Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A REFORMA AGRARIA NO BRASIL.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REFLEXÃO SOBRE A REFORMA AGRARIA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/1996 - Página 15785
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS, OBJETIVO, APROVEITAMENTO, TERRAS, EXTINÇÃO, EXODO RURAL, FIXAÇÃO, HOMEM, CAMPO, AUMENTO, NIVEL, PRODUTIVIDADE, SOLO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, EXECUÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, BRASIL.
  • ANALISE, CRITICA, HISTORIA, OMISSÃO, PODER PUBLICO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, CONTINUAÇÃO, CONFLITO, DISPUTA, POSSE, TERRAS, SEM-TERRA, PROPRIETARIO, LATIFUNDIO, BRASIL.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente e Srs. Senadores, a reforma agrária, como outros temas de natureza cíclica, no Brasil, está na ordem do dia. Autoridades, políticos, sindicalistas, pesquisadores, latifundiários, estudantes, todos discutem a questão freqüentemente num tom apaixonado que, ao invés de contribuir para solucionar o grave problema, gera ou exacerba antagonismos que dificultam a busca de um denominador comum.

É louvável que a sociedade brasileira discuta a questão da reforma agrária, especialmente se levarmos em conta que nossa tradição reserva a iniciativa e a responsabilidade, em assuntos dessa natureza, ao Poder Executivo, ou, para ser mais específico, ao Presidente da República. Ao mesmo tempo, é lamentável que essa conscientização ocorra em circunstâncias tão deprimentes e trágicas. Afinal, o tema somente ganhou espaço na mídia, nas tribunas e nos auditórios após uma série de conflitos tristemente coroados pela tragédia de Eldorado dos Carajás.

O acirramento dos ânimos, que resultou nos conflitos armados entre latifundiários e trabalhadores sem-terra, tem sua explicação básica na histórica omissão do Poder Público, que sempre fez da reforma agrária um tabu. Nesse aspecto, é de acerto exemplar o editorial "Sem Violência", do jornal Correio Braziliense, edição de 19 de junho último:

      "O Estado tem a parcela maior de responsabilidade", diz o artigo. "A questão fundiária agrava-se ano a ano, graças à omissão de sucessivos governos. O Estatuto da Terra, concebido ainda ao tempo do regime militar - e considerado instrumento conservador - , completa 31 anos sem que jamais tenha sido aplicado."

Faz tanto tempo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que se reclama a execução da reforma agrária no Brasil que o tema, agora, parece ultrapassado. Afinal, os países europeus promoveram a desconcentração fundiária no século passado ou em tempos ainda mais remotos. Além disso, o modelo econômico e a estrutura produtiva passaram por profundas modificações nas últimas décadas. O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, na análise do jornalista Ricardo Amaral, de O Estado de S.Paulo, consideraria a reforma uma bandeira social superada.

Para o Presidente Fernando Henrique, o ritmo de desapropriações e assentamentos é bom: 46 mil famílias assentadas em seu Governo até o momento; mais 60 mil ainda este ano, e cerca de 120 mil no ano que vem. A demanda por um pedaço de solo, na sua opinião, não é tão grande como o Movimento dos Sem-Terra alardeia. A Gazeta Mercantil, edição de 21 e 23 de junho passado, sugere a existência de interesses políticos nas atividades dos sem-terra e atribui a um assessor do Chefe do Executivo a seguinte declaração: "Surgiu um grupo de pessoas bem informadas e politizadas que arregimentou pessoas para pressionar o Governo com invasões. Será que esse movimento quer realmente a reforma agrária, ou será que quer a bandeira da reforma"?

O proveito político, Srªs e Srs. Senadores, estará presente sempre que o movimento capitalizar a atenção das massas. No entanto, é mister reconhecer que, haja interesse político ou não, a reforma agrária se impõe por argumentos bastante objetivos.

Inicialmente, é preciso desarmar os espíritos. Uma discussão sobre reforma agrária, hoje, não mais comporta conceitos de natureza ideológica. A necessidade de modificação da estrutura agrária impõe-se por outros motivos, como o incremento da produção e da produtividade agrícolas e, com muito mais intensidade, integração social de um imenso contingente de trabalhadores e de seus familiares, que reivindicam teto e emprego.

