Discurso no Senado Federal

QUEDA NA PRODUÇÃO DE ALGODÃO, BASE DA AGRICULTURA CEARENSE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • QUEDA NA PRODUÇÃO DE ALGODÃO, BASE DA AGRICULTURA CEARENSE.
Aparteantes
Francelino Pereira, Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/1996 - Página 16629
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • DECADENCIA, PRODUÇÃO AGRICOLA, ESTADO DO CEARA (CE), CULTIVO, ALGODÃO.
  • DEFESA, ADOÇÃO, POLITICA, SUBSIDIOS, PRODUÇÃO AGRICOLA, CULTIVO, ALGODÃO, REGIÃO NORDESTE, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO CEARA (CE).
  • ANALISE, REDUÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA, ALGODÃO, BANANA, ARROZ, MOTIVO, EXECUÇÃO, DUMPING, PAIS ESTRANGEIRO, EUROPA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no ano passado, abordamos em pronunciamento, nesta Casa, a situação insustentável em que se encontrava a cotonicultura brasileira, especialmente a nordestina. O Brasil passou da posição de maior exportador mundial na década de 80 para a situação de segundo maior importador. A produção de algodão caiu para 400 mil toneladas de pluma em 1994, menos da metade da produção registrada nove anos antes, ou seja, em 1985, quando chegou próximo a um milhão de toneladas.

O caso do algodão não é o único a indicar a decadência da agricultura no País.

Recentemente, o Deputado Delfim Netto citava exemplos de milhares de agricultores expulsos das áreas de produção de trigo, que foi reduzida de seis milhões de toneladas/ano para um milhão e duzentas mil toneladas. Os arrozeiros do Rio Grande do Sul foram arruinados pela prática de uma política irresponsável de importações. A cultura do cacau foi outra lavoura dizimada pela falta de apoio técnico e financeiro desde 1990.

Existe ainda o problema das economias leiteiras em Minas Gerais, São Paulo e Paraná, onde se permitiu um dumping das importações da Europa e as facilidades mal negociadas com os países produtores do Mercosul. Os bananicultores, por sua vez, por problemas análogos aos sofridos pelo produtores de cacau e penalizados pela sobrevalorização cambial, perderam 80% de seus mercados na América do Sul e na Europa.

E não se venha culpar a globalização e a pouca competitividade do Brasil, já que os países que hoje tiram postos de trabalho na agricultura brasileira subsidiam fortemente seus produtores.

No Ceará, a decadência do cultivo do algodão levou de roldão as indústrias de processamento e deixou desempregados milhares de trabalhadores, que tinham no produto sua única alternativa de renda.

O algodão não surgiu como atividade importante geradora de renda e emprego no semi-árido por acaso, e sim pelo esforço e observações de nossos antepassados, que identificaram no seu cultivo um profundo ajustamento ecológico com o clima de semi-aridez.

Daí as dificuldades de se encontrar um sucedâneo à sua altura. As tentativas frustantes do gergelim, da mamona e da jojoba exemplificam bem esse fato. No Centro-Sul, o algodão foi substituído pela soja e outros produtos, dadas as melhores condições naturais.

Contraditoriamente, o Ceará passou de 6º produtor de algodão no Brasil para 2º e consome 120 mil toneladas, importando grande parte do produto de países que fornecem condições excepcionais aos compradores.

O algodão já constitui a principal fonte de renda da agricultura cearense, correspondendo a 24% do produto agrícola. O Ceará produzia toda a pluma para sua indústria têxtil e exportava o excedente para outros Estados do Sul ou para o exterior. Ademais, o caroço de algodão era a principal matéria-prima para a indústria de óleos vegetais, com as tortas destinando-se à pecuária leiteira.

