Discurso no Senado Federal

COMENTANDO REPORTAGEM DO JORNAL O GLOBO DE HOJE, EM QUE O MINISTRO DA JUSTIÇA, NELSON JOBIM, CRITICA O USO DE FOTOS DE CHE GUEVARA E KARL MARX EM CURSO MINISTRADO PELO LIDER DOS SEM-TERRA, JOÃO PEDRO STEDILE. DIVULGAÇÃO, PELO INCRA, DO ATLAS FUNDIARIO BRASILEIRO, QUE MOSTRA A EVOLUÇÃO DAS TERRAS PRODUTIVAS. DEFESA DE DIALOGO GOVERNAMENTAL COM O MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. REGISTRO DO TERMO DE DECLARAÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARANA SOBRE ATUAÇÃO DA POLICIA SECRETA DA PM, A 'P2', INFILTRADA NO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. RELATO DA PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO VI CONGRESSO DA REDE EUROPEIA DE RENDA BASICA, EM QUE DISCORREU SOBRE O PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA, REALIZADO NA CIDADE DE VIENA, NA AUSTRIA, NO PERIODO DE 12 A 14 DO CORRENTE.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • COMENTANDO REPORTAGEM DO JORNAL O GLOBO DE HOJE, EM QUE O MINISTRO DA JUSTIÇA, NELSON JOBIM, CRITICA O USO DE FOTOS DE CHE GUEVARA E KARL MARX EM CURSO MINISTRADO PELO LIDER DOS SEM-TERRA, JOÃO PEDRO STEDILE. DIVULGAÇÃO, PELO INCRA, DO ATLAS FUNDIARIO BRASILEIRO, QUE MOSTRA A EVOLUÇÃO DAS TERRAS PRODUTIVAS. DEFESA DE DIALOGO GOVERNAMENTAL COM O MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. REGISTRO DO TERMO DE DECLARAÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARANA SOBRE ATUAÇÃO DA POLICIA SECRETA DA PM, A 'P2', INFILTRADA NO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. RELATO DA PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO VI CONGRESSO DA REDE EUROPEIA DE RENDA BASICA, EM QUE DISCORREU SOBRE O PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA, REALIZADO NA CIDADE DE VIENA, NA AUSTRIA, NO PERIODO DE 12 A 14 DO CORRENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/1996 - Página 16399
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • CRITICA, NELSON JOBIM, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), MOTIVO, DECLARAÇÃO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DISCRIMINAÇÃO, JOÃO PEDRO STEDILE, LIDER, SEM-TERRA, UTILIZAÇÃO, FOTOGRAFIA, KARL MARX, SOCIOLOGO, ECONOMISTA, ERNESTO CHE GUEVARA, MEDICO, HISTORIA, ATUAÇÃO, COMUNISMO.
  • ANALISE, RELATORIO, DOCUMENTO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), COMPROVAÇÃO, IMPRODUTIVIDADE, MAIORIA, TERRAS, PAIS.
  • SOLIDARIEDADE, MONICA TEIXEIRA, JORNALISTA, MOTIVO, AGRESSÃO, VIOLENCIA, PROPRIETARIO, LATIFUNDIO.
  • SOLICITAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRESENÇA, LOCAL, EXISTENCIA, NECESSIDADE, ENTENDIMENTO, AUTORIDADE, SEM-TERRA.
  • REGISTRO, INTEGRALIDADE, DECLARAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, ESTADO DO PARANA (PR), REFERENCIA, ATUAÇÃO, SERVIÇO SECRETO, POLICIA MILITAR, LOCAL, CONCENTRAÇÃO, SEM-TERRA.
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CONGRESSO INTERNACIONAL, RENDA MINIMA, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AUSTRIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, antes de trazer ao conhecimento desta Casa notícias sobre a palestra que realizei no VI Congresso Internacional da Rede Européia de Renda Básica e de relatar um pouco do que ocorreu no encontro realizado de 12 a 14 de setembro em Viena, na Áustria, manifesto a minha preocupação com respeito ao diálogo - ou à sua ausência - que se deve promover sobre a questão da reforma agrária, o Movimento dos Sem-Terra e a UDR.

