Discurso no Senado Federal

REGISTRO DA VISITA AO CONGRESSO NACIONAL DOS ARTISTAS PLASTICOS MESTRE NONATO E ANTONIO VERONESE. PROIBIÇÃO DA EXPOSIÇÃO DO QUADRO DO ARTISTA ANTONIO VERONESE, EM HOMENAGEM AO MST, NO ESPAÇO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, POR OCASIÃO DA BIENAL DO LIVRO, RECENTEMENTE REALIZADA NAQUELA CIDADE. ESTRANHEZA DE S.EXA. COM AS ALEGAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EM COCHABAMBA, A RESPEITO DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. OCUPAÇÃO, POR PARTE DAS TROPAS DO IRAQUE, DA REGIÃO DOS CURDOS E A CONSEQUENTE REAÇÃO DOS EUA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REGISTRO DA VISITA AO CONGRESSO NACIONAL DOS ARTISTAS PLASTICOS MESTRE NONATO E ANTONIO VERONESE. PROIBIÇÃO DA EXPOSIÇÃO DO QUADRO DO ARTISTA ANTONIO VERONESE, EM HOMENAGEM AO MST, NO ESPAÇO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, POR OCASIÃO DA BIENAL DO LIVRO, RECENTEMENTE REALIZADA NAQUELA CIDADE. ESTRANHEZA DE S.EXA. COM AS ALEGAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EM COCHABAMBA, A RESPEITO DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. OCUPAÇÃO, POR PARTE DAS TROPAS DO IRAQUE, DA REGIÃO DOS CURDOS E A CONSEQUENTE REAÇÃO DOS EUA.
Aparteantes
Edison Lobão, José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/1996 - Página 15473
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ELOGIO, TRABALHO, MESTRE NONATO, ESTADO DO CEARA (CE), ANTONIO VERONESE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PINTOR, VISITA, CONGRESSO NACIONAL, REGISTRO, DOAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, OBRA ARTISTICA, HOMENAGEM, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • COMENTARIO, PROIBIÇÃO, COLOCAÇÃO, OBRA ARTISTICA, HOMENAGEM, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, ESPAÇO, PREFEITURA MUNICIPAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), FEIRA BIENAL DO LIVRO.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, DEMORA, REFORMA AGRARIA, RESPONSABILIDADE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • REGISTRO, GESTÃO, ORADOR, DIALOGO, LIDERANÇA, SEM-TERRA, PROPRIETARIO, PROPRIEDADE RURAL, INVASÃO, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, GOVERNO, NEGOCIAÇÃO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Senador Valmir Campelo, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, gostaria de falar de dois artistas plásticos que se encontram, hoje, no Congresso Nacional.

Um deles é Mestre Nonato, artista que nasceu em Crato, no Ceará, e que está expondo seus trabalhos em Brasília. Na semana passada, esteve no Espaço Cultural da Câmara dos Deputados e, nesta semana, expõe seus trabalhos no restaurante da Câmara. O seu trabalho é de extraordinária beleza e grande sensibilidade social, feito com a aplicação direta de suas mãos sobre a tela, e mostra uma extraordinária percepção das coisas que se passam em nosso Brasil.

Aproveito a oportunidade para convidar as Srªs e os Srs. Senadores a verem o seu trabalho.

Mestre Nonato, que reside na Bahia há muitos anos e ali tem o seu centro de atividades artísticas, encontra-se hoje, com sua esposa, D. Rosana, visitando a tribuna de honra do Senado.

Gostaria também de falar do artista plástico Antonio Veronese, nascido em Brotas, São Paulo, mas residindo hoje no Rio de Janeiro, que fez a doação à Câmara dos Deputados de uma tela muito bonita, na manhã de hoje, perante 200 representantes do Movimento dos Sem-Terra. Nela, Veronese expressa aquilo que se passa hoje com mulheres, homens e crianças e seus instrumentos de trabalho, como a pá, a foice e a enxada. É preciso ver a obra para perceber o sentido do movimento das mulheres, dos homens e das suas crianças, lutando em prol do direito de lavrarem a terra e do direito à sobrevivência.