O Sr. Francelino Pereira - V. Exª concede-me um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Francelino Pereira - Senador Lúcio Alcântara, este é um tema que me levará à tribuna depois de análise que estamos fazendo na região mineira da Sudene, que compreende 52 municípios e onde residem 1,5 milhão de pessoas. A cultura do algodão era efetivamente muito significativa para a população da região, para o consumo do Estado, para o consumo do País e para a exportação. Mas, de uns anos para cá, nem mesmo o esforço do Banco do Nordeste, que sabidamente é uma instituição devotada aos problemas do Nordeste brasileiro, ao semi-árido em especial, tem tido condições de atender aos reclamos da população do norte de Minas Gerais com relação à produção de algodão. Acredito que o Governo deverá tomar uma posição porque o desemprego aumentou muito e a pobreza multiplicou-se. A cultura algodoeira era muito importante sobretudo numa região de pequenas propriedades e, atualmente, o norte de Minas Gerais passa por momentos muito difíceis. Estou de pleno acordo com as preocupações de V. Exª. Vamos somar esforços para fazermos algo ao nível de projeto executável para solucionar esse problema, pelo menos em parte. Muito obrigado.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª, um profundo conhecedor da realidade mineira, ex-Governador do Estado, mostra em seu aparte que esse problema nessas áreas, especificamente na área da Sudene, no Estado de Minas Gerais, é muito sério na medida em que libera mão-de-obra e não há muitas outras maneiras de absorvê-la em outra atividade devido ao próprio ecossistema da região, o que agrava enormemente a pobreza em uma região que já enfrenta grandes dificuldades.

Espero que possamos conjugar esforços - dos governos estaduais, da Sudene e de outras instituições como o Banco do Nordeste - para recuperar, mesmo que em novas bases, a produção de algodão do semi-árido, a região que enfrenta os maiores problemas para a manutenção e sobrevivência do homem no campo.

O Sr. Osmar Dias - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Tem V. Exª a palavra.

O Sr. Osmar Dias - Senador Lúcio Alcântara, já tratei desse tema mas vou a ele porque esse problema, que afeta o Estado do Ceará e outros Estados do Nordeste pela importância da cultura do algodão, também afeta os Estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso que têm na cultura do algodão uma fonte de renda e de empregos. A causa principal da devastação da cultura do algodão foi a abertura sem critérios do mercado nacional, com o oferecimento de benefícios para os importadores, tais como com créditos de longo prazo. Até agora não houve uma medida do Governo Federal no sentido de oferecer uma solução para esse problema. O Paraná que plantava 500 mil hectares, plantará, nesta safra, 120 mil hectares, o que significa um desemprego de 250 mil pessoas desde a época de plantio até a colheita de algodão. Em termos de Brasil, isso significa 600 mil desempregados em função da redução da área do plantio da cultura do algodão. É o resultado da visão imediatista dos importadores, que terão de pagar um preço caro pela importação. V. Exª já disse que produziremos 400 mil toneladas de pluma, quando nosso consumo é de 820 mil toneladas anuais. Nós que já produzimos para exportar - o Paraná era um Estado exportador - estamos precisando importar cerca de 60% de nosso consumo - repito - resultado de uma visão imediatista que pode nos levar a depender integralmente das importações de algodão, como já ocorre com a cultura do trigo. Isso precisa ser detido. O Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo precisa reconhecer aquilo que os Estados Unidos publicaram num boletim informativo do Departamento de Agricultura, no qual eles informaram que subsidiaram a cultura de algodão em US$5 bilhões. O Governo americano confessa o subsídio, e o Governo brasileiro se nega a fazer a investigação do subsídio na origem, direito que é reconhecido por aqueles países importadores, previsto no acordo do GATT, que podem fazer a investigação. E, caso constatado o subsídio, os países podem estabelecer uma alíquota que ofereça paridade no mercado nacional. Isso não ocorrendo, evidentemente, fica melhor importar. Ocorre, então, um massacre da cultura e de um grande número de empregos, Senador Lúcio Alcântara. Obrigado pelo aparte.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª, como grande conhecedor que é do assunto, com seu aparte enriquece o meu pronunciamento e me faz lembrar a ironia que estamos vivendo no Ceará que possui um moderno parque industrial têxtil de fiação e tecelagem, já chegou a produzir 100 mil toneladas de pluma de algodão e hoje está produzindo 10 mil. Portanto, uma situação extremamente difícil que acarreta a liberação de mão-de-obra no campo e o empobrecimento do rurícola cearense.

Existia também uma multiplicidade de usinas de descaroçamento do produto que, em conjunto com a indústria têxtil e uma rede de atividades comerciais e de transporte, consignava a base da economia cearense. Em resumo, a cultura do algodão, que ocupava uma área plantada de 1,3 milhão de hectares e produzia 100 mil toneladas de algodão em pluma em 1980, caiu para 14 mil toneladas em 1995. Atualmente, cerca de 90% do consumo do moderno parque têxtil do Ceará, que é o segundo mais importante do Brasil, são importados do exterior - da Grécia, dos países que compunham a ex-União Soviética, do Paquistão, e assim por diante -, com divisas que poderiam estar irrigando a economia rural do Ceará.

