Discurso durante a 154ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRISE PROFUNDA QUE ASSOLA AS COOPERATIVAS AGRICOLAS DO PAIS, EM ESPECIAL DO PARANA. ABANDONO DA AGRICULTURA PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Osmar Dias (S/PARTIDO - Sem Partido/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • CRISE PROFUNDA QUE ASSOLA AS COOPERATIVAS AGRICOLAS DO PAIS, EM ESPECIAL DO PARANA. ABANDONO DA AGRICULTURA PELO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/1996 - Página 16358
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • CRISE, AGRICULTURA, DIVIDA, INSOLVENCIA, COOPERATIVA AGRICOLA, PREJUIZO, PEQUENA PROPRIEDADE, AUMENTO, DESEMPREGO, TRABALHADOR RURAL, ESTADO DO PARANA (PR).
  • INCENTIVO, GOVERNO FEDERAL, IMPORTAÇÃO, COMPROMETIMENTO, SETOR PRIMARIO, PAIS, REDUÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA.
  • NECESSIDADE, APOIO, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, ATIVIDADE AGRICOLA, ATIVIDADE, AGROINDUSTRIA, SIMILARIDADE, INCENTIVO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA.

O SR. OSMAR DIAS ( -PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srªs Senadores, o Senador Lauro Campos dialogou com o Diretor do Banco Central, Gustavo Franco. Serei um pouco mais ousado e dialogarei com o Presidente da República.

Como não tenho tido a oportunidade, ultimamente, de conversar pessoalmente com o Presidente da República, talvez pelo fato de eu não estar filiado a nenhum Partido, embora isso não justifique porque represento um Estado importante do País, o Paraná, e tendo em vista que os direitos de todos os Senadores devem ser respeitados como direitos iguais nesta Casa - não há aqui ninguém que seja mais Senador do que outro -, gostaria de falar com o Presidente da República desta tribuna.

Interrompi, Sr. Presidente, a campanha eleitoral, da qual todos os Senadores estão participando, por um dever de consciência. Nos contatos e nas reuniões de que participei no interior do Paraná e no Mato Grosso do Sul, onde estive nesse final de semana, fiquei perplexo com a situação dos trabalhadores, empresários e agricultores.

Não entendi por que cooperativas que outrora foram sustentáculos do desenvolvimento econômico e social do Estado, gerando renda, gerando empregos para milhares de trabalhadores e suportando o crescimento da agricultura do Estado do Paraná e de tantos Estados brasileiros, hoje se encontram em crise profunda de endividamento, de insolvência em alguns casos, de desalento, de desesperança. Encontrei agricultores tão desanimados, embora os preços de alguns produtos estejam acima da média dos últimos dez anos, e por que as coisas estão tão difíceis para aqueles trabalhadores volantes, os chamados bóias-frias, que no Paraná servem aos proprietários de grandes fazendas, de grandes usinas de açúcar, não estão encontrando agora emprego e, portanto, não estão tendo um meio de sobrevivência.

Lemos nos jornais e assistimos pela televisão ao Governo dizendo que a situação do País melhorou e melhorou muito, e o Ministro Malan, numa referência aos agricultores brasileiros, se não me engano na Gazeta Mercantil de uma semana atrás, afirmou: "O que mais os agricultores brasileiros querem? Já fizemos tudo por eles. Já securitizamos suas dívidas e já lhes demos crédito para plantar. O que mais eles querem? Inclusive, já desoneramos as exportações".

Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, sei que a preocupação de Vossa Excelência está voltada para o quadro eleitoral, para os seus companheiros que estão em campanha, em especial no Estado de São Paulo. Mas, Sr. Presidente, Vossa Excelência poderia se preocupar um pouco menos com a emenda da reeleição, com a disputa de seus companheiros e olhar para o quadro que está se formando e que pode se transformar numa situação irreversível, caso o Governo não tenha uma visão sistêmica sobre o setor produtivo.

Não adianta falarmos que as ações sociais ocorrem com o fim da inflação e com a estabilidade da moeda. É certo que o maior imposto que se coloca sobre as cabeças dos trabalhadores e empresários é a inflação, mas de que isso adianta se o trabalhador não tiver emprego, e se o agricultor não tiver dinheiro e crédito para plantar? Sr. Presidente, isso de nada adianta.

