Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DA REFLEXÃO PELO CONGRESSO NACIONAL DOS PROJETOS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL, TENDO COMO BASE O DOCUMENTO 'PROPOSTA DA ANDES - SINDICATO NACIONAL PARA A UNIVERSIDADE BRASILEIRA'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • IMPORTANCIA DA REFLEXÃO PELO CONGRESSO NACIONAL DOS PROJETOS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL, TENDO COMO BASE O DOCUMENTO 'PROPOSTA DA ANDES - SINDICATO NACIONAL PARA A UNIVERSIDADE BRASILEIRA'.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/1996 - Página 15471
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • NECESSIDADE, DEBATE, PROPOSTA, CORPO DOCENTE, MODELO, UNIVERSIDADE, BRASIL, COMPARAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, GOVERNO, REFERENCIA, REFORMA ADMINISTRATIVA, AUTONOMIA, UNIVERSIDADE FEDERAL, FINANCIAMENTO, EDUCAÇÃO.
  • ANALISE, DIVERGENCIA, SINDICATO, GOVERNO, REFERENCIA, AUTONOMIA, PESSOAL, ISONOMIA SALARIAL, QUALIDADE, RECURSOS, DEFINIÇÃO JURIDICA, CONTROLE, AVALIAÇÃO, UNIVERSIDADE, OBRIGATORIEDADE, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO ORDINARIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento em que se acirra o embate de projetos para a educação superior no Brasil, no qual se contrapõem concepções superficialmente identificadas como de tendência neoliberal, considero fundamental que o Congresso Nacional promova uma reflexão aprofundada a respeito do tema, para que não se corra o risco de aprovar um modelo acabado de universidade, a ser implementado tecnocraticamente por lei, mas que não constitua a força viva capaz de gerar transformações concretas e condizentes com o desenvolvimento nacional e com os interesses majoritários da população brasileira.

Dessa forma, parece-me necessário conhecer e analisar as propostas do movimento docente para a universidade brasileira, tendo em vista tratar-se de um segmento estratégico para o processo, sem a participação do qual não se viabilizará qualquer projeto de mudança no ensino superior. Assim, não desejo protelar essa inevitável discussão e pretendo adiantar algumas considerações que reputo capazes de subsidiar a tomada de decisão que nos caberá encetar em breve.

O documento que servirá de base às nossas reflexões - "Proposta da ANDES - Sindicato Nacional para a universidade brasileira" - é fruto de um longo processo de discussões que os professores do ensino superior realizaram, em todo o País, desde 1981, por meio de simpósios, reuniões, congressos e assembléias. Estamos tratando, pois, de uma proposta representativa, cujas considerações não podem ser relegadas ao esquecimento, se o nosso objetivo é favorecer a transformação da universidade brasileira em uma instituição capaz de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e humana.

As posições dos docentes serão analisadas em termos comparativos com as Propostas de Emendas Constitucionais apresentadas pelo Governo, que receberam os nºs 173/95 e 233/95. As referidas PECs abordam, respectivamente, a Reforma Administrativa e a Autonomia das Universidades Públicas e o Financiamento da Educação, alterando o inciso V do art. 206 e o art. 207 da Constituição Federal. Naturalmente, a análise não será exaustiva, abordando, tão-somente, os pontos em que as divergências são mais notórias e exigem, portanto, um maior aprofundamento.

Atuando pela lógica do mercado, o Governo apregoa que as reformas necessárias ligam-se às grandes questões da qualidade e eficiência do sistema, englobando, entre outros, temas como a autonomia universitária, a avaliação e o recredenciamento periódico, a tecnologia nacional, a interação com o Governo para formulação de políticas gerais e os critérios para a escolha de dirigentes. O Governo advoga que há necessidade de uma reforma que libere as Instituições Federais de Ensino Superior - IFES, de suas "amarras", e elege o Orçamento Global como instrumento dessa autonomia. Advoga, ainda, o "estímulo" à captação de recursos adicionais junto a outras esferas do poder e à iniciativa privada. Por último, as universidades federais teriam poder para decidir "autonomamente" sobre sua política de pessoal, inclusive contratações, remunerações e demissões.

