Discurso no Senado Federal

DIA NACIONAL DO COMBATE AO FUMO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DIA NACIONAL DO COMBATE AO FUMO.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/1996 - Página 15687
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, CAMPANHA, COMBATE, FUMO, RELAÇÃO, SAUDE, PLANETA TERRA, ESTATISTICA, DOENÇA, MORTE, TABAGISMO, COMPARAÇÃO, LUCRO, INDUSTRIA, CIGARRO, PREJUIZO, SAUDE PUBLICA.
  • COMENTARIO, NORMAS, COMBATE, INDICE, REDUÇÃO, UTILIZAÇÃO, FUMO, PRIMEIRO MUNDO, OPOSIÇÃO, CRESCIMENTO, TABAGISMO, BRASIL, INSUFICIENCIA, RESTRIÇÃO, LEGISLAÇÃO, AUSENCIA, SANÇÃO.
  • NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, COMBATE, FUMO, ESPECIFICAÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, DEPENDENCIA QUIMICA.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fumar faz mal à saúde do planeta. Se não fosse pela poluição visual que causaria, um outdoor com tais dizeres deveria ser afixado nos céus das grandes cidades, de modo que pudesse ser visto a todo momento, de qualquer ângulo, para alertar desse perigo. Está mais que comprovado: fumar lesa a saúde do fumante e dos que estão próximos a ele. Além disso, leva à diminuição da expectativa de vida, polui o meio ambiente, drena o orçamento da saúde e, enfim, prejudica a qualidade de vida no planeta Terra, como um todo.

           A referência planetária vem bem a calhar, pois estamos numa era de globalização e é impossível encarar a questão do cigarro como meramente pessoal, como fez, recentemente, uma fumante inveterada. Ao ser indagada sobre a nova lei de restrição ao fumo, saiu-se com essa: "Tenho todo o direito de me matar de câncer" (O Estado de S. Paulo, 26-6-96).

           O prejuízo à saúde do próprio fumante se revela nas doenças a que está sujeito. O cigarro é fator de risco para 90% dos casos de câncer no pulmão; contribui em um terço para todos os tipos de câncer; é causador de 85% das doenças pulmonares e é capaz de, sozinho, dobrar a possibilidade de doenças cardíacas. No mundo inteiro, três milhões de pessoas morrem, a cada ano, de doenças originadas no uso do fumo. Um terço das mortes de pessoas dos trinta e cinco aos sessenta e nove anos se dá por essa mesma causa. No Brasil, as mortes pelo uso do fumo estão na casa das cem mil. Se é doloroso constatar que morrem cerca de quarenta mil pessoas, por ano, em acidentes de automóvel, em que há, ao lado da imprudência, uma grande casualidade, imagine-se o que significam cem mil mortos, por escolha, digamos assim, pois os fumantes sabem dos riscos que correm. Pergunta-se: essa questão é de foro íntimo? É apenas um problema pessoal?

           Pois que fosse um problema de escolha pessoal. Admitamos essa hipótese. Mesmo assim, esses indivíduos não teriam direito sobre a vida de seus familiares e colegas, os fumantes passivos, pelo grau de letalidade dessa opção. Está comprovado pela Organização Mundial de Saúde -- OMS que 30% das mulheres em que se diagnosticou câncer são esposas de fumantes. Isso para não falarmos das crianças vítimas das mães fumantes. Pesquisa inglesa, recentemente divulgada no Britsh Medical Journal, demonstra que 60% das mortes prematuras de crianças atingem aquelas que foram expostas ao fumo, seja pela mãe, pelo pai, ou por quem quer que estivesse próximo exalando fumaça de cigarro. O grupo de risco é o de bebês de dois a três meses. O estudo conclui, ainda, que a probabilidade de um bebê morrer dobra a cada hora que ele fica exposto à fumaça do cigarro. Pergunta-se novamente: fumar é uma questão meramente de escolha pessoal?

           Além da nicotina e do alcatrão, cujos efeitos nocivos são mais conhecidos, cada cigarro queimado libera 4.720 substâncias tóxicas no meio ambiente, entre elas, a amônia e o monóxido de carbono. Tudo isso demonstra que fumar é algo mais além de questão pessoal.

