Discurso no Senado Federal

COMENTANDO DOIS ARTIGOS, O PRIMEIRO PUBLICADO NO JORNAL DE BRASILIA, DO DIA 24 DO CORRENTE, SOB O TITULO 'AS ELITES DE SANTA ROSA', E O SEGUNDO PUBLICADO NO JORNAL DA TARDE, DO ULTIMO DIA 26, INTITULADO 'VIDA LONGA PARA A DEMOCRACIA'.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVISÃO TERRITORIAL. LEGISLATIVO.:
  • COMENTANDO DOIS ARTIGOS, O PRIMEIRO PUBLICADO NO JORNAL DE BRASILIA, DO DIA 24 DO CORRENTE, SOB O TITULO 'AS ELITES DE SANTA ROSA', E O SEGUNDO PUBLICADO NO JORNAL DA TARDE, DO ULTIMO DIA 26, INTITULADO 'VIDA LONGA PARA A DEMOCRACIA'.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/1996 - Página 15324
Assunto
Outros > DIVISÃO TERRITORIAL. LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, RICARDO NOBRE, JORNALISTA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DE BRASILIA, DISTRITO FEDERAL (DF), REFERENCIA, JUSTIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, MUNICIPIO, ESTADO DO ACRE (AC).
  • ANALISE, CRITICA, PROTESTO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL DA TARDE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REFERENCIA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, JOSE GENOINO, ADHEMAR DE BARROS FILHO, DEPUTADO FEDERAL, OBJETIVO, REDUÇÃO, NUMERO, REPRESENTANTE, ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DE RONDONIA (RO), ESTADO DO AMAPA (AP), ESTADO DE SERGIPE (SE), SIMULTANEIDADE, AUMENTO, PROPORCIONALIDADE, REPRESENTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, duas matérias publicadas recentemente em jornais da maior expressão nacional estão a merecer alguns comentários para que se possam avaliar a oportunidade e a justeza dos conceitos nelas emitidos.

A primeira delas, de responsabilidade do jornalista Ricardo Nobre, editor de política do Jornal de Brasília, foi publicada na edição de 24 de agosto último, sob o título "As Elites de Santa Rosa". Santa Rosa, para esclarecer os Srs. Senadores que aqui se encontram, é um Município do Estado do Acre que fica no Alto Purus, fronteira com o Peru. Vou ler alguns trechos desse artigo e, depois, tecerei considerações a respeito do mesmo:

Diz o artigo:

      "Santa Rosa, um minúsculo povoado do Acre, incrustado na fronteira como Peru e a Bolívia, possui apenas uma rua estreita com pouco mais de 20 casas. Lá, não passa propaganda eleitoral na TV porque o lugarejo não dispõe de energia e também é desprovido de telefone e água tratada. Nem automóveis circulam por sua rua. Apesar das paupérrimas características, desde 1992 Santa Rosa foi alçada à condição de município, o que deu aos seus, na época, 142 eleitores, o direito de eleger prefeitos e vereadores.

      Um direito justo, mas incompatível para uma comunidade que nem sequer tem economia suficiente para gerar qualquer tipo de imposto.

      Nas próximas eleições, 291 homens e 210 mulheres, ou seja, 501 cidadãos santorosenses estarão aptos a escolher seus representantes no Executivo e no Legislativo. Eles vão depositar seus votos nas urnas das duas sessões montadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Acre. O atual Prefeito, Antônio Roque de Carvalho, foi eleito com o impressionante cacife de 50 votos. Isso mesmo, meia centena de votos. E tem mais. O Vereador mais votado da localidade recebeu 18 votos, mas teve quem fosse eleito com somente 5. Para este ano, o TRE ainda não sabe ao certo quantos candidatos a prefeito e vereadores estarão disputando uma cadeira nas eleições de outubro.

      O que ocorre nessa cidadezinha é um exemplo das aberrações que costumam atacar nossas elites políticas, independentemente da esfera à qual pertencem. Nesse caso específico, a aberração transforma-se em irresponsabilidade, traduzida na aleatória vontade de criar inúmeros municípios com o único intuito de melhorar a arrecadação, na enganosa e demagógica pretensão de mostrar serviço a qualquer preço. Ao caso de Santa rosa acrescente-se uma curiosidade: situado às margens do rio Purus, o novo Município fica distante uma semana de barco de Sena Madureira a cidade mais próxima.

