Discurso no Senado Federal

DECIMA SEXTA CONFERENCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS, A REALIZAR-SE NO PROXIMO DOMINGO, EM FORTALEZA - CE. SAUDANDO A GESTÃO DO PRESIDENTE DA ENTIDADE, DR. ERNANDO UCHOA LIMA.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXERCICIO PROFISSIONAL. HOMENAGEM.:
  • DECIMA SEXTA CONFERENCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS, A REALIZAR-SE NO PROXIMO DOMINGO, EM FORTALEZA - CE. SAUDANDO A GESTÃO DO PRESIDENTE DA ENTIDADE, DR. ERNANDO UCHOA LIMA.
Aparteantes
Pedro Simon, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/1996 - Página 15090
Assunto
Outros > EXERCICIO PROFISSIONAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL, ADVOGADO, MUNICIPIO, FORTALEZA (CE), ESTADO DO CEARA (CE).
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, ERNANDO UCHOA LIMA, PRESIDENTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB).

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os que convivem com a Ordem dos Advogados do Brasil sabem que a cada dois anos essa grande instituição realiza a sua conferência nacional. E geralmente a elas acorrem milhares de advogados. Ali, discutem-se as teses mais variadas, os instantes mais difíceis por que passa o País, dependendo da quadra política em que ele se encontra, e o que é mais interessante, aponta caminhos e indica soluções para a nossa tradição jurídica, para o primado do Direito.

Quem se recorda do Estado Novo, que foi do ano de 1937 a 1945, sabe que a Ordem dos Advogados do Brasil teve uma atuação marcante na queda da ditadura. Foi tão notável essa atuação que, quando o País saiu da excepcionalidade institucional para o reordenamento constitucional, o único órgão convidado para a posse do então Presidente José Linhares foi a Ordem dos Advogados do Brasil.

No próximo domingo, na Cidade de Fortaleza, será realizada a 16ª Conferência Nacional dos Advogados, que terá a sua abertura oficial, exatamente, às 19h:30min., e a seguir, até quinta-feira, dia 5 de setembro, ali serão discutidos os mais variados assuntos dentro de uma temática que tomou o nome "Direito, Advocacia e Mudanças".

O atual Presidente nacional da OAB já foi membro desta Casa, o Senador Ernando Uchôa Lima, e tem desempenhado o seu papel de Presidente com muito mais dificuldade do que aqueles que estavam na época da ditadura, porque a Ordem dos Advogados do Brasil só cresce na repressão aguda, quando o Estado de Direito está marginalizado. Quando o País volta aos trilhos constitucionais, é preciso que o seu Presidente tenha uma atuação que deixe a Instituição na ardência como entidade civil respeitada, admirada e, como sempre, líder dos vários segmentos.

Lembro-me, Sr. Presidente, e quero fazer um registro que é apenas biográfico, e não um auto-elogio, que, dos cargos que desempenhei, e acho que na minha biografia há pelos menos dois dos quais é difícil haver repetição - o de Relator de uma Assembléia Nacional Constituinte e o de Ministro da Justiça -, ao longo de minha vida, o que mais me honrou foi ter sido Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Naquela altura, o nosso tema era a justiça social. Exatamente no ano de 1982, mal assumia eu a Presidência da OAB, explodiu a bomba do Riocentro, num trabalho, segundo se soube mais tarde, oriundo dos porões de quem detinha o comando do poder.

Hoje, decorridos 14 anos, vejo na temática que o Presidente Ernando Uchoa Lima traz para o seu Estado natal, para a Cidade de Fortaleza, além dos melhores e mais credenciados juristas brasileiros, uma plêiade de juristas estrangeiros, que eu não me furto de registrar nos Anais do Senado.

No dia 2, por exemplo, segunda-feira, na parte da manhã, dois juristas, um alemão, o professor Friedrich Müller, e outro português, o professor Boaventura de Souza Santos, abordarão, o primeiro, Fundamentos Atuais da Democracia: Cidadania e Participação; e o segundo, A Crise dos Paradigmas e o Futuro do Socialismo.

Mas não fica aí, Sr. Presidente. Já na parte da tarde, sob o tema Políticas Públicas e Distribuição da Renda, o professor Dieter Grimm, da Alemanha, é mais um dos conferencistas trazidos ao nosso País. Fazendo companhia, na parte da tarde, e abordando o tema Pluralismo Jurídico, o professor espanhol Nicolás López Calera. E, logo a seguir, encerrando a parte da tarde, um jurista italiano que é conhecido de muitos políticos que aqui se encontram, o professor Giovanni Berlinguer.

