Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DA CRIAÇÃO DE INFRA-ESTRUTURA MINIMA ANTES DE QUALQUER ASSENTAMENTO VISANDO A REFORMA AGRARIA NO PAIS.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • NECESSIDADE DA CRIAÇÃO DE INFRA-ESTRUTURA MINIMA ANTES DE QUALQUER ASSENTAMENTO VISANDO A REFORMA AGRARIA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/1996 - Página 15060
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, UTILIZAÇÃO, SOLO, ZONA RURAL, CENSO AGRICOLA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), PROPORCIONALIDADE, AREA, LAVOURA, PRODUÇÃO AGRICOLA, AGRICULTURA, EXPORTAÇÃO, PASTAGEM, BOVINO, RESERVA, VALORIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, ABASTECIMENTO, MERCADO INTERNO.
  • EXPOSIÇÃO, COLONIZAÇÃO PARTICULAR, ESTADO DO PARANA (PR), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DO PARA (PA), PARTICIPAÇÃO, CAPITAL NACIONAL, CAPITAL ESTRANGEIRO, EMPRESA PRIVADA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), OBJETIVO, OCUPAÇÃO, TERRITORIO, CRESCIMENTO DEMOGRAFICO, AUMENTO, PRODUÇÃO AGRICOLA, PECUARIA, CRIAÇÃO, COLONIA AGRICOLA.
  • NORMAS, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), COLONIZAÇÃO PARTICULAR, SUGESTÃO, ALTERAÇÃO, CADASTRAMENTO, EMPRESA, LICITAÇÃO, GLEBA, SELEÇÃO, COLONO, REATIVAÇÃO, CREDITOS, POLITICA FUNDIARIA.
  • SUGESTÃO, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, UTILIZAÇÃO, COLONIZAÇÃO PARTICULAR, PRESERVAÇÃO, DIREITO DE PROPRIEDADE, PARTICIPAÇÃO, EMPRESA, CONSTRUÇÃO CIVIL, INFRAESTRUTURA, PROJETO DE COLONIZAÇÃO, SEM-TERRA, ASSISTENCIA TECNICA, PRODUTOR RURAL.

           O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente. Srªs e Srs. Senadores, no momento em que atender aos anseios de expressivas e organizadas camadas da sociedade brasileira torna-se um compromisso inadiável, não podem ser esquecidos nem podem deixar de ser compulsados e discutidos os dados básicos do quadro do uso do solo rural, apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

           O Brasil, com os seus 8,5 milhões de quilômetros quadrados de superfície, que representam 850 milhões de hectares, tem 371 milhões de hectares de solos classificados como de potencialidade agrícola boa, boa a regular, e regular, totalizando 43,7% do território nacional. Desse total, são efetivamente cultivados, somando-se lavoura temporária e permanente, apenas 52 milhões de hectares (IBGE, 1985)

           Considerando que, nos últimos vinte anos, a área agrícola estacionou em 50 milhões de hectares (em 1976 era de 45.868.733 hectares; em 1986 , ficava com 54.079.822 hectares e em 1995 cairia para 49.911.707 hectares), entre solo não utilizado ou sub-utilizado, estamos falando em milhões de hectares não cultivados.

           Por outro lado, os dados do censo agrícola mostram que, dos 371 milhões de hectares cobertos pelos 5,8 milhões de estabelecimentos agrícolas do País, 3,1 milhões de pequenos agricultores têm acesso a apenas 10 milhões de hectares, ou seja, 2,76% do total. No outro lado da moeda, os 50 mil latifúndios que cobrem áreas de mais de mil hectares detêm 165 milhões de hectares. Na prática, 1% dos estabelecimentos controlam mais de 50% do total, mais da metade do Brasil rural. As médias propriedades, perfazem 2,65 milhões de estabelecimentos, somando uma área de 196 milhões de hectares.

           É muito interessante confrontar esses dados com os dados de área de lavoura: quanto maior o estabelecimento, maior proporção da sua terra fica parada. Assim, os pequenos agricultores lavram 65% dos seus estabelecimentos; os de 10 a 100 hectares lavram 25%; os de 100 a 1.000 hectares lavram 13%; os de mais de 1.000 hectares lavram apenas 6,7%; e os de mais de 10 mil hectares lavram 2,3% dos seus estabelecimentos. O IBGE traz ainda a situação de 61 estabelecimentos de mais de 100 mil hectares, que utilizam para lavoura apenas 0,14% do total, sete vezes menos do que 1%.