Lembrei-me de alguns pronunciamentos que fiz nesta Casa e de alguns relatórios importantes de órgãos que estudam as tendências de mercado, a geração de empregos e a evolução de países no setor primário, no setor da indústria e no setor de serviços e de geração de empregos. Eles também estão preocupados com o Brasil, diferentemente dos Ministros que estão saindo de Brasília só agora, durante a campanha eleitoral, e, por isso mesmo, não têm tido tempo de verificar o que está acontecendo com a pequena e a média empresa, com a pequena e a média propriedade, com as cooperativas e com o setor produtivo nacional que, revoltado, assiste à injeção de somas e mais somas de recursos no sistema financeiro, sob o pretexto de que, se os bancos quebrarem, teremos o caos no Plano de Estabilização da moeda.

Não vou discutir se fazem mais mal à estabilização da moeda os R$13 bilhões que já foram injetados ou os R$22 billhões que, com certeza, serão colocados para salvar bancos. Não vou discutir se eles fazem mais mal à estabilidade da moeda do que se esses bancos quebrarem. Tenho minha convicção e respeito a do Senhor Presidente da República e a dos seus Ministros.

Entretanto, é impossível não chegarmos a uma só conclusão: de que os bancos estão quebrando, porque, antes de quebrarem, quebraram-se os seus depositantes. Não ocorreu de um banco quebrar, e os seus depositantes continuarem com o seu patrimônio intacto. Não. Primeiro quebraram os seus depositantes, depois, os bancos. Isso é claro.

Pois se há essa disposição, essa verdadeira vocação para se salvarem os banqueiros ou os bancos, por que não se desloca essa mesma vocação, essa mesma determinação, essa mesma garra e essa mesma pressa para se criar, neste País, um programa de apoio ao emprego, por intermédio do apoio à agricultura e à agroindústria, que são nossas vocações? Não podemos ficar apenas sonhando com atrair indústrias de automóveis para nosso País.

Senador Lauro Campos, V. Exª demonstrou aqui, em seu pronunciamento, e em suas aulas certamente, que entende muito mais do que eu sobre essa inversão de valores que está ocorrendo. Lá no Paraná, fizeram festa, tomaram champanhe francesa e soltaram rojão porque a Renault anunciou a instalação de uma fábrica em São José dos Pinhais, perto de Curitiba, tendo o Governo, no momento em que prega a privatização dos serviços públicos e das empresas estatais, colocado US$500 milhões para atrair essa empresa, tirando o dinheiro, com certeza, dos setores produtivos do Paraná, para gerar - lá, talvez sim, porque a automatização estará presente - cerca de dois mil empregos. No Paraná, isso virou motivo para propaganda na televisão durante meses e mais meses; aplicaram dinheiro público para fazer essa propaganda, inclusive, no mesmo instante, em que a indústria de tratores que atraímos no tempo em que era Secretário da Indústria do Paraná, que tinha três mil empregos na Ford-New Holland, demitia, nos últimos dois anos, em plena vigência do Plano Real, dois mil trabalhadores. Não vi o Governo tomar nenhuma iniciativa, adotar nenhuma atitude para impedir que aqueles trabalhadores deixassem a indústria de tratores. Se eles estavam sendo demitidos, é porque a indústria não estava vendendo; e, se a indústria não estava vendendo, é porque os agricultores não tinham dinheiro para comprar; e, se os agricultores não têm dinheiro para comprar, Sr. Presidente, aí a história fica triste.

Pequenos municípios inteiros pelos quais passei durante esses dias - e não viajo de avião nem de helicóptero; não porque não goste, mas porque não posso -, viajando de carro, vi lojas do comércio fechadas à tarde, trabalhadores sentados na calçada, na rua, aguardando não sei o quê. Trata-se, Sr. Presidente, de trabalhadores e mais trabalhadores desempregados. Aqueles que, antes, tinham o seu emprego garantido na agricultura, agora, pelo desalento da agricultura, estavam ali sentados, aguardando uma oportunidade que não sei se virá. Vi, como já disse, lojas fechadas, e seus proprietários sem dinheiro para repor estoques.

Então, os valores não estão sendo invertidos? Não está a população, de certa forma, sendo burlada nas suas expectativas?

Há uma intensa mídia, produzida por determinados Governos estaduais - e o meu é exemplo disso, sendo campeão em publicidade, pois nunca se gastou tanto nessa área como atualmente, no Estado do Paraná -, para informar uma transformação que não se vê. A única transformação que pode ser vista no Estado do Paraná é a do desemprego, do desalento e dos valores invertidos.

