Discurso no Senado Federal

APREENSÕES DE S.EXA. COM O PROBLEMA DA MORADIA URBANA NO PAIS. RESERVAS AO ANUNCIO DA LIBERAÇÃO DE VULTOSOS RECURSOS FEDERAIS PARA O SALVAMENTO DE EMPRESAS DA CONSTRUÇÃO CIVIL.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • APREENSÕES DE S.EXA. COM O PROBLEMA DA MORADIA URBANA NO PAIS. RESERVAS AO ANUNCIO DA LIBERAÇÃO DE VULTOSOS RECURSOS FEDERAIS PARA O SALVAMENTO DE EMPRESAS DA CONSTRUÇÃO CIVIL.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/1996 - Página 16764
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GESTÃO, ORADOR, PREFEITO DE CAPITAL, GOVERNADOR, ESTADO DE GOIAS (GO), DESENVOLVIMENTO, PROGRAMA, ASSENTAMENTO RURAL, HABITAÇÃO POPULAR, METODO, MUTIRÃO.
  • COMPROMISSO, CAMPANHA, ORADOR, SENADO, EXTENSÃO, BRASIL, PROGRAMA, MUTIRÃO, HABITAÇÃO POPULAR, ESTADO DE GOIAS (GO).
  • ANALISE, AUSENCIA, INTERESSE, GOVERNO, BRASIL, SOLUÇÃO, REFORMA AGRARIA, AMBITO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, PRODUÇÃO AGRICOLA, EFEITO, EXODO RURAL, PROBLEMA, HABITAÇÃO, ZONA URBANA, DESEMPREGO, FALTA, SEGURANÇA.
  • COMENTARIO, CONCLUSÃO, CONGRESSO INTERNACIONAL, HABITAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, TURQUIA.
  • CRITICA, PLANO, HABITAÇÃO, GOVERNO, FAVORECIMENTO, EMPRESA, CONSTRUÇÃO CIVIL, FALTA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, REPUDIO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), DEFESA, SISTEMA, MUTIRÃO, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, PREFEITURA.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, desde que ingressei na vida pública sempre tive uma preocupação bastante acentuada com os segmentos mais sofridos da nossa sociedade. Sempre entendi que num país de dimensão territorial tão grande quanto o nosso é inaceitável que pessoas lutem por um espaço de terra, onde morar ou onde trabalhar. E no Brasil tem acontecido esse fenômeno. Na cidade, a luta pela casa própria e, na zona rural, a luta por um pedaço de terra onde a família possa buscar a sua subsistência, a sua sobrevivência.

Desde que assumi a primeira função executiva propriamente dita, a de prefeito municipal de Goiânia, procurei programas que tivessem como objetivo a construção de casas próprias para os segmentos pobres da nossa sociedade. Levamos para a cidade uma experiência rural, onde vivi até os 16 anos, o mutirão.

Na época, impossibilitada a prefeitura de buscar recursos para um programa mais abrangente, instituímos o mutirão da casa própria. Buscávamos doações de material, adquiríamos terrenos, acudíamos as famílias que tinham seus lotes e moravam mal, em moradias de papel, e, aos domingos, quando se realizava o mutirão num determinado bairro de Goiânia, juntamente com a limpeza da cidade, conserto das ruas, reforma de prédios escolares, atendimento médico e odontológico, construíamos casas para aquelas famílias que ali estavam praticamente encostadas no seu lote urbano, sem condições de arcar com a construção de uma habitação digna. Ao final do dia, dezenas e dezenas de casas eram construídas.

No Governo de Goiás, procurei também, como Governador, desenvolver o Mutirão da Moradia, e, paralelamente ao assentamento urbano, desenvolvíamos o programa de assentamento rural.

Deixamos já no primeiro Governo, de 1983 a 1986, centenas e centenas de lavradores sem-terra assentados em muitos municípios goianos.

No meu primeiro e segundo governo desenvolvemos o Programa Mutirão da Moradia. Chegamos a construir 3.300 casas, num só dia, em 69 municípios goianos. No Município de Goiânia construímos apenas em um dia mil moradias. Em que consistia esse programa? Os prefeitos doavam o terreno, o estado adquiria o material e cuidava da infra-estrutura de água e luz, e o povo construía as casas. Aos domingos, a população era convocada. O material era previamente colocado no canteiro de obras, e, ao final do dia, muitas casas ficavam prontas para acolherem milhares de criaturas.

