Discurso no Senado Federal

DESEMPREGO NO BRASIL. AMPLIAÇÃO DO ENDIVIDAMENTO EXTERNO DAS NAÇÕES PERIFERICAS. DIVIDA EXTERNA BRASILEIRA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • DESEMPREGO NO BRASIL. AMPLIAÇÃO DO ENDIVIDAMENTO EXTERNO DAS NAÇÕES PERIFERICAS. DIVIDA EXTERNA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/1996 - Página 15436
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, SITUAÇÃO, ECONOMIA, AUMENTO, DESEMPREGO, DIVIDA EXTERNA, BRASIL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos assistido a uma tentativa desesperada da burguesia nacional de superar as inúmeras dificuldades, dificuldades crescentes, problemas cada vez mais limitadores e cerceadores da liberdade de ação do Governo Federal e dos Governos Estaduais.

O principal problema de nossa era acaba sendo o do desemprego. É natural que isso aconteça. Tentam sempre resolver os problemas com o sacrifício dos mais fracos, com sacrifícios crescentes dos oprimidos.

Não há dúvida de que a taxa de juros elevadíssima e o favorecimento ao sistema bancário constituem um dos principais responsáveis agravadores de nossos problemas. O que vemos é uma proteção à "bancocracia" nacional e uma tentativa de cercear a ação dos sindicatos, de cercear a ação das minorias, de reduzir, como aconteceu no ano passado - o Tribunal de Contas da União denunciou -, os gastos com a infância, dos quais 81% ficaram intocados.

Sabemos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que sempre a periferia do mundo constituiu essa área de fraqueza, em que a covardia dos ricos, dos poderosos, dos prepotentes se manifesta, tentando transferir para nós os seus problemas e resolver aqui as suas contradições.

Quando existe uma crise na economia cêntrica, os investimentos diminuem, o capital - dinheiro - sobra, torna-se ocioso, idle money, "dinheiro esperto"; e, em não se podendo investir lá, esse dinheiro reflui para a periferia, fazendo ou ampliando a dívida externa da periferia no mundo.

Isso acontece e aconteceu de forma bem clara, como, por exemplo, na grande crise de 1870, que perdurou até 1906 em vários países da Europa. Nessa ocasião, a França concedeu empréstimos enormes, aumentando a dívida externa da Rússia, para quem a França vendia os equipamentos, as indústrias financiadas com o incremento da dívida externa russa.

Said Bacha, no Egito, quis fazer a revolução da agricultura e se endividou na Alemanha, na França e na Inglaterra. Endividou-se de tal maneira que não teve tempo de construir os galpões para receber os equipamentos que ele havia comprado na Europa. E, ao longo de 40 quilômetros, partes, peças e componentes daqueles implementos agrícolas foram lançados ao desabrigo. Quando a dívida externa começou a vencer, os países capitalistas credores se apoderaram do direito de cobrarem impostos no Egito. Aumentaram a carga tributária a tal ponto que os fazendeiros, não podendo pagar os impostos, partiram para a cidade, abandonaram as suas terras. Então, o Governo de Said Bacha criou o imposto sobre as palmeiras que ficaram nas terras abandonadas. Os donos das terras mandaram cortar as palmeiras. Veio o Exército "Nacional" do Egito, a serviço do capitalismo e dos banqueiros credores do mundo, e começou a assassinar os cortadores de palmeiras egípcios.

A dívida externa assume, não apenas no Egito, mas também na Venezuela, no Brasil, na Argentina, caráter tão drástico que mostra a violência dessas relações internacionais.

Marx dizia que as contradições do capitalismo concentram-se nas relações internacionais e encontram na força a sua solução.

A nossa dívida externa em 63/64 girava em torno de US$3 bilhões. Castello Branco disse que a Revolução de 64 não foi feita para combater a subversão e nem a corrupção, mas ocorreu devido à dívida externa, que havia atingido patamares insuportáveis - US$3 bilhões!

Devemos fazer mais cinqüenta Revoluções de 64, golpes de 64, se quisermos combater hoje, por meio de golpes e revoluções, o endividamento externo. O regime militar fez ampliar, cada vez mais, a dívida externa. Em 1970, a dívida externa bruta já atingia a US$6 bilhões.

Roberto Campos e Simonsen escrevem um livro a duas mãos, em que dizem que é preciso aproveitar os juros baixos oferecidos pelos banqueiros internacionais e aumentar o juro interno, para obrigar os banqueiros nacionais a se endividarem lá fora.