           No conjunto, esta é a realidade : a maior parte das terras agrícolas do País é utilizada como reserva de valor por grandes proprietários, que preferem imobilizar grandes áreas e esperar que se valorizem, em decorrência de investimentos públicos e privados de terceiros, a desenvolver atividades produtivas. Essa situação é, em geral, mal disfarçada por aquilo que se tem chamado, pudicamente, de "pecuária extensiva".

           É estimado que apenas uma pequena parcela dessa terra seja usada para produção de alimentos; que expressivas áreas sejam destinadas à agricultura de exportação (soja, café, citros, cacau e cana de açúcar), não esquecendo as amplas pastagens que abrigam um rebanho de 145 milhões de bovinos. O resto é reserva de valor, é ociosidade dos latifúndios. Afinal, no Brasil, terra ainda é sinônimo de poder.

           No outro lado da moeda, apenas 6% das terras agricultáveis brasileiras, ocupadas pôr 67% dos pequenos produtores, respondem por cerca de 70% de toda a produção de alimentos para o abastecimento do mercado interno. O pequeno produtor do setor primário cumpre, pois, a sua função social, mas, infelizmente, a resposta do mercado e do Governo é insatisfatória.

           É justamente na área rural que se encontram os piores índices de miséria nacional. Hoje, estima-se em quatro milhões o número de famílias de "sem-terra".

           De acordo com pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, existem no País 586 conflitos, abarcando uma área superior a nove milhões de hectares (equivalentes a dois estados do Espírito Santo). Quase 90 mil famílias ou meio milhão de pessoas lutam por essas terras. Um conflito que envolve tanta gente e tanta terra deve merecer maior atenção Governamental.

           No momento em que é imperioso, é socialmente desejável e economicamente defensável (pela capacidade de geração de empregos e pela inequívoca capacidade de produção de alimentos) fazer realizar a reforma agrária, não pode ser esquecido o papel historicamente já executado pela Colonização Particular, como coadjuvante e como complemento de ações aos esforços que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA vem desempenhando.

Senhor Presidente !

           A colonização particular já deu provas inequívocas de sua competência e de suas potencialidades como bom instrumento de apoio, ou de complementaridade, aos esforços do Governo Federal no interesse do desenvolvimento agrário e na solução dos graves problemas sociais dos "sem-terra".

           Exemplos como o da colonização do "norte do Paraná", executado pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná; a experiência do "nortão de Mato Grosso", com a participação da Companhia de Desenvolvimento do Mato Grosso-CODEMAT e empresas particulares credenciadas junto ao INCRA, assim como a experiência Amazônica da Andrade Gutierrez, com o Projeto Tucumã, no Estado do Pará, devem ser relembrados, estudados, como experiências que, num dado momento da política agrária brasileira podem ser indicativos de um caminho a ser retrilhado com sucesso.

           O fenômeno "norte do Paraná" não pode passar despercebido, quando se estudam os movimentos ocupacionais ou de frentes pioneiras de ocupação territorial. Em menos de 40 anos, uma área de aproximadamente 71.637 quilômetros quadrados, ou seja 7.163.700 hectares, cerca de 36% do território paranaense transformou-se de densa mata, absolutamente despovoada, em região que, em 1960, contava com cerca de 1.843.000 habitantes, 34% da população do Estado, distribuídos em 172 cidades, algumas de porte considerável, como Londrina.

           O episódio notável no processo ocupacional das terras norte-paranaenses, a partir de 1924, foi, sem dúvida alguma, o empreendimento realizado pela empresa hoje denominada Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Originariamente uma empresa da Inglaterra, a " Brazil Plantation Syndicate", voltada para a instalação de fazendas de algodão e máquinas de beneficiamento, depois da Primeira Guerra Mundial, para iniciar a cultura do algodão que substituísse ou complementasse a produção das colonias inglesas da África.

           O crescimento populacional da região, como era de esperar, atingiu taxas até então nunca registradas em qualquer outra parte do País. Assim é que, em 1940, estavam concentrados na região apenas 340.449 habitantes, o que correspondia a 27,5% do total do Estado. Na década seguinte, essa mesma população atingia 1.029.025 habitantes e sofria um aumento de 202,2%, passando a significar praticamente a metade de toda a população do Estado, ou seja, 48,6%.

