Discurso no Senado Federal

LIMITAÇÕES DO SR. GUSTAVO FRANCO, DIRETOR DO BANCO CENTRAL DO BRASIL, REVELADAS ATRAVES DE SUAS OPINIÕES EM ENTREVISTA CONCEDIDA A REVISTA VEJA DESTA SEMANA. MANIPULAÇÃO DA MATEMATICA E DA ESTATISTICA PARA ARGUMENTAÇÃO ECONOMICA. AUTOMAÇÃO DAS GRANDES INDUSTRIAS VERSUS DESEMPREGO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • LIMITAÇÕES DO SR. GUSTAVO FRANCO, DIRETOR DO BANCO CENTRAL DO BRASIL, REVELADAS ATRAVES DE SUAS OPINIÕES EM ENTREVISTA CONCEDIDA A REVISTA VEJA DESTA SEMANA. MANIPULAÇÃO DA MATEMATICA E DA ESTATISTICA PARA ARGUMENTAÇÃO ECONOMICA. AUTOMAÇÃO DAS GRANDES INDUSTRIAS VERSUS DESEMPREGO.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/1996 - Página 16352
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, OPINIÃO, GUSTAVO FRANCO, DIRETOR, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), REFERENCIA, ABERTURA, ECONOMIA, BRASIL, CAPITAL ESTRANGEIRO, REDUÇÃO, SALARIO, TRABALHADOR.
  • ANALISE, AUTOMAÇÃO, INDUSTRIA, CORRELAÇÃO, DESEMPREGO, SALARIO, PODER AQUISITIVO, PRODUÇÃO, CONSUMO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Joseph Alois Schumpeter, um dos maiores economistas deste século, não era apenas economista. Ele foi também um grande advogado, e tinha um conhecimento praticamente enciclopédico, como prova em um dos seus livros em três volumes, História da Análise Econômica.

Então, dizia, com razão, que economista que é apenas economista é um mau economista. E o Brasil anda cheio, repleto, de economistas que são apenas economistas e, portanto, que sucedem com muito mais inconsciência e com muito mais limite em sua Weltanschauung, em sua visão do mundo, do que aqueles velhos bacharéis que dominaram a nossa história. Economista, depois de muitos anos percebi, não passam de bacharéis, aos quais se somam a perigosa Matemática e a esperta Estatística.

Temos, pois, a cada dia, medidas tomadas por equipes que, devido à irresponsabilidade do coletivo, vão compondo esse quadro em que o genocídio da sociedade brasileira e de grande parte do mundo periférico constitui um triste resultado.

Agora, com toda a sua ignorância, o Diretor do Banco Central, Sr. Gustavo Franco, continua a mostrar que é apenas economista. O que S. Sª. declara, em entrevista à Revista Veja desta semana, a respeito da abertura é realmente um atestado da mais profunda ignorância em matéria de história econômica. Para S. Sª., os males do Brasil advêm dos últimos 50 anos, quando o Brasil se fechou.

Pois bem, em 1808 o Brasil abriu seus portos para as nações amigas, reduzindo as alíquotas de importação. Portugal, que ainda dominava o Brasil com mais clareza do que veio a fazer depois da Independência, estabeleceu um imposto para suas próprias mercadorias, 1% acima do imposto que pagavam as mercadorias inglesas para entrar no Brasil.

Todo mundo sabe, desde o primário, que foi levada a efeito a abertura do Brasil naquela ocasião. Não sei se foi Brizola, se foi o PT, se foram os comunistas, que um dia fecharam este País, escancarado a qualquer dominação externa. Sempre foi e sempre esteve. Nos anos 50, quando o capital cêntrico penetrou no Brasil, criaram-se tantos estímulos, tantos incentivos, tantos benefícios ao capital estrangeiro que, como dizia eu naquela ocasião, esse capital já estava com a passagem comprada. Não somos nós que vamos atraí-lo, reduzindo salários, criando câmbio favorecedor ao capital estrangeiro, doando terrenos e criando isenções tributárias, como se repete hoje e sempre se repetiu em nossa História dominada.

De modo que, como sempre ocorreu no Brasil, o capital estrangeiro nos domina, nos explora, nos subjuga, como diz o Presidente Fernando Henrique Cardoso, e cria aqui o antiestado nacional dentro da Nação. O antiestado nacional ao qual pertencem os economistas que são apenas economistas, que não têm uma perspectiva histórica, que não têm leituras a respeito de outros ramos das ciências sociais.

