Discurso no Senado Federal

PREPARAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS. REFLEXÃO SOBRE OS IMPEDIMENTOS DEMOCRATICOS NA HISTORIA POLITICA BRASILEIRA. SUCATEAMENTO DO PARQUE INDUSTRIAL BRASILEIRO DURANTE O GOVERNO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. COMENTANDO REPORTAGEM DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO DE HOJE, EM QUE O FMI COBROU DO MINISTRO DA FAZENDA, SR. PEDRO MALAN, A AGILIZAÇÃO NO PROCESSO DE REFORMA TRIBUTARIA NO BRASIL. DECLARAÇÕES DO MINISTRO SERGIO MOTTA SOBRE COMPRA E RECOMPRA, NO MESMO DIA, DE TITULOS DA PREFEITURA DE SÃO PAULO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • PREPARAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS. REFLEXÃO SOBRE OS IMPEDIMENTOS DEMOCRATICOS NA HISTORIA POLITICA BRASILEIRA. SUCATEAMENTO DO PARQUE INDUSTRIAL BRASILEIRO DURANTE O GOVERNO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. COMENTANDO REPORTAGEM DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO DE HOJE, EM QUE O FMI COBROU DO MINISTRO DA FAZENDA, SR. PEDRO MALAN, A AGILIZAÇÃO NO PROCESSO DE REFORMA TRIBUTARIA NO BRASIL. DECLARAÇÕES DO MINISTRO SERGIO MOTTA SOBRE COMPRA E RECOMPRA, NO MESMO DIA, DE TITULOS DA PREFEITURA DE SÃO PAULO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/1996 - Página 16490
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • CRITICA, NIVEL, PROCESSO, ELEIÇÃO, BRASIL, MANUTENÇÃO, PADRÃO, POLITICA, IMPOSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), DESEMPREGO, DEPENDENCIA, ECONOMIA, PRECARIEDADE, INDUSTRIA, PESQUISA, UNIVERSIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO, OPOSIÇÃO, POVO, RESPONSABILIDADE, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • OPOSIÇÃO, REELEIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, GOVERNO, SALARIO, TERCEIRO MUNDO, CUSTO DE VIDA, PRIMEIRO MUNDO.
  • CRITICA, INTERVENÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), MINISTERIO DA FAZENDA (MF), SOLICITAÇÃO, URGENCIA, REFORMA TRIBUTARIA.
  • CRITICA, ANTONIO KANDIR, SERGIO MOTTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), PROPAGANDA, REELEIÇÃO, CONTRADIÇÃO, DECLARAÇÃO, ECONOMISTA, GOVERNO, ASSUNTO, RETOMADA, CRESCIMENTO, BRASIL, INTERFERENCIA, ELEIÇÃO, PREFEITURA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a Nação se prepara para decidir nos municípios o destino político da sociedade brasileira.

Quando eu era criança - recordo-me bem - assisti o processo eleitoral ser abolido do País. As eleições, após a Revolução de 30, tornaram-se algo perigoso para a continuidade do projeto político, social e pessoal de Getúlio Vargas.

Quando eu nasci, meu pai ainda era Deputado Estadual. Logo, percebeu o andamento e o destino triste, obscuro da atividade política e rompeu com o Governo para sempre. Talvez eu tenha herdado dele este inconformismo com os selos que os governos nacionais e estrangeiros imprimem a nossa era. Ele assinou manifestos mineiros, e eu passei uma mocidade amedrontada, uma espécie de tortura psicológica diante de ameaças reais ou imaginárias que rondavam minha casa, embora no governo estadual se encontrasse um sobrinho de meu avô, Benedito Valadares, de triste memória, e nos Ministérios, inclusive no da Justiça, outro sobrinho do meu avô, Francisco Campos.

Apesar disso, a vontade de permanecer, a vontade de continuar, a vontade de não permitir que o povo se manifestasse e expressasse sua vontade, impediu que o processo democrático, que o desenvolvimento da consciência livre se verificasse neste País.

Agora, as eleições que se aproximam revelam também a vontade continuísta, a vontade de permanecer, de perpetuar um padrão político que nos está sendo imposto, obviamente, de fora, pelos organismos internacionais, pela mão longa dos Estados Unidos, que não pousou apenas sobre Cuba e outros países do mundo mas também sobre nós.

Muitos de nós não temos consciência de que é uma intromissão indevida dos Estados Unidos sustentar, como sócio majoritário do FMI, essa política de sucateamento, de desemprego, de desmantelamento, de subserviência aplicada aos países periféricos. Continuamos vivendo em condições muito piores do que nos velhos tempos a que me referi.

