Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM PELO CINQUENTENARIO DA FENAJ - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM PELO CINQUENTENARIO DA FENAJ - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/1996 - Página 15625
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS, COMENTARIO, ALTERAÇÃO, JORNALISMO, ATUALIDADE, REFERENCIA, EXIGENCIA, CONHECIMENTO, ESPECIALIZAÇÃO, DIVERSIDADE, ASSESSORIA, ANALISE, PROBLEMA, ETICA, DEMOCRACIA, LEI DE IMPRENSA.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, Srs. Membros da Fenaj, convidados, para mim é um duplo prazer, na qualidade de Senador e de jornalista, falar pelo PSDB na ocasião desta data comemorativa dos 50 anos da Fenaj.

Poderíamos utilizar a data de hoje, o Dia da Imprensa, para falar na imprensa. Muita gente já o fez, de modo brilhante, de modo que eu quero falar, se possível, no jornalista, que é a matéria-prima da imprensa.

A Fenaj é a Federação Nacional dos Jornalistas e é um pouco o jornalista, a sua profissão e os dilemas da contemporaneidade para essa complexa profissão, que serão objeto da minha fala.

Essa é uma profissão de extrema dificuldade. O jornalista, no mundo contemporâneo, deixou de ser aquela figura romântica e boêmia do jornalista clássico, metade literato, metade informador, e passou a ser um agente da comunicação e da informação.

A profissão, porém, passa por um período de intensíssima transformação. Não apenas ela exige conhecimentos específicos cada vez maiores, como exige também uma variedade de especialidades, que não existiam ao tempo da nossa ou da minha formação de jornalista.

Aquele simpático especialista em generalidades desapareceu. Serve, no máximo, para uma boa conversa, mas não é exatamente o profissional chamado para as ingentes tarefas da informação. A informação espraiou-se pelo rádio, pela televisão, que se transforma em mundial, não mais local, o mesmo acontecendo com o rádio. Surgiram atividades inumeráveis de publicações especializadas, dirigidas a públicos específicos e, também, as técnicas necessárias ao labor desta atividade modificaram-se profundamente. Mas a profissão desborda o jornalismo de certa forma e ganha as assessorias de imprensa, ganha as assessorias de comunicação e, hoje, ganha as assessorias parlamentares e ganha também - neste caso, uso a palavra ganha porque, neste momento, ganha um pouco mais - oportunidade de trabalho nas campanhas eleitorais, na especialidade da comunicação que se ajusta à especialidade do marketing político na contemporaneidade.

Ela é, portanto, uma profissão de extrema versatilidade e de grande transformação. Está posta diante da profissão a certeza de um desafio ético crescente, o que lhe torna mais sedutora e, ao mesmo tempo, difícil. O desafio ético deriva de um mecanismo de transformação havido nos meios de comunicação. Os meios de comunicação transformaram-se de órgãos de informação e opinião em entidades de poder. Os meios de comunicação, hoje, são um poder e não por parte dos jornalistas, ou de todos os jornalistas, mas por parte da própria organização do patronato nos meios de comunicação; eles agem como poder.

O jornalista está, portanto, hoje, dividido entre o desempenho da sua função, entre um defensor do direito de informar que não é apenas um direito do órgão emissor, é sobretudo um direito do receptor. O jornalista se divide entre quem está nessa disjuntiva de defender o direito de informar e, ao mesmo tempo, servir a um poder, a um poder sobre o qual nem sempre tem controle, embora dele participe, o que transforma a profissão em algo de grande dificuldade.

O pensador, filósofo e psicanalista, Carl Gustav Jung, tão discutido e tão atual, em seu livro de memórias, chamado "Memórias, Sonhos e Reflexões", tem um pensamento que me parece lapidar. Diz Jung: "Nada pode livrar-nos de um diário tormento ético". Ele ali traduz o drama humano de estar enfrentado todos os dias a dilemas éticos na maioria dos atos de sua vida. Estendo o conceito para o jornalismo: nada pode livrar um jornalista de um diário tormento ético, porque ele é o agente do uso desse poder e como tal tanto pode ceder às imposições desse poder como pode ser, dentro do poder, não o instrumento da sua revogação, porque não há força para isso, mas, pelo menos, o instrumento de ruído no sistema capaz de levá-lo a alguma conseqüência no uso desse poder.

