Discurso no Senado Federal

TRANSCRIÇÃO DO DISCURSO PROFERIDO PELO PROFESSOR CATEDRATICO DE DIREITO CONSTITUCIONAL PAULO BONAVIDES, DURANTE SOLENIDADE REALIZADA NO ULTIMO DIA 2, NA QUAL LHE FOI OFERECIDA PELA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL A MEDALHA 'RUI BARBOSA'.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONCESSÃO HONORIFICA.:
  • TRANSCRIÇÃO DO DISCURSO PROFERIDO PELO PROFESSOR CATEDRATICO DE DIREITO CONSTITUCIONAL PAULO BONAVIDES, DURANTE SOLENIDADE REALIZADA NO ULTIMO DIA 2, NA QUAL LHE FOI OFERECIDA PELA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL A MEDALHA 'RUI BARBOSA'.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/1996 - Página 16305
Assunto
Outros > CONCESSÃO HONORIFICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, PAULO BONAVIDES, PROFESSOR, ADVOGADO, ESTADO DO CEARA (CE), RECEBIMENTO, MEDALHA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), DEFESA, FEDERAÇÃO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de saudar a eminente Senadora Emilia Fernandes e os nossos colegas, peço que registre que não existem Líderes de Partido no plenário. No entanto, V. Exª é Líder do PTB e está presidindo a Casa, razão pela qual não se pode manifestar.

Sr. Presidente, o tempo é a forma mais terrível de se chegar ao esquecimento. Há muitos anos saíamos de uma excepcionalidade institucional para um reordenamento constitucional. E, nesse instante, a única instituição que foi convidada para participar dessa solenidade foi a Ordem dos Advogados do Brasil.

Estou fazendo uma viagem até 1945, ao término da Segunda Guerra Mundial, quando os ares da democratização no mundo inteiro clamavam pelo término de ditaduras. Com a queda de Getúlio Vargas se fez a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Foi chamado o então Presidente do Supremo, Ministro José Linhares, para ocupar a Presidência da República, e aí, nesse instante, a Ordem dos Advogados do Brasil foi convidada.

Disso resultou a Constituição de 18 de setembro de 1946. Meio século decorrido e ninguém se lembra mais, a não ser os que aqui estamos. Ainda há pouco registrado pelo Senador Josaphat Marinho, que tendo sido eu o Relator da Constituinte que resultou na Constituição de 1988, promulgada no dia 5 de outubro, espero, Sr. Presidente, que daqui a muitos anos essa nossa de 1988 não esteja tão mutilada que dela se tenham esquecido.

Sr. Presidente, venho com o propósito, já que falei na Ordem dos Advogados do Brasil, de trazer para os Anais da Casa - peço, aliás, a V. Exª que determine a transcrição na íntegra, porque irei ler apenas alguns tópicos - a homenagem ao Professor Catedrático de Direito Constitucional, Paulo Bonavides, cearense, mas que ultrapassou as fronteiras do Brasil, pois é Professor na Alemanha e recebeu a maior láurea que a Ordem dos Advogados do Brasil dá a um seu integrante, que é a Medalha Rui Barbosa.

Para que V. Exª faça chegar ao conhecimento de S. Sª, já deixo de logo registrado, para a Secretaria Geral da Mesa não ter maior dificuldade, que o Professor Paulo Bonavides reside na Avenida Curió, nº 2.810, Casa nº 281, Lagoa Redonda, Fortaleza, Ceará. CEP: 60831-370.