           Em termos de produção agrícola, por muitos anos, o "norte do Paraná" caracterizou-se como a mais importante área de produção de café, passando, a partir dos anos 80, a desestimular a produção de café para especializar-se na produção de alimentos, notadamente a soja.

           O processo de ocupação do chamado "nortão de Mato Grosso" difere substancialmente do processo do "norte do Paraná". Em primeiro lugar, todo o processo foi feito às expensas do capital nacional, sem a intervenção de empresas estrangeiras; em segundo lugar, tendo sido efetivado num momento bem mais recente, ou seja, 50 anos após a abertura do norte do Paraná, contou com recursos de moderna tecnologia na abertura da infra-estrutura, sem os padecimentos do pioneirismo paranaense, mas, nem por isso, com menores sofrimentos.

           O Governo do Estado do Mato Grosso, pela Lei 3.307, de 18 de dezembro de 1972, regulamentada pelo Decreto nº 1.490, de 30 de maio de 1973, reservou e transferiu à Companhia de Desenvolvimento do Mato Grosso-CODEMAT, terras devolutas do Município de Aripuanã, destinando-as à criação de colônias agrícolas, à alienação para Companhias de Colonização, à alienação para implantação de projetos agropecuários e industriais aprovados, com suporte financeiro via incentivos fiscais (SUDAM).

           A CODEMAT recebeu do Estado do Mato Grosso duas glebas, a primeira com uma área de 1.600.000 hectares e a segunda com 400.000 hectares, localizadas no Município de Aripuanã.

           A CODEMAT abriu concorrência pública, para a alienação das duas glebas. Uma gleba vendida para COLNIZA- Colonização, Comércio e Industria Ltda., 400.000 hectares; para a RENDANYL Empreendimentos S.A., 1.000.000 hectares; para o engenheiro JOÃO CARLOS DE SOUZA MEIRELLES, 200.000 hectares, e para a INDECO- Integração, Desenvolvimento e Colonização, 400.000 hectares.

           Nessas glebas e em outras posteriormente entregues à licitação, o número de projetos de Colonização Particular emancipados, anotados pela Divisão de Colonização Particular, no Estado de Mato Grosso era de 70, englobando uma área de 2.698.807 hectares, com um número de lotes individuais de 17.818.

           O chamado "nortão do Mato Grosso" está claramente delimitado ao norte, com os Estados do Amazonas e Pará; a leste com a faixa da BR-163, Cuiabá/Santarém; a oeste com o Estado de Rondônia. O limite ao sul é um tanto indefinido e situa-se entre os paralelos dos 10 e 15 graus de latitude sul. O ecossistema predominante no "nortão do Mato Grosso" é o amazônico, com transição ecológica para o ecossistema dos cerrados.

           A importância da abertura das frentes pioneiras do "nortão de Mato Grosso" pode ser melhor aferida pela ocupação humana que dela decorreu. De acordo com o Censo Demográfico de 1991, o Estado do Mato Grosso tinha uma população de quase dois milhões de habitantes (1.987.347 habitantes); a capital, Cuiabá, (com 401.112 habitantes) e Várzea Grande (161.608 habitantes) adjacente à capital do Estado, totalizam 28,3% da população global.

           A população, em 1991, originária de antigos projetos de Colonização Particular, hoje guindados à categoria de municípios, era constituída de 276.685 habitantes, ou seja, 20% da população interiorizada (excetuando Cuiabá e Várzea Grande). Esses novos municípios, quatorze ao todo, estavam inseridos no "nortão do Mato Grosso" e representavam, ademais, um colégio eleitoral de 144.366 eleitores, o que assinala um forte poder político.

           A importância econômica desses novos municípios pode ser percebida, pelo que representam, na demografia de Mato Grosso, municípios como Alta Floresta (66.734 habitantes), SINOP (39.840 habitantes) e COLíDER (31.153 habitantes).

           A tentativa do processo de colonização particular foi também exercitada na Amazônia.

           A área de domínio do Projeto Tucumã, no Estado do Pará, de propriedade da Construtora Andrade Gutierrez e por ela administrada, quando da implantação do Projeto, era de 430 mil hectares. A Andrade Gutierrez credenciou-se junto ao INCRA como uma empresa de colonização particular e começou os trabalhos em 1981/1982, tendo adquirido a gleba com a autorização do Senado Federal.