           Os adeptos do cigarro poderiam até alegar as vantagens econômicas trazidas pela indústria do fumo como uma justificativa para não se limitar o seu uso. É verdade que a indústria do fumo movimenta, só no Brasil, aproximadamente 7 bilhões de reais por ano e que três quartos disso vão para os cofres públicos, como tributos. Mas esse é um dinheiro que vira cinza no bolo orçamentário, pois os gastos da saúde para atender às doenças provocadas pelo uso do fumo (diversos tipos de câncer, doenças pulmonares e coronárias) são maiores que o montante dos impostos arrecadados da indústria fumageira, segundo a revista Conjuntura Econômica (out./95), da Fundação Getúlio Vargas.

           Nos países desenvolvidos, há mais de trinta anos são impostas normas de combate ao fumo, assim como são deflagradas campanhas educativas e culturais visando à diminuição do uso do tabaco. Os Estados Unidos são um exemplo, pois desde 1964 os fabricantes são obrigados a colocar nas embalagens avisos sobre os riscos à saúde. Há severas restrições na publicidade: os anúncios de cigarros no rádio e na televisão são proibidos, assim como não se pode estampar logotipos e slogans de cigarros em camisetas e bonés; não se pode, tampouco, afixar outdoors nas proximidades de escolas. Também nos EUA, devido às peculiaridades daquele país, as leis estaduais e municipais avançaram nas restrições às baforadas. Em Maryland, por exemplo, é proibido fumar no local de trabalho; em Los Angeles, nada de fumaça de tabaco nos restaurantes; em Nova Iorque, idem, havendo exceção para bares dos restaurantes; na Califórnia, nada de cigarro, em algumas das praias.

           Na Europa, temos o exemplo da Finlândia e da Noruega, onde as restrições à publicidade são maiores: é proibida qualquer propaganda direta ou indireta de cigarros. Em outros países, como em Portugal e na Suíça, os impostos recolhidos referentes à venda de cigarros são empregados em campanhas culturais ou de esportes.

           Como resultado das campanhas e leis restritivas, o uso do fumo nos países desenvolvidos tem diminuído a taxas de 1,5% ao ano. Em contraposição, nos países em desenvolvimento, onde não há restrições tão claras, como é o caso do Brasil, essas taxas têm crescido na proporção de 1,7% ao ano. Aqui no Brasil, pelo que revelam as pesquisas, a diminuição no número de cigarros consumidos corresponde a períodos de menor poder aquisitivo da população, ou seja, não tem indicado mudança de hábitos culturais, pois tão logo se recuperam os padrões salariais, o consumo volta a aumentar.

           Vê-se que, ao contrário do que muitos acreditam, há, sim, uma correlação positiva entre restrição ao uso do fumo e diminuição do número de pessoas que se expõem a esse risco. As restrições legais, por sua vez, atenderam a apelos da sociedade, consciente dos males do fumo.

           No Brasil são recentes os ensaios restritivos, tanto no campo da publicidade quanto na limitação ao fumo em determinados locais. A publicidade é permitida na televisão após as vinte e uma horas, por decisão do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária -- CONAR e agora pela Lei 9.294, de 15-7-96. Alguns municípios, isoladamente, tomaram a iniciativa de vedar o fumo em alguns locais, como restaurantes. Como é característica de nosso País, infelizmente, algumas portarias ministeriais mais restritivas à publicidade do tabaco "não pegaram", isto é, foram descumpridas, sem que houvesse sanção para os infratores. Esperamos que, com a nova lei, as restrições sejam respeitadas.

           Pela nova lei, fica proibido, por exemplo, o uso do cigarro e assemelhados em recintos coletivos, sejam esses privados ou públicos; também é vedado o fumo em vôos de menos de uma hora de duração, em transportes coletivos, nas salas de aula, nas bibliotecas, em hospitais, em teatros, nos cinemas e nas repartições públicas.

           A publicidade não poderá vincular o uso do fumo a esportes olímpicos, ao bom desempenho físico, ou, ainda, a um maior êxito profissional ou sexual. As propagandas, igualmente, não poderão induzir ao consumo atribuindo ao fumo propriedades calmantes, estimulantes ou que reduzam a fadiga, a tensão, ou qualquer efeito similar. As peças publicitárias conterão a advertência de que fumar é prejudicial à saúde, num total de cinco textos sobre doenças específicas.