Não ajuda, Sr. Presidente, o Ministro Nelson Jobim quando afirma que o Movimento dos Sem-Terra só quer sublevar o campo. Ontem, segundo a imprensa, "o Ministro da Justiça disse que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, ao usar as fotos de Che Guevara e de Karl Marx em curso ministrado por João Pedro Stédile, está dando uma demonstração nítida de que o seu compromisso não é com a solução do problema agrário, e sim com a sublevação do Estado de Direito e com a agitação no campo. Para Jobim, o Governo não deve mais dialogar com o Movimento dos Sem-Terra, que está desrespeitando as regras do jogo democrático".

Ora, Sr. Presidente, então o Ministro Nelson Jobim nega-se a dialogar com possuidores de retratos ou livros de Karl Marx e Che Guevara? Como dizer isso ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, em outros tempos, inclusive organizou um seminário para a leitura das obras de Karl Marx? Não é possível que o Ministro da Justiça se assuste com o Movimento dos Sem-Terra só porque possuem um retrato de Karl Marx ou Che Guevara. É ainda mais inconcebível que, diante de foto tirada pelo jornal O Globo e estampada nos principais jornais de todo o País, o Ministro diga que não há mais como negociar com aqueles que transgridem a lei. Segundo a matéria do jornal, disse o Ministro: "O Governo não senta com aqueles que usam a coação para efeito de conversar. O que é viável e legítimo num processo democrático é a pressão política, a mobilização, a passeata que já fizemos no passado. Mas quem invade prédios públicos, seqüestra pessoas" - o que nunca ocorreu -, "pratica atos ilícitos não merece ter aberto um canal de negociação, porque lhe falta ingrediente mínimo para a conversa, que é o respeito às regras do jogo democrático".

Sr. Presidente, desde ontem estou solicitando audiência do Ministro Nelson Jobim para o fórum de entidades preocupadas com a realização da reforma agrária, composto pela Central Única dos Trabalhadores, CNBB, Fenaj, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Partidos políticos, enfim, representantes de diversos segmentos que gostariam de falar ao Ministro da Justiça sobre suas preocupações em relação ao fato de os fazendeiros ligados à União Democrática Ruralista estarem armados. Preocupa também os integrantes do Movimento dos Sem-Terra o serviço das Polícias Militares de diversos Estados da Federação. No Paraná, um funcionário desse serviço reservado abriu o jogo inteiramente e mostrou que estava ali por determinação da Polícia Militar do Governo do Estado, ou do Serviço Reservado do Governo do Estado do Paraná, para obter informações sobre tudo o que fazia o Movimento dos Sem-Terra, muitas vezes com ações que não são propriamente aquelas previstas na Constituição.

Registro, Sr. Presidente, que estou tentando dialogar com o Ministro da Justiça e com o Chefe de Gabinete, Dr. José Gregório, para demovê-los desse tipo de atitude. Ainda ontem, conversei com o Dr. Jonas Vilas Boas, que é o novo Superintendente do INCRA em São Paulo, que me garantiu que está indo, amanhã, para o Pontal do Paranapanema, onde vai dialogar com os proprietários de terra, com os fazendeiros, com aqueles que estão há muitos anos em terras que são consideradas, pelo outro lado, áreas devolutas do Estado, e também com o Movimento dos Sem-Terra sobre como realizar a reforma agrária no País, pedindo para não se dialogar com ele.

Se o Ministro Nelson Jobim ficou assustado com o retrato de Che Guevara e de Karl Marx, eu gostaria de informar ao Ministro que conversei com o João Pedro Stédile, um dos coordenadores do Movimento dos Sem-Terra, e com diversos companheiros na Fazenda São Bento, uma das áreas que constitui assentamento do Movimento, e, na avaliação de João Pedro Stédile, normalmente há fotos de Karl Marx e de Che Guevara, unicamente como uma forma de relembrar aquelas pessoas, aqueles economistas, pensadores, que muito pensaram na história dos trabalhadores no mundo, com o objetivo de conseguir a libertação dos oprimidos.

O que espero é o que o Ministro Nelson Jobim não venha a censurar qualquer brasileiro por estar lidando com uma foto de Karl Marx ou de Che Guevara. Senão, ele teria que pedir licença e não ficar perto do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, conforme é sabido por sua biografia, por muitos anos organizou um seminário de amigos e filósofos, como José Arthur Giannotti e todos aqueles que compuseram o Cebrap, exatamente para estudar em profundidade a contribuição de Karl Marx para a história da humanidade. Portanto, espero que o Ministro reveja esse ponto de vista, ainda mais em função daquilo que constitui a propriedade da terra.

