Discurso no Senado Federal

AVANÇOS PROCESSUAIS ALCANÇADOS PELA COMISSÃO MISTA DE PLANOS, ORÇAMENTOS PUBLICOS E FISCALIZAÇÃO. CRITICAS AOS CORTES ORÇAMENTARIOS FEITOS PELO EXECUTIVO.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • AVANÇOS PROCESSUAIS ALCANÇADOS PELA COMISSÃO MISTA DE PLANOS, ORÇAMENTOS PUBLICOS E FISCALIZAÇÃO. CRITICAS AOS CORTES ORÇAMENTARIOS FEITOS PELO EXECUTIVO.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/1996 - Página 15382
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • ELOGIO, JOSE SARNEY FILHO, DEPUTADO FEDERAL, QUALIDADE, PRESIDENTE, COMISSÃO MISTA, ORÇAMENTO, LIQUIDAÇÃO, PROBLEMA, PENDENCIA, JULGAMENTO, CONTAS, EXERCICIO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • ANALISE, PROCESSO, TRANSFORMAÇÃO, LEGISLATIVO, ORGÃO PUBLICO, RESPONSAVEL, FISCALIZAÇÃO, CONTAS, GASTOS PUBLICOS, EXECUTIVO, OBJETIVO, GARANTIA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, CONSOLIDAÇÃO, CIDADANIA, PAIS.

           O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o julgamento das contas de um Presidente da República constitui um dos rituais mais relevantes do regime democrático, muito embora nem a opinião pública, nem a mídia encarregada de informá-la, dêem ao fato a merecida atenção.

           Como destaca a Dra. CELINA JUNQUEIRA, economista do Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), pelo menos em "teoria, todos os anos, ao julgar a prestação de contas do Presidente, o Congresso e, por extensão, os eleitores têm uma grande oportunidade de avaliar o desempenho de um chefe de governo ainda durante o seu mandato, aprovando ou desaprovando sua gestão, recomendando correção de rumos e, se for o caso, tomando medidas corretivas de erros que estejam sendo cometidos", com o que, acrescenta a economista, "muitas atribulações e problemas poderiam ser evitados, contornados ou corrigidos antes que evoluíssem para crises governamentais ou institucionais. Teríamos um diálogo permanente entre o Presidente da República e o Congresso, por meio de uma avaliação global periódica dos rumos do governo, algo extremamente positivo e saudável para as instituições e para a sociedade" -- conclui a Dra. CELINA.

           Por isso, Srªs e Srs., só podemos louvar a oportuna atitude do nobre Deputado SARNEY FILHO, Presidente da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, que, em uma de suas primeiras iniciativas decidiu a liquidar o problema das contas da Presidência da República pendentes de análise e julgamento, relativas aos exercícios de 1990 a 1995.

           Em cumprimento desse imperativo de transparência o Presidente da Comissão Mista designou os seguintes relatores:

           - Para as contas de 1990, o Deputado FREIRE JR.;

           - Para as contas de 1991, o Deputado FETTER JR.;

           - Para as de 1992, o Deputado PAULO GOUVÊA;

           - Para as de 1993, o nosso colega Senador ROMEU TUMA;

           - Para as de 1994, o também Senador BELLO PARGA;

           - e, finalmente, para as de 1995, o Deputado ALBÉRICO FILHO.

           Na verdade, Sr. Presidente, a decisão do Deputado SARNEY FILHO, inscreve-se ao roteiro de uma histórica transcrição mediante a qual o Poder Legislativo, recentemente, passou a assumir de pleno suas grandes responsabilidades no que respeita à fiscalização do funcionamento do Executivo.

           Depois de tumutuado período durante o qual duas sucessivas CPI's desencadearam uma faxina sem precedentes nas entranhas dos mecanismos administrativos e do poder no Brasil, o Congresso Nacional emergiu purificado e legitimado por sua coragem de ir até o fim nas investigações, doesse a quem doesse, infenso a quaisquer considerações de corporativismo ou de amizade, aquelas duas forças que, no entender de grandes pensadores patrícios (de José de Alencar a Roberto DaMatta, passando por Oliveira Viana e Gilberto Freyre), haviam moldado a cultura da elite política brasileira ao longo de mais de quatro séculos.

