Discurso no Senado Federal

COMENTANDO ENTREVISTA PUBLICADA PELA IMPRENSA EM QUE O MINISTRO SEPULVEDA PERTENCE, PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, REAFIRMA OS EQUIVOCOS DA ELITE BRASILEIRA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • COMENTANDO ENTREVISTA PUBLICADA PELA IMPRENSA EM QUE O MINISTRO SEPULVEDA PERTENCE, PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, REAFIRMA OS EQUIVOCOS DA ELITE BRASILEIRA.
Aparteantes
José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 25/09/1996 - Página 16369
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIVILEGIO, CAPITAL ESTRANGEIRO, ESPECIFICAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, PROJETO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), VANTAGENS, DIVIDA PUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • CRITICA, SONEGAÇÃO, FALTA, VISÃO, CLASSE, DIRIGENTE, EMPRESARIO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), EFEITO, EMPOBRECIMENTO, POPULAÇÃO.
  • ANALISE, ESTABILIDADE, CRISE, GOVERNO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, em entrevista amplamente divulgada pela imprensa, reafirma a burrice de nossas elites.

Nossas elites são burras! E o preclaro Ministro, consciente e conhecedor da sociedade em que nasceu e viveu, revela a nitidez, a clarividência de suas opiniões. Trata-se quase de uma sentença do Supremo Tribunal as palavras proferidas pelo eminente Ministro, até há pouco, Presidente do Supremo Tribunal Federal. Mas S. Exª não é original. Eugênio Gudin, por exemplo, tio de Mário Henrique Simonsen, que desde a década de 40, apesar de engenheiro, foi um influente economista no Brasil, combatia o excesso de estímulos, de incentivos, combatia a abertura escancarada de Juscelino Kubitschek para o capital estrangeiro; Eugênio Gudin, que esteve ligado à Light durante toda a sua vida e a outras empresas estrangeiras, criticava Juscelino Kubitschek. Ele escreveu um artigo na Revista Brasileira de Economia, em que mostra que o Brasil fornecia um dólar seu para cada dólar que entrava no País. Eugênio Gudin suportou e apoiou, com exceção desse aspecto do Governo Kubitschek, os governos subseqüentes.

Ao atingir a provecta idade de 92 anos, o Professor e Ministro Eugênio Gudin, a respeito do grupo que comandava a economia brasileira e o Poder no Brasil, afirmou: "Eles são burros e loucos" - referiu-se inclusive ao seu ilustre sobrinho Mário Henrique Simonsen. Portanto, não somos nós da Oposição que pretendemos adjetivar o Governo, adjetivar essa burocracia, essa "burrocracia" nacional, em resposta às acusações feitas por FHC e, há poucos dias, pelo Diretor Gustavo Franco do Banco Central, chamando ambos as esquerdas brasileiras de esquerdas burras.

Fernando Henrique Cardoso demonstrou que, dentro das suas prioridades éticas, a esquerda inteligente era aquela que havia mudado de cabeça, mudado de face, colocado a máscara do FMI, passado a defender interesses externos, a sucatear a economia brasileira, a desempregar trabalhadores, a demitir funcionários públicos, a retirar os direitos e as garantias constitucionais adquiridas pelo povo sofrido, a não gastar, senão 19%, com a infância, como demonstrou o Tribunal de Contas da União, a permitir que fosse cada vez mais marginalizada a terceira idade no Brasil. Diante disso, Sua Excelência, que galgou poder com essas formas e por esses métodos, escadas e caminhos, que trilhou o caminho da servidão ao capital e aos interesses do FMI, investe no Brasil R$1,4 bilhão, e pressurosamente telefona do Chile para o Presidente Clinton avisando que havia criado com aquele empréstimo, fornecido pelo Eximbank, 20 mil empregos nos Estados Unidos.

Governamos, no Brasil, os interesses externos e agora que os Estados Unidos precisam reduzir a sua dívida pública, que atingiu o píncaro de US$5 trilhões, passamos a importar, a comprar da Raytheon e de outras fornecedoras do Governo Norte-Americano, de outras empreiteiras daquele País, a fim de que essas empreiteiras retirem os gastos do Governo americano, reduzindo-os de US$300 bilhões para US$106,8 bilhões, o déficit orçamentário norte-americano, em três anos.

Reduziram o déficit, reduziram os gastos, e nós gastamos, importamos e temos déficit comercial para ajudar o Governo norte-americano a manter lucrativas essas empreiteiras, essas fornecedoras do Governo, tal como aconteceu com a Raytheon, a famosa Raytheon, cujas pegadas foram detectadas pelos arapongas situados no Palácio do Planalto, cujos interesses espúrios foram protegidos e aprovados por esta Casa.

Um bilhão e quatrocentos milhões de dólares fornecidos pelo Eximbank com endereço carimbado: esse dinheiro só serve para comprar da Raytheon. Então é obvio que a nossa concorrência para escolher a nossa fornecedora foi uma farsa, porque a Raytheon havia sido escolhida em um contrato de empréstimo feito pelo Eximbank. Foi um contrato carimbado, um contrato que só valeria e só forneceria crédito se fossem dirigidos à Empresa Raytheon, para comprar os equipamentos do Sivam.