Antes do primeiro aumento do preço do petróleo, que se verificou em 1973, quando passou de U$3 a U$12 o barril, o Governo brasileiro, os tecnocratas e os ideólogos brasileiros criaram os mecanismos de aumento da dívida externa. Então, em 1973, ela passou para U$9 bilhões e U$4 bilhões ficaram em reserva.

Os banqueiros brasileiros ligados a bancos internacionais, ou eles próprios, como Simonsen, o Diretor do Board, do First National City Bank, conseguiram aumentar a dívida externa. Os juros que pagávamos sobre esse dinheiro foram se elevando até atingirem 21,5%, no início da década de 80. Tomávamos dinheiro emprestado para pagar juros aos banqueiros internacionais.

Na década de 70, pelo menos uma parte desse dinheiro - aquela que sobrava do pagamento de juros da dívida crescente - foi utilizada para importarmos máquinas, equipamentos e indústrias. Tivemos a coragem de fazer o maior contrato do mundo com a Alemanha para a compra de 8 unidades termonucleares, contrato esse que, felizmente, teve que ser interrompido. A Alemanha não havia produzido ou vendido nenhuma unidade termonuclear e vendeu 8 para o Brasil. De acordo com o Tratado de Recuperação da Soberania da Alemanha, firmado entre esta e os Estados Unidos, persistiu uma vedação, uma restrição à soberania alemã: a proibição de produzir na Alemanha armas nucleares, de desenvolver a tecnologia do átomo. Portanto, a Alemanha não sabia fazer, não tinha experiência, quando vendeu para o Brasil, através do maior contrato do mundo (US$28 bilhões) os nossos vagalumes, que se encontram ancorados em Angra dos Reis.

A nossa dívida externa sempre foi um perigo! Quando o Brasil se tornou independente - pai, lá, e filho, aqui -, foi obrigado a assumir uma dívida de 5 milhões de libras de Portugal para com a Inglaterra. Trocamos uma parte da nossa independência política pela dependência, por meio da dívida externa, para com a Inglaterra.

Hoje, dizem, irresponsavelmente, que a nossa dívida externa não tem problema. São US$151 bilhões, e ela não tem problema, porque os grandes problemas que surgiram, após 1982, foram nos encantoando, foram restringindo a nossa capacidade de administrar as nossas relações internacionais. Perdemos aquele brilho que existia, não na cabeça de "tecnocratazinhos", de "economistazinhos" especialistas em quase nada, mas nos grandes administradores da dívida externa brasileira, entre eles, Oswaldo Aranha, com um descortino muito maior, com a capacidade de entendimento muito maior dos problemas do Brasil e do Mundo.

Quando Celso Furtado, em 1951, vindo dos Estados Unidos com Raul Prebisch, queria convencer Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha a nos endividarmos mais para aumentarmos a taxa de crescimento do Brasil, Oswaldo Aranha disse: prefiro um crescimento mais lento, um crescimento que não faça aumentar o endividamento externo brasileiro.

Por volta de 1972 ou 1973, Pedro Malan, que, naquela ocasião, ainda estava no embrião inocente da sua vida universitária, conseguiu fazer uma frase. A coisa mais difícil do mundo é um tecnocrata ou um economista conseguir fazer uma frase. Ele conseguiu fazer uma. Disse que, no início, o cachorro abana o rabo da dívida externa e, depois, essa dívida cresce tanto que é o rabo que abana o cachorro. Com US$3 bilhões de dívida, de 1964, como na analogia feita por Pedro Malan, o cachorro, nós, os países devedores, abanávamos o rabo, contentes com o aumento da dívida externa; mas, depois, conforme Pedro Malan, é o rabo, é um apêndice externo, é o crescimento a este nível que atingimos hoje: US$150 bilhões, que faz abanar o cachorro.

Não mais somos nós que decidimos a respeito do controle, da regulação, da administração do nosso endividamento externo. São eles que determinam a nossa conduta. E, tal como aconteceu, principalmente a partir dos anos 80, a nós são impostas, a cada dia, novas formas pelas quais os banqueiros internacionais puderam continuar a emprestar dinheiro e receber juros de países que já se encontravam falidos, como a crise de 1982 demonstrou.

Então, diante daquela situação de insolvência, diante daquele momento, todos os brasileiros e estrangeiros afirmaram que era preciso dar o calote - inclusive o Papa, François Mitterrand e Lord Lever. Cheryll Payer disse que a maneira pela qual a dívida externa dos países pobres estava sendo tratada iria conduzir a uma revolução do Terceiro Mundo.