           Orgulho-me, Sr. Presidente, de minha modesta contribuição ao subseqüente processo de redignificação do Congresso perante o Executivo e perante a nação inteira, ao exercer a função de relator-geral da Comissão Mista de Orçamento para o exercício de 1995, sob a presidência do ex-Deputado HUMBERTO SOUTO, hoje Ministro-Conselheiro do egrégio Tribunal de Contas da União. Minha maior satisfação quando me recordo daqueles dias e noites movimentados e afinal cansativos é certificar-me de que eu, HUMBERTO SOUTO e todos os companheiros de comissão fomos capazes de entronizar um padrão de transparência, de abertura, de full-disclosure no trato dos legítimos interesses regionais, estaduais e municipais que para lá ocorreram e lá tiveram ampla liberdade para se expressar em audiências públicas que, não raro, vararam as madrugadas. Nem o Presidente da Comissão Mista, nem seu relator-geral, nem os relatores setoriais, nem os deputados e senadores membros de um plenário -- ninguém se reuniu a portas fechadas com quem quer que fosse para discutir questões ligadas ao Orçamento. Todas as reuniões e audiências eram abertas; cada pedido, cada pleito, cada emenda eram imediatamente fotocopiados e guardados em uma pasta na Secretaria da comissão à qual profissionais de imprensa e os cidadãos em geral tinham irrestrito acesso.

           Um subproduto importantíssimo de nossa atividade naquele período foi o lançamento das bases para uma retomada do planejamento macroestratégico no Brasil, prática funestamente abandonada havia quase duas décadas. Através das referidas audiências, governadores, prefeitos e bancadas tiveram a oportunidade de harmonizar divergências, unificar perspectivas e se unir em torno de projetos de larga escala e amplo impacto sócio-econômico, evitando a prática frustrante da pulverização de recursos escassos em uma infinidade de emendas individuais. Louve-se aqui a intuição histórica e o senso patriótico de senadores e deputados que aceitaram limites ao número daquelas emendas.

           De lá pra cá, Sr. Presidente, aquele padrão e aquela filosofia de trabalho vingaram e prosperaram graças ao descortino, à sabedoria e à seriedade da liderança imprimida pelos posteriores presidentes e relatores-gerais da Comissão Mista: o Senador RENAN CALHEIROS, o Deputado IBERÊ FERREIRA e, agora, o Deputado SARNEY FILHO e o nosso colega Senador CARLOS BEZERRA.

           Constato com satisfação e alegria o sustentado empenho com que o Congresso Nacional vai assumindo posição de relevo cada vez maior, não só na formulação do Orçamento Geral da União, como também na fiscalização da execução orçamentária e outros assuntos correlatos, todos de extrema relevância econômico-financeira para o Estado e o conjunto da sociedade brasileira.

           Na Câmara, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, presidida pelo Deputado JAIME MARTINS vai empreendendo uma luta contra o hermetismo tecnocrático que envolve a trajetória dos gastos públicos em nosso país, responsável maior pela sucessão de erros e escândalos de corrupção que, ao longo de muitos e muitos anos, comprometeram o planejamento e a execução do Orçamento da União.

           Em recente pronunciamento no plenário da Câmara dos Deputados, o presidente JAIME MARTINS informou que os membros de sua comissão aprovaram, por unanimidade, um mecanismo e uma metodologia que permitirão percorrer e reconstituir todos os fluxos dos gastos públicos, seguindo um processo de amostragem, onde cada etapa será monitorada. Na oportunidade, o deputado enfatizou: "Urge sistematizar uma prática de monitoramento, sem quaisquer pressupostos de flagrar impropriedades, mas tão-somente para garantir a lisura e a transparência dos dispêndios e dos respectivos atos de provisionamento".

           O Deputado JAIME MARTINS ressaltou que, dentre as múltiplas dificuldades encontradas nos planos de trabalho de sua comissão, a maior delas reside na total ausência fiscalizadora e controladora nos atos de gestão da coisa pública, ressaltando que, nesta "falha" do próprio Congresso Nacional, cria-se "a liberdade para que a corrupção trabalhe, fraudando o cidadão brasileiro no atacado e o varejo".