Pois bem, esse Governo tão dinamizador da economia norte-americana não é tão burro assim, como pretendem o Ministro do Supremo Tribunal Federal e o Professor Eugênio Gudin. Mas Rubens Ricupero, enquanto Ministro responsável pela aplicação e pela implementação do Plano Real, disse o seguinte: "Não é, Monfort? Você sabe! Eles são todos bandidos! Eles são todos bandidos!" Palavras de Ricupero. Não são palavras de PT, não; são palavras de Rubens Ricupero - Embaixador, Ministro no final do Governo Itamar Franco e agora Embaixador em Roma. Um dos Ministros, talvez o mais lúcido que tenha passado por esses dois últimos governos, pelo menos. E Amato, quando Presidente da Febraban, disse: "Somos todos sonegadores! Nós todos somos sonegadores!"

Sonegadores confessos, pelo Presidente da Febraban; burros, declarados em quase sentença do Supremo Tribunal pelo Ministro Sepúlveda Pertence; burros e loucos, de acordo com Eugênio Gudin; e bandidos, de acordo com Rubens Ricupero.

Essa nossa elite escolhe bem as pessoas que coloca nos altos cargos, cargos que só servem aos interesses da elite dominante.

Gustavo Franco, ignorância empenachada, Gustavo Franco, com a arrogância que a inexperiência, que o narcisismo, que a falta de amadurecimento, própria da sua juventude, de conhecimento histórico, vem testar, na cobaia em que se transformou para ele a sociedade brasileira, esses planos que já estão mostrando o que são por aí afora - a Argentina que o diga; o México que fale; a Venezuela que nos informe.

Na Argentina, depois de seis anos de Plano Cavallo, depois de seis anos de imposto ao povo argentino esse modelo de desenvolvimento às avessas, de destruição e de sucateamento periféricos, agora, o Governo neoliberal do Sr. Menem acaba de demitir mais 30 mil funcionários públicos. O nosso Bresser Pereira não sabe a quantas andará o processo de demissão, de enxugamento - como eles dizem - da economia brasileira e da Administração Pública no Brasil. Alguns dizem que agora ele só quer demitir 40 mil. Talvez aqueles outros 40 mil a que ele se referiu seriam alvo das chamadas demissões voluntárias.

Pois bem, do alto do comando do Banco Central, Gustavo Franco - entre outras inverdades, algumas delas apontadas até mesmo por Delfim Netto - afirma que, no tocante ao Proer, que também é social, que faz parte do tudo pelo social, a preocupação do comando do Banco Central era apenas proteger os depositantes. E não protegem os pequenos e médios empresários brasileiros levados à falência através dessas taxas cambiais absurdas, desses juros elevadíssimos e do empobrecimento do povo, que não pôde mais constituir uma demanda adequada para os nossos empresários.

Com isto ele não se preocupa! Preocupa-se apenas, agora, com os depositantes. Mas é mentira! Obviamente mentira, porque ele não pode ter tido um ataque de humanidade, de humanismo. Eles, que comandam o economicídio brasileiro, o crime contra a coletividade, de repente, será que teriam tido uma crise de socialismo, de preocupação com o social? Absolutamente, não. O que houve?

Por exemplo, os depósitos do Banco Nacional eram de R$2,2 bilhões. O Banco Nacional levou, da primeira mãozada, R$4 bilhões e 900 milhões e, agora, chegou-se a R$7 bilhões e 800 milhões. E dizem que isso é barato, que poderia ficar muito mais caro se o efeito dominó tomasse conta e fizesse cair, uma por uma, as instituições bancárias, agiotárias, deste País.

Não é verdade. Primeiro, não vai se ficar apenas em US$13 bilhões, o que já seria um absurdo. E nesses US$13 bilhões não estão computados, por exemplo, aqueles recursos que terão de ir para o Banespa. Por que o Governador Mário Covas não aceitou os US$7 bilhões que esta Casa aprovou para que o Estado de São Paulo pagasse a sua dívida ao Banespa? S. Exª não aceitou porque, obviamente, espera receber do Proer não míseros US$7 bilhões, mas US$19 bilhões, que serão suficientes para sanar aquela situação. E, se isso acontecer - US$19 bilhões mais US$13 bilhões -, já serão US$32 bilhões. E o Banerj? E o Bamerindus? E outros que estão aí, às vésperas de necessitar dessa transfusão de recursos que a população exangue, sem sangue, fornece aos adiposos banqueiros brasileiros?

Assim, portanto, continuam à frente de nosso comando, nas alavancas principais que dominam e governam a economia brasileira, com um poder que nem os militares tinham. Geisel fez uma confissão, em entrevista concedida ao Jô Soares há muitos anos, talvez quase uma década, que a Revista Veja publica no seu último número. Ele sabia que era preciso retirar os militares da frente do desastre, porque, senão, o Exército iria se desmoralizar como Instituição. Geisel salvou o Exército Nacional ao trocar a administração militar por militares à paisana ou por civis ditos democráticos.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Lauro Campos?