      O Prefeito Antonio Roque de Carvalho costuma fazer essa viagem sempre que chega ao Banco os recursos federais do Fundo de Participação dos Municípios. Antes do Real, a verba do FPM era quase toda consumida pela inflação porque o Prefeito não demorava menos de quinze dias para ir e voltar.

      A exemplar história de Santa Rosa deixa claro que falta às elites brasileiras a determinação ética e moral de trabalhar pelo bem público. Muito pelo contrário. O que puder ser feito para garantir qualquer vantagem eleitoral, ou não, é isso que importa. De nada adianta, por exemplo, sermos bombardeados com enfadonha discussão oficial e tecnicista sobre a necessidade de uma reforma fiscal que redesenhe o papel do Estado brasileiro, se na outra ponta, corremos o risco de constatar que tudo pode acabar em samba, já que nada impede a perpetuação dos descalabros administrativos que a todo instante ficamos sabendo."

A matéria discorre sobre outros temas, mas vou-me ater exclusivamente a esta parte lida.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, votamos recentemente no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional - foi Relator o Senador Bernardo Cabral - que disciplina a criação de novos municípios. Expresso minha concordância em relação à nova legislação que se está oferecendo ao País, estabelecendo que, para desmembramento das unidades municipais, devem ser consultadas não só as pessoas da área a ser destacada - mediante a realização de plebiscito - mas também as populações daqueles municípios dos quais o distrito será desmembrado. A meu ver, a medida é correta. Devemos, sim, criar prudentes restrições para a criação de novos municípios.

Mas, no caso de Santa Rosa, ainda que tenha apenas 501 eleitores, sua constituição é perfeitamente justificada, por motivos estratégicos.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o autor desse artigo, a exemplo da esmagadora maioria dos brasileiros, não conhece a realidade do meu Estado, não sabe que no Alto Purus, na fronteira com o Peru, só havia algumas cabanas de índios. Não existia, ali, nenhuma cidade, nenhum município, nenhum destacamento federal, estadual ou municipal.

O Governo do Estado, quando fui Governador, fez uma consulta ao Conselho de Segurança Nacional a propósito da necessidade da criação do município de Santa Rosa, no Alto Purus. O Conselho, examinando as peculiaridades de sua localização - estratégica, fronteiriça - constatou a existência de ameaças concretas à nossa soberania, sob a forma de incursões de estrangeiros, voltadas para a extração de madeira, borracha e outros produtos naturais, promovendo, assim, a depredação das nossas riquezas. Deu-se, assim, parecer favorável à criação daquele município, já na gestão do saudoso Governador Edmundo Pinto.

Tivemos, em 1992, a primeira eleição. O próprio articulista confessa que o atual Prefeito, Antônio Roque de Carvalho, foi eleito com cinqüenta votos, porque havia menos de duzentos eleitores no Município. Agora, já há quinhentos e um, ou seja, a população dobrou em quatros anos!

O próximo Prefeito, para ser eleito, certamente vai precisar de uns trezentos votos. Isso demonstra que o Município está-se desenvolvendo, está crescendo.

Estive lá durante a campanha eleitoral, em 1994, e tive a oportunidade de conhecer a pista de pouso. Não é verdade que não haja energia; a rede atual atende, inclusive, a mais de cinqüenta casas que foram construídas pela atual administração local. Além disso, vale reafirmar que o Município representa a presença brasileira em uma região fronteiriça com o Peru, no Alto Purus. Por essa razão, é importante retificar os conceitos expostos pelo jornalista Ricardo Nobre, no artigo que assinou na edição do dia 24 de agosto de 1996 do Jornal de Brasília sob o título "As elites de Santa Rosa".

O outro artigo da imprensa que exige reparos foi publicado pelo Jornal da Tarde, de São Paulo, edição de 26 de agosto último, sob o título "Vida longa para a democracia".

