Discurso no Senado Federal

ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE AMANHÃ. POSIÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES NA DISPUTA DAS PREFEITURAS MUNICIPAIS, SEGUNDO AS PESQUISAS DE OPINIÃO. QUALIDADES DA CANDIDATA A PREFEITURA DE SÃO PAULO, SRA. LUIZA ERUNDINA. DESPROPORCIONALIDADE DE RECURSOS NO EMBATE ELEITORAL PARA A PREFEITURA DE SÃO PAULO. ATAQUES PESSOAIS DO MINISTRO SERGIO MOTTA A CANDIDATA LUIZA ERUNDINA, NA NOITE DO ULTIMO DEBATE PROMOVIDO PELA TV BANDEIRANTES; TRANSCRIÇÃO DE ARTIGO INTITULADO 'RESPEITO E BOM E TODO MUNDO GOSTA', DA JORNALISTA DORA KRAMER, PUBLICADO NO JORNAL DO BRASIL DE HOJE, SOBRE O ASSUNTO. COMENTARIOS AO PRONUNCIAMENTO DO ORADOR QUE O PRECEDEU NA TRIBUNA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE AMANHÃ. POSIÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES NA DISPUTA DAS PREFEITURAS MUNICIPAIS, SEGUNDO AS PESQUISAS DE OPINIÃO. QUALIDADES DA CANDIDATA A PREFEITURA DE SÃO PAULO, SRA. LUIZA ERUNDINA. DESPROPORCIONALIDADE DE RECURSOS NO EMBATE ELEITORAL PARA A PREFEITURA DE SÃO PAULO. ATAQUES PESSOAIS DO MINISTRO SERGIO MOTTA A CANDIDATA LUIZA ERUNDINA, NA NOITE DO ULTIMO DEBATE PROMOVIDO PELA TV BANDEIRANTES; TRANSCRIÇÃO DE ARTIGO INTITULADO 'RESPEITO E BOM E TODO MUNDO GOSTA', DA JORNALISTA DORA KRAMER, PUBLICADO NO JORNAL DO BRASIL DE HOJE, SOBRE O ASSUNTO. COMENTARIOS AO PRONUNCIAMENTO DO ORADOR QUE O PRECEDEU NA TRIBUNA.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/1996 - Página 16494
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, ELEIÇÕES, BRASIL, SITUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DADOS, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, DISPUTA, PREFEITURA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, LUIZA ERUNDINA, EX PREFEITO, CANDIDATO, PREFEITO DE CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), COMENTARIO, DISPUTA, SUPERIORIDADE, PODER ECONOMICO, OPOSIÇÃO, ANALISE, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, GESTÃO, PREFEITURA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, CRITICA, DESRESPEITO, DECLARAÇÃO, SERGIO MOTTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), OPOSIÇÃO, LUIZA ERUNDINA, CANDIDATO, PREFEITURA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, RETRATAÇÃO.
  • CRITICA, COMENTARIO, ANTONIO KANDIR, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), PREVISÃO, CRESCIMENTO, BRASIL, EFEITO, REELEIÇÃO, ANALISE, RELAÇÃO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, CRESCIMENTO ECONOMICO, NECESSIDADE, REFORMA AGRARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria, em primeiro lugar, de saudar a realização das eleições no dia de amanhã, 3 de outubro de 1996, quando, em mais de cinco mil municípios brasileiros, o povo escolherá o seu prefeito, a sua prefeita, os seus vereadores ou vereadoras.

Felizmente, nós do Partido dos Trabalhadores temos notícias alvissareiras: o Partido dos Trabalhadores mais do que duplicará o número de prefeitos e/ou prefeitas e de vereadores e vereadoras em todos os municípios brasileiros. E, segundo as pesquisas de opinião, seremos vitoriosos nas capitais de Porto Alegre, Campo Grande, Rio Branco, Maceió, Natal e Aracaju. Certamente vamos para o segundo turno em São Paulo, e muito provavelmente em Belo Horizonte; quiçá consigamos também ir para o segundo turno no Rio de Janeiro, onde Chico Alencar vem crescendo muito, e na Bahia, onde Nelson Pellegrino pode se constituir numa grata e surpreendente surpresa, até mesmo para aqueles que imaginavam deter completamente o poder nesse Estado.