Hoje, em Goiás, é possível encontrarmos mais de 50 mil famílias, assentadas nos dois governos que tive a honra de administrar, morando com dignidade em construções realizadas pelo Programa Mutirão da Moradia.

No decorrer da minha campanha ao Senado estabeleci como uma de minhas metas a luta para a instituição do Mutirão da Moradia em âmbito nacional pelo Governo Federal. Já tive oportunidade de trocar idéias com assessores do próprio Governo.

Hoje, vivemos um problema grave na área do assentamento rural. Milhares de famílias vivem de cidade em cidade, de acampamento em acampamento, de invasão em invasão, sem uma solução satisfatória. A cada dia, a situação se agrava mais, com desrespeito ao próprio Governo e à própria estrutura social.

Não demorará muito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, observarmos essa mesma complexidade e igual mesma agonia por parte de milhares de pessoas nas cidades para a obtenção da casa própria.

Acredito - isso não debito ao Governo do Presidente Fernando Henrique - que essa luta do Movimento dos Sem-terra se deve à indiferença dos sucessivos governos por uma reforma agrária que atenda realmente aos interesses nacionais. Se há 20, 30 ou 40 anos cada Presidente da República cuidasse de estabelecer um programa de assentamento rural, hoje não teríamos os sem-terra, o nível de vida de milhares de famílias seria melhor e a produção agrícola seria muito maior neste País. Entendo que a reforma agrária, além de atender a um segmento numeroso sob o aspecto social, atende aos interesses nacionais sob o aspecto produtivo.

No caso da moradia urbana, lamentavelmente, à falta de uma política agrícola consistente que valorize, na verdade, a população rural, os mini, médios e grandes produtores rurais, passamos a experimentar, nas últimas décadas, o fenômeno do êxodo rural, quando milhões de famílias deixaram a roça, abandonando milhares de casas, que ficaram vazias nas fazendas e nos sítios. As cidades foram como que tomadas por milhões de pessoas sem destino, sem rumo, com um só objetivo: buscar um lugar ao sol. Buscaram as cidades. Estas não estavam preparadas para receber, de um ano para o outro, tanta gente. Não tinham infra-estrutura, não tinham nada. Surgiram as favelas e as dificuldades foram aumentando.

Hoje, a vida nos grandes centros está praticamente insuportável. É o desemprego, gerador de miséria, miséria que gera o crime, crime que assusta, que incomoda, que dizima milhares e milhares de criaturas a cada semana, a cada mês, Brasil afora.

Se vivemos atualmente um quadro terrível em relação à falta de assentamento rural, já vivemos e vamos viver um quadro muito mais complexo na falta de habitação na zona urbana.

Não se assustem os Srs. Senadores o tanto que a situação agravar-se-á Brasil afora, amanhã ou num futuro muito próximo. Observemos o desrespeito ao direito de propriedade na zona urbana. Se esse direito hoje está sendo desrespeitado na zona rural, não demorará muito para que, amanhã, quando as pessoas deixarem as suas casas ou quando um senador deixar a sua residência na cidade do seu Estado para comparecer às reuniões do Senado, ao voltarem às suas cidades, as suas casas estejam ocupadas.

Como tudo está caminhando, isso será uma realidade cruel e não demorará muito, porque, lamentavelmente, as autoridades, no âmbito Federal, Estadual e Municipal, não tenham atentado para esse direito, que considero inalienável: o direito de uma família ter um lugar onde possa viver decentemente.

O mundo está assustado com essa realidade, tanto que no encontro de Istambul, do qual tive o privilégio de participar ao lado de outros quatro Senadores, o mundo começou - acredito que tardiamente - a preocupar-se com o problema da moradia. Naquele encontro, onde participaram mais de duas centenas de países, estabeleceu-se que o direito de moradia é reconhecido por todos os países signatários da Resolução de Istambul. No entanto, entre reconhecer o direito e executá-lo está existindo uma distância muito grande.