Vejam V. Exªs que, além desses, temos ainda: o professor Mário Gabriel Losano, da Itália, que vai abordar Informática e Simplificação Processual. Temos um grande jurista alemão, o professor Wolf Paul, que é da Universidade de Frankfurt, pessoa que conheço pessoalmente, amplamente dedicada ao constitucionalismo brasileiro, porque faz o estudo comparativo entre os Direitos Constitucionais da Alemanha e do Brasil.

E depois, Sr. Presidente, temos um bâtonnier francês, o maître Bernard Vatier, que vai discorrer sobre o Advogado no Contexto da União Européia. E, ao final, já tratando do tema A Função do Juiz na Sociedade em Mudança, teremos o professor argentino Eugênio Raul Zaffaroni.

Ora, uma conferência desta natureza há de despertar a consciência jurídica da Nação de que não é possível vivermos em uma democracia sem que o Estado de Direito esteja funcionando a plenos pulmões.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª, eminente Senador Ramez Tebet, que um dia tive a ventura de conhecer chefiando a OAB de Mato Grosso.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Bernardo Cabral, eu não posso realmente perder a oportunidade de vê-lo na tribuna saudando, por que não dizer, os advogados do Brasil. V. Exª acabou de afirmar que, entre tantos cargos que ocupou, entre tantos títulos que detém, o que mais o honra é o de ter sido Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Isso bem demonstra que antes de V. Exª ser o homem público de inegáveis qualidades que é, sem dúvida alguma é o advogado de pé, sempre na defesa das grandes causas, é o advogado integrado à sua classe. Por isso mesmo, hoje, na tribuna, faz menção a mais uma conferência realizada pelos advogados brasileiros, com a presença de eminentes advogados e juristas de outros países. Sou daqueles que, sem desmerecer as outras profissões, consideram que os advogados são os que mais têm dado a sua parcela de contribuição ao fortalecimento dos ideais democráticos, à defesa da soberania nacional, das liberdades públicas. Os advogados são os que mais lutam, são eles a verdadeira trincheira - vamos assim dizer - da defesa dos interesses da nacionalidade. Por isso, V. Exª não perde a oportunidade, advogado que é, de ocupar esta tribuna, nesta manhã, no Senado, para realçar e chamar a atenção do País para a XVI Conferência Nacional dos Advogados, que será realizada em Fortaleza. Cumprimento não o Senador; prefiro cumprimentar, nesta hora, o advogado Bernardo Cabral. Eu colocaria uma vírgula na sua biografia, e diria: Bernardo Cabral, sempre advogado, porque V. Exª acabou de confessar, e acredito que este é não o título, mas a verdadeira vocação de V. Exª. Muito obrigado.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Tão logo responda ao eminente Senador Ramez Tebet, darei o aparte a V. Exª, Senador Pedro Simon.

Nobre Senador Ramez Tebet, V. Exª tem razão. Vejo no plenário várias profissões liberais diferentes. Por exemplo: o engenheiro é, sem dúvida alguma, o cidadão que detém a profissão para a construção do teto onde vamos morar. E logo adiante o arquiteto, que é aquele que faz a decoração desse edifício. E mais à direita, o médico, que é o homem que consegue garantir a vida para que o cidadão more no prédio construído pelo engenheiro e decorado pelo arquiteto.

Mas observe bem, eminente Senador Ramez Tebet, que se o médico consegue dar a vida, não há nada que a dignifique tanto quanto a liberdade. E esta só nós, advogados, somos capazes de conquistar para que os demais, que são seqüência, que são, portanto, acessórios que seguem a sorte do principal, possam desfrutar.

De modo que V. Exª acertou em cheio. Eu tenho sido, quero ser e serei sempre advogado.