Entre outros despautérios, afirma S. Sª. que o Japão e os tigres asiáticos sempre foram abertos aos capitais externos e a isso devem sua grande prosperidade. Completo equívoco. Pelas ameaças que os Estados Unidos fizeram sobre o Japão e a dominação inglesa, com as duas Guerras do Ópio que dissolveram a China, perceberam os japoneses que contra veneno de cobra só veneno de cobra.

Em 1865, o Comodoro Matthew Perry, num dia santificado no Japão, chegou com sua esquadra americana e, em nome da democracia, do liberalismo e do "Tio Sam", da amizade internacional e da proteção à democracia, despejou seus canhões sobre o Japão. Então, cinco senhores feudais, cinco daimios, se reuniram e fizeram - foram os senhores feudais que fizeram - a reforma agrária no Japão. Enquanto os nossos senhores de terra aqui têm verdadeiro pavor da reforma agrária, armam-se, criam jagunços numa época e criam as suas polícias particulares, como aconteceu no início dos anos 60 e agora se repete.

Enquanto isso, passa a ser chique falar em reforma agrária. Mas quando chega a hora do "pega prá capar" acontece como aconteceu no Brasil em 1963: a "Marcha do Terço", em que as mulheres, empunhando o terço, fizeram a marcha reacionária contra a reforma agrária e contra qualquer modificação em nossa estrutura.

No Japão foram os donos da terra que iniciaram a reforma agrária. E, hoje, naquele país, o módulo fundiário tem em média 8.000 m² apenas. E lá a última reforma agrária foi feita pelos Estados Unidos, em 1946. O Comando dos Aliados, norte-americanos principalmente, que dominou o Japão, fez a última reforma agrária japonesa, não para distribuir terra, porque já estava muito bem distribuída, mas para reduzir os 25% de trabalhadores assalariados que havia na agricultura. Para o modelo, a tradição e a cultura norte-americanos, 25% de assalariados na agricultura é demais, porque nos Estados Unidos ela é baseada, essencialmente, no trabalho familiar.

Pois bem, então sabemos muito bem que o Japão se fechou. A sua reforma bancária de 1874 fez com que algumas relações antigas pudessem ser quebradas. Entre outras coisas, os samurais, que recebiam a sua renda dos daimios, passaram a receber do Governo, do Estado, restaurado naquela ocasião. E, com a inflação que veio em seguida, as ações do Governo se desvalorizaram e os samurais tiveram que trabalhar, não puderam mais viver às custas do rendimento dessas ações do Governo.

Diz o Presidente da Radiobrás que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é um meiji, um iluminado, e que ele vai tornar disponível todo o aparato da Radiobrás para a reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso. "É a luz que vem dele - diz o Presidente da Radiobrás - que deve me guiar."

Lá, no Japão, foi o Imperador Meiji, o iluminado, que serviu de centro, de eixo para as reformas, quando quiseram constituir o capitalismo japonês.

Pois bem, para encurtar essa conversa, vamos passar diretamente para um fato muito interessante. Sabemos muito bem que o carro é um produto nascido na França. Mas ao imigrar para os Estados Unidos a produção de carro recebeu um impulso fantástico. E como o carro sempre teve e hoje tem dez mil peças, aproximadamente, e tinha muitas peças desde sua origem, ele era o objeto ideal para a linha de montagem.

Henry Ford não inventou a linha de montagem, ao contrário do que se pensa. Ford diz que foi ele o inventor da linha de montagem, ao observar na fazenda de sua tia - aquela que deu a ele US$3.000 para começar sua indústria - como eram desmanchados os porcos pendurados a um cabo. Os porcos eram destrinchados passando de um destrinchador para outro até que, ao fim, nada mais restava do animal. Ele, então, pensou no movimento oposto, nas partes do porco sendo remontadas até compor um porco, o produto final, daí, então, teria surgido a linha de montagem.

A história da técnica é muito mais sutil do que parece. Henry Ford pode ter pensado que inventou a linha de montagem, quando, na verdade, ela é um processo histórico secular de formação. No século passado, antes do Sr. Henry Ford visitar sua tia, alguns observadores e estudiosos já haviam conseguido descrever a linha de montagem.

Marx chamou a grande indústria de autômato gigante. Ele via a máquina total da grande indústria como um autômato. A palavra robô não existia, mas existia autômato, e essa foi a palavra que ele empregou. Robô é uma palavra checa que só começou a circular em 1920, robota, trabalho.