A matéria aborda, em conjunto, duas das emendas constitucionais que tramitam na Câmara dos Deputados, de autoria, respectivamente, do Deputado José Genoíno (PT-SP) e do Deputado Adhemar de Barros Filho (PPB-SP). A primeira diz que pretende restabelecer o que chama de "princípio da proporcionalidade entre Estados na Câmara", reduzindo a representação dos pequenos Estados, dos oito atuais para quatro Deputados Federais e aumentando as bancadas dos grandes - como São Paulo, que ganharia mais dez Deputa-dos.

Com isso, o Deputado José Genoíno está procurando fortalecer ainda mais o já fabuloso peso político de São Paulo, desta vez no Congresso Nacional. Sabe-se que o grande Estado é detentor do poder efetivo nos ministérios e na vida político-administrativa do País, e, aumentando de setenta para oitenta o número de Deputados Federais, consolidará sua hegemonia. Isso à custa de quem já é pobre e esquecido, pois, para compensar o acréscimo à representação paulista, o Deputado José Genoíno está procurando reduzir a dos Estados pequenos, como Acre, Rondônia, Amapá, Sergipe e outros, cuja composição atual não passa de oito Deputados Federais.

Causa-me estranheza, Sr. Presidente, o fato de que recentemente esse mesmo Deputado visitou o Acre, onde participou da campanha do candidato do PT à Prefeitura de Rio Branco e fez juras de amor ao Estado, prometendo empenhar seu Partido na defesa dos interesses regionais e se oferecendo para colaborar em tudo que se destine à superação das dificuldades, dos problemas que afligem o povo acreano. Não confessou, entretanto, ser o autor de uma Proposta de Emenda à Constituição que visa reduzir a representação dos pequenos Estados na Câmara dos Deputados. Pior, ainda: na justificativa de sua proposta, tentando agradar aos outros Deputados das grandes Regiões, atacou duramente os critérios atuais e a composição da bancada acreana.

Isso é inteiramente inaceitável, Sr. Presidente!

Nós, representantes dos Estados pequenos, vamos contrapor o máximo de esforços à aprovação dessa Proposta de Emenda à Constituição, de autoria do Deputado José Genoíno - que, aliás, nem chega a ser novidade; não é a primeira vez que se tenta reduzir a participação dos pequenos Estados na Câmara dos Deputados. Durante a revisão constitucional também foram apresentadas várias propostas objetivando alcançar esse desiderato, mas nós combatemos, nós nos unimos e conseguimos evitar que tal absurdo se consumasse.

E vamos fazê-lo agora novamente!

Porque a única defesa que os Estados pequenos têm, na correlação de forças políticas, é essa bancada de oito Deputados, na Câmara Federal. São Paulo já tem 70 Deputados, e acha pouco, exigindo 80; somando-se a eles a representação de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, do Paraná, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina etc.; se for aprovada essa proposta, será instituída oficialmente, na Câmara dos Deputados, a ditadura dos grandes Estados, que serão os tutores do Poder Legislativo.

Aos pequenos Estados não restará absolutamente nada, em termos de votos e peso político!

Quero, desde logo, ao chamar a atenção da Casa para a tramitação dessa Proposta, lançar o meu protesto contra a tese do Deputado José Genoíno. E chamo a atenção de todos os representantes dos Estados pequenos - do Norte, do Nordeste, do Centro-Oeste - que têm uma representação mínima de oito Deputados, para articularem a rejeição da emenda.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

