagerado que o Sr. Fernando Henrique está dando para o sistema bancário, mas o Governo tomou uma posição. Bem ou mal, não há que se discutir: em termos de sistema financeiro, o Governo tomou uma posição. Mas que tome em termos de reforma agrária, que diga o que quer, que busque o que quer, que coloque no papel. Acho correta essa questão que está sendo levantada, porque o que se diz é o sem-terra faz um alistamento e ninguém sabe quem é quem, de onde veio ou de onde não veio. Tem que se fazer com que o cidadão volte a sua terra. Assim como São José teve que levar Jesus para Belém porque era seu lugar de origem, que o sem-terra tenha que se cadastrar de onde ele saiu. É uma maneira de se fazer. Pelo menos vai se saber como é a cara dele. Tem que se fazer isso, vamos fazer isso. Tem que se dar uma garantia, para que o sem-terra que está lá não venda a terra depois, não abandone a mulher e os filhos. Se tem que fazer, que se faça. Que o Sr. Fernando Henrique tenha pela reforma agrária, pela terra, metade do interesse que tem pelo sistema financeiro. Portanto, felicito V. Exª pelo seu pronunciamento. Ficamos na expectativa de que o Governo diga o que pensa sobre a matéria.

       O SR. EDISON LOBÃO - Agradeço o aparte de V. Exª e concluo, Sr. Presidente, dizendo que dentro de quatro anos estaremos desembarcando no ano 2000. E é inconcebível chegarmos ao novo milênio mantendo milhões de brasileiros à margem dos direitos sociais, à margem da integração da economia de um país já avançado, sofisticado como é o Brasil.

       Estamos vendo ainda a existência teimosa de milhares de grandes latifundiários, com milhões de hectares de terras, que com elas nada fazem e não permitem a presença do trabalhador rural ali em nenhuma circunstância. Isto é inconcebível e inaceitável.

       Mas também não podemos fazer uma reforma agrária marcada pela violência, como ainda há pouco salientava o Senador Jader Barbalho.

       O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

       O SR. EDISON LOBÃO - Terei prazer em ouvir V. Exª, se o Sr. Presidente estiver de acordo.

       O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros) - Lembro que há outros oradores inscritos e que está convocada uma sessão deliberativa para às 18 horas e 30 minutos.

       O Sr. Geraldo Melo - Agradeço e declino do aparte, Sr. Presidente.

       O SR. EDISON LOBÃO - De qualquer maneira agradeço o interesse de V. Exª.

       Eu dizia, Sr. Presidente, que não faremos, jamais, nenhuma reforma marcada pela violência.

       No Governo João Goulart tentou-se fazer até uma revolução em nome das reformas de base. A principal delas era a reforma agrária, mas a nenhum lugar chegamos naquele período. O ex-Presidentes João Goulart não foi capaz, sequer, de elaborar uma lei que dirigisse a reforma agrária. Por quê? Porque sua política estava marcada pela violência. Veio a revolução e, sem nenhuma dificuldade, foi instituído o Estatuto da Terra, que é uma boa lei. Precisa ser aperfeiçoada, mas é uma boa lei.

       Sr. Presidente, tenho os números que dizem que o ex-Presidente João Figueiredo desapropriou algo em torno de 2 milhões de hectares de terras; o ex-Presidente José Sarney, 3 milhões de hectares e o Presidente Fernando Henrique Cardoso declara que já desapropriou 4 milhões de hectares de terra.

       Enfim, temos o Ministro Raul Jungmann, do qual tenho muito boa impressão, que foi recebido com palmas até pelas esquerdas e que agora já é criticado por elas. O fato é que precisamos, de um modo ou de outro, encontrar um caminho para esse importante tema da vida nacional.

       O trabalhador do campo é brasileiro e cristão tanto quanto nós e, por isso, precisa do nosso apoio e de uma solução definitiva para sua vida.

       Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/1996 - Página 14941