Estavam presentes o Diretor da Câmara dos Deputados, Fernando Sabino, os Deputados Ivan Valente, Paulo Paim e o Senador José Eduardo Dutra, Líder do PT. Na ocasião, Antonio Veronese fez a doação do quadro e José Rainha falou em nome do Movimento dos Sem-Terra.

Recomendo a todos que visitem a obra, que ficará definitivamente junto à biblioteca da Câmara dos Deputados, num lugar denominado "O espaço do servidor".

A propósito, eu gostaria de registrar a estranheza de procedimento por parte do Prefeito Paulo Maluf. Antonio Veronese havia colocado essa obra na Bienal do Livro, recentemente realizada em São Paulo, que seria apresentada justamente com a colaboração da Prefeitura Municipal de São Paulo, através do Secretário Municipal de Cultura, Sr. Rodolfo Konder. O Secretário tinha essa intenção e preocupação em relação a uma obra tão relevante e bonita, com todo o sentido de homenagear o Movimento dos Sem-Terra. Todavia, surgiu uma ordem superior vedando o espaço anteriormente destinado àquela obra tão bonita. E de quem partiu a ordem superior ao Secretário Municipal de Cultura? Só pode ser daquele que é superior ao Secretário Municipal de Cultura, o Prefeito Paulo Maluf. O artista, então, acabou tendo que colocar a sua obra num lugar mais modesto, cedido por uma editora, sendo que ela poderia estar no espaço da Prefeitura Municipal na Bienal do Livro. Mas foi justamente em razão de o Prefeito Paulo Maluf não querer homenagear o Movimento dos Sem-Terra, através da obra de um extraordinário artista plástico - que, inclusive, tem feito outros trabalhos relativos à campanha Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e à questão dos meninos de rua - que o Congresso Nacional, no caso, a Câmara dos Deputados, acabou ganhando essa tela. Vê-se, com isso, que o Prefeito Paulo Maluf não está com a sensibilidade voltada para essa questão.

Duzentos trabalhadores sem terra estiveram presentes ao evento; vieram apreciar, homenagear e trocar idéias com o artista Antonio Veronese. Espero, também, que essa obra venha a colaborar no sentido de tornar mais sensível o Presidente Fernando Henrique Cardoso na realização da reforma agrária.

Eu gostaria de expressar a minha estranheza ao que foi dito, em Cochabamba, pelo Presidente da República, com relação ao Movimento dos Sem-Terra. Cochabamba é a terra da Rosana, esposa do Mestre Nonato. Aproveitando a reunião dos Presidentes de Países da América Latina e Caribe, o Presidente disse que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra está atrapalhando a reforma agrária no Brasil. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o Presidente afirmou que:

      "Neste momento está havendo uma exacerbação desnecessária, política, por parte de alguns setores do movimento dos trabalhadores sem terra. Eles pensam que assim levam mais depressa a reforma agrária, mas está chegando a um ponto que começa a atrapalhar".

      "Eu acho que não é produtivo", completou, num intervalo do encontro de cúpula do Grupo do Rio, que reúne presidentes de países da América Latina e Caribe.

      FHC disse que a reforma agrária não será interrompida. "É um programa meu de campanha, e vamos levar adiante dentro do ritmo que o País permite".

O País permite? Ora, quem é que está dificultando a reforma agrária? Serão os trabalhadores sem terra, ou será a pressão dos grandes proprietários de terra que, até hoje, dificultaram a realização da reforma agrária? O próprio Francisco Graziano, homem da confiança do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que conseguiu por pouco tempo dinamizar a ação do Incra, quando assumiu a presidência desse órgão público, disse que "a mais importante obra não realizada, parada, da história dos governos do Brasil é justamente a reforma agrária". Ele estava se referindo, inclusive, ao trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito que se reuniu no Senado Federal e fez uma avaliação sobre todas as obras paralisadas no Brasil.