Marx viu o processo de transformação, de junção do artesanato à manufatura e a transformação da manufatura em uma grande indústria, em que a linha de transmissão era acionada e distribuía o movimento pelas diversas partes, pelas diversas seções, que eram artesanatos modificados, e tudo gravitando em torno do grande autômato.

E Ford, com seu centralismo, com seu despotismo, com seu autoritarismo característico de alguns capitães de indústria, principalmente norte-americanos, tinha como seus assessores principais, de acordo com Kenneth Galbraith, um ex-presidiário e um ex-pugilista. Ele centralizou o comando da sua indústria e dividiu o trabalho em partes cada vez mais limitadas, criando trabalhadores homogêneos, que só faziam poucos movimentos. Não era preciso mais treinamento e adestramento de grande parte dos trabalhadores. O comando partia de cima, e os gerentes e supervisores constituíam uma classe distinta, bem remunerada, muito diferenciada da classe dos "homens do macacão".

A máquina é cultural, histórica. Essa linha de montagem norte-americana objetiva o espírito de Henry Ford: o despotismo da sociedade norte-americana, a diferença entre a elite e o resto.

Logo depois da Segunda Guerra Mundial, o Sr. Tayoda - Tayoda significa arrozal grande e fértil - e o Sr. Taiichi Ohno visitaram por cinco vezes a indústria Ford nos Estados Unidos. A indústria Toyota constituiu o resultado dessas visitas, que emprestaram uma nova concepção à grande indústria. No momento em que a indústria Toyoda, logo em seguida Toyota, passava por uma crise muito grande, Taiichi Ohno imprimiu uma outra organização à linha de montagem.

A linha de montagem da Toyota tem profundas diferenças em relação à da Ford americana. Nela não há direção, comando, gerenciamento ou fiscalização, nem há inspetores; todos se autocomandam. Ao contrário da equipe capitalista, centralizada, lá há um trabalhador coletivo, com espírito completamente diferente daquele que animava os trabalhadores parciais, limitados, emburrecidos - como já dizia Adam Smith - pela máquina do Sr. Ford.

Pois bem, o que fez Taiichi Ohno? A primeira coisa foi aposentar o velho Toyoda.

A indústria encontrava-se em crise. Então, em 1946, o governo japonês, pressionado pelos norte-americanos, fortaleceu os direitos dos sindicatos, abrangendo inclusive a administração das empresas, impondo a seguir severas restrições ao poder dos donos das empresas de demitir trabalhadores, que passaram a ser vitalícios, ao contrário dos nossos funcionários públicos que perdem a vitaliciedade nesta falsa modernidade, que é a inversão das coisas, um absurdo total. Pegaram a expressão "enxugamento", que tem um significado totalmente diferente na cultura e no contexto japoneses, para virem aqui fazer essa devastação, esse genocídio.

Ao invés dos big shots, dos grandes chefes, Taiichi Ohno disse: "Quem agrega valor são os trabalhadores que estão lá na máquina. Eles é que agregam o valor". Portanto, eles passaram a participar da direção, da gestão e do lucro da Toyota. A partir daí, entre outras coisas, verificou-se que todos os trabalhadores-sócios, acionistas da Toyota, participando dos lucros e das ações, passaram a ter um outro interesse, não precisando mais de fiscais, de engenheiros de produção; eles tinham interesse em produzir mais e cada vez melhor.

Lá, no comando do Sr. Ford, só o gerente podia parar a linha de montagem. Então, se houvesse um defeito em uma parte do automóvel, esse não era detectado, porque nenhum trabalhador tinha outro interesse senão o de fazer a sua parte, ou seja, em colocar a sua pecinha, em apertar o seu parafuso. O resto não era com ele. Então, nesse caso, cerca de 25% da área da indústria estava dedicada a consertos dos carros que saíam com defeitos, os quais se repetiam em milhares de carros até serem detectados, quando eram detectados.

Agora mesmo, por exemplo, a diretoria de uma fábrica está anunciando que irá trocar os carros já vendidos, que saíram com defeito de seus pátios - e já são milhares os carros que estão por aí rodando com defeito.

