Discurso no Senado Federal

COMENTANDO O PROJETO DE LEI DO SENADO 87, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE DA PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS DE CRIMES.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • COMENTANDO O PROJETO DE LEI DO SENADO 87, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE DA PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS DE CRIMES.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/1996 - Página 15679
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PROTEÇÃO, VITIMA, TESTEMUNHA, CRIME.
  • ANALISE, PROCESSO, INTIMIDAÇÃO, VITIMA, TESTEMUNHA, CRIME, BRASIL, FAVORECIMENTO, IMPUNIDADE, CRIMINOSO, ESPECIFICAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, GRUPO, HOMICIDIO, ESTUPRO, POPULAÇÃO CARENTE.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a ausência de proteção para as vítimas e testemunhas de crimes tem levado, costumeiramente, à impunidade dos verdadeiros culpados. Sabemos que um depoimento consistente, na maioria dos casos, é essencial para a elucidação de um delito. Entretanto, criou-se no País uma verdadeira cultura do silêncio, dado o temor de se colaborar com a Justiça. Por paradoxal que pareça, chegamos a uma situação em que o único punido acaba sendo a vítima e não o criminoso. Para corrigir essa distorção, apresentei o Projeto de Lei do Senado nº 87, de 1996, que dispõe sobre a proteção, pelo Estado, de vítima ou testemunha de crime. Esse projeto teve hoje sua urgência aprovada por este Plenário por solicitação do eminente Senador Roberto Freire e, na próxima semana, entrará na pauta de votação.

As vítimas, quando silenciam, fazem-no devido ao costume local ou a ameaças diretas ao patrimônio, à integridade física e até à própria vida. Freqüentemente, após a ocorrência de um crime violento, de um massacre ou mesmo de uma chacina, por mais horríveis que esses tenham sido, constata-se que os parentes, os vizinhos e os próprios atingidos recusam-se a depor. Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém se identifica. Quem rompe essa "lei" sofre a sanção do traficante, do seqüestrador, do "justiçador", do jagunço, do pistoleiro ou da quadrilha responsável pelo crime. Vigário Geral e Candelária foram duas das chacinas mais conhecidas em nosso País, nas quais essa norma do silêncio imperou. E, apenas com ela quebrada, foi possível chegar-se aos culpados.

A apuração da chacina da Candelária é exemplar, pois o testemunho de Wagner dos Santos, o sobrevivente que reconheceu oito policiais, foi crucial para o indiciamento e julgamento dos culpados. Mesmo assim, desprotegido, Wagner sofreu três atentados, chegou a ser espancado, algemado e baleado por policiais, em tentativas não só de intimidação, mas de extermínio. Somente após a intervenção da Anistia Internacional, que o levou para morar na Europa, foram garantidas as condições para ele depor, propiciando, assim, a condenação dos culpados.

Existe, nesse contexto de violência, uma categoria de vítimas silenciosas, cuja opressão é, particularmente, das mais brutais, mas que não recebem o devido amparo. Refiro-me ao sem-número de mulheres que sofrem estupros, espancamentos, ameaças e torturas. Elas deixam de registrar queixa nas delegacias ou, depois de o fazerem, retiram-na, por medo de represálias. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Violência contra a Mulher, da Câmara dos Deputados, concluída há três anos, constatou que as mulheres nessa situação temem perder o próprio sustento se denunciarem o parceiro agressor. Lembremo-nos, Srªs e Srs. Senadores, que tais crimes e ameaças são de extrema gravidade, mesmo que não alcancem proporções de comoção nacional, como foi o caso da Candelária. É preciso, pois, colocar as pessoas ameaçadas sob a proteção do Estado, propiciando-lhes até mesmo os meios de sobrevivência por algum tempo, para que se faça justiça, punindo-se os agressores.

Nesse perverso jogo da impunidade, o cidadão humilde é o mais atingido, pois as organizações criminosas se têm mostrado mais eficientes que os aparelhos judiciário e policial. Tais organizações, por terem "olhos invisíveis", que tudo vêem e tudo controlam, estão fortemente presentes nas comunidades carentes onde a atuação do Estado é nula ou insignificante. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE, juntamente com a Diocese de Nova Iguaçu e Nilópolis, no Rio de Janeiro, demonstrou como traficantes e quadrilhas de seqüestradores mantêm o controle dos moradores, pois estes sabem que, se infringirem a lei do silêncio, pagarão, na certa, às vezes, com a própria vida. Ao mesmo tempo, do lado da lei, não vislumbram qualquer proteção. Concluem, então, os parentes das vítimas que o melhor é enterrar os mortos e se consolar.

A proteção a testemunhas, atualmente, aparenta ser um privilégio para quem, excepcionalmente, a alcance. Não poucas vezes nós, parlamentares, temos sido procurados pelas vítimas de crimes para intercedermos junto às autoridades judiciárias e policiais da União, pedindo amparo para pessoas ameaçadas. Para evitar a excepcionalidade, o projeto por nós apresentado - e que será colocado em votação nos próximos dias - propõe a salvaguarda às vítimas e testemunhas no âmbito da regularidade institucional. A proteção poderá ser requerida quando a pessoa, por colaborar com a justiça, encontrar-se sob ameaça, seja esta ao patrimônio, à integridade corporal, à saúde ou à própria vida. Nos crimes de ação penal pública, a salvaguarda poderá ser requerida pelo Ministério Público; já nos de ação penal privada, a solicitação poderá partir do própio ofendido ou de seu representante legal. Esse amparo se estende ao cônjuge, bem como aos ascendentes, descendentes e parentes colaterais até terceiro grau.

