Discurso no Senado Federal

LAMENTANDO DECISÃO DO PLENARIO DO SENADO, ONTEM, CONTRARIA A CPI DO SISTEMA FINANCEIRO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.:
  • LAMENTANDO DECISÃO DO PLENARIO DO SENADO, ONTEM, CONTRARIA A CPI DO SISTEMA FINANCEIRO.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/1996 - Página 4798
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
Indexação
  • PROTESTO, DECISÃO, SENADO, NEGAÇÃO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
  • CRITICA, PLANO, REAL, IDEOLOGIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), AUMENTO, POBREZA, AMERICA LATINA.
  • CRITICA, FISCALIZAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).
  • CRITICA, COMBATE, INFLAÇÃO, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA.
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DIVIDA, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), BRASIL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

O SR. LAURO CAMPOS (PT.DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje não deveria ser sexta-feira, e sim uma quarta-feira de cinzas, porque vejo o Brasil recoberto pela cinza que foi produzida ontem em virtude da derrota infligida ao País, à democracia, à consciência que pretende penetrar na realidade.

Refiro-me à derrota da possibilidade de análise, de busca, de indagação, de trazer à tona a verdade. Por que não se pode trazê-la à tona? Porque a verdade não pôde transparecer neste País durante décadas porque os militares nos amordaçavam e depois porque os democratas tentam fazer o mesmo, usando instrumentos ditatoriais, passando por cima, com seu rolo compressor, das leis e da própria Constituição - Constituição revogada, Constituição que um dia foi cidadã e que hoje está ameaçada de prostituir-se.

O Plano Real foi como os miasmas, produzido na escuridão: "O que é bom mostramos, o que é ruim escondemos"; E como o conteúdo maléfico, perverso, cresce, tem que ser escondido. Maiores entulhos têm que passar para a escuridão.

O Ministro Ricupero, saudosa memória - e não estou brincando, porque S. Exª é, entre as que passaram por este Governo, uma pessoa cuja inteligência e cultura respeito -, sabia muito bem que era preciso esconder do povo brasileiro que o Plano Real é um filho bastardo do FMI, que era preciso esconder essa filiação espúria. Na Argentina, onde o irmão siamês do Plano Real já provoca rombos e perversidades maiores do que o seu irmão brasileiro, está escrito:

      "O Ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, anunciou ontem diversas medidas para reativar a economia e ratificou o plano econômico e o cumprimento das metas com o Fundo Monetário Internacional - FMI".

A ONU já revelou que os planos monetaristas aplicados pelo FMI na América Latina têm servido para empobrecer mais os pobres e enriquecer os ricos. Isso foi a ONU, à qual o FMI é subordinado, quem declarou.

Pois bem, era preciso esconder também que, tal como aconteceu na Argentina, os preços seriam deixados livres. E o Governo ajudou os preços a subirem até à estratosfera, enquanto os salários permaneceram congelados.

Isso aconteceu na Argentina e no Brasil igualmente.

Sabemos muito bem - e as pesquisas mostram - que a Coca-Cola, os sanduíches e os produtos universais dos Estados Unidos são mais baratos lá do que aqui.

Enquanto Buenos Aires é a terceira cidade mais cara do mundo, Brasília e Rio de Janeiro não ficam muito atrás. Tóquio é a capital mais cara do mundo. Mas lá a renda é de US$33 mil por ano, enquanto que no Brasil a renda é de US$2,720 mil. Lá também os 20% mais ricos ganham apenas quatro vezes mais do que os 20% mais pobres, enquanto essa diferença, no Brasil é de mais 33 vezes.

Portanto, manter uma situação como essa, manter uma situação em que 500 mil crianças têm que se prostituírem entre 10 e 15 anos; manter essa situação em que 42 milhões de habitantes, ou seja, 30% da nossa população está na pobreza ou na miséria; 32 milhões de analfabetos; enquanto 1.800 pessoas são assassinadas, principalmente por grupos de extermínio, em São Paulo, em apenas um mês.

A situação parece tranqüila para aqueles que estão agora querendo comprar para a Presidência da República, ou melhor, fazer um leasing de dois aviões - a Aeronáutica já está providenciando isso -, cujo custo seria de aproximadamente US$300 mil, os dois, para que Sua Excelência possa apreciar o mundo das nuvens.