E são tantos os municípios, além das capitais, onde o PT está indo bem, que certamente daqui a alguns anos teremos a convicção de que, novamente na hora de se registrarem as administrações que tiveram projetos de criatividade para resolver problemas sociais graves nas áreas da saúde, da educação e da cidadania, estarão inscritos nesses concursos, como os recentemente havidos, aqueles prefeitos e prefeitas do Partido dos Trabalhadores.

Mas é, sobretudo, na maior cidade brasileira, na capital do Estado de São Paulo, onde o embate ganha proporções extraordinariamente importantes para o futuro do País, inclusive para as eleições de 1998. Felizmente a nossa candidata Luiza Erundina de Sousa tem se mostrado uma extraordinária candidata, um exemplo de garra, de retidão, de quem realmente acredita no que faz, e que tem uma história de vida dedicada à causa da democracia, à causa da liberdade, à causa da solidariedade e da construção de uma sociedade fraterna. Pois Luiza Erundina, nascida em Uiraúna, interior da Paraíba, primeiro como assistente social, e lutando para ajudar a educação de sua numerosa família, veio para a capital da Paraíba como professora na área das Ciências Sociais, como Assistente Social, e ali viu-se, durante o regime militar, a certa altura, proibida de lecionar. Perseguida, acabou indo para São Paulo, há 25 anos. Lá, em São Paulo, resolveu trabalhar como assistente social nas favelas, nos cortiços, nos bairros mais pobres, e, por seu trabalho consistente e coerente, tornou-se Presidente da Associação dos Assistentes Sociais. Já em 1979 começou a interagir com aqueles que depois formaram o Partido dos Trabalhadores.

No último comício de domingo, Lula relembrou o episódio em que ele, cassado pelo regime militar, presidente que era do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, pelo então Ministro do Trabalho Murilo Macedo, fora convidado a participar de convenção do Sindicato dos Assistentes Sociais, da Associação presidida por Luiza Erundina, onde havia comparecido o então Ministro do Trabalho, Murilo Macedo. Luiza Erundina, nesse dia, preferiu convidar Lula para a mesa e não convidar o ministro que havia cassado o direito daquele que havia sido eleito democraticamente por seus pares. Em 1980, Luiza Erundina fundou o Partido dos Trabalhadores e foi eleita Vereadora pelo PT, eleita, então, líder por seus Pares. Tanto se destacou que, em 1985, foi escolhida candidata a vice-prefeita, ocasião em que disputei a prefeitura com Jânio Quadros - que foi eleito -, Fernando Henrique Cardoso e outros.

Em 1986, foi eleita Deputada Estadual e, logo após, Líder do PT na Assembléia Legislativa.

Em 1988, em uma prévia, foi escolhida democraticamente como candidata a prefeita. Na reta final, segundo as pesquisas de opinião, em 3 de outubro de 1988, Luiza Erundina estava em terceiro lugar, numa curva ascendente; ao final da tarde, o DataFolha e outras pesquisas de boca de urna davam-na como vencedora, justamente contra o atual Prefeito Paulo Maluf e José Serra, seus adversários na ocasião.

Luiza Erundina fez uma administração voltada sobretudo para as áreas sociais, instituindo uma fantástica sistemática de participação popular. Em uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes, conseguiu instituir o orçamento participativo, que certamente será agora aperfeiçoado, na sua nova gestão.

Luiza Erundina quase foi eleita Senadora em 94. Não desanimou e, este ano, resolveu disputar a indicação para ser candidata a prefeita com Aloizio Mercadante, que havia se destacado como Deputado Federal e candidato a vice-presidente, com Lula, em 94.

Numa disputa extremamente democrática, bonita, em que ambos realizaram treze debates perante as bases do Partido, em diferentes regiões da cidade, sagrou-se vencedora na prévia. Após procedimento exemplarmente democrático, que unificou o Partido, Aloizio Mercadante aceitou ser o seu candidato a vice-prefeito. Isso fez com que a base do PT se unificasse, como ficou demonstrado no extraordinário comício de domingo, com a participação de Lula, de José Dirceu, o nosso Presidente Nacional, e de toda a militância do Partido. Lá estiveram cerca de trinta mil pessoas, em frente ao Estádio Municipal do Pacaembu, relembrando um fato histórico, ocorrido em 27 de novembro de 1983, quando o PT havia convocado exatamente para aquele local o primeiro comício pelas "Diretas Já" - infelizmente, ocorrido no mesmo dia em que faleceu o Senador Teotônio Vilela.