A posição da ANDES é de que o rompimento da isonomia salarial e da carreira única implica um processo de diferenciação entre as várias IFES, que acabará por transformar algumas nos chamados "Centros de Excelência", enquanto outras passarão ao papel de simples reprodutoras do conhecimento. Considera, ainda, que qualquer proposta para a universidade brasileira que seja centrada apenas na reforma gerencial não pode ser identificada como um projeto de reestruturação da universidade. Para a ANDES, é imprescindível repensar a Universidade mediante um processo amplo, que defina modificações nas suas estruturas de organização e poder, no desempenho de suas funções básicas, de seu papel social e de sua interação com o conjunto da sociedade.

As iniciativas governamentais, inspiradas no ideário de Controle de Qualidade Total, concebido para a gestão empresarial, enfatizam a concorrência, a rentabilidade e a excelência individual, pressupondo a exclusão dos menos "aptos", e admitem a convivência de instituições de melhor qualidade, os chamados "Centros de Excelência", com os "colégios" de 3º grau. O modelo proposto pela ANDES repousa no estabelecimento de um "Padrão Unitário de Qualidade para a Universidade Brasileira", que pretende a elevação geral do padrão de qualidade das universidades, de maneira, inclusive, a contribuir para a superação das diferenças regionais de desenvolvimento econômico e social, sem pretender, segundo o documento, eliminar as "diferenciações mais do que naturais e positivas entre as diversas universidades, ditadas por especificidades locais ou regionais, por opções político-acadêmicas diferenciadas ou por razões históricas". A proposta de um padrão unitário deve ser entendida como um conjunto articulado e mínimo de condições de trabalho, o que implica, necessariamente, a definição de políticas que respeitem as especificidades de cada setor.

O Plano Diretor para a Reforma do Estado, a PEC nº 173/95 sobre Reforma Administrativa, e a PEC nº 233/95, referente à autonomia universitária e financiamento da educação, propõem a forma jurídica de "Organização Social Pública e não Estatal" para as universidades do setor público, abrindo-as à captação de recursos na iniciativa privada, visando a reduzir os investimentos no ensino superior. Essa categoria está sendo proposta para contemplar as instituições que desempenham as chamadas "atividades competitivas". Para essas, é preconizada a administração empresarial, na qual o investimento público se fará mediante uma contrapartida mensurável (quantitativa), promovendo-se a utilização das atividades. Aplica-se, portanto, a concepção da eficiência gerencial pela competitividade máxima. O mecanismo proposto para viabilizar essa concepção é o chamado Contrato de Gestão.

A ANDES, por sua vez, defende a opção por "Autarquia de Regime Especial", como estrutura jurídica para a universidade brasileira, em que se garante o ensino público e gratuito e a responsabilidade do Estado (União, Estados e Municípios) pelo custeio total, por meio de dotação orçamentária global.

A Constituição Federal de 1988 consagrou a existência de autonomia universitária, ao estabelecer em seu art. 207: "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão". O conceito de autonomia contido nas várias propostas geradas no seio do Governo, no essencial, fundamenta-se na lógica de mercado, na qualidade e eficiência do sistema, na avaliação quantitativa enquanto condição para a concessão de Dotação Orçamentária Global ou Orçamento Global (com controle finalístico), reforçando a política dos "Centros de Excelência" e do empresariamento do ensino público superior. Em síntese, é a autonomia sob forma de orçamento global com controle finalístico por meio da avaliação quantitativa. Por fim, a proposta governamental condiciona a aplicação da autonomia ao estabelecer, na PEC nº 233, a necessidade de sua regulamentação por lei ordinária.