Ouço V. Exª, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Eu diria também, com toda a sinceridade, que, se de todos os títulos que tem V. Exª - e são muitos - o que mais o orgulha é ter sido Presidente da OAB nacional; de todos os títulos que V. Exª já teve, e são imensos, o que mais respeito é o de Presidente da OAB. E eu dir-lhe-ia até, com uma ponta de mágoa, que, na minha vida, que foi longa, se há um ressentimento meu, pessoal, é que desde que assumi a vida política, como Deputado - e um ano depois veio a Revolução (diga-se golpe de Estado) -, tive que assumir o comando da vida partidária, e por isso atuei, durante todo esse tempo, ao lado tanto dos Presidentes da OAB do Rio Grande do Sul como do Presidente da OAB nacional, assim como V. Exª, mas não pude participar - porque minha a missão era outra - desse trabalho extraordinário que fez a OAB. Olhando para trás, para aquelas horas difíceis e dramáticas que atravessamos, não há dúvida de que vamos sentir a presença da OAB, a presença de V. Exª e do seu trabalho. Podemos respeitar, claro, os médicos, os engenheiros, como diz V. Exª, todas as profissões. Mas, pelo caráter da função que exercemos, pela responsabilidade que temos, é preciso dizer que foi importante o desempenho da OAB. Felicito V. Exª por chamar a atenção para a próxima Conferência Nacional da OAB em Fortaleza. E atrevo-me a dizer - veja V. Exª que é um atrevimento: a OAB teve um grande papel na hora do arbítrio, na hora da violência, na hora da ditadura e teve uma presença permanente na hora do restabelecimento da democracia. A OAB também teve um grande papel na CPI do Impeachment, e eu, que participei da coordenação da referida CPI com o Senador Eduardo Suplicy e outros, posso dizê-lo. Lembro-me quando fui à OAB falar com o sucessor de V. Exª e com o Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, para que os dois assinassem o documento que deu início ao processo de impeachment, a nível oficial, pois tinham sido os escolhidos em nome da sociedade brasileira. Foram escolhidos depois de uma análise que fizemos e que nos levou à conclusão de que eram as duas pessoas indicadas: o Presidente da OAB, pelo significado, pela credibilidade daquele órgão, e o Presidente da ABI, pelo nome do seu representante, pelo que essa associação significa em seus 100 anos na vida brasileira. Ali, a OAB teve um grande desempenho. Agora, pergunta-se: nesta hora, o que fazer? Digo-lhe com toda a sinceridade: não tenho autoridade, nem tampouco credibilidade para comparecer a uma conferência como essa. Mas V. Exª estará presente e atrevo-me a dizer que a OAB, da mesma maneira que esteve presente no que tange à luta pela liberdade - bato no peito e digo: mea culpa -, ela estava com a razão quando queria a Constituinte exclusivamente. À época, não dei importância, embora fosse favorável. Vejo como as coisas seriam diferentes, como a OAB estava certa no momento em que propôs uma Constituinte exclusiva para elaborar a Constituição. Creio que, hoje, a OAB tem que definir o seu papel para os próximos dois anos, porque a sua participação é importante. Uma das questões que deveria abordar é o combate à impunidade, porque isso é uma vergonha, principalmente em relação aos grandes, à classe política, aos corruptos com "c" maiúsculo neste País. Defender, por exemplo, a obrigatoriedade não digo de uma justiça política, como temos a justiça eleitoral e a trabalhista, mas um rito sumário, a fim de que o juiz, o promotor, o delegado de polícia, o Tribunal e o Supremo Tribunal Federal dessem prioridade absoluta a qualquer inquérito feito contra um Senador, um Deputado ou um Vereador, que deveria ser decidido com prazo imediato. O corrupto devolveria o dinheiro e iria para a cadeia ou, então, limparia o seu nome. Dever-se-ia fazer de tudo para que não ocorresse a impunidade escandalosa, imoral e indecente, onde se fala mal de um e outro; um é corrupto, e o outro não. Mas o povo nivela por baixo, porque não se busca a verdade. Creio que a OAB deveria auxiliar nesse aspecto, teria que participar do debate em termos do momento em que estamos vivendo. Estou com muito medo, nobre Senador, vou à tribuna hoje protestar, pois quero saber em nome de quem o Sr. Fernando Henrique Cardoso foi assunto de uma pesquisa de Ibope. Quem pagou para se saber se o povo quer reeleição ou não ou para se ter informação dos índices de popularidade do Sr. Lula, do Sr. Fernando Henrique, do Sr. Maluf ou do Sr. Itamar? Quero saber de onde veio essa idéia! A troco de que o Governo usa o dinheiro da coisa pública para fazer uma campanha? Eu, que sou favorável à reeleição, já estou pensando duas vezes a esse respeito. Antes de haver reeleição, o Governo já usa a máquina de uma maneira imoral para fazer o que está fazendo! Creio que se a OAB colocasse o seu prestígio e a sua credibilidade em termos da ética, da moral e da decência, seria um grande trabalho. Alguns dizem: "A OAB tem que ficar calma. Quando vier uma nova dúvida, uma nova insurreição, um novo perigo para a liberdade, ela tem que aparecer". Discordo. Penso que a OAB cumpriu a sua parte. A liberdade e a democracia estão aí, mas ela pode avançar o sinal dentro da ética e da moralidade. Meus cumprimentos a V. Exª, porque V. Exª tem o respeito da Nação. Foi um Deputado brilhante, foi cassado de uma maneira injusta e indecorosa. Exerceu a sua missão, foi adiante. Participou de um Governo o qual afastamos por corrupção, mas não foi encontrada uma vírgula que envolvesse a sua dignidade, o seu caráter e a sua seriedade. E, na condição de Senador da República, vem V. Exª a esta Casa desempenhar, com o mesmo vigor e com a mesma desenvoltura, o seu papel. O meu abraço, o meu carinho e até um pouquinho de "inveja cristã" por V. Exª poder dizer: "Fui Presidente da OAB. É o título que mais me orgulha". Concordo com V. Exª, e a mim me orgulha muito ser seu amigo, ex-Presidente da OAB.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Pedro Simon, V. Exª tem a facilidade de instilar, nos seus companheiros admiradores, o sentimento da emoção.