Relembramos esse fato porque ali estavam novamente aqueles que tanto acreditaram nas causas da democracia, da busca pela justiça, da liberdade, de maior igualdade, de eficiência de um sistema que, para ser racional, tem que crescer com melhoria da distribuição da renda e da riqueza.

O embate em São Paulo, Sr. Presidente Valmir Campelo e prezado Senador Lauro Campos, é totalmente desproporcional, o que se pode observar caminhando-se pelas ruas de São Paulo, pelas grandes avenidas e praças, em qualquer lugar em que se esteja. Hoje de manhã estive na praça principal de São Miguel Paulista, onde havia dezenas de pessoas pagas - jovens, na maioria -, pelas esquinas das ruas, com bonés, bandeiras e camisetas dos candidatos Celso Pitta e José Serra, ambos com extraordinário poder econômico. A nossa militância chega e conversa com essas pessoas.

Hoje mesmo, estava eu fazendo meu exercício matinal, correndo perto de casa, quando observei um motorista de caminhão que, ao me ver, disse-me: "Vamos ganhar a eleição". Respondi-lhe: "Vamos ganhar, mas o senhor não quer substituir essas propagandas de Celso Pitta no vidro do seu caminhão? Dou-lhe algumas da Luiza Erundina". Ele falou: "Isso aqui é só para mostrar, porque eu mesmo vou votar na Luiza Erundina".

No centro comercial de São Miguel Paulista ocorreu fato semelhante. Estava ali um rapaz negro, com vestimenta humilde e com um boné de Celso Pitta. Eis que, ao se deparar com Luiza Erundina, para a nossa grata surpresa, ele disse: "Luiza Erundina, vou votar em você".

Ou seja, os bonés do poder econômico são aceitos, mas a consciência da população está mais atenta. Daí por que pode haver uma modificação bastante surpreendente já no primeiro turno. Acredito possa Luiza Erundina surpreender e, inclusive, vencer no primeiro turno. Até amanhã muita coisa poderá acontecer, especialmente em função dos procedimentos ocorridos nesses últimos dias.

O Senador Lauro Campos citou aqui a revelação, feita pelo Banco Central, de que teria havido uma operação que causou prejuízos à Prefeitura, com as Letras Financeiras do Tesouro Municipal. Avalio que houve no episódio algo que ainda não foi explicado. Perguntei ao Secretário Municipal de Finanças da gestão de Luiza Erundina, Amir Khair, se, porventura, em algum momento, ele havia dado ordens à Corretora Banespa, que administra o fundo rotativo ou os títulos do Tesouro Municipal, para que fossem realizadas operações com essa ou aquela corretora determinada, A, B ou C. Havia eu estranhado a carta do Secretário de Finanças - e há mais do que uma carta - determinando que fossem efetuadas operações com essa ou aquela corretora. O Secretário Celso Pitta precisa explicar essa definição de realização de negócio com essa ou aquela corretora.

O Senador Lauro Campos há de se lembrar que, ainda este ano, houve uma preocupação na Comissão de Assuntos Econômicos quando o Senador Roberto Requião observou que estavam alguns poderes públicos municipais e estaduais, e mesmo o federal, solicitando autorizações de operações de empréstimos ou de rolagem de dívida e de renegociação dos títulos da dívida externa brasileira, definindo-se já qual seria a instituição financeira intermediária. S. Exª achou estranho, até porque soube de casos em que corretoras ou intermediários receberam pagamentos extraordinariamente altos.

Passou a haver o cuidado - essa é uma nova decisão da Comissão de Assuntos Econômicos - de se evitar esse tipo de procedimento. Na própria renegociação dos títulos da dívida externa agora há uma cláusula. A intenção do Senador Roberto Requião era de exigir a licitação pública. Porém, no diálogo com as autoridades e com o Senador Vilson Kleinübing, acabaram escrevendo uma cláusula, que foi aprovada, segunda a qual a remuneração da instituição financeira terá que levar em conta a melhor taxa de juros, o melhor prazo e as melhores condições para o poder público. Então, há, inclusive, uma relação entre a remuneração da instituição financeira que estiver realizando o negócio que melhor atender àquele respectivo poder público. Então, aí já estranhei. 