Quando se prega que a fábrica de automóveis gerará 2 mil empregos, praticamente a 15 quilômetros de distância dali, encontramos uma empresa de tratores - vocação do Estado do Paraná - que está arriscada a fechar as suas portas por falta de mercado.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, na média histórica, o Brasil comercializa de 30 a 40 mil tratores agrícolas e 4 mil colheitadeiras todos os anos. No entanto, até este mês de setembro, foram vendidos para o setor da agricultura 6 mil e 500 tratores e 450 colheitadeiras. Isso significa que uma indústria que emprega 40 mil trabalhadores no País está ociosa, porque um setor está descapitalizado e impossibilitado de comprar. Não são somente os 40 mil empregos dessas indústrias, porque, além deles, há a revenda de peças, enfim, há a diversificação de atividades a partir da fabricação dos tratores da agricultura.

Se entendermos que a agricultura é a fonte não apenas de renda, mas de empregos neste País, porque, no chamado agrobusiness, temos 60% dos empregos ativos em nosso País e 60% do orçamento que compõe o próprio Orçamento da União, verificaremos que o enfoque dado para o desenvolvimento e a modernização deste País, pelo menos sob o meu ponto de vista, está equivocado.

O Brasil não se está integrando, de forma competitiva, no mercado internacional; ao contrário, abre, escancara as suas fronteiras para importações sem critérios, estabelecendo a morte e a condenação de setores fundamentais para a economia brasileira.

Amanhã, Sr. Presidente, haverá uma reunião no Ministério da Indústria e Comércio. Sei que o Ministro da Indústria e Comércio tem-se preocupado bastante com os automóveis, as peças, o setor automotivo, os brinquedos. Mas, Sr. Presidente, o alimento, o setor primário, aquilo que gera emprego não é objeto de preocupação do Sr. Ministro da Indústria e Comércio?

Volto a falar ao Senhor Presidente da República: o Paraná plantava, quando eu era Secretário, 500 mil hectares de algodão, e não há outra cultura, neste País, que gere, anualmente, mais empregos que o algodão. Este ano, o Parará plantará 120 mil hectares, porque ficou bonito falar em importação.

O sinônimo da modernização virou, sim, Senador Lauro Campos, abertura sem critérios. Modernizar significa abrir, escancarar, arregaçar, para que o algodão entre aqui sem alíquota de proteção, desmantelando-se um setor que levou décadas para se estruturar.

Dessa forma, encontra-se a explicação para a crise sem precedentes das cooperativas: ao invés de se apoiar a produção, apóia-se a importação. Não importa que os empregos sejam gerados nos países de origem, já que o produto é mais barato. É mais barato para quem? É mais barato para uma indústria que importa o algodão para transformá-lo em tecido e que vai colocar esse tecido ao mesmo preço se estivesse consumindo o algodão, a matéria-prima nacional, para os consumidores. Ora, numa calça jeans ou na camisa de algodão do Senador João França, há apenas 4,8% de matéria-prima no custo. O resto são custos industriais, impostos, transporte, intermediação, tudo o que se imagina.

Dizer que vamos importar algodão para beneficiar consumidores, quando o custo da matéria-prima não chega a 5%, para mim, é conversa mole.

O algodão é uma questão que se debate neste País há seis anos, desde os tempos infelizes do Presidente Collor, quando S. Exª também pensava nessa abertura sem critérios. Foi um atropelo a importação do algodão e, hoje, a produção nacional caiu tanto que, ao invés dos grandes exportadores de seis anos atrás, somos grandes importadores.

Observem o que está acontecendo com o trigo. O Governo entrou com um discurso de que o trigo que está entrando no Brasil custa US$300/tonelada; portanto, devemos plantar, dobrar a área e produzir porque, este ano, o trigo vai ter um preço bom. O Governo garante.

A culpa não é só do Governo, mas, pelo menos, é sua responsabilidade essa falta de controle dos lobbies dos moinhos de trigo. Além dessa responsabilidade, precisa o Governo olhar para os Ministérios onde funcionários do segundo escalão ganham viagens para o exterior, financiados por esse esquema que tem condenado a cultura do trigo em nosso País. E pensar que nós já produzimos para nossa auto-suficiência!