O diagnóstico de Francisco Graziano foi de que a maior obra inacabada do Brasil era a reforma agrária, parecendo ter a disposição de fazê-la em outro ritmo. Porém, o Presidente fala agora que há "um ritmo que o País permite".

Ora, sabe muito bem Sua Excelência que se for para ficar na vontade dos grandes proprietários de terra, daqueles que possuem enormes propriedades no Brasil, muitas das quais não produtivas, a reforma agrária não será implementada.

Portanto, é preciso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso tenha maior sensibilidade.

Disse, ainda, a Folha de S. Paulo: "O compromisso do Governo é assentar 280 mil famílias até o final do mandato de FHC, em 1998."

Essa me parece uma meta modesta. Lula tinha como ponto do seu programa assentar 400 mil, o que era um pouco mais. Mas, mesmo para chegar às 280 mil, para valer, parece-nos que o ritmo está indo um pouco devagar.

Continua o Presidente:

      "O Governo tem feito o possível e o impossível para dialogar". Mas FHC classificou de inaceitável "do ponto de vista da legalidade" a ocupação de terras.

      "O fato de ocuparem uma terra já é uma violência. Geralmente, eles alegam que essa terra não é produtiva, o que não é aceitável."

Ou seja, o Presidente Fernando Henrique Cardoso ainda não mostrou compreensão. Por isso, eu disse hoje, perante os 200 representantes do MST e do artista plástico Antonio Veronese, que esperava que aquela obra - gostaria que o Presidente a visse - pudesse contribuir para que Sua Excelência compreendesse a natureza do Movimento dos Sem-Terra, a natureza dessas ocupações simbólicas, que são feitas exatamente para demonstrar que parte da sociedade brasileira, uma parte ínfima, mas de grandes proprietários - 2% dos proprietários de terra detêm quase metade da terra no Brasil -, dificulta e não permite que se realize a reforma agrária.

Espero que a obra de Antonio Veronese contribua para que o Presidente supere essa sua limitação, porque, neste instante, eis que o Ministro de Política Fundiária, Raul Jungmann, e outros setores do Governo estão se recusando a receber o Movimento dos Sem-Terra, que está aqui há algumas semanas tentando dialogar com as autoridades federais.

Felizmente, hoje eles puderam ingressar no recinto do Congresso Nacional, visitaram ali a obra de Antonio Veronese; depois, José Rainha e os coordenadores do Movimento dos Sem-Terra fizeram uma visita ao meu gabinete, onde dialogamos a respeito desses assuntos. Aproveitei inclusive para dar um telefonema ao fazendeiro, proprietário de terra no Pontal do Paranapanema, no município de Sandovalina, Luiz Antônio Nabhan Garcia, que, justamente por ocasião da visita do Presidente Fernando Henrique Cardoso a Rosana, para a inauguração de obra hidrelétrica, junto com o Governador Mário Covas, há três semanas, foi recebido por Sua Excelência. Ele tinha tido parte de sua propriedade ocupada pelo Movimento dos Sem-Terra e foi transmitir ao Presidente a sua preocupação com essa ocupação.

Ele obteve a ação da Justiça para que se realizasse a desocupação, que se deu pacificamente. Um dos líderes da ocupação havia sido o Sr. José Rainha, e foi então que o Sr. Luiz Antônio Nabhan Garcia procurou-me, no sábado retrasado. Ele foi de Sandovalina, no Pontal do Paranapanema, a São Paulo, visitou-me em minha residência e pediu para ter um diálogo direto com o Sr. José Rainha e o Movimento dos Sem-Terra.

Procurei fazer com que houvesse esse diálogo. Houve um primeiro diálogo na manhã de ontem, diretamente, ao vivo, pela rádio CBN. Eu próprio coloquei os dois em contato, através da CBN, e hoje, por volta de meio-dia e meia, houve o diálogo direto, no meu gabinete, utilizando a sistemática do speaker, do microfone aberto. Houve uma conferência, inclusive com a presença e a participação de Antonio Veronese, de José Rainha, de uma comissão de 20 trabalhadores sem terra, do Sr. Luiz Antônio Nabhan Garcia e a minha própria, ocasião em que pedi a ele que esclarecesse as suas preocupações.