Ainda no último dia 11, foi o próprio Ministro Raul Jungmann que divulgou o Atlas Fundiário Brasileiro, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que mostra que as terras improdutivas do País correspondem a 62,4% das propriedades rurais. O Atlas mostra também que 2,3% das fazendas têm mais de 50% das terras em todo o País. Os dados consolidados pelo INCRA, a partir das informações registradas no Cadastro do Órgão em março de 1993, traz mapas e gráficos sobre a situação dos 3,1 milhões de propriedades rurais.

O Atlas do INCRA usa também do índice de Gini, uma metodologia para medir a concentração da renda, para mostrar que desde 1940 não houve grandes alterações na estrutura fundiária do País. O índice de Gini, que varia de zero a um, nunca esteve abaixo de 0,8. E agora não está abaixo de 0,8. Então, aquilo que já dizia Francisco Graziano, que a reforma agrária é a obra inacabada mais importante do País, continua extremamente válida.

Ora, Sr. Presidente, avalio que se trata de uma atitude que não pode ser aceita, a do Ministro Nelson Jobim, de ter ficado assustado com as fotos de Karl Marx e de Che Guevara. É preciso que o Governo tenha uma atitude de diálogo aberto e franco com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, inclusive procurando agilizar as suas ações de assentamento, prevenindo essas ações de ocupação de edifícios públicos. É claro que o INCRA, ou as repartições públicas, ou o Banco do Brasil terá dificuldade em estar trabalhando se houver ocupações. Não creio que seria a forma mais adequada de assegurar, mas é preciso que haja também a compreensão, por que razão trabalhadores sem-terra neste País resolveram fazer acampamentos à beira das estradas e junto às áreas improdutivas deste País, senão para demonstrar a necessidade da realização da reforma agrária.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, registro ainda que, domingo, quando visitei o Presidente Fernando Henrique Cardoso, contei-lhe sobre o que havia visto no Pontal do Paranapanema. Disse a Sua Excelência que havia ficado preocupado com a forma pela qual fazendeiros haviam armado diversas pessoas que estavam ali na Fazenda Santa Rita.

Trago e mostro fotos das pessoas contratadas, no caso, pelo fazendeiro Marcelo Negrão, na Fazenda Santa Rita, onde aparecem mostrando espingardas. Inclusive eles mostraram para os jornalistas e para as pessoas que estavam ali presentes, afirmando que estariam dispostos a usar granadas, armamentos pesados contra os trabalhadores sem terra.

Efetivamente, essas pessoas usaram essas armas contra jornalistas, contra a jornalista Mônica Teixeira, que, na sexta-feira, ao procurar dialogar com o administrador da fazenda, foi recebida a tiros, exatamente quando procurava saber deles por que estavam tão fortemente armados.

Gostaria de registrar a minha solidariedade à jornalista Mônica Teixeira, que, em função do seu trabalho sério - está preparando uma matéria de profundidade sobre a questão da violência no campo, a questão da estrutura agrária e a natureza desses conflitos, as preocupações do Movimento dos Sem-Terra e dos proprietários rurais -, levou tiros de uma espingarda de chumbo -felizmente foi de chumbo - que a feriu, ainda que levemente. Ela foi hospitalizada e medicada com rapidez, e, depois, prosseguiu seu trabalho. Gostaria de louvar o trabalho de Mônica Teixeira.

Sr. Presidente, eu disse ao Presidente Fernando Henrique Cardoso que estava ali observando momentos de tensão, com os fazendeiros procurando armar pessoas, algumas das quais, inclusive, com histórico de boletins de ocorrência de atividades que são objeto de preocupação da polícia.

Estranhamos o comportamento das autoridades, porque, em qualquer momento de tensão, quando é para revistar os acampamentos dos integrantes do Movimento dos Sem-Terra, de pronto, a polícia chega e começa a recolher até mesmo os seus instrumentos de trabalho, como foices, pás, enxadas e facões; porém, quando os fazendeiros, os proprietários daquelas áreas que são questionadas, áreas devolutas, fornecem armas a uma porção de capangas, que as utilizam de forma abusiva, a polícia simplesmente observa e não toma qualquer providência. É importante que se procure evitar isso.

Recomendei ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, por ocasião do nosso diálogo, no domingo, que visitasse pessoalmente esses lugares onde é intenso o problema da terra. Disse-me o Presidente que o problema da terra, o problema da reforma agrária, é o que mais o preocupa, considerando a possibilidade de ir dialogar diretamente com os trabalhadores do Movimento dos Sem-terra.