A partir do sistema Ohno isso praticamente não ocorreu. Qualquer trabalhador podia parar a linha de montagem na hora em que percebesse um defeito. No princípio, a todo momento, parava-se a linha de montagem porque o trabalhador havia detectado um erro qualquer - não dele, mas um erro anterior. Todos os trabalhadores iam para lá com o objetivo de conhecer aquele defeito e encontrar a sua causa para corrigi-lo. Depois de um certo tempo, já não havia praticamente paralisação, os defeitos haviam sido corrigidos, e o sistema passou a funcionar muito melhor do que o sistema do Sr. Ford.

O Toyoda, que foi arquivado, declarou-se responsável pela crise da empresa e foi substituído por esse trabalhador coletivo. Essa nova fórmula mostra que a técnica não é neutra: a mesma linha de montagem, nos Estados Unidos, tem um significado, e, no Japão, passou a ter outro, graças à inteligência, à penetração do Taiichi Ohno.

Para resumirmos: quando a linha de montagem penetra no Brasil, ela mostra toda a sua prepotência, todo o seu caráter discricionário e autoritário num país que praticamente não tinha experiência industrial, nem sindicato e cujos trabalhadores não tiveram poder para se proteger contra a invasão desse capital mecânico, explorador e desalmado.

O que aconteceu no Japão - essa proteção, essas conquistas dos trabalhadores - era impossível no Brasil, na Argentina ou no México. Aqui, ao contrário de lá, os salários foram rebaixados, como propõe, ainda hoje, o Diretor do Banco Central, esta cabeça empenachada, ousada, atrevida, como soem ser os pouco ou mal alfabetizados.

A ignorância é empenachada, atrevida, e é por isso que Nietzsche dizia que, até no máximo 30 anos, inventamos e descobrimos coisas porque não temos aquela formação e o respeito que a cultura e o conhecimento nos dão, isto é, de que as coisas já existem ou que existem de forma diferente. A cultura é inibidora.

Dizia Nietzsche que os partidos políticos costumam atrelar na frente dos seus corcéis um burrico célebre. Apanham um burrico, fantasiam-no de gênio e entregam o país a esses despropósitos feitos por essa cabeça malformada e muito pouco informada.

O Japão sempre foi protecionista. Sempre. E continua sendo. O que permite a um país industrial desenvolver a sua tecnologia, receber inovações tecnológicas e a lutar por elas. Não é o baixo salário, não é o salário aviltado. Se se paga R$112,00 a um ser humano, por que vou comprar uma máquina caríssima, importar uma tecnologia nova para reduzir em R$112,00 a minha folha de pagamento? Ou se forem 50 trabalhadores, teremos 50 vezes R$112,00, uma ninharia qualquer, e eu vou ter que gastar milhões para comprar a nova tecnologia e tornar a minha máquina obsoleta antes do tempo, sucateando-se um setor industrial que passou a ser obsoleto, tendo em vista uma nova atividade tecnológica. Como, no Japão, o processo de afirmação dos sindicatos e suas reivindicações não foram obstados pela presença dos norte-americanos, houve um interesse muito grande nas inovações tecnológicas sucessivas em inventar máquinas mais eficientes para dispensar o trabalhador caro. O processo de inovação tecnológica desencadeia-se aumentando-se o salário, não o reduzindo.

Sr. Gustavo Franco, isso não ocorre nem aqui nem no Nordeste. Esse negócio de justificar o baixo salário nesta região como forma de atração de capital não é moderno. Está escrito na página 47 do livro Perspectivas do Desenvolvimento Econômico, de Celso Furtado, edição de 1957. Logo Celso Furtado, que acham que é socialista, comunista, propôs a redução dos salários, que ele chama de "monetários", dos trabalhadores nordestinos, para atrair capital para aquela região. Essa atitude não é moderna. Pior ainda, é tão antiga quanto errada e absurda, como o Japão e outros países inteligentes provaram em sua história.

No Brasil, os empresários deitaram no travesseiro e mamaram nas tetas do Governo durante muito tempo, de um lado, e, de outro, tiraram sangue dos trabalhadores, pagando muito pouco. Os capitalistas brasileiros não tinham por que trabalhar, não tinham por que inovar, não tinham por que arriscar, introduzindo novas técnicas. Então, é evidente que, dentro desse contexto, não houve por que fazer-se grandes inovações tecnológicas, e dormiu-se, durante muito tempo, na santa paz do nada.