A política do terreiro - e com isso não faço nenhuma referência aos políticos baianos - o Brasil parece que se adaptou a esse espírito subserviente, àquilo que Fernando Henrique Cardoso, de uma maneira quase premonitória, escreveu em seu livro chamado Formação Política do Brasil, que no Brasil se formava o anti-Estado nacional. Portanto, um Estado voltado contra os interesses da população, um Estado voltado contra a defesa das nossas riquezas naturais, um Estado voltado contra o crescimento de nossa consciência e capacidade crítica que se desenvolviam ainda largamente na sociedade brasileira, por meio da luta sindical, das conquistas das classes destituídas.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o que vemos agora é uma ordem supraconstitucional da qual a Lei Helms-Burton é uma expressão, um capítulo muito importante e muito expressivo. Se, por acaso, Hitler ganhasse a II Guerra Mundial, certamente, se utilizaria de diploma legal muito parecido com essa lei, com a qual os Estados Unidos mostram sua prepotência, se transformam em juízes, julgadores e condenadores do comportamento dos povos que querem dominar.

Mas o Brasil preferiu colocar na Presidência da República o primeiro presidente do anti-Estado nacional, consciente de sua função, consciente de seu destino de presidir o anti-Estado nacional, o sucateamento das indústrias, o desemprego em massa, o aumento da dívida pública, a destruição da nossa inteligência e dos nossos órgãos de pesquisa, o desprezo pela universidade.

Outros presidentes do Brasil também tiveram atitudes e gestos subservientes, mas não eram conscientes de que estavam presidindo o embrião do anti-Estado nacional. Atualmente, aí está, sorridente e viajeiro, o primeiro Presidente consciente do anti-Estado nacional, que quer continuar, quer perpetuar-se, ou seja, quer ter um comportamento político semelhante àquele que, na juventude, imprecava, criticava em Getúlio Vargas, que era a sua permanência de 1930 a 1945.

Mas para Getúlio aqueles períodos eram muito curtos para a grande obra que deveria empreender. Por isso parece que Fernando Henrique Cardos anda nessa marcha lenta, destruindo a Administração Pública, sucateando a indústria, para que possa ter mais para fazer e possa então justificar um prazo mais amplo de Governo. A respeito desse assunto, em uma de suas últimas manifestações, Sua Excelência disse que Deus fez o mundo em sete dias e que ele, Fernando Henrique Cardoso, não era Deus. Aliás um aviso interessante para muitos brasileiros que, diante do comportamento de Sua Excelência, poderiam pensar que ele era um demiurgo, pelo menos um Narciso, o semideus da vaidade.

Agora, todas as forças se eriçam livremente, de Washington aos confins do Brasil, no sentido de pregar que é preciso a reeleição para que Fernando Henrique Cardoso faça, nos próximos quatro ou cinco anos de seu mandato prorrogado, aquilo que o Deus criador teria feito em uma semana. Ele precisa de mais tempo para mostrar que não sabe apenas desfazer, desconstitucionalizar, desordenar, desorganizar, mas que sabe também fazer algo de realmente positivo. Ao invés do desemprego, nos dar o emprego; ao invés do sucateamento e da destruição do parque industrial nacional, nos dar a construção e a retomada. Ele vai nos mostrar, portanto, que quando Ministro de Itamar Franco pegou a inflação com uma taxa de 27% ao mês e, em pouco tempo, jogou-a para 48% ao mês. Inflacionar ele já havia demonstrado saber, quando Ministro de Itamar Franco. Empinou a taxa de inflação até o ponto em que os preços atingiram o teto, o zênite, enquanto os salários permaneceram no nadir. Salários de Terceiro Mundo, salários de R$112 por mês, renda per capita de US$4 mil e preços de Primeiro Mundo, preços de Tóquio, cidade que tem o custo de vida mais elevado do mundo.

A mesma coisa aconteceu na Argentina. Buenos Aires tem o segundo mais elevado custo de vida do mundo. Os argentinos estão pagando preços que são pagos pelos japoneses, que têm uma renda per capita de US$23 mil por ano, e não apenas de US$3 mil e poucos dólares, que os argentinos têm, ou de US$4,1 mil dólares, que os brasileiros têm.

É isto que o FMI nos impõe. E agora o FMI - está nos jornais de hoje - puxou as orelhas do Ministro Pedro Malan - está no jornal Folha de S.Paulo de hoje. Quando é que o Brasil admitiria uma coisa destas? Puxou as orelhas do Ministro Malan e está exigindo mais pressa na dita reforma tributária.