Esse poder, que nem sempre é do jornalista e quase sempre é do órgão de imprensa - mas é exercido pelo jornalista, daí a questão ética - vive hoje um momento que merece análise, principalmente dos jornalistas, porque só eles modificarão essa situação. A grande imprensa, em rádio, televisão e jornal, vive hoje muito mais da notícia como espetáculo do que da notícia como informação. Os meios de comunicação, na sua competição infrene e tendo em vista o fato de que rádio e televisão são mais rápidos do que jornal, ajustam-se a essa realidade, buscando o elemento espetáculo dentro da notícia, exaltando, a meu ver, em uma utilização inclusive de técnicas do hiper-realismo na informação.

Assim, forma-se toda uma geração - e, infelizmente, as escolas de comunicação não estão sendo suficientemente fortes e aptas para trabalhar essa questão em profundidade - de profissionais para quem? O indício é tomado como sintoma; o sintoma é tomado como fato; o fato é tomado como julgamento e o julgamento é expresso como condenação.

Esse dilema está diariamente posto diante de nós, jornalistas, no exercício da profissão, porque ao tripular um poder é necessário agir como instrumento do poder.

O jornalista vive uma disjuntiva tão dramática quanto a disjuntiva do professor.

Quem é, em profundidade, o professor?

O professor é um agente do sistema. O professor é alguém que ministra para os estudantes aquilo que o sistema engendrou na sua organização, mas, ao mesmo tempo, o professor é o principal crítico do sistema, ou é aquele que é capaz de introduzir nos rigores do sistema o elemento reflexão, o elemento pensamento, o elemento contradita.

Diariamente o professor vive um tormento ético: preparar as crianças e os jovens para serem cidadãos ajustados ao que a ideologia dominante determina, e pretende, e consegue. E, ao mesmo tempo, é ele quem prepara os estudantes para uma capacidade de avaliação crítica em relação ao sistema que ali está a prepará-los. Ele é, ao mesmo tempo, um agente do sistema e um subversivo do sistema.

Maravilhosa trajetória que leva os grandes professores a serem não os articuladores do seu pensamento no aluno, mas os fomentadores da liberdade de pensar do aluno diante dos sistemas.

Assim, o jornalismo; assim, a tarefa profunda, dramática, de certa forma, e brilhante do jornalismo. O jornalista não tem controle sobre as decisões maiores do sistema - e algumas delas são administradas por jornalistas. Quem faz jornal sabe dos conflitos que há entre reportagem e edição, entre edição e direção. Um jornal, uma emissora de rádio ou televisão não é um lugar pacífico e tranqüilo, ali não reina a paz podre. A notícia é o resultado da tensão e da latência entre esses elementos conflitantes. É, portanto, uma profissão de extrema importância, alta gravidade e seriedade a partir do momento em que meio de comunicação passou a ser poder.

Há hoje no mundo uma luta pela ocupação do espaço público; até então a democracia representativa ocupava a plenitude do espaço público e também a ocupava um pouco as religiões e, possivelmente, mais do que as religiões, algumas instituições da sociedade. Mas o espaço público, até meados do Século XX, era ocupado exclusivamente pela democracia representativa. A partir da existência do satélite, a partir da existência de uma comunicação em nível mundial, passou a existir uma disputa pela ocupação do espaço público. De um lado, a democracia representativa, talvez, agonizante, ou, pelo menos, senão agonizante, ferida, embora nenhum sistema melhor tenha sido até hoje levantado ou trazido à baila do que ela, mas a democracia representativa ferida; de outro lado, os instrumentos da democracia participativa, a imprensa, que ocupa, que luta por espaço de poder com a democracia representativa e, em geral, leva vantagem, porque a democracia representativa não tem como se defender. E a mediação está nas mãos da imprensa.

O resultado é que hoje temos um País que, absolutamente, na sua quase totalidade, condena a democracia representativa e a classe política, porque a mediação entre a classe política e a opinião pública é feita por mediadores que, por disputarem poder e ocupação do espaço público, têm mais força e mais poder, o que leva a democracia representativa a um impasse do qual desconheço a solução possível. Percebo apenas que ele perde nessa luta.

Também os sindicatos ocupam espaço público, assim como as organizações da comunidade. Então, o espaço público é hoje um território dividido e palco de uma disputa acentuada, acirrada, acendrada, entre a democracia representativa, com a organização da vida partidária, claudicante, cheia de dificuldades, a imprensa com problemas éticos que vimos aqui e as organizações da comunidade, da sociedade organizada. E, nessa luta por ocupação do espaço, ainda não tivemos vencedores.