Ele disse que a sua propriedade tem menos de 500 hectares, que o seu avô foi para o Pontal do Paranapanema há 60 ou 70 anos, tinha uma propriedade maior, com pouco mais de 300 hectares, que hoje seria dividida entre os seus seis irmãos. Ele tem uma fazenda, a Fazenda São Manuel, com 150 e poucos hectares, e há uma outra parte, com 160 e poucos hectares, que é de seu pai e de seus irmãos. Ele disse que essa fazenda, primeiro, é produtiva, e que ele se assustou com a ocupação realizada, inclusive com a utilização de tratores por parte do Movimento dos Sem-Terra. O MST estava na Fazenda São Bento, que é uma área onde hoje a posse já está legitimada pelo Movimento, havendo lá uma cooperativa, que recebeu tratores, financiados com recursos do INCRA. Parte desses tratores foi usada para, ao longo de um dia, arar a terra da Fazenda São Manuel. Mas os tratores foram retirados, e ele estava temendo uma nova ocupação.

Para alguns jornalistas de O Globo ele fez uma declaração, divulgada por esse jornal na segunda-feira, segundo a qual, caso José Rainha e o Movimento dos Sem-Terra novamente ocupassem a sua fazenda, ele, então, iria resistir. E que já estaria preparando, com outros fazendeiros, uma milícia privada.

Ora, essa declaração obviamente preocupou todo o Movimento dos Sem-Terra. Que milícia será essa? Pedi ao Sr. Luiz Antônio Nabhan Garcia, na manhã de hoje, que explicasse exatamente o que aconteceu. E ele disse que houve uma distorção na maneira como, pelo menos segundo ele, O Globo registrou a sua preocupação. O que ele disse - vou repetir aqui aproximadamente - foi que, caso o Movimento dos Sem-Terra viesse a ocupar a sede da sua fazenda, a sua própria casa, ele resistiria com o seu próprio corpo, da mesma forma como aqueles estudantes chineses se postaram, na Praça Tian An Men, diante dos tanques.

Mas disse também que os proprietários da região, pelo menos em uma reunião, haviam dialogado sobre a hipótese de contratarem serviços de segurança privada, portanto, serviços de segurança armada privados, para defender as suas propriedades; e que já haviam, inclusive, dialogado com algumas dessas empresas de segurança privada. Isso, segundo ele, foi colocado hipoteticamente numa reunião, mas depois houve um recuo em relação a essa proposta; possivelmente, daí teria surgido essa conversa sobre milícia.

O que estou aqui registrando é a importância de o Governo realizar esse diálogo diretamente. Ou seja, o Ministro Raul Jungmann, ao simplesmente dizer que não recebe os membros do MST, porque ocuparam, simbolicamente, e mais uma vez, para chamar a atenção das autoridades, a sede do INCRA, aqui ou acolá, ou a sede do Ministério da Fazenda, em São Paulo, segunda-feira. Quando S. Exª diz que não conversa mais enquanto não houver o compromisso explícito, por parte dos sem-terra, de abandonarem a tática de ocupar edifícios públicos, está criado o impasse.

Em vez de tomar esse tipo de atitude, por que o Governo não agiliza os diálogos diretos entre os proprietários de terra, os órgãos responsáveis, o próprio INCRA e os Ministérios de Política Fundiária, da Fazenda, aquele que libera os recursos, e o do Planejamento, e assim por diante? Do contrário, vamos ter impasses crescentes, e, de repente, surgem tragédias como as ocorridas no Maranhão, que tanto preocuparam o Senador Edison Lobão, ou no Pará, em Eldorado dos Carajás, ou em Corumbiara, em Rondônia, ou onde for.