O sociólogo Cândido Grybowsky, diretor do IBASE, analisou a situação de forma percuciente no Jornal dos Economistas, edição de abril último.

      "Como a própria realidade da agricultura brasileira mostra, o problema não reside exatamente na equação grande ou pequena, mas nas condições de integração dos trabalhadores e suas famílias, integração nos processos econômicos geradores de renda, integração na vida social e política da sua comunidade, integração na cultura e na cidadania plena."

No mesmo Jornal dos Economistas, o presidente da Fecotrigo - Federação das Cooperativas de Trigo e Soja do Rio Grande do Sul -, Rui Polidoro Pinto, salienta a necessidade de se implementar uma política de empregos no campo. No entanto, denuncia:

      "As políticas governamentais para o setor agrícola têm sido a principal causa do aumento do desemprego nas cidades."

O dirigente lembra que, no Brasil, existem cerca de 7 milhões de estabelecimentos rurais, e que, ocupando apenas 25% da área agricultável, a pequena e a média propriedades fornecem 70% da produção.

A reforma agrária, fica claro, não se impõe por uma questão meramente ideológica ou econômica, mas pelo conjunto dos benefícios que pode trazer, destacando-se aí a geração de empregos e a redução do êxodo rural. Esse fenômeno, aliás, é apontado no relatório da ONU sobre os índices de desenvolvimento humano como fator decisivo no processo de decadência da qualidade de vida nas metrópoles brasileiras.

Felizmente, Srªs e Srs. Senadores, a sociedade brasileira, aos poucos, começa não apenas a discutir a questão, mas também a propor soluções. O Ministro Raul Jungmann, em sua cruzada contra o latifúndio, não se rebela com o tamanho da posse, mas com sua improdutividade. Assim é que, há dias, endossou a necessidade de proteção da propriedade, ressalvando:

      "Mas não se pode aceitar que ela não cumpra sua função social." 

Jungmann defendeu a modificação do ITR - Imposto Territorial Rural - de forma a taxar com maior rigor a propriedade improdutiva, ao ponto de torná-la proibitiva.

Outras medidas que podem acelerar a modificação da estrutura agrária são a descentralização das reformas e a participação da iniciativa privada. O método tradicional de desapropriação e assentamento tem-se revelado extremamente desgastante e oneroso para o poder público, como alertou, recentemente, o Juiz Antônio de Pádua Nogueira, do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo.

Entende o magistrado que a iniciativa privada voluntária deve ser incentivada.

      "...mediante a partilha das grandes glebas, de modo a viabilizar sua aquisição pelos sem-terra, observado o livre mercado e sem o condenável e oneroso paternalismo governamental.

      Para o incentivo à implantação desses loteamentos rurais - observa o Juiz -, torna-se indispensável a valorização do remanescente das glebas, o que também se refletirá no valor dos próprios lotes adquiridos pelos pequenos agricultores".

A iniciativa, lembra, já deu bons resultados no oeste e noroeste de São Paulo, e também no norte do Paraná.

São igualmente alvissareiras as decisões do Exército Brasileiro e da Igreja Católica, que estão promovendo levantamento de suas propriedades com o intuito de doar terras para a reforma agrária. Tais medidas demonstram que, inobstante o interesse do Palácio do Planalto em solucionar a crise no campo, não há necessidade de "cruzar os braços" à espera de providências superiores.

É o que vem acontecendo com os Estados e Municípios brasileiros. No Distrito Federal, a Secretaria da Agricultura, com o apoio do INCRA, já assentou 150 famílias em terras que recebera como pagamento de dívidas. No Mato Grosso, a reforma vem ocorrendo após inédito acordo celebrado entre o Governo Estadual, o INCRA, o Movimento dos Sem-Terra e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura.

Essas iniciativas, Srªs e Srs. Senadores, demonstram que a reforma agrária pode ser mais fácil e menos onerosa do que se imagina, especialmente se tratarmos da questão com o espírito desarmado e usando criatividade. Assim, ao reiterar a necessidade de uma providência urgente, que ponha fim aos sangrentos conflitos no campo, sugiro às autoridades federais que, inspiradas no exemplo de segmentos os mais diversos da sociedade brasileira, apressem a reforma da estrutura fundiária, propiciando às famílias dos trabalhadores rurais uma condição de integral cidadania.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/1996 - Página 15785