Há um outro procedimento que, a meu ver, não está inteiramente esclarecido. O Banco Central deveria ter sido mais rigoroso - e constatou isso -, porque parte do levantamento de recursos para fins de pagamentos de precatórios judiciais não foi utilizado para essa finalidade. Esse já seria um procedimento que mereceria maior rigor e atenção do Banco Central. 

Agora vem esse outro aspecto que o Senador Lauro Campos bem levantou, ou seja, que seria próprio que o Banco Central tivesse levantado isso há mais tempo. Antes do dia de amanhã, seria conveniente que o Banco Central chegasse a uma conclusão para não deixar no ar essa questão. 

Sr. Presidente, Srs. Senadores, quando o Senador José Serra e Luiza Erundina, no debate, perguntaram a Celso Pitta sobre o prejuízo em princípio causado, ele mencionou que não houve prejuízo, mas não soube explicar detalhadamente por que não houve o prejuízo. A dúvida paira. A investigação pelo Banco Central diz que prossegue. Ora, seria próprio que os eleitores fossem esclarecidos sobre isso.

Agora, há um aspecto grave ocorrido na noite do debate: as declarações do Ministro das Comunicações, Sérgio Motta, que referiu-se à Srª Luiza Erundina de modo ofensivo, de tal maneira que causou estupefação a todos nós, inclusive a mim, que conheço Sérgio Motta. Fui seu companheiro na UEE e na UNE em 1992, 1993 e 1994, quando inclusive elegemos José Serra por recomendação sua, que, à época, era presidente da UEE e da UNE. Foi ele que também recomendou que eu fosse escolhido, em 1964, para ser vice-presidente da UEE em São Paulo.

Então, desde aquela época somos companheiros e gostaria que estivéssemos sempre do mesmo lado, defendendo os mesmos ideais. Tenho a convicção de que Sérgio Motta, a partir dos resultados de amanhã, estará defendendo o voto em Luiza Erundina. Mas preciso, aqui, fazer uma pergunta: o Ministro Sérgio Motta vai pedir desculpas à candidata pelo que declarou na terça-feira à noite? Porque é inadmissível, inclusive, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso possa aceitar um procedimento dessa natureza por parte de seu Ministro.

Domingo retrasado, fiz uma visita ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando inclusive dei a Sua Excelência um livro autografado pela Srª Bridget, filha de James Edward Meade, sobre o pleno emprego reconquistado. Na ocasião, conversamos sobre a questão da reeleição e apresentei-lhe o meu ponto de vista, ou seja, que não sou favorável ao princípio da reeleição. Mencionei também que está havendo muito empenho de sua parte, ao que me respondeu que não era de sua parte, mas da imprensa, de seus Ministros. Não sei se o Presidente tem autoridade sobre seus Ministros em temas como o da reeleição, mas quando o Ministro das Telecomunicações ofende pessoalmente, nos termos em que fez, a Srª Luiza Erundina, cabe a Sua Excelência repreendê-lo.

Espero, em nome do respeito democrático, que o Ministro peça desculpas à Srª Luiza Erundina.

Essa foi uma das razões pelas quais resolvi vir hoje ao Senado Federal. Pensei até em formular um requerimento de informações indagando se o Ministro Sérgio Motta pedirá desculpas à Srª Luiza Erundina, mas entendi que o Regimento permite que o requerimento de informações se dê somente sobre questões legislativas. Portanto, formulo a questão como orador da tribuna.

Sr. Presidente, todas as mulheres com as quais conversei sobre a declaração de Sérgio Motta se sentiram indignadas. As jornalistas sentiram-se extraordinariamente indignadas; minha mulher, Deputada Marta Suplicy, ficou abismada; a candidata Luiza Erundina, com razão, afirmou que o Ministro Sérgio Motta estava desqualificando sua própria posição de Ministro.

A indignação da mulher está exemplarmente colocada pela jornalista Dora Kramer, em seu artigo intitulado "Respeito é bom e todo mundo gosta", no Jornal do Brasil de hoje.

      "Um dos discursos prediletos do Ministro Sérgio Motta é aquele onde invoca o regime militar para ressaltar a democracia do Governo ao qual pertence. Gosta o Ministro também de reagir a críticas acusando o interlocutor de querer a volta dos reacionários. Pois muito mais reacionário foi o Ministro na madrugada de segunda para terça-feira, nos ataques que fez à candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, Luiza Erundina. E, ao procurar mostrar valentia, deu uma inusitada demonstração de covardia.