Dessa forma, desta tribuna, queria sugerir ao Governo Federal, ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, uma atenção muito especial para o problema da moradia no Brasil, principalmente a moradia urbana, seja nos grandes centros, seja nas pequenas cidades, seja nos povoados. Até sugiro que se dedique muita atenção à construção de casas nos pequenos povoados, porque as famílias ficarão próximas do seu local de trabalho, da sua lavoura, da área de produção.

Sr. Presidente, à nossa geração de homens públicos poderá ser imputada uma responsabilidade muito grande pela indiferença, pelo descaso em relação a esse problema que considero sério. Repito: sério, porque amanhã observaremos na propriedade urbana a mesma anarquia que hoje se observa na propriedade rural. A ocupação indiscriminada, ilegal, resultado da frustração, da agonia, do sofrimento de milhares de famílias que quase não vislumbram uma possibilidade de sobrevivência.

Hoje, assustei-me ao abrir os jornais, deparando-me com uma decisão do Governo de conceder milhões de reais para as firmas construtoras, financiando casa própria com o Fundo de Garantia.

Ora, Sr. Presidente, lamentavelmente é cruel, porém, uma realidade que grande parte dos planos de habitação, neste País, até hoje implantados, foram para atender interesses de construtoras, de empresas e nunca para atender aos interesses dos sem-casa, dos desprotegidos. Tanto é que se investiu muito na habitação deste País, para atender às classes, aos segmentos economicamente favorecidos da sociedade.

Não posso negar que tivemos as Companhias de Habitação Popular. Eu mesmo, quando Prefeito fui fundador da Cohab, de Goiás, uma vez que à época o Governador não se interessou pelo programa. O que aconteceu com as Cohabs? Elas praticamente foram desaparecendo.

Na verdade, aquelas famílias que compraram casas pelo programa das Cohabs foram agasalhadas. Grande parte delas conseguiu pagar as prestações e até hoje vivem bem, mas não demorou para que os planos começassem a ser elaborados para atender aos interesses das empresas, empresas que construíam e ganhavam dinheiro. As casas eram vendidas e elas saiam da jogada com seus lucros e os possíveis prejuízos, as inadimplências ficavam por conta do Governo.

Isso proliferou. Tanto é que hoje no meu Estado conheço conjuntos e mais conjuntos de casas populares, construídas por essas empreiteiras, que o Governo não conseguiu vender sequer uma delas. Muitas, depois, foram invadidas, porque não encontraram compradores. Outras nem invadidas foram, dependendo de cidade para cidade. Por quê? Porque casas com 20 e poucos metros de área construída custavam ao possível comprador 3, 4 vezes mais o preço de uma casa construída pelo sistema de mutirão. Casas com 20m², de área construída, que seriam ocupadas por famílias sem moradia, possuíam prestações superiores a 1 ou 2 salários mínimos. Por que essas casas foram construídas em todo o País? Esses programas, na verdade, foram feitos para atender aos interesses de construtoras. Sempre que há uma concessão governamental para atendê-los, vejo com reserva e desconfiança, pois aqueles que precisam dessas casas não serão atendidos. Os que necessitam delas nem sabem calcular o custo e, conseqüentemente, não defendem seus interesses. Muitas vezes, inadvertidamente, assinam contrato de compra para, pouco tempo depois, serem expulsos dessas casas. É o que vem acontecendo com freqüência.

Os jornais anunciam:

      "Governo cede, apesar das 40 mil obras inacabadas". "O Governo aprovará, até final deste mês, a volta das construtoras ao financiamento habitacional com recursos do FGTS". Estas são medidas consideradas impensáveis há alguns meses. Ontem, o Conselho Curador do FGTS analisou um voto, da Confederação Nacional da Indústria, que permite o ressurgimento da parceria extinta em 1991. Até hoje, segundo o diretor da Caixa Econômica Federal, Walter Herbert, existem quarenta mil obras inacabadas daquela época, porque as construtoras fizeram empreendimentos monstruosos que não tiveram procura. De acordo com Walter, o Governo cede às pressões das construtoras, porque não tem conseguido liberar os recursos do FGTS diretamente por meio dos Estados e Municípios, que estão sem capacidade de pagamento.

