Discurso no Senado Federal

CRITICAS INJUSTAS DA IMPRENSA RELATIVAMENTE AO COMPARECIMENTO DOS SENADORES A CASA. COMENTARIOS SOBRE A APRECIAÇÃO PELO SENADO, ONTEM, DO PROJETO QUE ISENTA DO ICMS PRODUTOS PARA EXPORTAÇÃO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. TRIBUTOS.:
  • CRITICAS INJUSTAS DA IMPRENSA RELATIVAMENTE AO COMPARECIMENTO DOS SENADORES A CASA. COMENTARIOS SOBRE A APRECIAÇÃO PELO SENADO, ONTEM, DO PROJETO QUE ISENTA DO ICMS PRODUTOS PARA EXPORTAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/1996 - Página 16154
Assunto
Outros > IMPRENSA. TRIBUTOS.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, IMPRENSA, AUSENCIA, SENADOR, PLENARIO.
  • APRECIAÇÃO, PROJETO DE LEI, ISENÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), PRODUTO SEMI-ELABORADO, DESTINAÇÃO, EXPORTAÇÃO, CONCESSÃO, BENEFICIO FISCAL, EMPRESA, IMPORTAÇÃO, MAQUINA, MATERIAL INDUSTRIAL.
  • CRITICA, OPINIÃO, ANTONIO KANDIR, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), VINCULAÇÃO, PROJETO DE LEI, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), AUMENTO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), PAIS.
  • ANALISE, PROCESSO, AJUSTE, PREÇO, CONSUMO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cheguei ontem em casa às 16h30min, completamente esgotado. Um dia que começou para mim às 6h da manhã e que até àquela hora eu não tinha tido tempo nem condições nem uma folga para o almoço.

Logo em seguida, para descansar um pouco, comecei a ver os noticiários das emissoras de televisão. E qual não foi a minha surpresa quando uma pessoa séria, honesta, consciente, o Sr. Villas Boas Corrêa afirma que o Senado deveria evitar o vexame de exibir aqui um plenário vazio: Senadores falando às moscas, apenas para evitar um recesso oficial.

Nós, da sexta-feira, a todo o momento somos criticados por estarmos aqui - não por estarmos lá fora -, mas por estarmos aqui no Senado Federal. Já não entendo mais! Venho de segunda à sexta-feira e vejo aqui inúmeros companheiros meus, colegas meus do Senado, que também são assíduos tanto quanto eu. Aquelas pessoas, que não entendem direito como funciona o Senado Federal, pensam que o tempo aqui é democraticamente distribuído a todos os Senadores, que temos acesso a esta tribuna, a esse microfone a qualquer hora que queiramos falar, que temos acesso igual ao funcionamento e à dinâmica do Senado. Ledo engano, completo equívoco. Nós somos Senadores de partidos pequenos, não somos líderes, mas apenas soldados rasos nesta Casas, Senadores de terceira categoria. Partido pequeno, aqui, só dispõe da 5º Secretaria da Mesa, não tendo a Presidência de nenhuma das comissões desta Casa. Portanto, os Presidentes das comissões permanentes ou temporárias escolhem, ao contrário do que faz o Supremo, que sorteia, os relatores dos diversos projetos que por aqui passam. De modo que a escolha feita pelos Presidentes, obviamente, quando o assunto é relevante, não recai sobre um modesto Senador da Oposição. Muitas vezes, os relatores já vêm designados lá de fora ou, quando isso não acontece, quando o Executivo não se interessa em predeterminar quais são os relatores que devem fazer os seus relatórios de acordo com os interesses maiores ou menores do Executivo, para assuntos menos importantes, algumas vezes, somos designados.

No plenário, quantas vezes me inscrevi no meio da semana, mas sempre há alguém ou fazendo comunicação de liderança, ou se aproveitando do tempo privilegiado que os líderes têm, ou trocando as inscrições feitas com outros, antecipando, portanto, o seu momento de falar, e vamos ficando para o fim da sessão, para o fim da semana e, portanto, para este momento tão criticado pelo Sr. Villas Boas Corrêa.

Não gostaria que ele estivesse no meu lugar: um Senador da Oposição, de um Partido pequeno e que, obviamente, sofre as conseqüências desse Regimento que foi feito pela Maioria, para que a Maioria exerça o seu domínio sobre a Casa.

Mas estamos acostumados. Somos presos por ter cães e somos presos por não ter cães.

Somos criticados por vir ao Senado, por estar aqui falando num momento em que a Casa se encontra praticamente deserta. Pensei que devêssemos merecer, ao contrário, grandes elogios por estarmos aqui cumprindo o nosso dever, neste final de semana, numa Brasília esvaziada.

Mas esse assunto é totalmente secundário, é apenas uma repetição ad infinitum dessas críticas, muitas delas injustas - outras, não -, que recaem sobre nós.

Venho à tribuna para falar sobre a sessão de ontem, quando esta Casa apreciou, discutiu, com a celeridade que nós é imposta, vários projetos importantes.