Sr. Presidente, quando, no dia 2 de setembro, que está a terminar, o eminente Professor Paulo Bonavides recebia, em uma solenidade em que acorreram três mil advogados inscritos, e eu lá me encontrava, a láurea da Medalha Rui Barbosa, proferiu este discurso, que ainda há pouco acabei de pedir a V. Exª que determinasse a transcrição nos Anais. O discurso tem sete laudas. Entre alguns tópicos, quero mostrar aos eminentes Senadores e à Senadora que nos honra com a sua presença o que diz o Professor Paulo Bonavides:

      "Ao receber esta honrosíssima láurea da Ordem dos Advogados do Brasil, ao transcurso da XVI Conferência Nacional dos Advogados, vejo, com júbilo, que Rui Barbosa, na memória cultural da nacionalidade, é o vulto mais presente.

      Tenho-lhe a devoção de velho e fiel discípulo, pois faço o apostolado de sua doutrina do direito e da liberdade, desde 5 de novembro de 1949, quando, nas festas de seu centenário, paraninfei em cidade do interior nordestino uma turma de ginasianos que homenageavam o insigne baiano.

      A seguir, reencontro o mestre, de cujas leituras jamais me apartei, ao ensejo de minha investidura na Academia Cearense da Língua Portuguesa. Ali, sócio fundador, entrei a ocupar a Cadeira nº 29, cujo patrono vinha a ser Rui Barbosa. Agora subo à tribuna desta assembléia de advogados e me ponho novamente diante do brasileiro cujo nome o País todo venera."

E continua, Sr. Presidente... e lá pelas tantas do seu discurso - e era o que eu dizia ainda há pouco no meu aparte ao Senador Josaphat Marinho - registra Bonavides:

      "O federalismo desfigurado, o nobre baiano já o invectivara com a tristeza dos publicistas amargurados, e dele nos deixou em sua obra fragmentos cáusticos de crítica fulminante e admoestação severa.

      Sustentando o mesmo estandarte, lendo na mesma gramática de seu federalismo, me fiz soldado dessa causa que na antevéspera e no berço da República pertenceu a Nabuco e aos grandes marechais do civismo brasileiro.

      Não resulta difícil averigüar, ao ocaso deste milênio, donde se divisa a enorme distância que a Nação ainda há de percorrer para lograr a regeneração de seus costumes políticos, quanto o princípio federativo cobra atualidade na definição contemporânea dos rumos institucionais do Brasil.

      Ninguém pode silenciar a reforma da federação, senão contribuindo para sufocar o regime ou despedaçar a unidade nacional".

E mais adiante diz Bonavides:

      "Rui foi homem de dois séculos.

      Ao século XIX pertenceu pelo papel que desempenhou na crise das instituições imperiais.

      Ao século XX, que é o nosso século, pelas lições de um federalismo, um presidencialismo e um republicanismo escarmentados.

      Durante o século passado a sua voz desde os comícios decretou o fim da escravidão e a sua pena nos jornais derrubou um Império".

Sr. Presidente, na última folha, Paulo Bonavides faz esta declaração:

      "Tamanhos são, de último, os sofrimentos, as amarguras e as inquietudes do momento social, com a classe média pauperizada e o salário do trabalhador congelado, que eu, entrando na posse desta Medalha, a mais alta comenda honorífica da Ordem dos Advogados do Brasil, me sentiria infiel a Rui Barbosa se ao fecho desta oração de agradecimento calasse, porventura, o apelo dirigido aos governantes da República, na heróica cidade de Frei Caneca".

E aqui está o apelo, Sr. Presidente:

      "Senhor Presidente da República!

      Siga o exemplo dos Constituintes de 1823, dando emprego ao povo e aos trabalhadores.

      Não feche as fábricas de São Paulo.

      Não aprofunde os desequilíbrios sociais.

      Não desnacionalize a economia brasileira.

      Não sufoque as indústrias do Nordeste nem as empresas da Amazônia e do Brasil Central.

      Não negue ao estudante o acesso à escola pública.

      Não casse a autonomia das universidades.

      Não permita que as suas reformas destrocem a Constituição de 1988.

      Não fique 173 anos - quase dois séculos! - aquém dos Constituintes de 1823, que tinham mais consciência social e mais sensibilidade democrática que os desnacionalizadores da globalização e do neoliberalismo.