           A área tem como limite sul o rio Branco, que é afluente do rio Fresco, por sua vez afluente do rio Xingu. Ao norte a área limita-se com a Reserva Indígena XIKRIN e, ao sul, com a Reserva Indígena KAIAPÓ.

A Andrade Gutierrez construiu na área do Projeto "Tucumã" oito pistas de pouso para pequenas aeronaves. Duas pistas com capacidade para acolher aviões bimotores e as outras seis pistas, para mono-motores. Essa infra-estrutura destinava-se a garantir a segurança da gleba contra a ação de garimpeiros, madeireiros e invasores.

           O loteamento do Projeto Tucumã chegou a alcançar 1.300 lotes, com tamanhos bastante diferenciados. Os lotes variam de 15 a 30 hectares; 70 a 180 hectares e 300 a 400 hectares. O tamanho variava numa gradação de proximidade dos núcleos urbanos. Os lotes menores ficavam próximos à cidade e, conforme seu tamanho, aumentava a distância do núcleo urbano. Outros parâmetros considerados para indicar o tamanho do lote eram a fertilidade natural dos solos e o relevo topográfico da área.

           A partir de 1985, já no Governo José Sarney, a segurança da área do Projeto Tucumã ficou cada vez mais difícil. A ponto de, no período 1986/87, tornar-se insustentável, levando a Andrade Gutierrez a negociar com o INCRA a retro-venda da área. Em 1988, a administração do Projeto Tucumã passou para o controle do INCRA.

          A nucleação que resultou do Projeto Tucumã constituiu-se em novo município, pela promulgação do Decreto Nº 5.455, de 10 de maio de 1987. A área do município, que é de 2.968 Km², contava com uma população de 33 mil habitantes, de acordo com o Censo Demográfico de 1991. Hoje, a estimativa de sua população é de 50 mil habitantes, com população rural de 35 mil habitantes e de 15 mil na área urbana do município.

             A base econômica, no inicio da colonização da Andrade Gutierrez, foi a mineração do ouro (garimpo do "Cuca") e a exploração dos recursos florestais abundantes. Hoje, o município conta com uma próspera pecuária leiteira (15 mil cabeças), exportando parte de sua produção, e com um rebanho de corte de 100 mil cabeças.

A produção agrícola é de subsistência, com alguma produção excedente. Destaque para o milho (10 mil hectares), arroz (5 mil hectares), mandioca (3 mil hectares) e feijão (um mil hectares). Entre as culturas permanentes, destaca-se o cultivo do cacau, com uma área de 1.700 hectares.

           A partir do assentamento de 1.300 colonos, no período da Andrade Gutierrez, o INCRA, depois da retro-venda, assentou mais 2.200 famílias regularizadas, perfazendo uma população de 3.500 famílias regularizadas, desde a implantação do Projeto Tucumã. Existem, ainda, mais 4.000 famílias em fase de regularização. O município de Tucumã tem a sua origem e o seu futuro na colonização, esta seqüenciada da colonização particular para a colonização oficial.

           O Decreto Nº 59.428/66 que regulamenta os Capítulos I e II do Estatuto da Terra diz:

"Colonização Particular é toda a atividade oficial ou particular destinada a dar acesso à propriedade da terra e a promover o seu aproveitamento econômico, mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e agro-industriais, através da divisão de lotes ou parcelas, dimensionadas de acordo com as regiões definidas na regulamentação do Estatuto da Terra, ou através das cooperativas nela previstas".

           O INCRA, por intermédio do Departamento de Assentamento (DP) e da Divisão de Colonização Particular, expediu um elenco de extensas e detalhadas normas aqui citadas, parcialmente.