Em 1988, colhemos 6,5 milhões de toneladas para um consumo de 6,4 milhões. Hoje o consumo está em torno de 8 milhões e, mesmo com todo o discurso de que os preços seriam remuneradores, vamos produzir 2,8 milhões de toneladas, importando o restante. Sabem o que estão fazendo com o trigo nacional? Os moinhos não o compram e acabam por promover a derrubada de preços, que chegou a US$220 a tonelada. Hoje, este mesmo trigo está sendo comercializado a US$180, sem sequer ter compradores. Para quê? Para pressionar ainda mais os preços, para que os donos dos moinhos possam comprar mais barato, sem mesmo pensar a médio e longo prazos, acabando por destruir e desestruturar o setor de trigo que, na verdade, há décadas fora estruturado pelas pesquisas da EMPRAPA e institutos privados paranaenses, como os da OCEPAR e IAPAR, possuidores de grande estrutura para a venda de máquinas, adubos e agrotóxicos, que geram para a economia milhares e milhares de dólares indiretamente.

Essa posição, esse comportamento imediatista vai colocar-nos nas mãos dos grandes produtores mundiais, que, aí sim, vão cobrar os preços que quiserem, a partir do momento em que extinguirmos de vez a cultura de trigo, que é decadente em nosso País.

O Governo, aparentemente, está com tapa nos olhos ou uma venda nos olhos, porque o tapa ainda permitiria que ele visse alguma coisa; tapa é aquilo que se coloca no burro para que ele olhe apenas para a frente. Parece que o Governo está impedido de enxergar o que vai acontecendo à sua frente, porque não é possível não ver, neste momento, que vamos perder a soberania com o trigo e, com isso, pagar US$300 a tonelada. Evidentemente, não serão os donos dos moinhos que serão sacrificados; serão os consumidores do pão, do macarrão, da bolacha, enfim, dos derivados do trigo; eles vão pagar caro por essa inconseqüência que se vive neste momento.

O caso do trigo precisa ser visto pelo Governo. Os produtores têm um custo de R$12 por saca e estão vendendo a R$10; quem vai plantar trigo, no ano que vem, com todos os riscos da cultura? Desse jeito, ninguém.

Estamos assistindo ao mundo inteiro se mobilizar. Haverá, inclusive, uma conferência de cúpula em Roma em novembro próximo, da qual gostaria de participar, porque será tratado um assunto muito sério: a questão do abastecimento, da segurança alimentar. Talvez poucos saibam que hoje os estoques de alimentos são tão baixos em todo o mundo que, se ocorresse um grande conflito mundial, daria para abastecer o mundo por apenas 50 dias. Nunca foi tão baixo o estoque de alimentos!

O que isso enseja? Enseja que os países que têm potencial de produção inaproveitado façam um planejamento e aproveitem esse potencial. O Brasil, ao invés de caminhar para frente, está crescendo como um rabo de cavalo. A produção, que já foi de 80 milhões de toneladas, baixou para 70 milhões de toneladas.

O Ministro Arlindo Porto, que é um Senador companheiro nosso, grande amigo nosso, diz que vai promover um aumento da produção substancial. Como, Ministro Arlindo Porto? Como, Presidente Fernando Henrique Cardoso? Como essa produção vai crescer? Estamos vendo aqui na Gazeta Mercantil - está certo que é de uma semana atrás, mas é uma notícia - que "Tesouro e Banco do Brasil chegam a um acordo sobre crédito rural".

Não sei se é do conhecimento do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas estavam discutindo qual seria o spread que o Banco do Brasil receberia com o repasse do crédito rural. E o dinheiro parado, sem ser repassado aos agricultores, que estão preparando o solo para a safra de verão. Sem recursos eles não podem comprar o insumo e sem a confiança no Banco do Brasil não podem empenhar compromissos nas cooperativas, que já não podem atender o produtor, porque também estão sem condições financeiras. Então, o caos se prenuncia.

Quando se anunciou R$5,2 bilhões, eu fui um dos que disse: "Vai aumentar. Está bom, é um passo adiante." Foi um passo atrás, Sr. Presidente, porque não há R$5,2 bilhões; há 3 bilhões, o resto é dinheiro externo, em dólar. E produtor pode ser humilde, mas não é burro. Produtor não vai se aventurar com aquele seu interlocutor conduzindo a política de câmbio a tomar dinheiro em dólar. Ele quer o dinheiro nacional. Se nós acreditamos na nossa moeda, é com ela que temos que financiar a agricultura, e não com a moeda americana. E para isso os produtores contam com mais dinheiro para o crédito; mas também não adianta ter 3, 5, 10 bilhões se o dinheiro não está sendo liberado.