Arthur Meier Schlesinger, ex-professor de História e ex-assessor da Presidência da República dos Estados Unidos, disse que os Estados Unidos agiam como uma prostituta em relação à dívida externa. Quando jovens, os Estados Unidos se endividavam e davam calote na dívida externa, mas depois que envelheceram querem obrigar os países jovens a pagar a dívida, esquecendo-se que eles mesmos não haviam pago as suas dívidas externas várias vezes; deram vários calotes. Então, termina Arthur Meier Schlesinger, que, depois de envelhecida, a prostituta abandona a sua profissão e quer moralizar e fechar a zona.

Também Fidel Castro falou no não-pagamento, no calote à dívida externa, como tantos outros também defendiam essa posição. O PT era menos radical e pedia apenas uma auditoria.

Aqui, no Senado Federal, o primeiro a falar no não-pagamento, no calote, foi o então Senador Itamar Franco. O único, aqui nesta Casa, que defendia, naquela ocasião, o calote à dívida externa.

Petrônio Portella Filho, em sua tese intitulada "A Moratória Soberana", defendia uma posição corajosa, que hoje esquecemos, em relação à qual nada se diz, nada se fala, porque a subserviência dominou.

Então, passamos a dizer que a dívida externa já tinha sido resolvida através do aumento do prazo de pagamento, que foi espichado para 30 anos, a fim de que pudéssemos pagar menos, anualmente, menores juros e uma parte menor do principal. Pagar durante 30 anos, o que garantiria a nossa submissão por mais 30 anos a essas relações internacionais. E pagando menos para rolar a dívida externa anualmente nós poderíamos tomar mais dinheiro emprestado. E foi isso que aconteceu. Esse tratamento "favorável" aos banqueiros do mundo só visava permitir que os banqueiros internacionais abarrotados de dinheiro continuassem a emprestar; banqueiro tem que emprestar.

Na nossa moratória, no início do século, também aconteceu algo semelhante. Mas três anos depois do sufoco e do arrocho que deram no Governo Campos Sales, os banqueiros começaram, em 1903, a emprestar dinheiro de novo para o Brasil, que antes diziam que estava falido. E agora nós queremos pagar juros elevados, elevar os juros dos papéis da dívida externa brasileira no mercado secundário, sobre os quais nós pagaríamos uma taxa de juros correspondente a 70%, e, em sendo trocada pelos novos papéis que o Banco Central nos propõe, teremos que pagar 130 milhões.

Com relação ao FMI, que nos condenou a tal nível de pobreza, afirmou o ilustre amigo da direita, do Partido Republicano dos Estados Unidos, que a maneira pela qual o FMI está cobrando a dívida externa do Terceiro Mundo aniquilará a classe média no continente e provocará uma situação de rebelião que está prestes a explodir diante da segurança nacional dos Estados Unidos.

Portanto, o FMI é um dos principais responsáveis pela situação a que chegamos e, agora, como se não tivesse nada com isso, vem o seu diretor afirmar que o Brasil precisa levar avante a sua reforma tributária; que o Brasil precisa reduzir suas despesas internas; que a reforma tributária, diante da carga tributária de 30% do País - que para ele é uma das maiores do mundo -, não pode aumentar mais os impostos, portanto, é preciso reduzir despesas; é preciso demitir funcionários; é preciso não pagar os reajustes; é preciso continuar com a política de demolição e de venda das empresas estatais. Foi o que disse o Diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional, Vito Tanzi.

Assim, temos que melhorar a nossa imagem externa, pagando juros maiores, mostrando ao mundo que somos capazes de pagar um preço superior e em dia a nossa fantástica dívida externa.

Meu Deus, quanto é que deveremos pagar, ainda, pela imagem da subserviência e da incompetência? Quanto deveremos pagar, ainda, para conservar uma imagem de Primeiro Mundo sobre esse corpo, sobre essa barriga famélica, sobre esse corpo esquálido de Terceiro Mundo?

De modo que, diante do que se prepara agora para aumentar o valor da cotação dos títulos da dívida pública brasileira no mercado secundário, iremos trocar esses títulos podres por novos títulos que pagam juros, ao invés de 70%, 130 milhões de dólares anuais. Assim, é óbvio que a nossa imagem vai melhorar, mas melhorar apenas para os banqueiros que vão receber mais dos papéis que eles detêm.

Vamos aumentar a cotação dos títulos no mercado secundário até agora, levar títulos que estavam cotados com 80% a menos do que o seu valor facial até a paridade.

Parece, portanto, lamentável essa forma de maquiar a dívida externa.

Terminarei, Sr. Presidente, lembrando que Tancredo Neves havia dito que não pagaríamos com a fome do nosso povo a nossa dívida externa. Infelizmente, Tancredo Neves morreu sem ter visto que continuamos a pagar com a fome o preço da subserviência e da dominação imposta pelo endividamento externo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/1996 - Página 15436