O Sr. Gustavo Franco, queria, lutou por isso e torna a repetir hoje que R$0,30 valessem US$1; depois ele esperneou para que R$0,50 fossem equivalentes a US$1; quando foi obrigado a aceitar R$0,89 por cada dólar. Se não me falha a memória, ele disse que aquilo era perturbador do Plano. Ele queria R$0,30, para importarmos tudo a preço de banana e, disse na sua entrevista, que isso provoca a distribuição de renda. Ora, isso é o maior absurdo! Quem importa carro, televisão em cores, computador? Quem usa perfume francês e gravatas Hermès? Quem consome chocolates? São os trabalhadores que compram isso barato? Eles nunca passaram nem perto disso. São como esses economistas que nunca foram a uma indústria.

Em 1776, Adam Smith visitou uma indústria de alfinetes, e todos os economistas se referem à indústria de alfinetes que o economista Adam Smith visitou. Parece que foi o primeiro e último economista a entrar numa indústria. Eles ficam nos gabinetes com ar refrigerado, distantes do suor.

Temos essa abertura fantástica, e agora vem o Sr. Antonio Kandir para retirar também o imposto de importação sobre máquinas e equipamentos. Isso é a modernização; temos de importar barato máquinas e equipamentos. E o parque industrial brasileiro? Entre junho e julho, houve uma queda de 15% nesse setor de base, que produz máquinas no Brasil. Agora, com essa abertura, é óbvio que haverá um aprofundamento do sucateamento, porque também essas indústrias que produzem máquinas não poderão concorrer com as máquinas importadas.

Diante dessa invasão de mercadorias subsidiadas, os empresários brasileiros acordaram - quase todos acordaram para falir; acordaram assustados e faliram em seguida; entraram no vermelho, na inadimplência e na falência: 1.350 falências em um mês, só no ABC neste ano. Em um mês!

Diz ele que os trabalhadores dispensados num setor estão-se engajando noutro setor. Não é verdade que isso esteja acontecendo. Talvez seja uma verdade estatística. No Japão, que é um país sério, diz Jeremy Rifkin, no seu livro O Fim dos Empregos, que a diferença entre o desemprego real e o desemprego estatístico é de 300%. Por exemplo: se nas estatísticas do Japão se constata uma taxa de desemprego de 5%, na realidade o desemprego real é de 15%.

De modo que, nessa irrealidade estatística, nessas mentiras do IBGE, nesses truques, o que medimos não é a realidade, mas conceitos. Então, pode-se arranjar que esses conceitos sejam medidos como se quiser. Pode-se resolver, por exemplo, que a taxa de mortalidade corresponde apenas às crianças que, nascidas vivas, morrem no primeiro mês, ao invés de ser no primeiro ano. Nesse caso, é evidente que a taxa de mortalidade diminuiria bastante, mas as pessoas continuam a morrer como morriam antes.

Quando essa máquina, essa linha de montagem fordista, taylorista, fayolista entrou no Brasil, tivemos que reduzir o salário, acabar com os direitos sindicais em 1964, aumentar as nossas relações de exclusão, retirar recursos da saúde, da educação, das penitenciárias, do social, para a formação de um mercado que pudesse comprar esses carros e produtos caros transplantados para o Brasil.

No Japão, não houve esse massacre, porque os 20% mais pobres ganham apenas quatro vezes menos do que os 20% mais ricos. No Brasil, entretanto, os mais ricos são 38 vezes mais vez aquinhoados do que os 20% mais pobres.

O SR. PRESIDENTE (Osmar Dias) - Senador Lauro Campos, V. Exª ultrapassou em 23 minutos o seu tempo.

Estou ouvindo com atenção, mas quero ouvir uma parte do seu pronunciamento amanhã, uma vez que V. Exª está inscrito.

Peço a sua conclusão.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço muito a generosidade de V. Exª, Sr. Presidente. Estava na tranqüilidade desta segunda-feira, talvez me reencarnado na figura de professor que fui quando falava três horas seguidas na sala de aula.

Para a felicidade dos Srs. Senadores sou limitado a dez minutos do nosso horário e algumas vezes aos vinte minutos. Hoje V. Exª teve a gentileza de me conceder o tempo quase que de uma hora.

Para concluir: a máquina começa por ser antropomórfica. A máquina tem mão, tem memória, tem uma linha de transmissão, tem um motor como se fosse um coração. A máquina é antropomórfica, ou seja, tem a forma do homem. É por isso que pode expulsar os homens e substituí-los, pois tem a forma do homem em metal. Mas ela também é sociomórfica.