Gostaria de me referir apenas àquele que desonera alguns produtos primários, alguns produtos semi-elaborados, do ICMS para exportação, o qual, da mesma forma, concede um benefício fiscal para as empresas que importam máquinas e materiais de uso da indústria.

O Ministro Kandir afirma na imprensa que, devido a sua lei, ao seu projeto, haverá um acréscimo de 1,5% ao ano no PIB brasileiro. É de estarrecer tal assertiva. O Sr. Kandir, que já nos assustou algumas vezes, nos tempos "colloridos", volta a nos assustar. É assustadora essa previsão, essa bola de cristal, esse dom divinatório que surge, agora, iluminando o Ministro Kandir. De onde ele tirou esse 1,5% de crescimento do PIB?

Realmente, não é fácil. Qualquer análise que se faça nos leva, de início, a uma perplexidade, a enganos. Principalmente nós, que não votamos por interesse pessoal ou de grupo, para retribuir contribuições de campanha ou para outros fins escusos, procuramos encontrar a compreensão mais ampla e perfeita possível daquilo que está sendo discutido aqui. E é óbvio que, com a celeridade com que os assuntos por aqui passam, a cabeça não consegue, muitas vezes, aprofundar, acompanhar, elaborar e reelaborar as suas definições e determinações finais.

Por isso, ontem aqui apreciamos inúmeros pontos de vista completamente contraditórios e incompatíveis entre si. Aqui, avaliou-se o Projeto Kandir de todas as maneiras possíveis. Ouvi colegas meus dizendo que esse projeto iria beneficiar todo o Brasil, em seu conjunto, todos os brasileiros. Há quantas décadas já deixei de acreditar na possibilidade de que, numa sociedade plural, numa sociedade dividida em classes sociais com interesses opostos e conflitivos, que viesse uma medida para beneficiar a todos. Isso é próprio da ideologia. Os mercantilistas, que só cuidavam dos interesses dos exportadores, disseram, durante 300 anos, que quanto mais se exportasse mais cresceria a nação. Depois vieram os liberais, dizendo que existe uma razão que é natural, que é providencial e que dirige os destinos dos homens: a mão invisível. Leis que aqui estão e, desde que o Estado não interfira na livre atividade dos homens, esta atividade irá beneficiar a todos, e se encontrará um ponto de equilíbrio que beneficie a todos.

Essas mentiras foram sendo desmoralizadas pela prática. Isso que se repete hoje foi dito não no Século XIX, mas no Século XVIII. Essa história de que o mercado consegue automaticamente, por sua própria dinâmica, encontrar uma ótima situação econômica e social. A prática demonstrou que essa ideologia era completamente equivocada. E a versão neoclássica, surgida em 1873, que garantia o pleno emprego automático para todos e que pensava que haveria um equilíbrio em todos os mercados, foi desmoralizada com a crise de 1929, elevando o desemprego a 40% em alguns países capitalistas, provocando a quebra de cinco mil bancos nos Estados Unidos até o ano de 1935, e fazendo com que os preços caíssem.

Se tomarmos como ano base 1930 e igualarmos os preços a 100, em 1937 os preços nos Estados Unidos haviam declinado para 70 - de 100 para 70. E essa queda de preços, tal como aconteceu em todas as crises anteriores, é um dos elementos mais importantes para aprofundar a crise, aprofundar o colapso. Vender a preços cadentes dá prejuízos àqueles que compram e fazem seu estoque a antigos preços mais elevados. A sua receita da venda com esses preços cadentes diminui a cada momento.

E hoje, no Brasil, batemos palmas porque estamos diante de uma deflação, um deflação contra qual o capitalismo lutou durante dois séculos e conseguiu, finalmente, aumentar a demanda, elevar a capacidade de compra do sistema e transformar a tendência perversa, deflacionária, de queda de preços em seu oposto, na inflação que Keynes chama de "o grande elixir", que dinamiza a atividade econômica. E, obviamente, este elixir não é para todos.

A deflação cria o desemprego, coloca no vermelho as empresas e faz aumentar os salários daqueles que não foram demitidos. Mas só com o movimento negativo dos preços, a deflação, é possível haver o aumento do poder de compra dos trabalhadores, é possível que os trabalhadores tenham o seu salário nominal valorizado diante dos preços cadentes das mercadorias que compõem a sua cesta de consumo.

É este, portanto, um momento infeliz, cheio de desempregos, cheio de agruras e de sofrimento. Justamente no momento em que os preços estão abaixo de zero é que os trabalhadores, realmente como um todo, menos aqueles que estão sendo desempregados, conseguem um aumento de seus salários.

Nós, diante do fracasso da dinâmica centrada no Estado, do Estado Getulista, do Estado Juscelinista, diante das contradições que moveram este fantástico processo de acumulação no Brasil e no mundo inteiro, vemos, agora, que a força dinamizadora do Estado, dos governos centrais, se esgotou - e tive a sorte de prever isso em 1960. Essa dinâmica durou muito tempo - três décadas após a Segunda Guerra Mundial -, porque a guerra quente foi transformada em fria e os governos cêntricos puderam continuar a manter o volume de emprego, os seus gastos e o décifit orçamentário coberto por emissões.