O pedido de proteção deve indicar os elementos da gravidade de risco, com fundamento na importância das declarações prestadas à Justiça. Uma vez acatado, a pessoa sob ameaça passa a ser beneficiada pelo programa, que prevê, entre outras medidas, escolta e vigilância policial, na moradia e no trabalho. Caso não possa permanecer em sua residência habitual, poderá ser ofertada hospedagem. Para maior segurança, serão mantidos em sigilo a identidade, a imagem e os dados pessoais, incluindo proteção para que a testemunha não seja identificada ao reconhecer o agente do crime. Além disso, os registros sobre ela serão mantidos em segredo, a eles só tendo acesso aqueles diretamente envolvidos com a apuração do crime. Nos casos de crimes violentos ou praticados por organização criminosa, o endereço será mantido em cartório judicial ou no Ministério Público. O programa inclui a prestação de assistência pessoal e econômica enquanto perdurar a situação de risco que impeça o ameaçado de manter-se por seus próprios meios. Em casos de urgência, a autoridade policial pode agir imediatamente, comunicando, em seguida, ao Ministério Público e ao juiz, as providências tomadas.

Pedro Simon - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Concedo o aparte a V. Exª, com muita honra.

O Sr. Pedro Simon - Senador Júlio Campos, volto a repetir o que afirmei na votação do requerimento sobre o projeto de V. Exª, que trata de matéria da maior importância. É até estranho que isso não tenha sido feito até o momento. Na verdade, sentimos que é dramática a situação em que estamos vivendo. No Rio de Janeiro e em São Paulo, ninguém tem coragem de depor contra as quadrilhas organizadas. Na semana passada, num morro do Rio de Janeiro, a briga entre as quadrilhas envolvidas com o tráfico de drogas resultou em quatro ou cinco mortes; parecia uma guerra civil. A Rede Globo, por um longo tempo, mostrou o tiroteio ocorrido durante toda aquela noite. No dia seguinte, pela manhã, a polícia foi até o morro e recolheu os corpos; ninguém dizia nada a respeito. Os moradores da favela, a polícia e a televisão acharam tudo absolutamente natural, porque era uma rotina. O cidadão não fala, porque pode ser a próxima vítima. Então, o que V. Exª está propondo é de fundamental importância. Nesse sentido, há o projeto de V. Exª e um outro projeto de autoria do então Procurador-Geral da República do Governo do Presidente Itamar Franco. Quando eu era Presidente de uma Subcomissão da Comissão de Justiça, foram realizadas reuniões com os presidentes do Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Tribunal de Contas da União, com o Procurador-Geral da República e com o Ministro da Justiça. O então Procurador-Geral da República, Aristides Junqueira, apresentou uma proposta de projeto - que apoiei - exatamente no sentido de oferecer essas garantias às testemunhas, permitindo, inclusive, que o cidadão que faça uma denúncia tenha sua pena reduzida. O cidadão pensa o seguinte: "também sou traficante de drogas, mas, se eu for à Polícia e denunciar o chefão, vou ter abrandada enormemente a minha pena". Quem propôs isso foi o Procurador-Geral da República. Esse instituto já existe nos Estados Unidos, e nós o vemos em prática até nos filmes policiais americanos, em que o delegado ou o promotor pega algum bandido, manda-o confessar e, depois, o esconde, levando-o para outra cidade para lhe dar as garantias. Depois, esse bandido depõe, apresenta provas e sua pena é reduzida de 20 para 3 anos, por exemplo, porque ele prestou uma grande ajuda. O projeto de V. Exª tem um significado tão grande que me causa estranheza que ainda não tenha sido apresentado até hoje. Meus cumprimentos.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Muito obrigado. Reitero as palavras de V. Exª dizendo que, na Itália, quando alguém denuncia um chefão da Máfia tem reduzida a sua pena, bem como proteção policial permanente para si e seus familiares, para evitar que seja assassinado antes de depor.

Continuando, Sr. Presidente, o programa pode ter duração de até dois anos, prorrogável por igual período, mas passível de revogação a qualquer momento, se necessário e adequado.

Mas um dos elementos mais importantes para a proteção da vítima e da testemunha é a assistência do Ministério Público, que as acompanhará nos atos de polícia judiciária, instruindo-as sobre as faculdades que podem exercer no processo, zelando pela sua proteção e dignidade.

A imprensa só terá acesso aos dados da pessoa sob proteção se ela mesma, por sua conta, fornecê-los. Com isso, procura-se evitar para a testemunha os riscos de uma exposição pública, quase sempre desfavorável à apuração dos fatos.

Para maior segurança, poderá ser decretada a prisão preventiva do acusado, se houver perigo à integridade física ou à vida da vítima ou da testemunha, procedendo-se do mesmo modo se houver intimidação por suborno, chantagem ou ameaça.

Como podem ver os nobres Colegas, esse projeto em apreciação cria mecanismos abrangentes de proteção às pessoas que, ao colaborarem com a Justiça, vêem-se em situação de risco. Tal expediente contribuirá em muito para restaurar nos cidadãos a fé na Justiça e , portanto, deve ser aprovado por esta Casa, razão pela qual peço a manifestação favorável de V. Exªs.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/1996 - Página 15679