           Os elementos que caracterizam a colonização particular são:

           a) - empreendimento do Poder Público ou da iniciativa privada, já que se trata de povoar terras aptas ou agricultáveis;

           b) - deve ser uma ação permanente, porque não é possível realizar-se de uma só vez; constitui uma forma de obter-se o desenvolvimento agrícola e o acesso à terra, que, por sua vez, acha-se condicionado a diversos fatores e situações peculiares;

              c) - a colonização é uma ação planificada, cuja execução caracteriza-se pela realização de procedimentos técnicos, mediante organização administrativa convenientemente dirigida, com finalidade definida;

              d) - deve contar sempre com recursos financeiros apropriados, pois o financiamento da colonização constitui um dos aspectos mais importantes dessa atividade, sem o qual é possível o risco de fracasso;

              e) - a colonização responde a objetivos diversos, de caráter político, religioso, associativista (cooperativas) ou militar (colônias militares);

               f) - a colonização implica sempre a criação de uma infra-estrutura adequada a uma comunidade produtiva rural;

              g) - em princípio, não deve constituir negócio de tipo especulativo ou exclusivamente comercial, porque tal finalidade pode desvirtuar os seus fins essenciais; porém, pode ser executada de forma empresarial, tendo por princípio a função social da terra, como é estabelecido no artigo 2º do Estatuto da Terra.

           O Decreto nº 59.428/66, que regulamenta o Estatuto da Terra, estabeleceu que qualquer pessoa de direito privado, física ou jurídica, além dos poderes públicos (Federal, Estadual e Municipal) pode promover a colonização. Esta participação do setor privado é acessória e complementa a ação do poder público.

           A colonização particular deverá desenvolver-se dentro dos limites que a autoridade pública estabelecer, e estará sujeita à sua constante fiscalização.

           A forma de participação faz-se mediante uma empresa organizada, cujos objetivos sociais sejam o de promover o acesso à terra e o seu aproveitamento econômico, por meio de sua divisão em propriedades adequadas à região considerada, ou mediante o sistema cooperativo.

           Nenhuma parcela poderá ser vendida em um projeto de colonização, sem que antes seja a empresa de colonização registrada, e o projeto aprovado no INCRA, após inscrito o loteamento no Cartório de Registro de Imóveis.

           EMPRESA PARTICULAR DE COLONIZAÇÃO é a pessoa física ou jurídica de direito privado que tem por finalidade promover o acesso à propriedade da terra e o seu aproveitamento econômico, por meio da divisão da terra em lotes ou parcelas, dimensionadas de acordo com as características da região considerada ou por meio do sistema cooperativo.

           A experiência da Colonização Particular foi vitoriosa, apesar de incipiente, não apresentando qualquer ônus financeiro para o Governo Federal.

           O setor administrativo que trata da Colonização Particular possuía nível de Departamento, no INCRA; denominava-se Departamento de Colonização Particular-DPC; englobava três divisões técnicas e tinha um quadro de 30 funcionários, sem dúvida, também, insignificante. Entretanto inexplicavelmente, sua estrutura diminuiu.

           Na medida em que a Colonização Particular perdia força, e expressão, esse departamento foi perdendo importância na estrutura do INCRA. Hoje, praticamente não existe. Seu pessoal técnico, até uns dois meses atrás, era de quatro funcionários, restando atualmente apenas dois, tendo sido os outros dois redistribuídos.

           Veja-se o paradoxo:

           O Brasil vivencia hoje experiências fortes na quebra dos monopólios do petróleo e das telecomunicações. Por que, pois, não convocar a iniciativa privada para participar do processo da Reforma Agrária, de resto a mais urgente e explosiva questão social com que convive a sociedade brasileira?

           Ao querer assumir isoladamente as responsabilidades do problema, os órgãos do Governo (INCRA, MIRAD, Ministro Extraordinário de Política Fundiária e Institutos de Terras dos Estados) demonstram o quanto estão desatualizados, priorizando as desapropriações de terras, sem lhes dar destinação imediata e mais adequada ou empurrando os Projetos de Assentamento, de afogadilho, eivados de vícios administrativos rotineiros, em prejuízo dos colonos assentados.

           Manter milhões de hectares de terras, em estoque, sem lhes dar utilização devida; assentar colonos em terras inaptas para a agricultura, e na maioria das vezes sem as mínimas condições de sustentabilidade, por falta de infra-estrutura (estradas, açudes, moradias, armazéns) ou de serviços de assistência técnica e creditícia, assim como de serviços de saúde e educação, são limitações que poderão ser sanadas com a participação efetiva e vigorosa da Colonização Particular, coordenada e fiscalizada pelo Governo Federal, na forma da legislação já existente.

