Discurso no Senado Federal

DESIGUALDADES INTER-REGIONAIS COMO OBSTACULO AO DESENVOLVIMENTO DO PAIS.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DESIGUALDADES INTER-REGIONAIS COMO OBSTACULO AO DESENVOLVIMENTO DO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/1996 - Página 15890
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, ADOÇÃO, URGENCIA, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, SIMULTANEIDADE, EXECUÇÃO, POLITICA, FAVORECIMENTO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, DESTINAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO, ECONOMIA, DEMOCRACIA, REALIZAÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, BRASIL.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, as desigualdades inter-regionais são, como venho insistindo, um dos grandes dramas nacionais e um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento autônomo e sustentável do nosso País.

Como é possível, Sr. Presidente e Srs. Senadores, criarem-se políticas desenvolvimentistas para um País que, em termos de progresso econômico e social, segundo o relatório, são, na realidade, três: Bélgica, Bulgária e Burundi?

Ainda hoje, o Senador Arruda usou esta tribuna para dizer que vivemos em um País melhor. E eu concordo que é um País melhor do que há algum tempo, mas ainda temos muito a perseguir para sermos um País digno, com desenvolvimento mínimo em todas as áreas.

É urgente um plano nacional para reduzirmos essas diferenças, mesmo porque tendem a se agravar ainda mais no momento em que o Estado se vê questionado como agente do desenvolvimento e é constrangido a se afastar, cada vez mais, da atuação e do planejamento econômico.

Segundo o relatório a que me referi, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em colaboração com o nosso IBGE, os Estados brasileiros aparecem divididos em três faixas geográficas: belgas, basicamente Sul e Sudeste; búlgaros, Norte e Centro-Oeste, e burundianos, no Nordeste.

Embora eloqüente, como mapa e gráfico, a classificação por Estados subjacente a essa maneira de apresentação de resultados esconde que as pessoas vivem, de fato, nos Municípios. O Município é a celula mater da nossa Federação.

A distorção mais notória, comentada no próprio relatório, refere-se a Minas Gerais, que figura como búlgara na pesquisa. Isso se deu porque foi utilizada uma média entre as áreas de primeiro mundo, no sul e no Triângulo, e as que convivem com elas em miséria profunda, no norte do Estado. Significa dizer que, se o Brasil é três, Minas Gerais é, pelo menos, duas - segundo este relatório.

Pensar-se nas desigualdades inter-regionais somente no nível do Estado, portanto, não pode ser a estratégia mais adequada para o entendimento da questão, nem, por conseqüência, para o encaminhamento de possíveis soluções.

Quando tomamos, Sr. Presidente, Srs. Senadores, um enfoque municipalista, nos detemos na análise dos Estados do Nordeste; corremos o risco de encontrar surpresas equivalentes às que nos causa o Brasil como um todo.

Naqueles Estados que por si já constituem a África do Brasil, existem realidades municipais que desafiam nossa capacidade de compreensão, pelo grau de precariedade das condições mínimas de sobrevivência dessas unidades do nosso sistema federativo: a dura realidade é que, também entre os miseráveis, há aqueles ainda mais miseráveis.

Esse fato se torna claro, Sr. Presidente, Srs. Senadores, quando constatamos a completa dependência de alguns Municípios nordestinos em relação às transferências constitucionais.

Lamentavelmente, segundo a pesquisa "Modelo e Gestão Democrática - Descentralização de Políticas Públicas Municipais", realizada pelo Centro de Estudos e Pesquisas Josué de Castro, em convênio com a Sudene e em colaboração com as Universidades Federais de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte, nessa situação se encontram cerca de 90% dos Municípios nordestinos, com população inferior a 50 mil habitantes.

Nesses Municípios, a pobreza da população, aliada à falta de recursos das prefeituras para a montagem de um sistema efetivo de arrecadação, impede o recebimento de qualquer tipo de imposto municipal. Esse estudo feito pela Sudene em colaboração com essas universidades desses Estados mostra um quadro desolador.

Desprovidas de recursos gerados localmente, essas prefeituras ficam incapacitadas de financiar serviços essenciais, como educação, saneamento básico, ou se obrigam a aplicar nessas áreas os recursos originários das transferências constitucionais.

Esse é um tipo terrível de círculo vicioso, pelo qual a miséria do Município, causada pela incapacidade contributiva da população, torna mais magras as possibilidades de progresso dos cidadãos, por lhes cortar o acesso à saúde e à educação, o que, por sua vez, acaba por tornar mais agudas as deficiências da municipalidade.