      Ultrapassou o limite não apenas da boa educação, mas principalmente da civilidade e do respeito humano. O Ministro é homem público e, como faz questão de lembrar constantemente, integrante de um governo democrático. Por isso mesmo, eleito para servir e respeitar o País. Nunca se ouviu, nem do mais autoritário dos generais, o que Sérgio Motta diz aos microfones como se o cargo de Ministro lhe conferisse liberdade para dizer o que quer, quando bem entende e no tom que considera mais conveniente.

      É surpreendente que o presidente da República permita que um subordinado use seu cargo e autoridade de forma absolutamente descontrolada. O que houve nos bastidores do debate entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo, promovido pela TV Bandeirantes, foi apenas um episódio de uma série que a tolerância brasileira folclorizou na chancela das sergices.

      Ditos que já chegaram até a atingir a intimidade do próprio presidente. Que, pelo menos de público e ao que se saiba, não reclamou, sendo lícito imaginar que deve ter achado engraçado. Com certeza, Luiza Erundina e mulher nenhuma neste País conferiram a mesma graça ao que disse o Ministro que, se algum sentimento de respeito ao próximo ainda lhe restar à alma, deve desculpas públicas à candidata.

      Ofendeu todas as mulheres ao referir-se com escárnio à uma fase biológica da natureza feminina. Desrespeitou não apenas Erundina, mas também Celso Pitta, ao insinuar que os dois deveriam ter um relacionamento amoroso, pois a ex-prefeita estaria, na opinião dele, há muito precisando desse tipo de emoção.

      Pelo visto, se há alguém cujos nervos à flor da pele indicariam a receita prescrita por ele, não é a candidata do PT. A referência foi mais que desrespeitosa, foi moralista, de um moralismo cruel que revela todo o machismo contido num discurso pretensamente democrático. O que faz o Ministro supor que a vida pessoal da ex-prefeita não seja satisfatória?

      Talvez o fato de ela ter 62 anos de idade e, na visão retrógrada do Ministro, estar fora da competição amorosa pautada por valores que desconsideram conceitos mais elevados da humanidade. Nesse aspecto, o Ministro que tanto se bate contra o reacionarismo do PFL, mostrou que está vários passos atrás de Luís Paulo Conte, que defendeu o direito da mulher de decidir sobre suas próprias conveniências sexuais. Uma contradição, uma vez que os modernos supostamente seriam os tucanos. Mas apenas supostamente, pois Sérgio Cabral Filho, no afã de se aproveitar daquilo que imaginou ser uma escorregadela do adversário, também aliou-se a Motta em seu moralismo de ocasião.

      Dona Ruth Cardoso, mulher de luta pelos direitos democráticos de homens e mulheres, nos deve a todas pelo menos uma reprimenda íntima ao amigo.

      Já o Presidente da República fica a dever muito mais do que isso. É ele, e apenas ele, o único capaz de enfrentar com seriedade Sérgio Motta e, mais que pedir, determinar ao seu Ministro que contenha seu ímpeto nos limites da compostura dos homens de Governo. Imagine-se o que teria produzido nesta campanha o Ministro caso fosse ele, e não José Serra, o candidato. Uma carnificina em praça pública de conseqüências maléficas para a imagem do Presidente.

      Pois para Serra, com certeza, não conseguiu um só voto com as ofensas produzidas na madrugada.

      De nada adiante ter um Presidente fidalgo se ele permite - sem contestações - que alguém, cuja fama é ser correia de transmissão dos pensamentos presidenciais, assole o país com toda a sorte de declarações e ações sem medida.

      O Sr. Ministro das Comunicações e o Senhor Presidente da República, por extensão, não podem tratar o País e os seus cidadãos como se fossem uma platéia de debilóides, acuados pelo Poder, obrigados a encarar com reverência posturas de irreverência à deriva.

      Terminadas essas eleições municipais, o Palácio do Planalto começa uma complicada trajetória para conquistar, primeiro, a reeleição e, depois, a eleição propriamente dita.