      Também o programa Carta de Crédito, que concede financiamento individual para famílias com renda de até doze salários mínimos, não deslanchou por causa da burocracia e da dificuldade dos candidatos em encontrar imóveis nas condições exigidas pelo Conselho Curador. Para evitar os transtornos do passado, a Caixa fez várias modificações no voto da CNI, e a decisão final sobre o assunto ficou para o próximo dia 22.

Justamente preocupado com isso, venho advertir os responsáveis por essa decisão do dia 22. Não podemos continuar decidindo sob pressão de construtoras, esquecendo os legítimos interesses daqueles que realmente precisam de casa.

Seja com recursos do Fundo de Garantia, seja com recursos do próprio Tesouro, a verdade é que o Governo precisa encarar com responsabilidade o problema da habitação popular no Brasil. Com responsabilidade e com preocupação! Que peguemos recursos do FGTS. Se for impossível, que destaquemos recursos do próprio Tesouro, mas que realmente construamos casas para as camadas pobres da sociedade brasileira. Caso contrário, vamos passar por vexame, e não demorará muito.

Sr. Presidente, com R$4 mil, o Governo pode construir pelo sistema Mutirão da Moradia. Com a participação das prefeituras municipais, dos Governos Estaduais, podem-se construir milhares e milhares de casas dignas, com infra-estrutura de água, de luz, de escola. Com R$4 mil! Vamos ver por quanto vai ficar uma casa construída por construtoras: R$ 10 mil ou R$ 12 mil no mínimo.

À época em que instituímos o Mutirão da Moradia, veio a oposição com aquele programa: está prejudicando o trabalhador da construção civil, está tirando a oportunidade das empresas que fornecem mão-de-obra. Isso se ouvia demais. Fechei meus ouvidos àquelas críticas e partimos para a construção de casas. Hoje tenho certeza de que, se prejudicamos algumas centenas de operários da construção civil, por outro lado, beneficiamos milhares e milhares de operários. A verdade é esta. Se cometemos alguns erros, iniciando o Mutirão da Moradia pela Capital; no segundo ano de Governo, transferimos o programa para cidades mais distantes, para evitar que as pessoas acorressem à capital em busca de casa.

Nesse segundo Governo, construímos vilas em todos os Municípios de Goiás. Todos os Municípios - exceto um - têm hoje uma, duas, três ou mais vilas de mutirão. Umas com 40 casas, outras com 100, outras com 500 casas. Todos os Municípios têm e quase todos os distritos e povoados têm também casas construídas pelo sistema de mutirão.

Basta dar ao prefeito os recursos para que ele adquira o material, e as casas serão construídas. Não houve nenhum desencontro. As seleções eram feitas de acordo com as necessidades, de acordo com o tempo de residência da pessoa naquela cidade e não houve sequer uma falha que pudesse desmerecer o programa. Por que não fazer isso? Que se acabem as construtoras, mas que se salvem milhares de famílias que querem casa!

Essas empresas que vivem de construção de casas populares vão encontrar um meio de trabalho em outras áreas da construção. Ou então que construam com recursos próprios. Ou que se destaque um percentual de recursos para atender à classe média, à classe alta, cuja moradia é constituída de arranha-céus, de apartamentos. Mas o Governo não pode esquecer que a prioridade deve ser estabelecida às famílias pobres, porque são milhares, são milhões. E a cada ano outros milhões de jovens filhos de operários formam família e não têm a mínima expectativa de uma casa própria.

Nós estabelecemos, no nosso segundo Governo - e o atual Governador de Goiás, Maguito Vilela, dá ênfase a esse programa -, a distribuição de lotes urbanizados. O Governo Estadual compra a área, leva água, leva luz, dá o lote e a pessoa começa construindo um cômodo, depois constrói o segundo, e assim por diante.

Hoje temos em Goiânia quatro setores consideráveis, com mais de 12 mil casas construídas nesse sistema no meu segundo Governo. Adquirimos o terreno, levamos a infra-estrutura, distribuímos os lotes. Estão lá as pessoas. Ressalte-se que distribuímos os lotes com critério.

E esse também seria um programa.