Advirá daí uma nova forma de democracia representativa? Talvez uma forma de democracia representativa ou participativa. Alguns defendem a democracia direta. A imprensa representa a possibilidade da participação da democracia representativa nessa luta pelo espaço de poder e por isso creio que nós jornalistas temos muito a meditar nesse particular. A mim, como jornalista, me impressiona um fato: o de termos um sindicato em cada unidade da Federação.

Já participei de algumas experiências de cooperativas de jornalistas. Temos a Associação Brasileira de Imprensa e outras associações de imprensa pequenas, mas na Associação Brasileira de Imprensa está simbolizada a permanente luta dos jornalistas pela liberdade de informação e sobre toda essa atividade, uma organização interessante, pujante, qualificada, como a Fenaj, que é a Federação Nacional dos Jornalistas.

Pergunto-me por que com tantas articulações e organizações nós, jornalistas, ainda não fomos capazes de um grau de autonomia que nos leva, ainda hoje, a ceder, de maneira total, ao patronato, que é quem comanda o processo. Por que será que uma categoria como a nossa, tão lúcida, tão clara, tão inteligente, tão preparada, não consegue os graus de organização necessários, por exemplo, nas cooperativas? Ah! Se tivéssemos cooperativas de jornalistas organizados teríamos o império e o predomínio do profissional sobre o sistema; mas não conseguimos.

Possivelmente, aqui, hoje, estejam sentadas as pessoas que lutam por isso denodadamente e que, por essa razão, merecem todo o nosso reconhecimento e o reconhecimento que o Senado faz à Fenaj.

Mas é preciso também que saibamos meditar neste instante sobre o porquê de não sermos capazes de buscar a própria autonomia da profissão. Não temos autonomia no sentido de apor ao predomínio do sistema uma organização eficaz, capaz de valorizar a informação pela informação e tampouco temos instrumentos de autodefesa ética da profissão que são fundamentais e, a meu ver, são os únicos capazes e merecedores de respeito. Quem lhes fala é contra a Lei de Imprensa, porque acredita que, para os crimes de imprensa, já existem na lei as cominações devidas. Quem lhes fala é contra a Lei de Imprensa e é a favor de que a própria imprensa - porque é feita de homens livres, capazes e honrados - seja ela, como ocorre em outras profissões, a principal interessada no exercício ético da profissão.

Digo estas palavras, Sr. Presidente, Srs. Senadores, meus companheiros de imprensa, com o coração e com alguma coisa do pensamento. Como já disse alguém, "pensando com o coração e sentindo com a cabeça", porque essa é a minha profissão, conheço-a. Ao mesmo tempo, como político, acompanho pari passu os processos complexos que se dão na relação da própria política com a imprensa. Creio que nós jornalistas, neste dia, devemos - muito além das palavras merecedoras ou merecidas do elogio à indormida capacidade de luta do jornalista brasileiro que já foram ditas nesta Casa e que são verdadeiras - fazer a reflexão que estou propondo. Não sei se é agradável, simpática, oportuna; mas sei que é sincera e que se conota com a preocupação dos setores mais conseqüentes da atividade de comunicação no Brasil. Eles, hoje, estão preocupados porque acreditam que a velocidade do desenvolvimento dos meios de comunicação não permitiu um acompanhamento, em graus de consciência, suficiente para compreendê-la e compreender sua força e seu poder, e muito menos nas próprias escolas de Comunicação, que custam a se ajustar à dinâmica interna de uma profissão que se diversifica, se valoriza e se transforma de modo tão acelerado.

Deixo, portanto, essas reflexões com um profundo gesto de solidariedade àquela característica predominante da Fenaj: a luta pela liberdade de pensamento. Aqui, sim, há o ponto em que refulge, brilha de modo absolutamente notável o labor do jornalista brasileiro. Que essa liberdade seja permanentemente mantida, procurada, buscada, mas que se dê tanto na direção da liberdade do jornalista de informar, quanto na liberdade da população de ser informada; que ela se exerça pela capacidade de dar-se à população a liberdade de optar e de escolher, sendo a informação, exclusivamente, o elemento intermediário capaz de dotar a população de elementos suficientes para que, de modo livre, possa escolher e possa optar.

Era o que tinha dizer, muito obrigado, Sr. Presidente, e parabéns à Fenaj pelos 50 anos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/1996 - Página 15625