O SR. NABOR JÚNIOR - Ouço, com muito prazer, o aparte do nobre Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Nobre Senador Nabor Júnior, já na Assembléia Nacional Constituinte tentou-se desfigurar a representação dos Estados minoritários - e falo isto no sentido eleitoral e não no intelectual - entendendo que esta é uma argumentação falsa de que não é possível que se eleja um Deputado Federal, naquela região, com menos número de votos do que no Estado de São Paulo. Por que ela é falsa? Porque há de ser proporcional ao número de eleitores. Quem for ao Acre ou ao Amazonas sabe que para conseguir 30 mil ou 40 mil votos para uma eleição para Deputado Federal, ele terá que ter as mesmas dificuldades que aqueles que conseguem 400 ou 500 mil votos no Estado de São Paulo. Ora, como é que nós podemos ficar enfraquecidos numa representação que seja diminuída para um número de quatro ou de três, quando, no passado, nós já sentimos esta desigualdade na hora das votações em Plenário? O que ocorre - e V. Exª situou muito bem - é que este lado desumano que se faz com o Parlamentar que teve a dificuldade de se eleger porque nasceu num Estado distanciado dos grandes centros tem uma proporção maior de injustiça quando não se faz referência ao lado intelectual do Parlamentar, tantas vezes no mesmo nível, para não dizer acima. Não é pelo fato de o cidadão nascer na cidade grande ou num Estado do sul que terá condições intelectuais menores do que o que teve o seu berço natal num Estado pequeno. É claro que V. Exª situa a matéria que foi discutida, como eu dizia ainda há pouco, na Assembléia Nacional Constituinte, através de uma emenda, que se queria colocar no texto constitucional, chamada Emenda para Eleição Ponderada. V. Exª deve lembrar-se bem, porque foi um atuante Constituinte, de que essa proposta era do Deputado Osvaldo Coelho, de Pernambuco, mostrando que com a eleição direta que nós temos não há dúvida nenhuma de que o Presidente da República, sendo de São Paulo, com o vice do Rio de Janeiro, ou vice-versa, não há possibilidade de um Estado do Norte/Nordeste fazer o seu Presidente da República, a não ser por uma exceção, como houve recentemente. Mas, pela prática do número eleitoral, basta que três Estados - Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais - se reúnam para que o Presidente da República saia, devido ao contingente eleitoral. E a história nos relembra que, há bem pouco tempo, tínhamos o café com leite, quando os Presidentes ou saiam de São Paulo ou de Minas Gerais. De modo que quis apenas levar-lhe esta chega, menos como solidariedade, que dela V. Exª não precisa, mas como registro de que V. Exª tem razão.

O SR. NABOR JÚNIOR - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral. V. Exª, que é da Região Amazônica, como eu, pode avaliar o impacto decorrente da aprovação de uma emenda constitucional dessa natureza para a representação dos nossos Estados, sobretudo, quando se funde a outra, do Deputado Adhemar de Barros Filho, também representante de São Paulo, instituindo o voto distrital misto nas eleições para o Legislativo.

Ora, se querem reduzir a representação dos pequenos Estados para quatro Deputados, introduzindo, de contrapeso, o voto distrital misto, o que poderia ocorrer?

É um ponto que precisa ser esclarecido: pela proposta do Deputado Adhemar de Barros Filho, metade dos Deputados Federais de cada Estado continuaria sendo eleito pelo sistema atual, proporcional; a outra metade, aí sim, incorreria nas novas disposições distritais.

Se passasse também a emenda Genoíno, o Acre teria quatro Deputados Federais. Dois seriam eleitos como é hoje; os outros seriam eleitos nos dois distritos previsíveis: a Capital, Rio Branco, e todo o Interior.

É importante trocar em números e citações objetivas a real natureza das propostas: no caso do Acre, por exemplo, cuja Capital detém 50% do eleitorado do Estado, Rio Branco seria um distrito, habilitando cada partido a lançar ali um candidato. O outro seria, então, o Interior, ou seja, a soma de vinte e um municípios. Onde está o distrito, nesse caso? O que entendo de distrito é a localidade onde o parlamentar tem sua base e respaldo para eleger-se.

Essa proposta de criação do voto distrital misto pode ser adequada a Estados grandes, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, onde o parlamentar é capaz de eleger-se, por exemplo, num município como Campinas - ali pode ser um distrito, ele trabalha lá, tem a sua atuação, o seu escritório no distrito - ou Ribeirão Preto. No Rio de Janeiro pode eleger-se no Distrito de Nova Iguaçu, ou no Distrito de Niterói.

Quer dizer, são propostas de pessoas de Estados do Sul do País que, na melhor das hipóteses , não conhecem a realidade dos Estados do Norte e Nordeste.

Por essa razão, aqui expresso a minha frontal discordância em relação à proposta do Deputado Adhemar de Barros Filho e à do Deputado José Genoíno, que prejudicam grandemente os interesses dos pequenos Estados da Federação, notadamente o meu querido e distante Acre. 

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/1996 - Página 15324