Discurso no Senado Federal

ENDIVIDAMENTO EXTERNO BRASILEIRO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ENDIVIDAMENTO EXTERNO BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/1996 - Página 15782
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, VONTADE, GUSTAVO FRANCO, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), AUMENTO, DIVIDA EXTERNA, PAIS, OBJETIVO, PRORROGAÇÃO, PRAZO DETERMINADO, PAGAMENTO, DIVIDA, BANQUEIRO, AMBITO INTERNACIONAL, CRESCIMENTO, DEPENDENCIA ECONOMICA, BRASIL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Banco Central, que dizem ser Banco Central do Brasil, através do seu interessante Diretor, Gustavo Franco - ser interessantíssimo, digno de ser analisado por suas características tão raras, tão estranhas -, acaba de propor que o Brasil bata à porta dos banqueiros mundiais e peça para pagar um juro mais elevado por papéis da dívida externa. Ao invés de 7% ao ano, o Brasil pede para pagar 12% ao ano, trocando os papéis novos, que dão 13% ao ano de juros, pelos antigos papéis depreciados.

Eles repetem uma conversa do século passado. Os modernos voltam ao século passado, a mentalidade dominante no Brasil naquela ocasião em que nós declaramos a nossa independência política a Portugal. Relações entre pai e filho: o pai fica lá, o filho fica cá. A isso chamamos de independência. E para que a Inglaterra - que era o país, a potência que dominava, praticamente, o mundo inteiro, principalmente Portugal e suas colônias - reconhecesse a nossa independência, assumimos a dívida de Portugal para com aquele país, que era de cinco milhões de libras. Então, trocamos a nossa dependência política limitada pela nossa dependência à dívida externa, a nova potência que o sistema financeiro internacional colocara na mão dos países cêntricos.

É muito interessante que nós periféricos, submetidos, explorados, tenhamos, historicamente, um saldo na balança comercial. Isso foi o que sempre aconteceu com o Brasil desde a descoberta e depois quando Portugal vinha buscar as nossas riquezas, o pau-brasil, o açúcar, o ouro. Portugal vinha com os seus navios carregados de pedras. São as pedras que construíram, por exemplo, a Igreja de Nossa Senhora da Praia, na Bahia; vinham carregados de pedra e voltavam carregados de ouro. E nós, transferindo riqueza, sendo explorados, com superávit comercial, exportando muito mais do que importávamos.

E assim é que se é explorado: transferindo uma riqueza real para o exterior, tendo um saldo na balança comercial, um superávit na balança comercial.

O único economista que eu já li na minha vida - e talvez já tenha lido mais de mil - a perceber essa característica perversa das relações internacionais foi Maurice Dobb, um economista inglês, autor de, entre outros livros, A Evolução do Capitalismo. E diz ele que, em vez de chamarmos de superávit de exportação e lutarmos por ele, deveríamos encarar esse superávit com o seu aspecto negativo que acabo de salientar, ou seja, que superávit é transferência de riqueza real, superávit é o resultado de uma exploração internacional. Dizia Maurice Dobb que, quando existe um déficit comercial, devíamos chamar isso de superávit de importação.

Na ocasião em que se apresenta um déficit comercial, estamos importando riquezas do exterior, estamos nos enriquecendo. Mas fica difícil colocar um déficit como um objetivo de uma sociedade que só pretende ter superávit. Então Maurice Dobb propõe a mudança dos termos: chamar de superávit de importação ao que se chama atualmente de déficit.

Historicamente mantemos essa inversão do mundo que chama a nossa exploração de superávit comercial e que nos impõe todos os estímulos e incentivos para continuarmos a exportar um valor superior ao de nossas importações. Se exportamos mais do que importamos, deveríamos ter superávit, algo para receber e não sermos devedores, como somos historicamente.

Assim, por mais que exportemos, por mais que tenhamos superávit, por mais que apertemos nossos cintos, escravos ou servis, o cinto dos nossos trabalhadores e da nossa população explorada, estamos sempre devendo. Todos que vendem por valor superior ao de compra são credores, têm algo a receber. O Brasil exporta mais do que importa, vende mais do que compra e continua devendo cada vez mais. E essa dívida pesa sobre nós como um fetiche. Somos obrigados a trabalhar mais, permitindo um arrocho salarial, para pagarmos essa dívida que cresce indiferente à nossa fome e aos nossos sacrifícios.

Portanto, não é possível tratar com irresponsabilidade o problema cambial. Não é possível nos transformarmos aqui em representantes dos interesses que nos dominam, da banca internacional. Deveria ser um crime contra a Nação propormos o aumento da taxa de juros de nossa dívida externa.

Mas o que se há de fazer? perguntam os cínicos. Os cínicos que não pensam, não se recordam de que se pode fazer sim, se se tiver vontade política, se se tiver transparência nos olhos, se se tiver vontade de quebrar realmente os laços da subjugação internacional.

Mas o que se há de fazer? dizem aqueles que levaram suas cabecinhas para que os Estados Unidos as emprenhassem com as suas idéias, com as suas justificativas, com os seus propósitos cada vez mais claros de dominação.