São conhecidas as causas da crise na produção do algodão do Nordeste, tais como o surgimento do destrutivo "bicudo", crises climáticas e a falta de competitividade da cultura de algodão mocó que, devido a uma baixa produtividade, não apresentava condições para combater as pragas que o destruía. Hoje, o que mais se ouve é se haveria possibilidade da revitalização da cultura algodoeira em nosso Estado. Segundo os mais criteriosos estudos sobre o assunto, a resposta poderia ser positiva, embora complexa. Mas não será viável ou economicamente justificável a reintrodução da mesma variedade cultivada no passado, como a utilização das mesmas áreas ocupadas com o algodão herbáceo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dois fatos recentes merecem ser destacados e trazem novas esperanças. O primeiro é o novo Programa de Desenvolvimento da Cotonicultura Cearense, lançado recentemente pelo Senhor Governador Tasso Jereissati, através da Secretaria da Agricultura.

O referido programa tem base interinstitucional e objetiva o desenvolvimento sustentável da cultura do algodão. São previstas ações interligadas de sementes de novas variedades de algodão herbáceo anual de alta produtividade, desenvolvidas pelo Centro Nacional de Algodão de Campina Grande (PB), com assistência técnica acoplada ao financiamento agrícola especial do Banco do Nordeste do Brasil. O objetivo síntese desse moderno programa é obter maiores índices de produção e produtividade em competitividade internacional, com melhoria do padrão de vida do produtor rural. Em outras palavras, tornar o Ceará auto-suficiente na produção de algodão, visando suprir a demanda e fortalecimento do parque têxtil do Estado, que hoje, conforme já informamos, é o segundo mais moderno e importante do País.

As estimativas são de que esse programa de financiamento e modernização tecnológica será viável alcançar cerca de 350 mil hectares de algodão no ano 2.000, com 54 mil hectares irrigados. A produção de pluma poderá ser de 164 mil toneladas, provenientes de 470 mil toneladas de algodão em caroço. Isso significará a criação de aproximadamente 271 mil novos empregos, milhões de reais de ICMS e mais riquezas para o Ceará.

A segunda iniciativa parte da SUDENE, que, como órgão regional de desenvolvimento, não tem a pretensão de criar mais um programa específico sobre a cultura do algodão, como fez no passado, mas tão-somente valorizar, potencializar, complementando os esforços já então desenvolvidos por cada Estado, que por sua vez utilizam o rico acervo tecnológico do Centro Nacional de Pesquisa do Algodão - Embrapa.

Nesta linha de raciocínio, a SUDENE, ocupando seu espaço, acaba de criar o Grupo de Articulação e Negociação - GAN - com o objetivo de, sinergicamente, com os Municípios, com os Estados, com o Governo Federal e a iniciativa privada, buscar e neutralizar os obstáculos que estão garroteando o desenvolvimento da cotonicultura nordestina.

São temerários, no entanto, conforme frisei em pronunciamento anterior, os efeitos de uma prática que parece consolidada, ou seja, da compra do produto importado o qual é subsidiado na origem, pelos governos - como bem disse o Senador Osmar Dias -, e no destino final, através do oferecimento de múltiplas facilidades de crédito pelos exportadores.

Atualmente, apenas a China, os Estados Unidos, a Índia e o Paquistão apresentam taxas positivas e persistentes de variação na produção de algodão em pluma, graças as suas políticas de subsídios. No caso específico do Paquistão, conforme informações da imprensa especializada, o subsídio chega a 50% sobre o preço de algodão em pluma, o que permite a esse país colocar seus produtos têxteis a preços inferiores aos custos de produção de outros países.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de concluir objetivamente, reiterando que uma política de subsídio à produção algodoeira brasileira, incluindo-se a nordestina, e a cearense em particular, não oneraria de forma expressiva as finanças públicas da União.

Um subsídio de 20% sobre o atual custo do algodão herbáceo permitiria colocar o algodão na fiação, com um preço competitivo aos do mercado internacional, concessão que realmente poderá contribuir para o soerguimento da cotonicultura nacional, restaurando, assim, os postos de trabalho perdidos para os Estados Unidos, Paquistão e outros países.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/1996 - Página 16629