O SR. LAURO CAMPOS - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. José Eduardo Dutra - Nobre Senador Lauro Campos, V. Exª, como sempre, faz um diagnóstico e uma análise ampla e precisa do momento que estamos vivendo. Quero fazer um aparte apenas em relação a um dos tópicos levantados por V. Exª, particularmente no que diz respeito às declarações geralmente recheadas de empáfia e arrogância do Dr. Gustavo Franco. Quero registrar que esse tipo de comportamento tem sido uma marca muito clara do Governo Fernando Henrique Cardoso. É a tentativa de desqualificação dos opositores, através das adjetivações. O próprio Presidente deu o sinal para o início desse comportamento quando classificou a esquerda como burra. Daí, sucederam-se as declarações do Governador do Ceará, Tasso Jereissati, classificando como retrógrados alguns setores da política e, depois, a classificação de pobres de espírito àqueles que eram contra o processo de privatização como está sendo feito. Agora, o Presidente volta a dizer que não existe oposição. E, de adjetivação em adjetivação, continua o Governo Fernando Henrique Cardoso. Talvez esse carma tenha sido impregnado no Governo quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso citou Caetano Veloso, não sei se no discurso de posse ou no de despedida do Senado. A meu ver, Caetano Veloso contribui para classificar, de maneira definitiva, o atual Governo, quando diz, em uma de suas músicas, "que Narciso acha feio o que não é espelho". Esse tem sido o comportamento do Governo Fernando Henrique Cardoso em relação a todos aqueles que não rezam pela sua cartilha. Muito obrigado.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço o aparte de V. Exª e concordo em gênero, número e grau com as suas colocações.

Ontem, por longo tempo, ocupei esta tribuna. Se o Senhor Fernando Henrique Cardoso queria sugestões, ontem dei-lhe essas sugestões.

Falei, durante 50 minutos, essencialmente sobre o enxugamento japonês feito por Taiichi Ohno, na Toyota, completamente diferente do que foi feito ao voltarem, de novo, para o Ocidente essas novas técnicas de administração, que deram no que deram, transformando-se nesse monstro que aí está.

Ontem, referi-me ao processo de democratização da administração, da gestão, de respeito aos trabalhadores, de aumento de salários, de participação no lucro das empresas, tudo isso formando a grande base de desenvolvimento real da economia japonesa.

Por que não fazemos isso? Por que nossos sindicatos também não adquirem aquela capacidade de reivindicação que os sindicatos no Japão obtiveram depois da Segunda Guerra Mundial, que permitiu esse novo modelo de administração e de cooperação, mesmo na linha de montagem?

Se não fossem donos da verdade, se soubessem um pouquinho mais de História Econômica e de História do Desenvolvimento Econômico Comparado, não precisaríamos estar agora dizendo aquilo que o pai do Cruzado I disse: "Agora aprendemos bastante; vamos errar menos".

Aprendemos bastante a partir de fevereiro de 1986, quando nos foi imposta a experiência que nos transformou em cobaias, sobre as quais cinco planos de estabilização e de combate à inflação, todos derrotados, todos frustrados, se fizeram suceder.

Continuam transformando os brasileiros em cobaias e aplicando essas medidas que são completamente incompatíveis com o capitalismo que, aparentemente, defendem. Duvido! Não existe possibilidade de se demonstrar que uma inflação zero, ou próxima de zero, ou um momento de deflação, não correspondeu à crise da economia capitalista, em todos os hemisférios, em todos os países, em qualquer momento da história, a partir de 1815, quando a crise na Inglaterra também foi acompanhada de deflação, de queda de preço.

Para concluir, Bresciane Turoni, que escreveu o mais importante livro sobre a inflação da Alemanha na década de 20. Disse: "Estabilização é crise", sendo inclusive esse o título de um dos capítulos do referido livro.

O Governo pega os sintomas da crise, que ele não consegue superar - o desemprego, as falências, os altos juros, a insolvência, o sucateamento industrial - e os transforma em programa, em ação de Governo. E tudo isso apenas para não confessar que a crise é superior ao Governo, que a crise impõe o desemprego, as falências, a queda da taxa de lucro, a quebra do sistema bancário, a completa falta de legitimação dos governos em crise.

Infelizmente, hoje não posso dispor do tempo que a Presidência me concedeu ontem, que extrapolou o previsto no Regimento, mas me permitiu desfrutar e me beneficiar desse descuido regimental. Hoje também já ultrapassei o meu tempo e agradeço à Mesa pela tolerância.

Deixo apenas este alerta: o que realmente faltou foi aidos e dike. Quando a Grécia se encontrava em uma situação de caos e crise, Zeus mandou Hermes, seu mensageiro, para salvá-la. E o que Hermes levou à Grécia em crise, em decadência? Levou aidos e dike - vergonha e respeito. Vergonha, quando se ofendia os interesses coletivos sem se avermelhar; e respeito para com o próximo, não pensando que todos nós somos burros e que não entendemos aquilo que estão lançando sobre nós, um verdadeiro e inédito "economicídio".

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/09/1996 - Página 16369