      O Brasil é maior do que todas as reeleições presidenciais!"

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muita honra, V. Exª enriquece o meu discurso.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador Bernardo Cabral, sou extremamente grato pela referência a meu nome feita no seu pronunciamento. Mas me sinto muito contente e tranqüilo, quando vejo, no seu discurso, e com o reforço da palavra do Professor Bonavides, a defesa da Federação. Eu a tenho defendido quanto posso, já tenho até certa cerimônia de repetir o conceito que, de quando em quando, reproduzo: não há União forte com Estados enfraquecidos. E o que está ocorrendo no Brasil é exatamente a quebra do espírito federativo. Os Estados, quase todos, estão fracos e a União não se preocupa com essa degradação. Parabéns a V. Exª pela iniciativa desse pronunciamento.

O SR. BERNARDO CABRAL - Eu é que agradeço a V. Exª, eminente Senador Josaphat Marinho, não só pela oportunidade do aparte, mas também porque ele engrandece o pronunciamento que faço, na medida em que as linhas do raciocínio de V. Exª se ajustam, sem nenhuma dúvida, àquelas que estou trazendo para esta Casa.

Ao ecoar as palavras de Paulo Bonavides, quero, sobretudo, Senador Josaphat Marinho, dizer a V. Exª que o País começa a se empobrecer quando ocorre a omissão, ou a fuga, ou o cerceamento, no desejo de que aqueles que são fiéis seguidores sejam os que se acocoram, e não os que manifestam a sua opinião construtiva. Vejo que o nosso País começa a abdicar de uma das maiores conquistas que teve até hoje, o seu princípio federativo.

O mais grave é que os Estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste começam a se preocupar, de um lado, com a chamada guerra fiscal, que ainda há pouco foi soçobrada porque os Governadores entenderam que, unidos, terminariam com isso.

Ficou no ar uma lição danosa para este Senado, o qual, ao invés de emendar o projeto, como deveria fazê-lo, devolvendo-o à Câmara, para que o princípio das duas Casas estivesse sendo exercido com altivez, preferiu, em acordo de lideranças, utilizar-se de uma delegação - a qual, ainda que não condenada pela Constituição, não deveria ter sido dada -, para que o Presidente da República vetasse aquilo que deveria ter sido modificado por esta Casa.

É de passo em passo, é com medidas como essas que acabamos tendo dificuldade no exercício de um mandato que não nos foi conferido para concessões. Tenho dito sempre que o Poder Legislativo é, inequivocamente, o mais sagrado, senão o mais autêntico dos Poderes, porque aqui ecoam todas as angústias e o clamor popular vem desaguar. Ao abdicarmos disso, estaremos notando algo que começa a alcançar este País. Nas ditaduras, em primeiro lugar, promove-se o enfraquecimento do Legislativo e a desmoralização do Judiciário.

De qualquer forma, hoje, estamos aqui em plena democracia.

Ouvi, pela manhã, em um programa de televisão, uma verdadeira e cáustica afirmação contra a Justiça Trabalhista, que não deixa de ser um órgão integrante do Poder Judiciário, tal qual definido no texto constitucional.

Sr. Presidente, quando faço ecoar, nesta tribuna, as palavras de um Professor de Direito Constitucional - refiro-me, mais uma vez, a Paulo Bonavides -, é para que a Nação tenha idéia de que o Poder Legislativo não pode ficar eqüidistante, muito menos indiferente, ao que se passa lá fora, sob pena de, amanhã, perdermos a representatividade e a autenticidade.

Requeiro novamente a V. Exª que dê conhecimento das minhas palavras ao Professor Paulo Bonavides, que nesta hora deve estar sentindo a alegria de, no dia em que solicitei essa medida, estarem sendo presididos os trabalhos do Senado Federal por um conterrâneo seu, também cearense, como V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/1996 - Página 16305