Lembro-me do tempo quando eu era Ministro da Agricultura no Governo José Sarney. O Presidente estabeleceu um programa de distribuição de um kit que ia da chave à telha. O Governo do Estado comprava o terreno, construía a infra-estrutura e o Governo Federal contribuía com os recursos para a compra do material.

Há, em Goiânia, inúmeros setores - Dom Fernando I, Dom Fernando II, Jardim das Oliveiras, Jardim das Arueiras - construídos com a participação do Governo Federal e do Governo Estadual.

Hoje não temos mais notícias desses programas. O que se vê é o anúncio de socorro a construtoras. Que sejam as construtoras socorridas, mas de tal maneira que os operários, que os pobres tenham oportunidade, porque esses representam um percentual muito grande da nossa população.

Era esta, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a advertência que me senti no dever, ao abrir o jornal hoje, de trazer a esta Casa.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me concede um aparte?

O SR. ÍRIS REZENDE - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Pedro Simon - Não calcula V. Exª a emoção que sinto ao assistir ao seu pronunciamento. Em primeiro lugar, pelo conteúdo; em segundo, pelo exemplo. V. Exª fala com a autoridade de quem fez. Faço-lhe um apelo, porque sei que tem ligação com o Governo Federal: peça uma audiência ao Presidente da República e entregue a Sua Excelência cópia do discurso que V. Exª fez nesta tribuna. Seria uma colaboração inestimável que V. Exª prestaria ao Presidente da República se lhe entregasse cópia deste pronunciamento, que, em primeiro lugar, é um exemplo. Lembro-me que, quando Ministro da Agricultura, estive em Goiás para ver o trabalho espetacular de V. Exª, o das mil casas em um dia em Goiânia, que obteve uma repercussão impressionante. V. Exª diz algo muito bonito quando faz um mea culpa: reconhece que começou por Goiânia e que começou errado. Mas esse erro que V. Exª corrigiu há muitas pessoas que continuam cometendo até hoje, fazendo as áreas de habitação popular em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife, não entendendo que V. Exª fez o correto logo depois, construindo casas nas pequenas e médias cidades para que o cidadão pudesse ter condições de coabitar e viver na sua cidade. O processo de mutirão ou os lotes urbanizados que, de certa forma, fiz em meu governo, parecem-me ser a única saída. Hoje, andando pelo interior do Rio Grande do Sul, constato que há processos que o governo poderia fazer: estabelecer fábricas de casas populares, como a criada pelo Governo Collor para produzir o material necessário à montagem dos CIEPs. Isso já está sendo feito. Conheço muitos lugares no Rio Grande do Sul em que a própria prefeitura tem fábrica de casas, de diferentes formatos. O material é entregue com rapidez ao cidadão, para que faça sua casa, com mais facilidade e pela metade do preço. Que outra alternativa tem o Governo Federal a não ser chamar o Governo de Estado e o municipal para equacionar a questão? Como ressalta V. Exª, recebe quem precisa. Não é V. Exª, no Palácio, que saberá das necessidades dos que vivem no interior, mas sim o seu representante no Governo do Estado, junto com o representante da prefeitura. Não é V. Exª e não será o Governo Federal, com uma empreiteira, que resolverá o custo da construção e se ele está sendo feito corretamente. Agora, eu, que estou construindo minha casa com minha família, vou fiscalizar. Não consigo entender, Senador Iris Rezende, como um governador que tem a visão social, que tem a preocupação do Presidente Fernando Henrique Cardoso, assine ou aceite que, no seu governo, aconteça o que V. Exª está relatando, que vai querer, a exemplo do Proer dos bancos, criar o Proer das construtoras de casas. Que é importante o programa das construtoras, das firmas de construção, tudo bem. Esse é um problema. Mas o interesse fundamental é do cidadão que não tem casa. Está provado que nem é má vontade da empresa de construção, é difícil mesmo. Ela precisa ter lucro e movimenta-se em um outro diapasão. Não é a movimentação que existe no sentido do Governo Federal entrar com o recurso, a prefeitura entregar o terreno, o Governo Estadual fazer a infra-estrutura do lote e o cidadão construir a sua casa. Não tem imposto, não tem nada, não tem desvio. Portanto, faço um apelo a V. Exª, no sentido de que peça uma audiência ao Presidente da República, com essa simplicidade e autoridade que lhe caracterizam. V. Exª não vai dizer o que pensa, mas sim mostrar o que fez e tem sido continuado pelo seu sucessor. Isso não está ocorrendo só em Goiás, pois, no Rio Grande do Sul, existem prefeituras que estão fazendo exatamente isso. Sei que o Presidente da República o respeita e lhe quer bem. V. Exª tem uma credibilidade extraordinária. Leve esse pronunciamento a Sua Excelência. Não deixe que continuem com essa questão. Pode ser até outra, mas não é por aí que vamos resolver o problema da moradia. Meu profundo abraço ao prezado colega pela oportunidade, pela serenidade, pela profundidade do que está expondo. V. Exª está fazendo uma proposta alinhada em dados daquilo que V. Exª conhece; portanto, tem autoridade para isso.