Uma vez, como disse o antigo Professor Fernando Henrique Cardoso, que o big stick, o porretão empunhado pelos Estados Unidos não funciona mais, tornou-se obsoleto. E, segundo Fernando Henrique Cardoso, isso ocorreu porque agora, em vez de nos comandarem com o big stick, nos comandam com os botões - com os botões e com as cabeças deformadas, num processo de deformação em nível superior e pós-doutoral nos Estados Unidos.

Pois bem, esses "PHDeuses" que aqui estão, trazendo as luzes dos Estados Unidos, nunca tiveram tempo de estudar História. Acredito que a verdade ou a falsidade das proposições se comprova na prática. E a prática está escrita na História, está registrada na História do Homem. E eles nunca leram História, porque, se tivessem lido um pouquinho, saberiam muito bem que, por exemplo, em relação à dívida externa, o México, na sua luta pela independência, para comprar armas, contratou uma dívida externa imensa, e os mexicanos, que fizeram essas tratativas, essas negociações, roubaram 40% dos empréstimos mexicanos.

O Brasil também, de acordo com Pandiá Calógeras, no livro que escreveu sobre Felisberto Caldeira Brandt, o Marquês de Barbacena, conta a história toda de como essa figura extraordinária do Império, que atravessou o oceano Atlântico mais de dez vezes e que, em determinado momento, acompanhado da princesa austríaca que viria para o Brasil, parou na Inglaterra e lá mexeu com a dívida externa brasileira. O processo que foi montado contra o Felisberto Caldeira Brandt fez com que ele perdesse o cargo de Ministro de Dom Pedro II. Ele foi processado pelo que andava fazendo com a dívida externa, pelo que ele estava recebendo. Naquele tempo não tinha esses nomes norte-americanos: fee, overhead, spread e outros serviços que nos infernizam e dilapidam a nossa existência.

Sou contra qualquer aumento da dívida externa, porque sei que banqueiro para ser banqueiro tem que emprestar. Dessa forma, conservam vivos, ou mais ou menos vivos, os seus devedores mundiais. Os banqueiros precisam emprestar dinheiro para a Argentina, para o Brasil, para a Tailândia e para o resto do mundo. Há que se conservar pobres, sem dinheiro, para tomá-lo emprestado, submetendo-se às condições que eles querem.

Vou ler aqui, apenas para ilustrar, um depoimento de Darrel Delamaide, "O Choque da Dívida", capítulo da História Econômica do Brasil e da América Latina que me parece já foi esquecido. Já falei aqui uma vez a respeito do que ocorreu no Egito quando a dívida externa, tomada para fazer o milagre econômico da agricultura do Egito, fez com que, ao invés de milagre econômico, houvesse a tomada da alfândega pelos credores europeus: Inglaterra e Alemanha; o aumento da carga tributária - a reforma tributária como se chamou aqui ocorreu para que o Governo arrecadasse mais a fim de pagar a dívida externa, que já estava vencida, e o milagre econômico não aparecia. Assim, os fazendeiros, que não tiveram sete bilhões de auxílio, abandonaram suas terras e as palmeiras para não pagarem imposto. O Governo, então, criou um imposto sobre palmeiras e os fazendeiros, por sua vez, pagaram os camponeses para cortarem-nas, livrando-se do imposto. Quando os camponeses começaram a cortar as palmeiras, a polícia do Egito começou a fuzilá-los.

Isso é dívida externa, é conseqüência da dívida externa, por isso o Meiji, no Japão, calçou bem o país, permitindo-lhe que se desenvolvesse, como ocorre hoje.

Ele sempre disse e repetiu centenas de vezes: "Teremos sempre que nos lembrar do conselho do General Ulysses Simpson Grant, ex-Presidente da República dos Estados Unidos: "Não devemos jamais recorrer à dívida externa. O exemplo do Egito e da Espanha devem estar sempre presentes em nossa memória - dois países que perderam tudo, inclusive a sua soberania, por causa da dívida externa".

Então, o Japão não quis saber de dívida externa, não quis saber se os juros estavam baixos para ampliá-la, não quis saber de pagar juro mais elevado para trocar papel novo por papel velho, não quis saber de fazer essas coisas que caracterizam a forma pela qual os subjugados se subjugam aos interesses da banca internacional.

Sr. Presidente, vou apenas citar alguns poucos exemplos do que tem acontecido ao longo de nossa História.

      Portugal, Austria e Rússia deixaram investidores ingleses em apuros. A Inglaterra foi o único país europeu a sair das guerras napoleônicas com excedente de capital para investir em outros países. Na América do Norte, a inadimplência de onze estados, quanto a títulos lançados no exterior na década de 40, rebaixou a reputação dos Estados Unidos.

Quando em 1922 os Estados Unidos mandaram um emissário ao México para ver qual a saída para uma situação caótica em que se encontrava aquele país, o Sr. Morton pouco tempo depois afirmou: "a verdadeira dificuldade, por aqui, é que o governo está insolvente e ainda não sabe disso. E, por isso, o México, em 1922, tal como acontece novamente, não consegue pagar a dívida externa."