A forma de evitar o conflito direto é o diálogo. Hoje, aconteceu esse diálogo direto entre o Sr. José Rainha e o proprietário de terras Luiz Antônio Nabhan Garcia, que, inclusive, procurou dizer que está pronto para o diálogo com o Governo. E disse - aliás, uma jornalista da Folha e outra da Veja testemunharam - que o que falta ao Governo é vontade de fazer a reforma agrária.

O Sr. Edison Lobão - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão - Eu gostaria de fazer a V. Exª três perguntas apenas. Primeira: V. Exª acha que o Governo não quer e não tem promovido o diálogo? Segunda: V. Exª acha que as invasões de terras e de repartições públicas ajudam a reforma agrária?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Acho que o Governo tem sido muito tímido no diálogo; dificulta, muitas vezes. É a primeira resposta. O diálogo vai acabar acontecendo. Aliás, transmito a V. Exª que, apesar da negativa do Ministro Raul Jungmann, há segmentos do Governo que apóiam o diálogo. Prova disso é que hoje o Sr. José Gregório, Secretário Executivo do Ministério da Justiça, na tentativa de superar esse impasse, está conversando diretamente com o Movimento dos Sem-Terra. Portanto, vê-se, dentro do próprio Governo, a tentativa do diálogo. Espero que esse impasse seja superado. Espero ainda que no Congresso Nacional possamos ser catalisadores de um diálogo. Essa é a primeira resposta.

Com respeito à pertinência das ocupações de áreas rurais e de edifícios públicos, pergunto: por que acontecem as ocupações? Prezado Senador Edison Lobão, não somos trabalhadores a quem, por gerações e gerações, têm sido negadas condições de sobrevivência digna. Mas V. Exª há de convir que isso acontece no que se refere aos trabalhadores rurais, aos bóias-frias no interior de São Paulo ou no Maranhão. Esses, às vezes, encontram tanta dificuldade em sobreviver que acabam migrando para o Pará, onde pretendem lavrar a terra. Como sabe V. Exª, parte dos dezenove trabalhadores mortos em Eldorado dos Carajás eram maranhenses que, não podendo viver nesse Estado, foram para o Pará. V. Exª há de convir que tomar uma condução do Maranhão para o Pará, chegar, lutar pela possibilidade de lavrar a terra, sobreviver, dar o que comer aos filhos, tudo isso é trabalho de herói. Muitas vezes, essas pessoas, percebendo a demora das autoridades governamentais para realizar essas ações, invadem.

V. Exª nos disse que, quando Governador, procurou agilizar ações para assentar trabalhadores. Pode-se perceber que é preciso que o Governo use outro termômetro. Pelo menos essa é a sensação; pelo menos foi o que ouvi do representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e do fazendeiro que dialogou com o Presidente Fernando Henrique, há três semanas, em Rosana.

Veja V. Exª: naquele dia, o Presidente recebeu esse fazendeiro, desesperado, que estava com sua área ocupada, mas não quis receber o Sr. José Rainha e os coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Esse fazendeiro falou ao telefone, do meu gabinete, com o José Rainha. O Presidente poderia ter promovido o diálogo naquele dia, mas perdeu a oportunidade. Estava ali o Luiz Antônio Nabhan Garcia, estava ali o Sr. José Rainha. Ainda assim, não houve a conversa, o entendimento.

Lembro-me perfeitamente, Senador Edison Lobão, de que, há cerca de um ano, o Presidente Fernando Henrique Cardoso disse a toda a imprensa: "Eu até quero conhecer, conversar e receber o Sr. José Rainha, líder dos Sem-Terra no Pontal do Paranapanema". No entanto, teve oportunidade de fazer isso em Rosana e não fez. A imprensa perguntou: "Vossa Excelência vai receber o Sr. José Rainha"? A resposta do Presidente foi: "Nem sei quem é essa pessoa". Portanto, quando poderia ter colocado frente a frente o representante do Movimento dos Sem-Terra e o fazendeiro, não o fez. Esse fazendeiro, preocupado, foi à minha residência em São Paulo e pediu para colocá-lo em diálogo direto com trabalhadores. E foi o que fiz hoje de manhã. Penso, Senador Edison Lobão, que a vontade de dialogar pode existir, mas será necessário um empurrão. Tenho certeza de que V. Exª vai colaborar.