A ANDES considera que, ao propor a exigência de lei para a regulamentação da autonomia universitária, o Executivo estaria restringindo um princípio constitucional a respeito do qual havia o entendimento de que era auto-aplicável.

A posição governamental advoga que as universidades federais tenham poder para decidir "automaticamente" sobre sua política de pessoal, inclusive efetuando contratações e definindo remunerações e demissões.

Em contrapartida, a carreira única para todos os docentes das Instituições de Ensino Superior (IES) e a isonomia salarial são aspirações históricas do movimento docente, que considera injusto e arbitrário diferenciar salarialmente o mesmo trabalho.

O Governo, por intermédio da Lei nº 9.131/95, que cria o exame de final de curso para os alunos graduados nas IES, estabeleceu parâmetros para a avaliação das instituições de ensino superior, trabalhando com índices quantitativos que têm por objetivo estabelecer rankings que permitam fundamentar critérios para a alocação de recursos.

Argumenta a ANDES que a avaliação não deve se dar em abstrato. Ela só pode ser realizada em relação a algo. No caso, em relação a um modelo tomado como padrão de referência. O processo avaliativo deve ser instrumento que conduza à institucionalização do padrão de desempenho compatível com o padrão de instituição almejado. Assim, a avaliação da universidade seria mecanismo de implantação ou fortalecimento de um dado projeto de instituição ou de política educacional. Para o movimento docente, avaliar não é punir ou premiar, mas conhecer os problemas e encontrar formas de superá-los, tendo por objetivo o aperfeiçoamento das instituições com vistas ao padrão único de qualidade.

Como se vê, é possível demarcar as diferenças fundamentais entre a concepção do Governo e a da ANDES: enquanto as propostas governamentais se caracterizam pela lógica empresarial, visando à rentabilidade imediata do investimento em educação (relação custo-benefício) e salientando a quantificação, a ANDES defende uma concepção que tem como foco o estabelecimento de um padrão unitário de qualidade para o ensino, a pesquisa e a extensão universitárias.

No entanto, Sr. Presidentes, Srªs e Srs. Senadores, não é suficiente que identifiquemos as diferenças existentes entre as concepções correntes para a universidade brasileira. No limiar de um novo século, é preciso admitir que a instituição universitária, no Brasil, possui, ainda, elevado grau de inércia, associado a um arraigado apego a formas extremamente burocratizadas de administração.

A partir da década de 60, o mundo despertou para a crise contemporânea da universidade e diversos países iniciaram processos de diferenciação institucional, como parte de sua resposta às novas demandas. No Brasil, as pioneiras tentativas de reforma universitária simbolizadas pela criação da Universidade de Brasília e a reforma curricular da Universidade Federal de Minas Gerais foram violentamente cerceadas pela repressão "do nosso maio de 1968". Disso resultou uma "reforma universitária" imposta. Apesar de seus percalços, foi possível viabilizar o salto qualitativo em diversas instituições universitárias, sobretudo na medida em que se implantou a pesquisa científica com o regime de tempo integral.

A democratização da sociedade brasileira impede que se repita um episódio de tal natureza. Nesse sentido, o Congresso Nacional deverá exercer plenamente sua função mediadora dos interesses da sociedade, identificando as variadas demandas possíveis de serem feitas às instituições de ensino superior. Há, inegavelmente, demandas por novos arranjos institucionais que permitam lidar, de maneira mais adequada, com a variedade de situações do mundo contemporâneo.

Finalizo, portanto, este pronunciamento, solicitando às Srªs e aos Srs. Senadores que abandonem idéias preconcebidas e ideologismos arcaicos, para que possamos analisar as propostas de organização da universidade brasileira sem a ingenuidade de imaginar que estamos optando por um modelo institucional em detrimento de outro. Na verdade - e não podemos ignorá-la, por mais pesada que nos pareça a tarefa -, estamos definindo o perfil de sociedade e o modelo de desenvolvimento do País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/1996 - Página 15471