E a mesma coisa aconteceu com a Argentina em 1990, quando era detentora de uma dívida externa espetacular; 80% da dívida externa era pública.

Na medida em que os capitalistas nacionais estão ameaçados de falência, os banqueiros internacionais transferem dívida dos capitalistas pré-falidos para os governos, que são devedores mais confiáveis, com mais força e capacidade de aumentar impostos, conseguir receita para continuar pagando a dívida externa.

Os Estados Unidos abandonaram sua política anterior e passaram a empunhar o big stick, porque, entre outras coisas, a Inglaterra e a Alemanha invadiram a Venezuela por causa da dívida externa venezuelana. Hoje não precisam nos invadir. Como disse o Presidente Fernando Henrique Cardoso, cria-se um antiestado nacional dentro da Nação, colocando toda sua força, todo o seu empenho, toda a sua inteligência no sentido de pagar cada vez mais o serviço da dívida externa.

Em 1982, todos os países devedores, os países pobres, tinham visto suas dívidas externas se multiplicarem - o Brasil, por exemplo, em 1964 devia três bilhões de dívida externa; em 1973, a dívida passou para nove bilhões e foi crescendo como um cogumelo, e os banqueiros emprestando. O Ministro das Finanças da Inglaterra, ao perceber o andamento daqueles empréstimos que estavam sendo lançados ou empurrados sobre nós, nos anos 70 - na Europa não haviam tomadores, porque se tivessem tomadores mais confiáveis na Europa esse dinheiro não refluiria para os subdesenvolvidos -, chamado Lorde Lever, tomou um avião e foi para os Estados Unidos e conversou com os três maiores credores: "V. Sªs não vão conseguir receber de volta esses empréstimos que estão fazendo aos países pobres." E Lorde Lever, junto com Cheryl Payer, alertaram sobre o futuro dos países pobres.

O SR. PRESIDENTE (Odacir Soares) - Nobre Senador Lauro Campos, o seu tempo está esgotado. Peço a V. Exª que conclua o seu discurso.

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não, Sr. Presidente.

Infelizmente, a história mudou muito pouco. Os banqueiros - o Plano Brady, o Plano Baker - perceberam que não iriam receber o principal porque tinham recebido antes sob a forma de juros extorsivos. No início dos anos 70, a taxa de juros começou com 3,5% ou 4% e no final estava a 21,5%. Eles aumentavam as taxas de juros à vontade e assim receberam, na forma de juros e de serviço, o principal, precavendo-se de qualquer prejuízo. Gentilmente, agora esticam o prazo das nossas dívidas para 30 anos. Dão-nos taxas de juros convidativas; de novo uma isca; douram a pílula. Vamos pagar em 30 anos; portanto, temos um pagamento anual inferior àquele de quando o prazo era mais curto. No tempo do Presidente Figueiredo, nossa dívida externa dera de US$80 bilhões; agora, com essas manobras e esse espichamento de prazo, podemos nos endividar mais porque pagamos um serviço menor para rolar nossa dívida. Assim nos endividamos mais, a ponto de hoje devermos cerca de US$151 bilhões.

Estamos sempre loucos por mais empréstimos, querendo que nossa dívida - municipal, estadual e federal - seja externalizada. Queremos encontrar tomadores, tal como se fazia no século passado, em Londres e outros mercados ricos, para que nos emprestem mais dinheiro, uma vez que a dívida pública está encontrando seus limites e estamos cada vez mais entrando nesse processo de externalização da dívida brasileira. É por isso que a dívida externa cresce a galope, incontrolavelmente.

O então professor Malan, encarregado no FMI de cuidar da nossa dívida, dos nossos problemas, dizia numa frase - e a coisa mais difícil do mundo é um economista fazer uma frase, mas Malan o conseguiu - com jocosidade e humor. Dizia que a dívida externa é como o rabo do cachorro. De início, dizia ele, o cachorro - nós, os devedores subdesenvolvidos - abana o rabo; depois o rabo cresce tanto que passa a abanar o cachorro. A dívida externa passa a nos dominar. Quem disse isso foi, naquela ocasião, o meu colega da UnB, professor Malan.

Então, não é preciso falar mais nada. Eles sabem que o rabo da dívida externa está abanando, balançando, tonteando o cachorro brasileiro.

Não há tempo suficiente, Sr. Presidente, para abordarmos o problema tal como se apresenta hoje. Apenas alerto: sou eternamente, constantemente, radicalmente contra todo e qualquer aumento da dívida externa. Sabemos que todo pedido de empréstimo tem seu motivo: esse tem prazo muito longo, tem carência, tem taxa de juros baixa, vai salvar criança de rua. Mas eu penso que empréstimo externo que salva 5 crianças hoje dentro de 15 anos vai colocar 15 crianças na rua no lugar das 5 que veio salvar.

Portanto, devemos estar atentos e não deixar que os poderosos de hoje, que os tecnocratas todo-poderosos prestem esse desserviço ao Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/1996 - Página 15782