Conversei sábado com o Senador Lúdio Coelho, que se senta ali. Ele me disse: "Senador, sou cliente do Banco do Brasil desde quando eu era rapazinho; e faz tempo, quase 50 anos" - mais de 50 anos deve fazer. E ele me dizia: "Fui ao Banco do Brasil já quatro vezes e o gerente me disse que infelizmente não pode atender-me. E eu já apliquei calcário no solo para corrigi-lo".

No entanto, como é que o Ministro da Fazenda vai saber que o calcário tem que ser aplicado três meses antes? O calcário tem que reagir quimicamente para neutralizar a acidez do solo, para que, quando a semente for colocada na terra, esta já esteja em condições de acidez propícias para a semeadura.

Tem que semear antes. E para isso tem que haver o dinheiro para comprar o calcário. E, sem calcário, principalmente nas regiões novas do Centro-Oeste, não se planta. Por isso talvez se explique o fato de que estamos desde 1980 plantando a mesma área no Brasil. Vamos a 38 milhões de hectares, vamos a 42 milhões, voltamos a 38 milhões, e no ano passado semeamos 39 milhões de hectares, retroagindo na área, na produção e até na produtividade porque, sem o crédito, não dá para aplicar o calcário, e sem o calcário não dá para corrigir o solo, e o solo que não é corrigido vai produzir menos.

Então, Sr. Presidente, parece-me que os valores estão invertidos: comemora-se muito com coisas que atingem tão pouco a vida do cidadão brasileiro e não se pensa nos caminhos que poderiam resolver milhares de dramas familiares, principalmente o do trabalhador desempregado. Não deve existir um drama maior do que estar desempregado ou do que ver o filho desempregado. Assiste-se à comemoração, com rojões e champanhe, da possibilidade de se criarem dois mil empregos no Estado, pela instalação de uma fábrica, que talvez se instale, com o dinheiro que talvez o Governo do Estado tenha para pagar. Esse governo já vem empenhando, por sete anos, segundo notícias que tenho, os royalties que deveriam ser aplicados na preservação do meio ambiente e dos recursos naturais, no apoio à agricultura, que teve 360 mil hectares de áreas alagadas somente no Paraná.

Enfim, Sr. Presidente, deveria o Governo olhar para o caos existente. Por exemplo, importar-se-ão 13 milhões de toneladas, que vão custar quase US$5 bilhões ao País. Quanto emprego poderia ser criado se fosse apoiada a produção e não a importação? Quantas divisas esses empregados com trabalho assegurado poderiam gerar para os comerciantes dos pequenos municípios brasileiros, que fecham as suas portas e que colocam Prefeitos em fila em Brasília, para chorar que as finanças públicas estão quebradas? Antes das finanças públicas quebrarem, quebraram os cidadãos brasileiros; antes de quebrarem os bancos, quebraram os seus depositantes.

Por isso, Sr. Presidente, estou um pouco desanimado. Penso que o crédito que está emperrado, precisa ser colocado à disposição, porque ao produtor e ao consumidor não interessa essa briga interna do Banco do Brasil com o Tesouro; aos consumidores muito menos, pois são eles que vão "pagar o pato" depois. A visão é muito urbana.

Vou voltar a esta tribuna em outra ocasião, Sr. Presidente, para falar com V. Exª e com os demais Senadores a respeito de minha proposta sobre o modelo de desenvolvimento que devemos adotar para o meio rural. Pena que tenhamos hoje um plenário vazio, pois este seria o momento para iniciarmos a seguinte discussão: quando falamos em reforma agrária, queremos um programa social ou um programa de desenvolvimento? Quero um programa de desenvolvimento, não apenas social. Essa visão do Governo de promover um programa social com a reforma agrária está equivocada.

O Governo não pode ver na reforma agrária uma ação social e sim uma ação de desenvolvimento. Se é verdade que em alguns Estados são poucos os latifúndios improdutivos, é verdade também que em outros há latifúndios improdutivos que deveriam estar sendo aproveitados e que não o são, pois não se coloca dinheiro ali. Fazer reforma agrária com saliva, nenhum país do mundo fez, Sr. Presidente. Também não se vai fazer reforma agrária derramando sangue. Já ouvi alguém dizer que não existe reforma agrária sem o derramamento de sangue. Existe, sim. Conheço experiências que deram certo em muitos países do mundo. Se aqui não deu certo, é porque a visão urbana está atrapalhando.

Quero apresentar um modelo de desenvolvimento rural que compatibilize essa situação, esse dilema, essa discussão que se coloca. Temos que manter o homem no campo produzindo, mas temos, declaradamente inviáveis, de 5,2 milhões de pequenas propriedades, porque estão totalmente fora do crédito, da tecnologia, da assistência técnica, do mercado, 1,7 milhão pequenas propriedades.