      E essa imagem do "comigo ninguém pode", firmada por Sérgio Motta, pode ser fatal a Fernando Henrique, se bem administrada pelo adversário. Pois se o Presidente da República continuar a aceitar que com o Ministro nem ele pode, talvez também não consiga convencer o eleitorado de que pode continuar a governar o Brasil."

Brilhante análise de Dora Kramer. Ela coloca em termos corretos uma recomendação ao Ministro Sérgio Motta no sentido de que peça desculpas a Srª Luiza Erundina. E é o que espero sinceramente para que possamos construir uma democracia onde as pessoas se respeitem neste País.

O Sr. Lauro Campos - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Senador Eduardo Suplicy, gostaria de aproveitar esta oportunidade, não apenas para elogiar o seu trabalho nessas eleições. Tenho visto o seu esforço em Mato Grosso, bem como em diversas outras cidades em Estado do Brasil, e o seu desempenho ao lado da nossa candidata Luiza Erundina em São Paulo e quero dar os parabéns pela maneira como V. Exª vem desempenhando o seu mandato, com toda a sua plenitude, com toda a força de sua consciência e o abalizamento de suas convicções. Essas eleições vêm mais uma vez trazer uma oportunidade para que V. Exª demonstre os conhecimentos que têm dos problemas de São Paulo, diversas vezes candidato e eleito por São Paulo. E tendo em vista o seu conhecimento mais próximo a respeito de alguns problemas, gostaria de indagar sobre um episódio que sempre nos preocupou a todos nós brasileiros: existem alguns candidatos que, me parece, são verdadeiros candidatos profissionais. Quer eles ganhem, quer percam, uma eleição, por exemplo para Presidente da República, ou para Governador, saem lucrando. O PC Farias não foi o primeiro a fazer escola, outros o antecederam nessa tarefa de patrocinar, de gerenciar algumas campanhas e, obviamente, lucrar com o processo eleitoral. A nós sempre faltaram recursos para nossas modestas campanhas, enquanto esses paus-brasis da vida, essas atitudes e essas organizações lançam as suas raízes usando até o nome da árvore que passou para o nosso País. São realmente práticas que se afastam completamente do nosso comportamento político. De modo que as eleições que aí estão deveriam ter trazido, também, à baila aquela questão que, por não ser de São Paulo, não consigo recordar, como é que enterraram o pau-brasil, como é que enterraram aquele comportamento do Sr. Calim Eid, e daquele outro pianista, José Carlos Martins, que, de repente, abandona, afasta-se de suas atividades artísticas para também executar aquela arte a que Vieira se referiu em um de seus livros. Então, parece-me que esse comportamento não envolve apenas um velho caso Lutfalla; e nunca conseguirei esquecer, foi o último ato do General Geisel, tentar impedir aquele empréstimo feito com recursos do Tesouro Nacional, via BNDES, para a família do Sr. Paulo Salim Maluf. São essas coisas que realmente não vejo acontecer, felizmente, no nosso Partido e que torna emocionante, transparente e animadora a luta modesta e consciente que desenvolvemos. Então, acho que, mais uma vez, e isso foi salientado por V. Exª, o Partido dos Trabalhadores vai encontrar a sintonia, aquilo que há de mais depurado na consciência cívica e política dos brasileiros, e avançar nessas eleições, logrando mesmo, como V. Exª acaba de prever, a nossa presença nas edilidades e nas prefeituras do País. De modo que, então, gostaria de saber se V. Exª tem alguma informação a respeito daquele episódio tão deprimente que constituiu o chamado caso Pau-Brasil.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Prezado Senador Lauro Campos, é fato que, nas campanhas de 1990 e 1992, se identificou que o candidato a Governador e a Prefeito, Paulo Maluf, havia se utilizado do mecanismo - quando à época não era permitido - de receber contribuições de empresas ou pessoas jurídicas. Constatou-se isso através dessa sistemática que foi objeto de inquérito policial e de investigação por parte da Justiça, inclusive da Justiça Eleitoral.

Os procedimentos foram tais que isso não impediu que tivesse o Sr. Paulo Maluf assumido a prefeitura e praticamente está aí a concluir o seu mandato. O seu Secretário de Finanças, Celso Pitta, sobre isso nada disse até hoje que pudesse ser objeto de esclarecimento. Penso que seria oportuno que ele pudesse fazer uma avaliação de como se caracterizou a campanha daquele a quem serviu como Secretário de Finanças.