           O INCRA PODERÁ IMEDIATAMENTE:

           a) - reestruturar e reaparelhar a Divisão de Colonização Particular, dando-lhe mandato, "status", pessoal qualificado e numericamente necessário para normatizar, acompanhar e fiscalizar as ações das empresas de Colonização Particular;

           b) - reabrir o registro de empresas de Colonização Particular; revisar e reeditar suas Instruções Normativas que já foram utilizadas; conceber e editar novas normas compatíveis com o momento presente;

           c) - destinar algumas glebas de terras que estão sob seu domínio efetivo para as atividades da Colonização Particular. A Instrução Normativa anterior já ensinava como fazer isso, resta atualizá-la;

           d) - licitar as glebas disponíveis; aplicar as Instruções Normativas existentes, revisando-as e adaptando-as ao tempo presente; sugere-se não transferir o domínio total da gleba, de imediato, à empresa colonizadora, mas apenas gradativa e parceladamente; fiscalizar as atividades com idoneidade, convicção e rapidez, imprimindo correção de rumo quando necessário;

           e) - dar prioridade à aquisição dos lotes das Colonizadoras por colonos selecionados e a quem se deva proporcionar crédito fundiário. Se várias empresas colonizadoras estiverem no mercado, a competição entre as colonizadoras irá regular o preço do custo do hectare de terra, com a infra-estrutura necessária;

           f) - estabelecer criteriosa seleção dos colonos.É preciso que : "... o colono tenha cheiro da terra", conforme dizia o colonizador Ariosto da Riva, líder da INDECO S.A., que abriu a Gleba Alta Floresta, no "nortão de Mato Grosso";

           g) - reativar , por ato do Presidente da República, o crédito fundiário que estimulará as colonizadoras particulares a participarem do processo, como aliás já foi feito no passado.Muitas propriedades poderiam ser incorporadas ao Programa de Reforma Agrária, por espontânea vontade de seu proprietário, sem a necessidade de recorrer ao procedimento da demorada burocracia jurídico-administrativo das desapropriações e das arbitrariedades às vezes praticadas;

           h) - convocar as empresas de colonização particular, devidamente registradas, para a execução da infra-estrutura, nas glebas de sua propriedade e de propriedade do INCRA, por concorrência específica, sendo remuneradas pelos serviços que executarem, cuja qualidade seria adequadamente fiscalizada e atestada; o INCRA, no caso, continuaria responsável pelos aspectos fundiários e pelos serviços de operação, transferindo aos assentados, as áreas de seu domínio;

           i) - garantir às Colonizadoras Particulares que as "regras do jogo" serão respeitadas e que se assegure a elas a proteção dos seus investimentos.

           E é aqui que vêm a propósito, algumas considerações sobre a Reforma Agrária.Esta precisa ser feita em grandes espaços (como no Agreste e na Zona da Mata do Nordeste, no Pontal do Paranapanema, em São Paulo,etc.) e guardar uma proporção com a magnitude do problema agrário do País. No Brasil, mesmo com a atual redução da população rural ( em proporção, não em números absolutos), a meta deve perseguir cifras da ordem de dois milhões de famílias, o que não invalida o assentamento das 280 mil famílias pretendidas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, como inicio do programa. Precisa também ser imediata, a ponto de beneficiar a atual geração dos "sem-terra"; e drástica, na medida em que o novo regime de posse e uso da terra redistribuída difira substancialmente da propriedade improdutiva desapropriada ou adquirida.

           Precisa ser solidária e participativa; não precisa violentar o direito de propriedade.

           O Governo Federal, o INCRA em particular, para a execução da abertura de novas áreas destinadas ao assentamento de "sem-terras", deverá convidar empresas da construção civil, especializadas em construção de estradas, pontes. barragens, açudes, os "peso-pesados" das empreiteiras, por exemplo, Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Camargo Correa e outras, para participarem da execução da infra-estrutura dos projetos de assentamento da Reforma Agrária e/ou Colonização Particular.

           Essas empreiteiras possuem notável competência técnica, equipamentos pesados ociosos, para agilizar a implantação indispensável das obras de infra-estrutura.

           A Reforma Agrária precisa ser solidária e participativa, sem violentar o direito de propriedade.

           A Reforma Agrária deverá ser feita por regiões geográficas, atendendo às diferenças dos recursos naturais e às peculiaridades sócio-econômicas. O INCRA deverá promover levantamento detalhado das terras hoje disponíveis por regiões, e, dentro das regiões, por Estados.