O Sr. Edison Lobão - Tudo o que disser respeito aos legítimos interesses dos trabalhadores rurais terá o meu apoio integral. E isso não é de hoje. Sei que V. Exª fala sinceramente a respeito dos trabalhadores rurais procurando defender a sua causa. Eu também. Mas penso que eventualmente poderemos, num momento ou noutro, trilhar caminhos diferentes. V. Exª não respondeu com muita convicção se acha que as invasões de terra e de repartições públicas ajudam o processo de reforma agrária. Percebo que V. Exª tem alguns constrangimentos quanto a isso, como eu também os tenho.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Cito um exemplo a V. Exª: hoje de manhã, estavam cerca de 200 trabalhadores na porta da Câmara dos Deputados. Esperaram 30 minutos. Primeiramente, tentaram entrar nesta Casa. Depois, dirigiram-se à Câmara, ao Anexo III. Eu, que lá estava, disse de pronto: "Por favor, entrem, porque os senhores são bem-vindos à Casa que é do povo". A Casa dos representantes do povo é a Casa onde qualquer trabalhador tem o direito de entrar. Eles, então, entraram felizmente. Inclusive eu disse a eles: "Vocês serão bem-vindos ao meu gabinete." Vinte deles foram ao meu gabinete, porque preferiram não o ocupar inteiramente. Poderia o Governo perfeitamente dizer: "Entrem, vamos conversar, vocês são bem-vindos". O Governo demora tanto a dizer isso, que eles resolvem ocupar. É essa a diferença.

O Sr. Edison Lobão - Percebo que o Ministro Raul Jungmann tem sido muito criticado pelo PT ultimamente. S. Exª foi recebido com aplausos, com euforia, quando indicado Ministro de Política Fundiária. Deve-se entender que o Ministro, quando diz que não dialoga com invasores, seguramente não está falando sozinho; está transmitindo um recado do Presidente da República. Na pior das hipóteses, o Presidente da República está concordando com isso, na medida em que não desfez a afirmação. Portanto, essa é uma posição de Governo. Se alguém deseja criticar a implantação do processo de reforma agrária, deve fazê-lo em relação ao Presidente da República, e não em relação ao Ministro Raul Jungmann.

O SR. EDUARDO SUPLICY - V. Exª não assistiu ao começo do meu pronunciamento.

O Sr. Edison Lobão - O que lamento muito.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Eu dizia que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, juntamente com o Senador Edison Lobão, com o Senador José Roberto Arruda e todos os demais, deveria ver a obra do artista plástico Antonio Veronese. Trata-se de uma homenagem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, uma obra que provavelmente tem a intenção de sensibilizar o Presidente Fernando Henrique Cardoso, no sentido de que tenha uma compreensão maior desse problema.

O Sr. José Roberto Arruda - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Sei que o meu tempo está-se esgotando, mas ouço V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Valmir Campelo) - O tempo de V. Exª esgotou-se completamente há 10 minutos. Peço a V. Exª que, logo após o aparte do ilustre Senador José Roberto Arruda, conclua o pronunciamento, já que temos outros oradores inscritos.