Quantos são - os Srs. Senadores poderiam argüir - esses Municípios de população inferior a 50 mil almas? A resposta, segundo os dados do IBGE, empregados pela Secretaria do Tesouro Nacional para o cálculo das parcelas do Fundo de Participação dos Municípios - FPM, é estarrecedora:

Dos 1.584 Municípios do interior do Nordeste - da Bahia até o interior do Maranhão - 1.397 pertencem às faixas de parcela do Fundo de Participação dos Municípios iguais ou inferiores a 2%. Ou seja, 90% dos Municípios nordestinos têm menos de 50.940 habitantes e figuram, portanto, entre os Municípios miseráveis apontados pela pesquisa.

Na minha Paraíba, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a proporção é ainda mais alta: As unidades com população inferior a 50 mil habitantes são em número de 161, ou 95% do total de Municípios - que é de 170.

Ainda mais séria se torna essa contabilidade se ressaltarmos o fato de que, na faixa até 30.564 habitantes, figuram 148 Municípios, ou 87% do total, e que na faixa até 17 mil habitantes estão 112 Municípios ou 66% deles.

Trata-se de um número muito alto de Municípios, quase inviabilizados pela miséria e que dependem só e unicamente da ajuda federal para sobreviver.

Não é de se admirar, portanto, que quando as emissoras de televisão do Centro-Sul se dignam a se dirigir a esses Municípios lá encontrem quadros deploráveis de escolas públicas em que professores semi-alfabetizados dão aulas para crianças e jovens em troca de salários tão baixos que, para qualificá-los, só encontro o epíteto de "inconstitucionais", porque são todos eles muitas vezes inferiores ao mínimo estabelecido pela Lei Federal.

De passagem, aliás, eu nem deveria precisar mencionar às Srªs e aos Srs. Senadores o fato de que a própria Lei do Mínimo é também inconstitucional por não cumprir o preceito do art. 7º, IV, de fazê-lo

      "capaz de atender às necessidades vitais básicas [do trabalhador] e de sua família no que se refere a moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestiário, higiene, transporte e previdência social.

A conclusão dos participantes do Seminário "A descentralização no Brasil: Distribuição de recursos ou de encargos?", realizado na Sudene, nos dias 14 e 15 de agosto, foi de que o rompimento desse círculo vicioso depende da intervenção da União na arrecadação de impostos municipais.

Embora a nova Carta tenha aumentado em até 20% o volume de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, não devemos pensar que todas as municipalidades vivam agora na fartura de recursos e na relativa pequenez de encargos.

A verdade, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a triste verdade é que a falta de capacidade arrecadatória própria dessas pequenas empresas as deixa na penúria quase total.

Mais uma vez, minha intervenção nesta tribuna se dá no sentido de reivindicar do Governo Federal a implementação de políticas públicas visando ao desenvolvimento de regiões mais atrasadas e pedir uma atenção especial ao problema das desigualdades regionais que põem em desvantagem o Nordeste.

É da maior importância que se busquem iniciativas que resultem na descentralização tributária.

Nesse sentido, quero lembrar a importância das premissas que levanto na tarde de hoje, à hora de votarmos, amanhã, em regime de urgência, o projeto que estabelece a isenção do ICMS sobre as exportações e que, no fundo, constitui-se na primeira etapa da esperada reforma tributária.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, espero que as Lideranças do Governo ouçam os apelos das secretarias de Finanças dos Estados para que se encontrem soluções que possam não agravar essas desigualdades.

Os Senadores do Nordeste têm-se reunido, têm pressionado para que soluções sejam encontradas. Às vezes é extremamente desgastante e, por que não dizer, desmotivador verificar a lenta velocidade com que essas catracas se movem. Mas não podemos desfalecer.

Não pode um corpo ter higidez, não pode um corpo ter sanidade se parte dele vai mal. É preciso que não descuidemos das partes mais vulneráveis.

Nesta hora em que damos o primeiro passo dessa reforma, faz-se necessário que estejamos atentos a essa realidade.

Encerro, Sr. Presidente, dizendo que não é possível nem aceitável que não se dê aos desiguais o benefício da desigualdade. É preciso que tratemos as áreas que estão desiguais de tal forma que possamos soerguê-las, para fazer com que esse todo, com que esse corpo tenha homogeneidade, para que tenhamos um Brasil forte e a caminho de se tornar potência, o Brasil que todos queremos para nossos filhos e netos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/1996 - Página 15890