Misturando alhos com bugalhos, misturando economia com política e política com economia, o que disse o Ministro Kandir? Disse que uma vez perpetuado e prorrogado o Governo do Senhor FHC por mais quatro anos, o PIB iria crescer 9% ao ano. Como se as variáveis políticas fossem quantificáveis! S. Exª também prognosticou um futuro róseo quando, no Governo Fernando Collor de Mello, nos deu o calote inesquecível - e o calote era para fazer crescer o Brasil, era para estabilizar o Brasil, era para enxugar a base monetária. E nada disso aconteceu. Somos todos testemunhas da grande mentira que constituiu a previsão otimista de Kandir naquela ocasião.

Pois bem, quando o Sr. Kandir tomou posse no Ministério, deixando o seu mandato de Deputado Federal, terminou o seu discurso resumindo em três palavras o seu recado: austeridade, austeridade, austeridade. 

No dia seguinte, o mentor, o filósofo, o mestre dos mestres deste Governo, na Carteira do Banco Central, dizia o contrário. Como as eleições obviamente se aproximavam, era preciso que o Governo começasse a gastar e a taxa de inflação ia se elevar um pouco, dizia o Diretor da Carteira de Câmbio e Comércio Internacional do Banco Central.

Portanto, o que nós vemos é que o Sr. Antônio Kandir é dado a esses exageros quando quer defender os interesses políticos com os quais galgou postos, tanto no Governo Collor quanto no Governo de seu homônimo, Fernando Henrique Cardoso.

Exagero, exagero, exagero! Nove por cento!? Poderíamos dizer agora, com a mesma ênfase que o Sr. Antônio Kandir usou no seu discurso de posse no Ministério.

No mesmo dia, no mesmo momento, Pedro Malan prevê crescimento de 4,5%. Que brincadeira é esta? Que previsões são estas? Que desmoralização é esta a que se submete a categoria dos economistas, permitindo as mais desencontradas previsões sobre o futuro do Brasil? E o que nós vemos é obviamente a existência de um processo político em que a discussão política atingiu o mais baixo nível de que tem notícia a História do Brasil.

É triste vermos um espetáculo como este, em que, por exemplo, a Prefeitura de São Paulo gravita em torno de um tema único, talvez o principal, aquele que dominou o discurso político e o espaço do diálogo: metrô versus ônibus do Sr. Pitta. Os problemas brasileiros ficam limitados apenas a uma discussão de mais Cingapura ou menos Cingapura. É muito triste que tenhamos rebaixado a este nível a discussão política no Brasil.

Para culminar o processo, ontem ou anteontem, o Ministro Serjão, do alto de sua montanha, de sua automontanha, desenterra aquela negociata da qual todos nós não podemos nos esquecer; aquela suspeitíssima ação de venda e recompra, no mesmo dia, de títulos da Prefeitura de São Paulo, que teria dado um prejuízo, ao Município de São Paulo, de mais de R$20 milhões num só dia.

É estranho que esse argumento seja levantado apenas em uma situação de desespero, na antevéspera das eleições, e seja esgrimado pelo Ministro Serjão, capaz de tantas coisas, que se auto-intitula, como aconteceu em um debate entre mim e ele, aqui, no Senado Federal, um "Maquiavel"! Mas ele utiliza esse termo no seu sentido chão, pejorativo. O Ministro não passa de um "Maquiavel" do Tatuapé, um "Maquiavel" tantas vezes desastroso, um "Maquiavel" que está sempre pronto a afirmar o oposto daquilo que Fernando Henrique Cardoso diz. Obviamente, como não há resposta, não há crítica, não há censura por parte do Presidente ao seu Ministro, isso mostra que tanto a afirmativa de um, quanto o desmentido e a oposição do outro já estavam adredemente combinados em um maquiavelismo de baixo teor.

Portanto, apesar de tudo isso, percebemos, misturado a esse conteúdo político, que FHC, que até há dois ou três meses se declarara pelo menos pouco favorável ou indiferente à questão das reeleições, que seriam decididas pelo Legislativo, se esqueceu de que, em 1988, foi contrário às reeleições. Nessa ocasião, discursou neste Senado, mostrando os argumentos que possuía, e dos quais já se esqueceu, contrários à reeleição para o cargo de Presidente da República. Agora, como sempre, sofrendo daquela amnésia da conveniência, esquece o que agora é um mal para ele e se lembra apenas da outra parte.

"O que é ruim, a gente esconde; o que é bom, a gente mostra", dizia Ricúpero. E suas palavras são demonstradas escancaradamente com a presença e com a exposição do Presidente da República nas rádios e televisões do País inteiro. Talvez tenha até deixado de viajar, o que pareceu ser sempre a sua prioridade máxima, para ir à televisão defender a inauguração de suas "desobras": a sua própria reeleição.