Parte da sua intervenção já completou o meu discurso. O que eu pretendia fazer, ao longo dele, V. Exª fez e, por certo, com mais brilho, não tenho a menor dúvida em proclamar, porém com a mesma emoção que eu o faria, donde se conclui - V. Exª que é advogado - que o melhor título que se poderia dar a um advogado é o de "cirurgião plástico do fato". V. Exª acaba de comprovar as minhas palavras.

Citarei um fato apenas para relembrar. Quando Relator da Assembléia Nacional Constituinte, eu acolhia a emenda - hoje é Texto Constitucional - que defendia a tese de que o advogado é indispensável à Justiça. Um Constituinte aparteou-me para dizer que também deveriam ser incluídos o engenheiro, o médico, o dentista, enfim, todos eram essenciais. E fez uma catilinária contra os advogados. Eu lhe disse em resposta: "V. Exª me lembra os grandes ditadores, que, quando apeados, vão à busca dos advogados para fazer a sua defesa".

Consegui aprovar a emenda, eminente Senador Pedro Simon, mostrando exatamente isto: não se pode imaginar, num Estado que se quer democrático e, portanto, Estado de Direito, que se faça isso sem a presença de uma instituição do nível da Ordem dos Advogados do Brasil.

Já que V. Exª lembrou Barbosa Lima Sobrinho, quero registrar um fato, para que fique nos Anais da Casa: quando ele era Presidente da ABI e eu, Presidente da OAB, vínhamos tomar parte da Comissão dos Direitos e Defesa da Pessoa Humana, que funcionava no Ministério da Justiça. Muitas vezes, só pela voz de ambos, conseguiam encontrar eco as queixas, as reclamações daqueles que eram presos, torturados e mutilados. E sempre nós, os portadores desses ecos, éramos derrubados, vencidos, mas não convencidos.

Vou encerrar, Sr. Presidente, sei que V. Exª está a me advertir sobre o tempo. Assim sendo, não ultrapassarei 2 minutos para concluir, fique certo disso.

Senador Pedro Simon, ao mencionar a XVI Conferência Nacional dos Advogados, eu não poderia deixar de dizer que o tema "Impunidade" será abordado. Consta do temário: Direito, Advocacia e Mudança.

Lembro aqui aqueles que se foram, que hoje estão presentes na nossa saudade, grandes advogados como Sobral Pinto - quem não se lembra, quem não o homenageia?! -, Haroldo Valadão, Seabra Fagundes, José Ribeiro de Castro Filho, que foi o primeiro a dar o pontapé na porta da ditadura para abrir ao povo brasileiro a clareira que se fez depois com os Presidentes que o substituíram.

Quando registro essa 16ª Conferência Nacional dos Advogados, quando trago para a tribuna do Senado os meus cumprimentos a todos os advogados que pelo País afora defendem os direitos e interesses dos seus clientes às vezes com tantas dificuldades; quando ocupo a tribuna para saudar o Presidente Ernando Uchôa Lima, não faço senão aquilo que dizia ao começo e que V. Exª acertou com absoluta propriedade: ser Advogado, sempre Advogado.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/1996 - Página 15090