O Sr. José Roberto Arruda - Devido à exigüidade do tempo, apenas registro, nobre Senador Eduardo Suplicy, que, ao tomar posse no Ministério de Política Fundiária, no momento mais importante da redemocratização deste País, quando pela primeira vez ficávamos livres da figura do general de plantão na presidência, o então Senador Marcos Freire, com uma folha de serviços prestados à causa da democracia, com uma inegável vocação de incentivo aos movimentos sociais, cunhou, pouco antes de sua morte, uma frase que ficou para a História: "Vou ser Ministro da Reforma Agrária e não quero ser o Ministro das invasões". No Brasil, as pessoas que pensam e que têm consciência patriótica desejam uma reforma agrária justa e rapidamente implantada. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem o passado que V. Exª conhece, tem procurado, nos limites das possibilidades do Governo, agir e avançar rumo a uma reforma agrária justa e pacífica. No entanto, caro Senador Suplicy, penso que o uso da causa da reforma agrária por razões políticas, que podem ter com ela ligações, mas que não se confundem, que geram a interrupção de estradas, como a Rodovia Presidente Dutra hoje, a invasão de órgãos públicos, o desrespeito a autoridades, isso, ao invés de contribuir com a reforma agrária, gera antagonismos à sua idéia; ao invés de contribuir com a construção de uma sociedade mais justa, constrói pilares de uma sociedade em desordem. Sei que V. Exª, até por idealismo - corrente de pensamento à qual me filio - deseja, de fato, uma sociedade mais justa, deseja diminuir as desigualdades; e o caminho para se construir uma sociedade mais justa e menos desigual passa, necessariamente, pela reforma agrária. Mas nós, que a queremos, não podemos, em nenhum momento, incentivar, ainda que para efeitos não desejados por nós, qualquer tipo de desrespeito à autoridade constituída e aos poderes públicos. Penso que, mais do que nunca, os trabalhadores mais humildes deste País, aqueles que querem, com justiça, um solo para plantar e condições para criar suas famílias, não podem se esquecer de que a reforma agrária que todos nós desejamos é pacífica. Aí vale lembrar Marcos Freire: queremos uma reforma agrária, mas não podemos querer a invasão de terras, a invasão de estradas, a invasão de repartições públicas, porque não queremos a desordem. Não queremos conquistar uma sociedade mais justa através da desordem, ou da guerrilha urbana ou rural. A sociedade brasileira escolheu majoritariamente o caminho da democracia para as reformas que são necessárias. E mais do isso, Senador Eduardo Suplicy, ser progressista é apoiar a reforma agrária. Ser progressista é também apoiar a reforma do Estado, que tem que diminuir as suas dimensões e o seu custo. Ser progressista é desejar que o Estado brasileiro não seja mais dono de hotel ou de supermercado como é hoje. É preciso que o País entenda que o sentimento de ser progressista não pode estar ligado apenas a uma das reformas, a agrária, justa, mas que não sobrevive sem as outras: sem a reforma fiscal, sem a reforma tributária, sem a reforma do papel do Estado na sociedade. Enfim, todas as outras reformas que aqui no Congresso Nacional estão sendo discutidas e para as quais todos nós temos que dedicar um pouco do nosso esforço e da nossa compreensão dos problemas brasileiros. Muito obrigado pelo aparte.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Prezado Senador José Roberto Arruda, os conflitos violentos como os que hoje, infelizmente, entristecem a humanidade, que estão ocorrendo no Oriente Médio: primeiro, a ocupação, por parte das tropas do Iraque, da região dos curdos; e, depois, o ataque com armas poderosíssimas que o governo americano determinou como reação a essa ocupação, as mortes causadas e a destruição, tudo isso resulta de quê? De que alguma coisa não estava bem antes dessas ações armadas. É importante que haja um esforço de todos os povos para que possa haver uma solução civilizada, sem o conflito armado.

Da mesma maneira, no Brasil, de que adianta haver ordem se ela está fundada em tanta injustiça? É preciso que a ordem sirva para que haja transformação na direção da justiça o mais rápido possível.

Concluindo, prezado Senador José Roberto Arruda, se o Presidente da República, em vez de estar usando tanta energia para fazer aprovar a proposta de emenda constitucional visando ao seu direito de reeleição, tivesse dedicando tamanha ou igual energia para realizar a reforma agrária, resolvendo todos esses conflitos, essas questões fundamentais, inclusive determinando à sua equipe de Governo e à sua Bancada para não ficarem adiando a votação de propostas tão importantes quanto o projeto de garantia de renda mínima - do qual V. Exª é um dos defensores e batalhadores -, teríamos menor necessidade de ocupações e de ações que parecem a quebra de ordem estabelecida. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/1996 - Página 15473