A sociedade japonesa produz uma máquina em uma linha de montagem diferente da sociedade americana. No Brasil também houve mudanças para pior. A máquina se tornou mais perversa do que era nos Estados Unidos, mais despótica, mais autoritária, com maior capacidade de exclusão dos trabalhadores.

A Ford dobrou os salários em 1914; no Brasil, o ano de pico do salário mínimo foi em 1959. A partir daí, queda permanente. E os trabalhadores, com seus salários reduzidos, foram excluídos do acesso ao produto nacional, a fim de que uma classe média se constituísse para comprar os produtos voltados para a elite: os carros e toda essa modernidade.

Mas são 50 milhões de carros produzidos no mundo hoje. Os Estados Unidos só têm petróleo para ser consumido nos próximos quatro anos, se não tomarem conta do Iraque, do Irã ou de outros países produtores de petróleo.

Cinqüenta milhões de carros por ano jamais irão satisfazer a humanidade, somos seis bilhões de seres humanos. Se o carro não envelhecesse, precisaríamos de 120 anos de produção. Mas, obviamente, os carros envelhecem e não há a menor possibilidade de que, por exemplo, a China venha a ter uma relação razoável carro/habitante.

Diz Paul Kennedy, em seu último livro sobre o Século XXI, que estudos feitos sobre as geladeiras na China demonstram que se cada casa chinesa tivesse uma geladeira, a camada de ozônio seria arrombada e tornaria a vida humana impossível.

De modo que para aqueles que não respeitam os limites da sociedade a esses produtos elitistas, nobres, produtos nobres para uma nobreza, numa sociedade realmente socialista, não se pode produzir produtos nobres, produtos elitistas, produtos individualistas, para uma sociedade que ultrapassa, que quer ultrapassar o egoísmo e o individualismo.

Portanto, quando para o contexto da antiga União Soviética foram transplantados esses produtos capitalistas, esse mercado capitalista, o socialismo acabou. É impossível uma sociedade ser homogênea ou tender para isto e os produtos serem equanimemente distribuídos, a renda nacional ser bem distribuída, e esta sociedade produzir os produtos elitistas, excludentes, incompatíveis com a organização e a vida, numa sociedade realmente socialista. De modo que mais uma vez se vê como a tecnologia é sociomórfica, assume a forma da sociedade e influi sobre essa forma, impedindo muitas vezes o seu avanço.

Acho que, infelizmente, a tecnologia bélica, a tecnologia espacial, a tecnologia voltada para a elite realmente são altamente lucrativas e por isso se desenvolvem muito. O capitalismo acendeu o fósforo do lucro nessa pólvora dessas mercadorias explosivas. Então, é óbvio que estamos aí nesta situação em que 830 milhões de seres humanos foram desempregados por esta tecnologia capitalista, e não há possibilidade de uma solução.

O péssimo capitalismo keynesiano reabsorvia mão-de-obra desempregada e sempre fez isso. E Keynes dizia que só a guerra resolve. Falou seis vezes isso: "Só a guerra resolve; só a guerra permite que o Governo faça os grandes gastos e abra as oportunidades de emprego que eram necessárias para reabsorver a mão-de-obra desempregada".

Hitler viu isso na Alemanha, e Roosevelt disse: "O que estou fazendo aqui é a mesma coisa que Hitler está fazendo na Alemanha". Hitler perdeu a guerra, mas não perdeu a paz. As estruturas, de acordo com Roosevelt, parecem muito uma com a outra: a despótica, a autoritária.

Pois bem, agora, a solução keynesiana, o Governo empregador faliu. Então, os capitalistas têm que retirar o lucro apenas dos trabalhadores, porque não há mais a teta do Governo, por isso tem que intensificar. E aí mudam os conceitos das palavras. Pegam essas palavras modernas, "enxugamento", que no Japão significa isso que acabei de falar, e vêm aqui usar a palavra "enxugamento" como demissão em massa de trabalhadores. downsizing reengenharia, o inventor da reengenharia já pediu desculpas pelo mal que ele sabe que produziu ao mundo.

De modo que eu gostaria que nossa consciência fosse capaz de entender o significado do significado das palavras e dos conceitos, a fim de que o Brasil não continuasse a comer gato por lebre e aplicar aqui sobre nós o conteúdo mais maléfico, os aspectos mais negativos das modernas e limitadas soluções.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/1996 - Página 16352