Portanto, estou estranhando a recomendação do Ministro Nelson Jobim de não querer dialogar com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra. O Superintendente do INCRA disse-me ontem que irá amanhã ao Pontal do Paranapanema dialogar com os trabalhadores desse Movimento. O Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, disse-me que considerava a possibilidade de dialogar com seus representantes. Propus a Sua Excelência que fosse diretamente aos locais dos assentamentos, dos acampamentos, até para conhecer melhor a natureza do Movimento.

Estive nos assentamentos, nos acampamentos, e penso que esta seria a oportunidade de o Presidente conhecer de perto os problemas vividos pela população rural, que quer ter o direito de lavrar a terra e dar dignidade às suas famílias.

Salientei a Sua Excelência que o índice de concentração de renda no Brasil, em 1995, de 0,592, alardeado como o resultado da melhoria do Plano Real a todos os segmentos da população, em especial, aos mais pobres, na verdade, é um índice de Gini inferior ao registrado em 1992, último ano da gestão do Presidente Fernando Collor de Mello.

Esse índice de Gini que o Presidente e os seus Ministros consideraram tão positivo, de 0,592, melhorou, de fato, em relação a 1993, que era de 0,603, e é melhor do que o índice de 0,629; mas, na verdade, trata-se de um índice pior do que o ocorrido em 1992, que foi de 0,575, no último ano do Governo do Presidente Fernando Collor de Mello.

Ainda estamos com índices recordes de má distribuição e concentração de renda. No que diz respeito à estrutura fundiária, uma das causas de tamanha concentração da renda, estamos com os mesmos indicadores, índices de Gini, dos anos 40. O Brasil em nada modificou a sua concentração de renda e de riqueza, sobretudo porque na terra ainda não se fez a devida reforma agrária.

Assim, faço aqui o meu apelo ao Presidente Fernando Henrique Cardoso para que vá ao Pontal do Paranapanema, ao Pará, àqueles locais aonde está havendo a necessidade de um diálogo direto com os trabalhadores sem terra. Sua Excelência disse-me que está preparado para isso e está considerando essa possibilidade. Espero que se possa construir um momento adequado para a sua visita.

Afirmou-me Sua Excelência que, em São Paulo, será necessário fazer isso em consonância com o Governador Mário Covas, até porque a iniciativa da solução para a estrutura fundiária está, em boa parte, nas mãos do Governo Estadual, mas de acordo com os recursos que o INCRA está por liberar. Assim, deverá ser criado o momento propício o mais rapidamente possível, para que o Presidente possa ir lá e ter esse diálogo direto. Gostaria que o mesmo ocorresse no Pará e em outros lugares.

Sr. Presidente, gostaria de registrar esse Termo de Declaração do Ministério Público do Estado do Paraná, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa dos Direitos e Garantias Constitucionais, que o Fórum da Reforma Agrária quer entregar pessoalmente ao Ministro da Justiça, se possível, nesta tarde.

Diz o Termo de Declaração:

      "Aos vinte e quatro dias do mês de setembro de 1996, compareceu a esta Promotoria de Justiça o senhor ROBERTO BAGGIO, ......, que fez as seguintes declarações: que o declarante vem noticiar a existência de levantamento que a "P2" do Paraná vem fazendo a respeito do Movimento Sem Terra - MST; que esclarece que P2 seria a polícia secreta da Polícia Militar; que o MST já vem percebendo há algum tempo a presença de pessoas estranhas ao movimento nos acampamentos, o que vem a confirmar a notícia da investigação feita pela "P2"; que, tratando especificamente de um determinado caso, declara que, em início de setembro de 1996, na sede da Superintendência do INCRA, ......, em Curitiba, foi abordado por duas pessoas que se identificaram como cabo Moreira e soldado Biscain, e como pertencentes ao corpo da "P2" do Paraná e que disseram que gostariam de obter informações sobre o MST, apresentando ao declarante, inclusive, questionário com aproximadamente trinta perguntas sobre o MST, acampamentos, INCRA, reforma agrária etc.; que deixou número de telefone para o Cabo Moreira, bem assim o nome de uma pessoa (Rogério Antônio Mauro) para agendar uma entrevista; que, em seguida, ainda na primeira semana de setembro, um dos dois policiais, não sabe precisar quem, entrou em contato com a secretaria do MST, para marcar a aludida entrevista; que se sucederam mais dois contatos, também na mesma semana, até que foi agendado encontro para o dia 17.09.1996, às 14:00 horas, ...... no Edifício Santa Maria, ...... em Curitiba, sede estadual do MST; que entendendo ser ilegal este tipo da atuação da "P2", e por sentirem-se inseguros, haja vista uma lista que constava junto com o questionário, onde havia nomes do MST/PR e de outras pessoas (políticos e lideranças), contataram com a Rede Globo, do Rio de Janeiro, que instalou microcâmera nas dependências da sede do MST, para registar o decantado encontro, o que aconteceu, estando a respectiva fita em poder da Rede Globo, à disposição das autoridades; que só foi ao encontro o soldado Biscaia, ligado à "P2", e, ligado ao MST, o ora declarante e o senhor Rogério Antônio Mauro; que o soldado entregou um questionário ao declarante e a Rogério A. Mauro, composto de três folhas no formato papel-ofício, timbrados com um Logotipo da Polícia Militar do Paraná; que procederam a sua leitura e posteriormente puseram-se a responder as aproximadas trinta questões, uma a uma, fazendo, também, a respeito delas comentários gerais; que o soldado Biscaia anotava as respostas em papel não timbrado, mas percebia-se volume por debaixo de sua roupa, que indicava a existência de um gravador, tendo inclusive o soldado, no início e no final da entrevista, posto a mão por dentro da roupa; que queria saber dados de pessoas que constavam da lista que acompanhava o questionário, inclusive, de pessoas não ligadas ao MST (que havia, mais ou menos, cinqüenta nomes); que relativamente às pessoas pertencentes ao MST queria saber qual a atividade de cada uma, o que faziam, inclusive, relativamente a hierarquia, bem como queria saber o funcionamento do movimento (quantas pessoas pertenciam à coordenação, como se reuniam, como se deslocavam, quais eram os contatos e de onde vinham os recursos), o que foi respondido; que o soldado Biscaia ainda perguntou como era o sistema de informação e contra-informação do MST e, ainda, como funcionavam os "grupos de elite do MST", que não entendendo os questionamentos de informação e contra-informação e grupo de elite, indagou do soldado Biscaia do que se tratava, que explicou mas não foi compreendido pelos ouvintes o significado; que foi questionado, ainda, pelo soldado Biscaia, onde estariam os centros de treinamento das pessoas pertencentes ao MST, como funcionavam e qual a sua localização; que indagou ainda se pessoas constantes da lista, já referida, haviam sido treinadas na Nicarágua ou Alemanha; que indagado a respeito, o soldado Biscaia afirmou que eles ("P2") têm agentes infiltrados nos acampamentos e assentamentos de sem-terra, para coleta de informações sobre o MST, a mando da Secretaria de Segurança do Comando-Geral; que requer, finalmente, o declarante garantias de integridade física e mental dos membros do MST em vista deste aparato investigatório, bem como que seja apreciada a questão de ser legal ou não a atuação da Polícia Militar, como emoldurado na presente declaração, e constatado que esse tipo de comportamento fere a Constituição e a legalidade em geral, requer que tal aparato seja desativado, com apuração de responsabilidades; que para fins de esclarecimentos a quem interessar possa, declina o declarante alguns nomes constantes da listagem apresentada junto ao questionário pelo policial militar: Roberto Baggio, Rogério Mauro e Carlos Finhler, Ireno dos Santos, Delfino Becker, Aerolino Oliveira", e outros.

Solicito, Sr. Presidente, que seja registrado na íntegra tal termo de declaração.

Reitero que o Movimento dos Sem-Terra já convidou as autoridades para irem abertamente aos seus acampamentos, às suas escolas, aos locais onde se reúnem. Reiterei a sugestão do Presidente Fernando Henrique, ao Ministro Raul Jungmann, ao Ministro Nelson Jobim. Não há por que querer saber das coisas pelos serviços reservados da P2.

Assim, Sr. Presidente, registro que participei do VI Congresso da Rede Européia da Renda Básica, ocasião em que dei uma palestra, em inglês, mas que aqui registrarei em português. Fiz esse discurso em co-autoria com o Governador Cristóvam Buarque, que infelizmente não pôde estar presente, relatando o debate e a experiência dos brasileiros com relação ao Projeto de Garantia de Renda Mínima, que visa erradicar a pobreza no Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/1996 - Página 16399