Que bela reforma agrária poderíamos fazer iniciando pela viabilização das 5,2 milhões pequenas propriedades, das quais só 600 mil podem ser consideradas pequenas empresas rurais! Que bela reforma agrária faríamos, Sr. Presidente, se definíssemos, de uma vez por todas, que o dinheiro do Banco do Brasil não seria mais utilizado para grandes empreendimentos de pessoas que apenas usam o nome de agricultores para se beneficiarem de somas abusivas e que, depois, até mancham o nome do agricultor, deixando essas dívidas para o Tesouro pagar! E quem paga é toda a população!

Da lista dos maiores devedores do Banco do Brasil, Senhor Presidente Fernando Henrique, 24 perfazem R$4,5 bilhões. Se o Tesouro colocou R$8 bilhões dentro do Banco do Brasil, poderia ter colocado R$3,5 bilhões apenas, poderia ter socorrido o Banco. É que R$4,5 bilhões, de grandes devedores que não pagam, são dívidas garantidas com bens, com patrimônios, que também são intocáveis, porque se escondem atrás de seu próprio poder de financiarem campanhas eleitorais e se escondem atrás do poder de políticos que, dependentes desses financiamentos, Sr. Presidente, ficam com o chamado "rabo preso", impossibilitados depois de não defenderem as causas desses grandes devedores.

Nós temos carência de dinheiro na agricultura e temos carência de um plano de desenvolvimento. Apresentei proposta, Sr. Presidente - e V. Exª é economista -, no sentido de serem colocados imediatamente R$10 bilhões para irrigar a agricultura: R$8 bilhões para custeio de safra e R$2 bilhões para investimentos; para modernizar, mas modernizar sob a visão do agricultor, que quer um melhor equipamento, que quer uma melhor estrutura de produção; não modernizar com a visão sobre a qual V. Exª acabou de discursar aqui, em que se abrem as fronteiras e não se protege o produto nacional.

E, de vez em quando, cometem-se besteiras como a que foi cometida pelo Ministério da Agricultura, que baixou portaria proibindo o trânsito de animais vivos do Paraná para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sem nenhuma justificativa técnica, apenas comercial. Mas creio que o Secretário de Santa Catarina foi competente, conseguiu que o preço do suíno em Santa Catarina na mesma semana subisse R$0,20 o quilo. O preço do suíno no Paraná caiu R$0,10 o quilo. Pena que nós não temos um secretário competente no Paraná, senão poderíamos estabelecer pelo menos uma igualdade de condições. Mas o Brasil é uma República Federativa e eu acredito no bom senso do Ministro Arlindo Porto.

E quero dirigir-me mais uma vez ao Presidente. Que Sua Excelência observe melhor, pois o modelo de desenvolvimento que está sendo aplicado no campo pode destruir o que temos de mais precioso, de mais caro: o modelo da pequena propriedade. No dia em que isso acontecer, no dia em que o modelo da pequena propriedade em nosso País for destruído, no dia em que se destruir a organização dos produtores, como são as cooperativas que levaram décadas para se estruturarem; no dia em que terminarmos de matar culturas empregadoras de mão-de-obra, como o algodão, que é plantado em pequena propriedade intensamente - não é só o Sr. Olacyr que planta, não - como o café, que é cultura de pequena propriedade; no dia em que destruirmos essas culturas e as culturas dependentes das commodities agrícolas, que estão subindo não porque existe uma ação interna de governo, mas em função da dinâmica do mercado internacional, estaremos condenados não apenas a aumentar a nossa importação, mas a ver as filas de prefeitos choramingando a miséria dos seus municípios. Essa miséria tem uma causa e está na morte de um número enorme de pequenas propriedades que já estão sendo exterminadas no nosso País.

Ou se define um modelo de desenvolvimento rural para o Brasil, ou vamos chorar, vendo a fila de prefeitos sendo acompanhada como se fosse um enterro, com todos os pequenos produtores que deixaram o campo brigando pela reforma agrária. Aí vamos ficar naquela conversa mole: vamos assentar 60 mil. Assentam-se 30 mil e, no mesmo ano, "desassentam-se" 200 mil pequenos proprietários.

É preciso olhar com mais realismo para a situação em que se encontra o setor produtivo, tanto a agricultura como a agroindústria, Sr. Presidente.

Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/1996 - Página 16358