Infelizmente, neste caso, a Justiça, não foi tão célere como em outros casos. Ainda hoje, a Prefeita Luiza Erundina elogiou a Justiça Eleitoral durante esta campanha, porque tem procedido de forma imparcial. Entretanto, este caso está pendente até hoje, e era nitidamente um caso de abuso do poder econômico. Daí por que considero importante que façamos o registro do seu não esclarecimento.

Sr. Presidente, eu gostaria de concluir, voltando ao tema que o Senador Lauro Campos havia levantado e relacionado, ainda, ou seja, à questão das eleições e do direito de reeleição. Para salientar o disparate da afirmação do Ministro Antônio Kandir, segundo o qual nós teríamos um crescimento de 9% ao ano, caso houvesse direito de reeleição, basta assinalar - e faço aqui o registro -, aquilo que ele próprio, como Ministro do Planejamento previu para o ano que vem. No item 74 da Lei Orçamentária está dito:

      A estimativa dos impostos e contribuições foi efetuada com base na arrecadação efetivamente realizada de janeiro a maio de 1996 e na arrecadação prevista para junho a dezembro do mesmo ano, levando-se em conta a legislação tributária vigente, um crescimento do PIB de 3,9% e um índice médio previsto do IGP-DI de 10,6%.

Na proposta orçamentária, refere-se à previsão de crescimento para 1997, ou seja, de um lado, ele afirma que, se a reeleição passa, o PIB pode crescer até 9%; segundo a proposta orçamentária, a sua proposta de previsão é de 3,9%. Que mágica haveria para que ocorresse tal melhoria de crescimento? Ou será que ele está por instituir mecanismos que venham a melhorar o crescimento? Qual seria o mecanismo para melhorar o crescimento? Melhorar a distribuição da renda e a distribuição do patrimônio.

Eu gostaria de registrar o artigo do Vice-Presidente Senior e Economista-Chefe do Banco Mundial Michael Bruno e do Diretor do Departamento de Pesquisa sobre Políticas de Desenvolvimento do Banco Mundial Lyn Squire, que tem por título "Por que se preocupar com a desigualdade?". Vou pedir que se registre o trecho na íntegra:

      "Qual é o impacto da igualdade sobre o crescimento econômico? Usando de novos dados, concluímos que os países em desenvolvimento com uma distribuição mais eqüitativa de ativos, especificamente terras, cresceram mais rapidamente do que os países com uma distribuição menos eqüitativa de ativos. É interessante que não encontramos uma associação da mesma força entre a igualdade de renda e o crescimento. Por que uma distribuição mais eqüitativa de ativos beneficia o crescimento? Sabemos que o investimento é crucial para a expansão. Os pobres, freqüentemente, não conseguem investir porque carecem de capital e também de garantias para tomar empréstimos. Em países com uma distribuição muito desigual de ativos, muitas pessoas têm dificuldades ou são impossibilitadas de investir mesmo em sua própria saúde ou educação."

Ora, Sr. Presidente, segundo o Atlas Fundiário Brasileiro, divulgado pelo Ministério da Reforma Agrária, há poucas semanas, 2,8% dos maiores imóveis detêm 56,7% da área agricultável do País. Mostra ainda que, desde os anos 40, mantém o índice de desigualdade Gini, superior a 0,8O% - de 0,856 em 1966; 0,831 em 1972; 0,85 em 1978 e 0,8278 em 1992. Constitui-se, portanto, um País de extrema desigualdade no que diz respeito à concentração fundiária. Aí estão os resultados de estudos realizados. Seria preciso que se modificasse esse estado de coisas o mais rapidamente possível.

Se uma reforma agrária estivesse sendo realizada com rapidez, eu até poderia concordar que iríamos crescer com mais velocidade. No entanto, vejo demora na sua realização bem como no que diz respeito ao governo abraçar instrumentos de política econômica que melhorem a distribuição da renda. Para as autoridades econômicas parece que o simples crescimento da economia faria melhorá-la em termos da erradicação da miséria.

No estudo realizado pelo economista Gustavo Franco, na inserção externa e no desenvolvimento, que comentarei em outra oportunidade, parece que a distribuição da renda se daria automaticamente. E não é assim que acontece. É preciso que haja os instrumentos de política econômica para compatibilizarmos crescimento com estabilidade e melhoria da distribuição da renda.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/1996 - Página 16494