Enquanto isso, nós não podemos, porque faz parte do plano macabro, faz parte do plano de obscurecimento, faz parte do plano que não pode ver a luz, que não pode desmascarar-se; faz parte deste plano manter a escuridão e evitar, portanto, a qualquer preço, a constituição da CPI.

Como evitar a constituição de uma CPI?

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Permita-me V. Exª um aparte, Senador Lauro Campos?

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não. É com muito prazer que concedo um aparte ao nobre Senador Antonio Carlos Valadares, autor da brilhante idéia de se constituir agora uma CPI.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Lauro Campos, o Senado Federal, ontem, através do Plenário, tanto da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, como do desta Casa, cometeu um ato de violência terrível contra a nossa Constituição. E o Supremo Tribunal Federal haverá de reparar esse erro que colocou nossa Constituição como letra morta no cenário jurídico nacional. Tudo que foi feito ontem teve como objetivo primordial, não afastar a suspeita, porque, ao contrário, ela aumentou, mas sepultar, de uma vez por todas, a tentativa, que considero louvável, de 29 bravos Senadores de levarem a fundo uma investigação sobre o sistema financeiro nacional que, como todos sabemos, sobrevive dentro de uma promiscuidade, alguns deles praticando atos tão podres que geraram escândalos nunca vistos em toda a História do Brasil, como foi, por exemplo, o rombo do Banco Nacional que, depois de promover fraudes e causar prejuízos de mais de R$5 bilhões, se fosse o Banco Nacional de qualquer país sério não só os seus diretores já teriam ido para a cadeia como teria sido lacrado, como aconteceu na Inglaterra no banco da Rainha. Então, nobre Senador Lauro Campos, depois que esse Banco deu um prejuízo de R$5 bilhões - e o Governo já sabia disso - injetou, na negociação desta instituição fantasma com o Unibanco, nada menos de R$5.800 bilhões dos depósitos compulsórios. O Governo afirma que o depósito compulsório não é um recurso da sociedade. Ora, se o compulsório é retirado dos depósitos que existem nos bancos, V. Exª, eu, quem tiver conta nos bancos tem dinheiro no compulsório, então, é o dinheiro da sociedade, é o nosso dinheiro que está sendo utilizado para tapar rombos até de bancos fantasmas. De modo que acho que a questão não vai ficar só aí, Senador Lauro Campos, com o rolo compressor que passou por cima de nós na tarde de ontem. Não vai ficar aí, pois tudo isso vai ser esclarecido junto a mais Alta Corte de Justiça deste País, o Supremo Tribunal Federal. Muito obrigado a V. Exª . E meus parabéns por mais este brilhante pronunciamento.

O SR. LAURO CAMPOS - Muito obrigado.

V. Exª me poupou de tocar nos assuntos que V. Exª acaba de levantar, e que, realmente, faziam parte da agenda que eu iria desenvolver agora.

Mas, continuando, o que começamos a abordar é que não gostam da luz, não gostam da fiscalização e, por isso, o Banco Central não tinha Diretor de Fiscalização - fato a que se referiu o Senador Eduardo Suplicy nesta manhã. Era o Sr. Mauch, diretor de outra área, que estava ocupando a Fiscalização. Portanto, não tinha e não tem a responsabilidade que teria um Diretor de Fiscalização. E o Sr. Mauch, o Sr. Alquimar Moura e o Presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, vieram aqui, prestaram depoimento e disseram que aquilo que estava sendo escondido amontoou 33 bancos - 33 bancos! - em situação de insolvência, ou de RAET, ou de intervenção. Trinta e três bancos dos 230 existentes no País!

A situação, portanto, impõe o obscurecimento. O brasileiro não pode ver a que ponto fomos conduzidos.

E essa farsa do combate à inflação, posso dizer que considero uma grande farsa, porque ensinei meus alunos, pelo menos nos últimos quinze anos, que é possível deter a taxa de inflação desde que a dívida pública aumente no seu lugar. Esse é um fenômeno que Hegel chamava de reflexo ou de re-reflexo.

O que ocorre é que o Governo, para conter a taxa de inflação, retira moeda através da venda de títulos da dívida pública. Esses títulos crescem, a dívida pública aumenta e a taxa de inflação fica contida.

Isso não é mágica de Mandrake, mas existem outras mágicas, e muitas, neste Governo!