Portanto, parece que Keynes tinha razão, quando afirmava: "Duvido que tenhamos conhecido um auge duradouro, capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra". Ele repetiu isso, com outras palavras, seis vezes durante a sua vida.

É como se a Segunda Guerra Mundial estivesse terminando agora, diante do colapso experimentado pelo processo de acumulação também capitalista na União Soviética, e pelo colapso do Estado desenvolvimentista periférico, no Brasil e em todos os países da periferia.

O problema é altamente complexo. Agora, por exemplo, há 10 dias, a Argentina começou a entrar num processo, num movimento de convulsão, tal como aqueles que pontilham em diversos Estados da América Latina e do mundo. A Argentina, depois de seis anos de Plano Cavallo, de dolarização, de enxugamento, agora, continua a praticar e a seguir a sua trilha: a do Cavalo de Átila, que destrói tudo por onde passa.

Então, mais 30 mil funcionários públicos deverão ir para o fogo, para o forno crematório, em holocausto ao FMI, ao combate à inflação, ao enxugamento. Tal como na Idade Média, a Modernidade transforma em pecado o consumo. Quantos não foram queimados na Inquisição por excesso de consumo, por gula? Há pouco tempo, os doutores ensinavam aos seus alunos o multiplicador de investimento: de que quanto maior a propensão a consumir, maior o volume de empregos adicionados na economia, maior o multiplicador de emprego ou de investimento de riquezas. Portanto, de repente, o consumo voltou a ter aquelas características medievais: é pecado consumir, não devemos consumir, temos de enxugar.

Diz a manchete:

      "Diretor do FMI diz que o Brasil precisa reduzir despesas e defende um ajuste fiscal para aumentar a arrecadação".

Como um país pode crescer se há redução de vendas e de despesas? Só pode crescer se há redução de renda e de despesa e de consumo. Não se pode aumentar ou diminuir; se o programa é de enxugamento, de redução, de desemprego, de instauração da crise e de sua manifestação, no índice de preço, na deflação, então, todos nós, obviamente, conseguimos com o auxílio do IBGE - que transforma, mistifica, adultera qualquer dado sobre a realidade - fazer o milagre; não o milagre da queda de preço, porque esse já vimos repetir-se por cinco vezes, após o Cruzado Novo. Não este milagre, mas o milagre de anestesiar a população, de confundir as mentes, a tal ponto que ninguém perceba direito o que está acontecendo. E podem dizer que houve um aumento de 39% do poder de compra depois do Plano Real.

Para terminar, Sr. Presidente, o que eu gostaria de dizer é que, ao invés de 1,5% de aumento do PIB, o que vai acontecer é que a isenção, a exoneração do ICMS, obviamente, prejudicará os Estados. Os Estados serão, em parte, compensados, até 2002, por recursos federais, por títulos do Tesouro. Portanto, perde também a União com esse ICMS.

Diz um ilustre Senador de Mato Grosso que os produtores ganharão com isso. Se os produtores receberem aquela quantia que eles pagavam antes em ICMS, se eles reduzirem o custo tributário e ficarem com essa diferença, obviamente, não haverá nenhum efeito dali para frente; os preços serão os mesmos e a redução de impostos será embolsada pelos produtores. Daí por que não haverá aumento de exportação. Encerrar-se-á nesta primeira fase a suposta dinâmica que revoluciona a economia brasileira.

Se os exportadores pudessem receber parte dessa exoneração tributária, eles poderiam exportar a preço mais baixo, reduzindo o chamado, ironicamente, custo Brasil.

Se exportassem mais a preços mais baixos para aumentarmos as nossas vendas no mercado externo, quem seria beneficiado? Os compradores de matérias-primas, os importadores lá de fora de matérias-primas, de insumos e de todas as mercadorias isentadas pelo ICMS. Logo, os consumidores, os compradores externos é que serão, apenas eles, os seguramente beneficiados pela isenção, se o ICMS não for apropriado pelos produtores ou dividido entre produtores e exportadores, ou dividido entre exportadores e consumidores externos. De qualquer maneira, aquilo que se diz que é o bem geral não é da União, e sim um mal para a União, um mal para o Estado, um mal para a economia nacional, que não terá nenhuma dinamização em suas exportações. Portanto, é difícil entender os fenômenos mais simples, porque há diversos pontos de vista que devem ser examinados. Devemos também ter a noção da totalidade em que esses fenômenos ocorrem. E nesse açodamento, nessa pressa com que as medidas passam por aqui, ainda que não houvesse distorções e interesses políticos menores, dificilmente poderíamos ter uma compreensão segura e completa dos projetos sobre os quais decidimos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/1996 - Página 16154