           Aqui, no Senado Federal, Sr. Presidente, somos todos testemunhas da total dedicação do Presidente de nossa Comissão de Fiscalização e Controle, o nobre Senador EDISON LOBÃO, à meta de estruturar um programa de integração entre o Congresso e os sistemas financeiros, contábeis e patrimoniais de cada Poder da República, consolidando-os em uma ação integrada de promoção, defesa e fortalecimento dos interesses públicos.

           Na qualidade de cidadão e parlamentar considero esperançosamente que os avanços que acabo de referir nos conduzam, em futuro não muito distante, a um novo patamar de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo na questão orçamentária, ela que é o cerne vivo da cidadania, a prova mais cabal e inequívoca do vigor das instituições democrático-representativas. Refiro-me, é claro, à transcrição do atual modelo orçamentário autorizativo para a modalidade do orçamento mandatário, em vigor nos Estados Unidos e em outras grandes e prósperas democracias do mundo.

           Só assim, Sr. Presidente, seremos capazes de arquivar para sempre a dolorosa e desmoralizante rotina dos cortes, do contingenciamento. Agora mesmo, o Presidente da República acaba de cancelar, por decreto, R$ 7,8 bilhões em dotações orçamentárias, resultantes de emendas parlamentares democraticamente aprovadas ao Orçamento de 1996. Aquilo que o Congresso faz, a tecnocracia sem mandato desfaz. Decisões que resultaram de um longo (e, insisto, transparente) processo de discussão e negociação na arena aberta do Legislativo vão para o lixo a golpes de caneta.

           Sem qualquer cerimônia ou constrangimento, recursos ansiosamente aguardados pelas camadas mais humildes da população de todos os quadrantes de nossa pátria, recursos destinados a mitigar crônicas carências nas áreas de saneamento básico, saúde, educação, transporte e segurança são cancelados. O mandato parlamentar que historicamente desde o distante ano de 1215, quando os vassalos ingleses impuseram ao rei João-Sem-Terra a aceitação da Magna Carta, esteve associado à legitimação do processo orçamentário, esse mandato simplesmente submerge ao peso sufocante do regime administrativo da boca-do-caixa.

           Se é para isso, se é para gerir os recursos públicos com a estreiteza, com a desconsideração por macroquestões sociais e regionais dignas de uma mentalidade de armazém -- eu pergunto: para que serve, então, o Ministério do Planejamento? Para que servem a Comissão Mista de Orçamento e mesmo o Congresso Nacional?

           No plano institucional, nosso esforço deve se concentrar no fortalecimento das capacidades organizacionais de coleta e análise de dados do Poder Legislativo, de suas assessorias de orçamento e do Tribunal de Contas da União. Necessitamos de um Congresso on-line com todos os setores da sociedade e plugado, em tempo real, aos três níveis de governo. Trata-se, em poucas palavras, de abrir a caixa preta da burocracia executiva de uma vez por todas.

           Só assim deixaremos de ser apenas o Congresso da denúncia e da crítica e nos transformaremos no Congresso da formulação e da decisão. Só assim o brasileiro abandonará a condição de súdito que a burocracia oprime e esmaga desde os tempos colonias para se afirmar como contribuinte-cidadão, senhor de fato e de direito dessa burocracia.

           Contudo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de reafirmar, mais uma vez, meu otimismo quanto ao futuro, mesmo porque o insustentável da atual situação aponta para a inevitabilidade de uma mudança.

           Vejo a estratégia para essa bem-sucedida transformação desdobrando-se em duas frentes simultâneas. No plano da opinião pública, de seus líderes e veículos formadores, cumpre-nos disseminar e repisar obsessivamente a proposta do orçamento mandatório, suas evidentes contagens para a gestão racional da coisa pública, para o efetivo resgate da capacidade de planejamento do Estado (sem que isso se confunda com a planificação burocrática, centralizada, minudente do chamado socialismo real, já há algum tempo jogado na lata de lixo da história) e também para a concretização de um horizonte viável e palpável de atendimento das carências mais prioritárias do povo brasileiro.

           Sei que o caminho a percorrer é ainda muito longo e cheio de contratempos, mas exorto os nobres colegas a que encarem como incentivos para a consecução desse ideal.

           Era o que tinha a comunicar, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/1996 - Página 15382