Jamais censurou aqueles, como o Presidente da Radiobrás, que afirmaram usar o poder da mídia oficial, a rede numerosa de emissoras dessa sociedade, a Radiobrás, para defender aquilo que ele chamou de guerrilha eleitoral. Disse que levaria a artista Sula Miranda e outros para defenderem as suas propostas de reeleição a qualquer preço. Pois bem, não precisou. Levou a Sula apenas uma vez ao Presidente da República, ao que eu sei, porque, agora, parece que FHC é a Sula de si mesmo. Convenceu-se de que a sua presença diante do vídeo tem mais poder de convencimento e de cooptação das consciências do que o rebolado da cantora e artista Sula Miranda.

Portanto, continua baixo, muito baixo o nível da disputa política, da discussão política neste País.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não, é com muito prazer que ouço V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Prezado Senador Lauro Campos, resolvi deixar por uma tarde a campanha de São Paulo, depois de ter acompanhado, hoje, pela manhã, a candidata Luiza Erundina, do Partido dos Trabalhadores, na região de São Miguel Paulista - depois da visita que fez ao Bispo Dom Fernandes dessa região da zona leste de São Paulo, cuja população é de 3 milhões de habitantes - para expressar, desta tribuna, diante dos fatos que V. Exª está a analisar, também a minha indignação. É altamente condenável o empenho com que alguns Ministros como Antonio Kandir, Pedro Malan, Sérgio Motta e outros começam a empreender em prol da reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso. As previsões de Antonio Kandir, principalmente, carecem de alguma base de teoria econômica ou política, conforme assinala V. Exª, quando afirma que o Brasil viria a crescer 9% ao ano, caso houvesse direito à reeleição. Primeiro, carece de propriedade a previsão com respeito ao que acontece nesse âmbito, já que a própria previsão oficial é de que a economia, em 1996, cresceria menos de 3%.

O SR. LAURO CAMPOS - Parece-me que, no ano passado, também anunciaram um crescimento de 9% para este ano.

O Sr. Eduardo Suplicy - Mas a previsão oficial do Ipea para este ano é de que a economia poderá crescer em torno de 2,6%; e, no ano que passou, o primeiro da gestão Fernando Henrique Cardoso, o Produto Interno Bruto cresceu 4,1%. Se no primeiro ano cresceu 4,1%, se no segundo vai crescer em torno de 2,6% - que seja até 3% - por que razão, por que teoria econômica, por que modelo econométrico diríamos que a economia cresceria nos quatro anos de um eventual segundo mandato do Presidente Fernando Henrique à taxa de 9% ao ano? Isso já é forçar a barra demais e inclusive empobrece o debate sobre política econômica que poderíamos ter com as autoridades, até porque, conforme assinala V. Exª, eles próprios se desentendem. O Ministro do Planejamento faz previsões que são desmentidas pelo Ministro da Fazenda do próprio Governo Fernando Henrique Cardoso. Preocupa-me sobretudo o fato de as autoridades econômicas estarem deixando para um eventual segundo mandato decisões que deveriam estar tomando agora.

O SR. LAURO CAMPOS - Justamente.

O Sr. Eduardo Suplicy - Portanto, deixarão para um segundo mandato a adoção de medidas relativas à melhoria da distribuição da renda, à possibilidade de se acelerar a reforma agrária, só porque vai haver - se é que vai haver - oito anos de mandato para Presidente? Será que vão separar as coisas? Já faz dois anos, e, no que diz respeito à distribuição da renda e da riqueza, o progresso havido é diminuto.

O SR. LAURO CAMPOS - Se não negativo.

O Sr. Eduardo Suplicy - Especialmente quando nos deparamos com o que aconteceu de 1995 para 1996. Se os dados de 1995 registram ligeira melhoria na distribuição da renda em virtude da diminuição da inflação, há inúmeros fatos que devem ser levados em conta, tais como a recessão, a forma pela qual recursos públicos estão sendo utilizados, a criação de programas como o Proer. Isto foi feito nesses últimos doze meses: destinaram recursos, em larga escala, aos que têm menos ou nada têm neste País. Há indícios de que possa ter havido concentração da riqueza em 1996. Não há dados oficiais para comparação, mas os indicadores relativos a 1995, que fizeram o Governo soltar foguetes, não são também nada animadores. Basta assinalar que o índice Gini de 1995, em verdade, é pior do que o ocorrido no último ano do Governo de Fernando Collor de Mello. Em 1992, o índice Gini, segundo o próprio IBGE, foi 0,575; em 1993, 0,603, e em 1995, 0,592. Houve, de 1993 para 1995, ligeira melhoria. Porém, essa moderada melhoria significou em 1995 concentração mais grave do que a registrada oficialmente em 1992, época em que o Brasil foi governado, até 29 de setembro, por Fernando Collor de Mello e, daí para frente, por Itamar Franco. Será que o Governo está contente com esse resultado, dando-se o luxo de adiar decisões sobre como melhorar a distribuição da renda e da riqueza, concentrando tanta atenção na reeleição? Como estou convencido de que o processo democrático é mais saudável com o rodízio de lideranças, acho que vai perder o Ministro Antonio Kandir se continuar insistindo nessa tecla.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço a V. Exª pelo aparte, que incorporo ao meu modesto pronunciamento.