          Informações oficiosas do INCRA dão conta de que apenas a Região Norte dispõe, para assentamento imediato, de glebas arrecadadas ou desapropriadas com capacidade para beneficiar apenas 10 mil famílias. Nas demais regiões, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul, o INCRA não dispõe de terras, sendo indispensável promover desapropriações ou aquisições.

          Com o resgate da Colonização Particular, viabilizada pelo recadastramento de empresas especializadas, e pela participação, de firmas empreiteiras na implantação da infra-estrutura, nos assentamentos, sugere-se que:

a) o INCRA coloque em licitação glebas de terras sob seu domínio;

b) aliene as terras às empresas colonizadoras com a cessão de direitos dominiais em forma gradativa e parceladamente;

c) apresente às empresas, proposta de fracionamento da gleba: com o número de lotes, que poderão ser de tamanho padrão e/ou com tamanho diferenciado;

d) seja apresentado às empresas colonizadoras, associadas às firmas empreiteiras, projeto de infra-estrutura a ser implementado (quilômetros de estradas,construção de escolas, postos de saúde, serviços de aprovisionamento de água e instalação de grupos de geração de energia);

e) fiscalize as atividades, com idoneidade, convicção e rapidez, imprimindo correção de rumo, quando necessário;

f)  o Governo Federal crie estímulos financeiros às empresas colonizadoras mediante financiamentos adequados, de longo prazo, via Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e BNDES;

g) seja estudada a possibilidade de estender às Superintendências de Desenvolvimento Regional da Amazônia e do Nordeste (SUDAM e SUDENE) responsabilidade no financiamento de projetos de assentamento;

h) seja, da mesma forma, estudada a viabilidade de pagamento dos serviços prestados pelas empresas colonizadoras e/ou pelas empreiteiras, com Títulos de Dívida Agrária (TDA);

i) seja dada prioridade aos "sem-terra" para a aquisição dos lotes de terras e os bens de infra-estrutura implantados. O prazo do empréstimo nunca seja inferior a 20 (vinte) anos.

          É importante que seja assegurada a assistência técnica aos produtores por intermédio das empresas colonizadoras, das empresas governamentais da esfera federal e/ou estadual ou das associações de prestação de serviços criadas no âmbito do assentamento.

          A assistência técnica e creditícia complementada pela infra-estrutura, e de outros serviços (saúde, educação, armazenamento, agroindustrialização e comercialização) é que fará a diferença entre um assentamento bem sucedido, com o bem estar predominando entre os assentados, e os ocupantes de uma "favela rural".

          Em resumo, Senhor Presidente, defendo que:

Primeiro: a participação da colonização particular na solução do grave problema social dos "sem-terra" seja considerada indispensável e inadiável.

Segundo: quando a colonização for totalmente particular (utilizando glebas próprias, fazendo o seu parcelamento e implantando as obras de infraestrutura) que os títulos das dívidas assumidas pelos assentados sejam negociados com as empresas de colonização, junto a instituições, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES;

Terceiro: quando a colonização particular incidir sobre terras públicas, do INCRA ou dos Institutos de Terras dos Estados, a empresa de colonização responsável pelo parcelamento e implantação das obras de infra-estrutura negocie os títulos das dívidas dos assentados junto ao BNDES, por exemplo.

          É preciso, finalmente, que o Ministro Extraordinário de Política Fundiária, e o Ministério da Agricultura e do Abastecimento, entendam que a Reforma Agrária não se resume em desapropriar glebas e entregar um lote de terras ao colono.

           É sempre muito proveitoso aprender com a sabedoria popular. Relembro a oportunidade que tive de aprender, em um encontro de lideranças extrativistas do Conselho Nacional dos Seringueiros, realizado em Rio Branco, Acre, de um seringueiro que disse:

"A Reforma Agrária é como uma feijoada. Ela tem que ser de feijão preto e ter outros ingredientes como a lingüiça, o paio, o pé de porco, as costelas de porco, a couve mineira, a laranja e sem esquecer a caipirinha. Sendo de outra forma, não é feijoada, é só feijão. E nós queremos uma feijoada."

(Brasília - DF, agosto de 1996.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/1996 - Página 15060