           A lei significa um avanço na limitação ao uso do fumo, é verdade, mas é preciso que o Poder Público tome as rédeas com mais força nessa questão. A regulamentação deve ser precisa e a responsabilidade fiscalizatória deve ser clara, assim como as punições aos infratores devem ser aplicadas, sem titubear. Só assim, como se diz no jargão popular, essa lei "vai pegar". Aceitamos que essa seja a norma possível neste momento, mas devemos continuar avançando no estudo de outras restrições mais severas, pois alguns dos segmentos mais vulneráveis continuam sem proteção, particularmente os adolescentes.

           Nos EUA -- aqui citado por dispormos de estatísticas mais precisas --, entre 4% e 5% dos fumantes deixam o vício a cada ano. Outro tanto, por morte, deixa de consumir. Novos fumantes, então, são recrutados. Naquele país, são cinco mil novos usuários por dia que aderem ao vício. O recrutamento se dá, preferencialmente, entre as crianças e os adolescentes (consumidores por mais tempo). No Brasil, guardadas as proporções, a situação será um pouco pior. Essa variável nos leva a examinar, com mais cuidado, a responsabilidade do Estado.

           Vejamos, Srªs e Srs. Senadores: se a indústria fumageira se exime de responsabilidade sobre o uso do cigarro, alegando que fumar é uma escolha pessoal do cidadão, o mesmo raciocínio não pode aplicar-se aos adolescentes. Em primeiro lugar, por eles não terem desenvolvido habilidades que lhes permitam distinguir entre os benefícios e os malefícios provocados pelo cigarro; em segundo lugar, por não terem os adolescentes a responsabilidade legal sobre si mesmos, cabendo aos pais e ao Estado zelarem pela sua segurança física e bem-estar, livrando-os de situações de risco. O Estado não pune o tráfico, o porte e o uso de drogas como a maconha e a cocaína? E a justificativa, nesse caso, não é outra senão a proteção da sociedade.

           Agora examinemos o poder de causar dependência que o cigarro tem. Recente pesquisa patrocinada pelo Instituto Nacional do Câncer revela que o teor de nicotina encontrado nas cinco marcas nacionais mais vendidas, que representam 60% do mercado, é até três vezes o suficiente para viciar. E mais: que a amônia, uma substância alegadamente destinada a acentuar o sabor, é empregada para que sejam absorvidos maiores níveis de nicotina. O resultado é matematicamente previsível, como analisa a revista Veja, de 29 de maio passado: mais amônia significa maior absorção de nicotina, que, por sua vez, determina dependência química. E está provado que a nicotina é uma droga, pois causa dependência física e produz estados alterados de consciência.

           Na União Européia, por exemplo, os teores de nicotina aceitos variam de 0,4 a 0,5 mg por cigarro, justamente para não provocarem dependência. Algo nesse sentido precisa ser feito no Brasil, também, pois se esperarmos a benevolência da indústria fumageira, estaremos nos enganando e deixando a sociedade desprotegida.

           É preciso ficar claro, Srªs e Srs. Senadores: combater o fumo não é uma questão de julgamento moral, do que seja certo ou errado; não é um desrespeito aos direitos individuais dos cidadãos, pois esses não podem sobrepor-se ao interesse coletivo; não é um massacre ao livre-arbítrio, pois isso seria o mesmo que admitir que se pode induzir uma pessoa ao suicídio, sem problemas. Mas não é assim que ocorre: o Código Penal manda punir aquele que induz outro ao suicídio. Combater o uso do fumo tampouco é uma questão de etiqueta, do que seja in e do que seja out na sociedade contemporânea. Combater o uso do fumo é, isto sim, uma prioridade de saúde pública. E como tal tem que ser tratada, tanto pelo Ministério da Saúde, quanto pelos veículos de comunicação; é responsabilidade tanto do Senado quanto das famílias; devem dar exemplo contra o fumo tanto os políticos quanto os astros dos esportes. Quem imaginaria, por exemplo, um grande corredor de Fórmula Um pregando o direito de uma pessoa bêbada dirigir um carro? Pois temos grandes esportistas veiculando propagandas de cigarros. E não são poucos. E esses ídolos são seguidos e respeitados; e o que eles apregoam vende muito. Se não fosse assim, não seriam patrocinados a peso de ouro por determinadas marcas de cigarro, como tem sido prática habitual.

           Por ocasião deste 29 de agosto, Dia Mundial de Combate ao fumo, trago essas reflexões a este Plenário, para que nos sirvam de base para tomada de decisões precisas por parte desta Casa e do Executivo, no combate a essa epidemia mundial, como define a OMS, que é o tabagismo.

           Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/1996 - Página 15687