Mas essa mágica a realidade vai, muito em breve, desmascara-lá, com ou sem Comissão de Inquérito. Porque a dívida pública aumentou este mês R$10 bilhões. Se a dívida pública continuar aumentando, como ocorreu neste mês, de R$10 bilhões foi para US$127 bilhões, quase empatando com a dívida externa de US$ 150 bilhões, estaremos numa situação realmente mais grave do que a dos Estados Unidos, com seus US$4.9 trilhões de dívida pública.

Em relação ao PIB, dentro de 10 meses alcançaremos uma situação muito mais grave do que aquela que preocupa, perturba e até faz fechar por 23 dias o aparelho de Estado dos Estados Unidos.

Existe uma outra conseqüência, como a que já está há muito tempo arrasando a Argentina, fazendo Cavallo cair do cavalo, fazendo com que Menem e Cavallo se desentendam e que é aquilo que inexoravelmente teria que acontecer com a abertura das importações e a louca taxa de câmbio, que permite que compremos, na bacia das almas, subsidiadamente, as mercadorias de luxo importadas pelo Brasil. A mesma coisa aconteceu na Argentina, e o resultado disso foi o desemprego, o desemprego que avança a tal ponto que agora o Sr. Cavallo, assustado, diz que vai recorrer à construção civil.

A modernidade que tanto prometia volta à construção civil, como forma de reabsorver a mão-de-obra desempregada. Volta a 1847 quando 50% dos trabalhadores de Paris estavam empregados na construção civil, porque a crise os havia mandado para a rua.

Por que, agora, não querem a CPI dos bancos? "Ah! Porque não é específico." Mas, meu Deus! Se fosse uma CPI sobre Deus também não poderia, porque Deus não é uno, são três: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. E uma pesquisa sobre o capital? Mas o capital é dinheiro, é mercadoria, máquinas e equipamentos. Não existe nenhum fenômeno social que seja único, pinçado, como se fosse um ser de laboratório. Qualquer coisa, qualquer fenômeno é ele e suas condições. Portanto esse é um argumento sibilino, um argumento completamente vazio, um recurso tirado da algibeira do jurisdicismo.

Não podemos investigar os bancos, não podemos saber a quantas anda esse sistema bancário brasileiro. Não podemos saber por que, tendo anunciado que havia um retorno de 124% na década perdida, para os bancos - 124% de retorno na década perdida - de repente, por obra e graça, talvez, do próprio Plano Real, que enxugou o bolso dos trabalhadores, que empobreceu a classe média, que deixou os juros nas alturas, então os bancos, a fortaleza "midásica", a fortaleza bancária, o que havia de mais sórdido no Brasil se desmanchou de uma hora para outra. E agora esse capitalismo covarde está enchendo e recheando os bancos. Anteontem, ontem, arquimilionários, e agora - espertamente, talvez - empobrecidos, para receber mais e mais recursos. Até o próprio Banco do Brasil está dizendo que repassou, subsidiou, que foi esvaziado, porque aqueles bancos que não podiam recorrer ao interbancário recorreram ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, levando tudo embora e ameaçando, tornando negativo, colocando no vermelho o próprio Banco do Brasil.

Portanto, é realmente incrível que o Sr. Sérgio Motta tenha ameaçado inclusive com a fujimorização, com o endurecimento. E o Senhor Fernando Henrique Cardoso disse que não gostaria de recorrer. Mas para que recorrer, se estamos todos de joelhos e prontos a nos sacrificar debaixo desse rolo compressor?!

Para terminar, Sr. Presidente, gostaria de lembrar que essas sombras, essa escuridão, essa necessária ausência de fiscalização por parte do Banco Central e essa impossibilidade de se abrir as luzes da CPI, o que permite que os miasmas cresçam, ainda continuam.

Sérgio Motta disse: "Vocês esperem! Começamos a abrir as gavetas. Há muitas gavetas para serem abertas".

A CPI era justamente a chave que daríamos para que o Governo e nós, a sociedade brasileira, abrissem as gavetas que estão obscuras escondendo uma série de problemas, uma série de roubos, uma série de desvios, uma série de falcatruas que se acumularam no País. Se demorar muito haverá mais cinza, se demorar muito será irrecuperável talvez a situação. Agora talvez fosse tempo ainda e a CPI viesse prestar um grande benefício ao Governo FHC. Mas como diz o Sr. Ministro Bresser Pereira: "A crise produz o caos e faz cegar todos nós".

O mais cego é aquele que está conduzindo uma multidão de cegos - o Senhor Fernando Henrique Cardoso".


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/1996 - Página 4798