Eu gostaria de lembrar àqueles que pretendem utilizar essas eleições como uma avant-première, um teste para as reeleições, que há pouco tempo se dizia que a grande decisão, o grande sinal, a grande pesquisa sobre se haveria ou não clima para a reeleição dar-se-ia no Município de São Paulo durante a disputa para a sua prefeitura.

Hoje, quando o candidato do PSDB não se dá bem nas prévias eleitorais, mais uma vez o governo da amnésia esparge o esquecimento sobre suas próprias palavras. Agora, instigados para que recorram ao plebiscito a fim de consultar o povo, que anda tão distante das decisões governamentais, sobre se deseja ou não as reeleições, não admitem a idéia. Naturalmente vão invocar os velhos argumentos de que um plebiscito é muito caro, de que um plebiscito é isso ou aquilo, para continuar a impor, através das forças do poder, da estrutura, da máquina, da mídia, as distorções que o processo de consulta ao povo, o processo eleitoral sofre e padece, neste País.

Temos esperanças de que um dia - talvez não seja para mim, muito provavelmente não o será - a palavra concorrer, correr com, correr em igualdade de condições com, possa ser utilizada em seu sentido verdadeiro. Não se trata de correr começando alguns a dez metros do ponto terminal da disputa e outros começando lá atrás a 100 ou 200 metros. Isso não é concorrência! Stuart Mill, inglês rico, que não era obviamente marxista, dizia que era contrário à herança, porque ela impedia que a concorrência se verificasse. O que seria concorrência? Seria concorrência entre iguais, com igualdade de oportunidades, com igualdade de condições, com igualdade de forças. Mas a concorrência através de uma partidocracia, baseada em estrutura viciada, baseada em diferenças óbvias entre os candidatos dos banqueiros, dos poderosos, das forças externas, isso não é concorrência. Na União Soviética, atual Rússia, Boris Yeltsin recebeu US$8 bilhões de auxílio do FMI, às vésperas de sua reeleição.

Essa desigualdade, essa diferenciação de oportunidades, essa destruição da verdadeira concorrência, esse escárnio diante do significado real das palavras acontece - e como acontece - no nosso País. Vivemos num país nominal, num país em que as palavras se corromperam, em que as palavras deixaram de significar, ter realmente uma correspondência com o mundo real. O desenvolvimento e a retomada que afirmo é essa que aí está. A situação real ou permanece a mesma ou se deteriora, como acontece no campo, como acontece entre os 11 milhões de sem-terra e de sem-casa, como acontece com aqueles que recebem a esmola de R$112,00 como salário mínimo e com todos os excluídos deste País. Mudam as palavras, muda apenas o vocábulo. Os militares diziam: desenvolvimento e segurança. No final do processo, ao invés de desenvolvimento, deu crise e, ao invés de segurança, a insegurança que padecemos todos os dias.

E agora, o que foi que mudou? Desenvolvimento fica no binômio de FHC: desenvolvimento e estabilidade. E estabilidade não é segurança? E segurança não é estabilidade? O que mudou nesse tempo, de 1964 para cá, mesmo no binômio que serve de roteiro e de rumo para esses governos tão pouco diferenciados?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo que as eleições de amanhã transcorram dentro da normalidade possível, desta normalidade eivada de vícios, cheia de distorções, mas que pelo menos a civilidade, a morigeração e a educação presidam este pleito.

Um dia, quando fui candidato, eu disse que o voto para mim é como um beijo: se comprado, ele se prostitui; se arrebatado pela força ou pela violência, avilta a consciência. E quem escreveu isso não pode obviamente ter desrespeitado o voto e a consciência sequer um dia de sua vida. Não sou exemplo para ninguém, nunca fui guru de ninguém, mas desejaria que mesmo a sensibilidade ética que se deve ter para com os eleitores e o seu pronunciamento nas urnas deveria ser um predicado de todos os brasileiros.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/1996 - Página 16490