Discurso no Senado Federal

INFORMANDO A CASA QUE UMA EMPRESA NORTE-AMERICANA, COM SEDE NA CALIFORNIA, PATENTEOU O AYAHUASCA, BEBIDA SAGRADA DOS INDIOS DA AMAZONIA. GRAVES CONSEQUENCIAS DESSE TIPO DA PATENTEAMENTO. ANUNCIANDO A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI REGULAMENTANDO A CONVENÇÃO DA BIODIVERSIDADE.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL.:
  • INFORMANDO A CASA QUE UMA EMPRESA NORTE-AMERICANA, COM SEDE NA CALIFORNIA, PATENTEOU O AYAHUASCA, BEBIDA SAGRADA DOS INDIOS DA AMAZONIA. GRAVES CONSEQUENCIAS DESSE TIPO DA PATENTEAMENTO. ANUNCIANDO A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI REGULAMENTANDO A CONVENÇÃO DA BIODIVERSIDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/1996 - Página 15245
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
Indexação
  • CRITICA, EXECUÇÃO, PATENTE DE REGISTRO, BEBIDA, PREPARO, INDIO, AUTORIA, EMPRESA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MOTIVO, POSSIBILIDADE, CRIAÇÃO, LUTA, PREÇO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, CONVENÇÃO, BIODIVERSIDADE, PAIS, DEFESA, PRESERVAÇÃO, CONHECIMENTO, TRADIÇÃO, POPULAÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, eu estava inscrita pela liderança, mas dado o adiantado da hora, não será mais possível conseguir falar por vinte minutos.

O assunto que vou aqui apresentar tem a ver com a problemática discutida na época da aprovação da Lei de Patentes e se trata de uma matéria extremamente polêmica, cujos resultados nós já estamos a perceber. Fui autora de uma emenda que sequer tive a oportunidade de debater neste plenário, que sugeria que a Lei de Patentes reconhecesse o saber das populações tradicionais.

Empresa norte-americana patenteia o Ayahuasca.

Uma empresa norte-americana com sede na Califórnia patenteou a Ayahuasca, bebida sagrada que os índios da Amazônia usam tradicionalmente em seus rituais religiosos, extraída de um cipó, o Mariri ou Jagube, e do arbusto Chacrona ou Rainha. Há quem diga que essa tradição foi herdada dos Incas. O Conselho de Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, sediado no Equador, declarou o proprietário da Empresa Internacional de Plantas Medicinais, Sr. Loren Miller, "um inimigo dos povos indígenas dos nove países da bacia amazônica". Segundo Valério Greffa, líder indígena equatoriano, uma verdadeira guerra de preços poderá confrontar as comunidades que detêm os segredos da Ayahuasca, utilizada no Brasil pela seita do Santo Daime e União do Vegetal.

Esta não é a primeira vez que o Sr. Miller tenta apropriar-se dos conhecimentos dos índios. Ano passado, não conseguiu filmar a comunidade dos Tagaeri, formada por 60 indivíduos avessos ao contato com os brancos. Miller pretendia aproximar-se deles, acompanhado de um grupo de "cientistas" e de militares, para vender o documentário à Rede de TV CNN, que acabou desistindo do projeto, diante das críticas dos índios.

Miller conseguiu patentear em seu país a Ayahuasca, cujo poder, segundo um dos dirigentes da comunidade indígena, José Quenama, é suficiente para "transportar um homem a terrenos desconhecidos, converter um sábio num animal, torná-lo invisível e capaz de decifrar os segredos do futuro". A atitude do empresário despertou a revolta dos líderes indígenas. Valério Greffa afirmou tratar-se de "um insulto às 400 culturas que coexistem na bacia amazônica" e o acusou de dirigir uma empresa de "biopirataria". Disse Valério: "O que diriam católicos e judeus se os índios decidissem patentear a hóstia, o vinho e o processo kosher de purificação de alimentos?"

Em nome da Coordenação, Greffa encaminhou comunicado ao Presidente Bill Clinton, solicitando revisão da concessão de patente.

Uma das conseqüências mais graves do patenteamento da Ayahuasca é a guerra de preços que ameaça dividir as comunidades indígenas. Elas podem cair na tentação de querer negociar seus conhecimentos em troca de "presentes de pouco valor", avalia Joseph Voguel, consultor do Programa do BID-Conade, cujo objetivo é converter os conhecimentos tradicionais dos índios em segredos comerciais. Na sua opinião, "muitos países amazônicos provavelmente têm a mesma espécie e também sofreriam a mesma pressão para facilitar o acesso legal à matéria-prima".

Segundo o consultor, a única maneira de frear a cobiça dos laboratórios ocidentais seria orientar as comunidades indígenas a não mais divulgar os seus conhecimentos. "Os etnólogos também precisam colaborar, deixando de tornar público o que já sabem", disse. Só assim seria possível evitar que empresas dos Estados Unidos - país que não é signatário da Convenção da Biodiversidade e, portanto, não precisa do consentimento da União e das comunidades indígenas para patentear uma espécie - continuem tendo acesso ao que é de conhecimento público.

A matéria, publicada inclusive no jornal interno de uma ONG respeitável, o Instituto Sócio Ambiental, traz informações sobre as quais eu já alertava quando da votação da Lei de Patentes, ou seja, que os conhecimentos das populações tradicionais deveriam ter um mecanismo de defesa. Sabemos que já há inúmeras atitudes de laboratórios inescrupulosos e de alguns pseudospesquisadores, que já estão a patentear os conhecimentos dessas populações tradicionais.

Em 1985, por exemplo, foi patenteado o Quebra-Pedra, para utilização por empresas multinacionais. Agora, também, foi patenteado uma outra planta medicinal chamada Sangue de Dragão, além de vários patenteamentos de bactérias realizados também por esses laboratórios.

Para concluir, Sr. Presidente, dado o adiantado da hora, quero dizer que, no bojo de todos esses problemas, estou apresentando o meu Projeto de Regulamentação da Convenção da Biodiversidade. Através dele, haverá a regulamentação do acesso aos recursos biológicos. No Brasil, esse projeto já conta com uma ampla participação da sociedade, envolvendo a comunidade científica, por intermédio da realização de várias audiências públicas, que contam com a presença, além da minha, dos Senadores Osmar Dias e Lúcio Alcântara, que é o Presidente da subcomissão.

No dia 19, houve uma audiência no Estado de São Paulo, com a participação de mais de 80 pessoas e, no dia 26, no Estado do Amazonas, também com ampla participação. Em todas elas, estavam presentes representantes da comunidade científica, das entidades não governamentais, da sociedade civil, autoridades religiosas, bem como populares interessados.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/1996 - Página 15245