O SR. IRIS REZENDE - Muito obrigado, Senador Pedro Simon. O aparte de V. Exª honrou-me e valorizou, sobretudo, o meu pronunciamento.

V. Exª tem sido, ao longo dos anos, um dos meus conselheiros na vida pública, e irei seguir o conselho de V. Exª. Procurarei o Presidente Fernando Henrique e vou manifestar a Sua Excelência a minha preocupação. V. Exª sentiu aqui, através da leitura, que a preocupação em não emprestar dinheiro às prefeituras para a construção de casa própria é devida às condições das prefeituras quanto à sua capacidade de endividamento.

Ora, por que não se comportar com as prefeituras como se comporta com as construtoras? As construtoras até hoje não ficaram responsáveis pelo cumprimento do resgate das prestações pelos compradores das casas. A empresa sempre construiu, ela própria arranjava o comprador e, nessa hora, ela saía. Aí ficavam o comprador e a Caixa Econômica Federal. Por que não se adotou esse princípio com as próprias prefeituras, se qualquer prefeitura - isso afirmo com absoluta segurança - neste País se dispõe a construir casas populares por 1/3 do custo, relativamente, das casas construídas pelas construtoras? Por quê? As prefeituras já têm seus empregados, seus caminhões que buscam areia, seus postos de areia, suas minas de brita, seus britadores. Isso custa muito pouco para as prefeituras. Elas se interessam muito pela solução dos problemas de seus munícipes, têm seus operários, seus mestres-de-obra.

Complementando, o que fizemos nesse segundo governo? Modificamos o sistema de mutirão. O município entregava o terreno ao Estado, devidamente limpo, o Estado fazia o projeto daquele conjunto, comprava o material em licitação. Então, a empresa ou as empresas fornecedoras entregavam o material no canteiro de obras. Ali ficava um operário do Estado vigiando o material. Fazia-se a classificação dos candidatos à casa.

Não era mais aquele mutirão de convocar a cidade para a construção das casas. Todos os sábados e domingos, cada candidato ao programa levava os seus parentes, seus vizinhos e amigos para ajudarem na construção da sua casa. Ele é que os convocava e não mais a prefeitura ou o Estado. Alguns construíam a casa em dois finais de semana, e outros a construíam em um mês. Se uma, duas ou três pessoas encontrassem dificuldades, ao final de dois meses, a prefeitura complementava com seu pessoal, e, em dois ou três meses, o conjunto ficava pronto.

O Estado comprava o material para todo aquele conjunto e o colocava no local. Num determinado dia, começava-se a construção. Basta fazer isso para que cada pessoa neste País que se interessa por uma casa arranje familiares, amigos, compadres e vizinhos para darem um "adjutório" - utilizamos essa expressão no interior do Estado - na construção da casa. Ninguém se nega a ajudar. O brasileiro é muito solidário. Quanto mais humilde o povo, mais solidário ele é. Isso é interessante.

Senador Pedro Simon, seguindo a sugestão de V. Exª, vou aprimorar essa questão, porque, na verdade, não me preparei para este pronunciamento. Eu o fiz diante do que li hoje na imprensa nacional. Senti-me um tanto revoltado, indignado e inconformado com isso, porque sou um apaixonado pela construção de casas populares. Volto a repetir: uma moradia é o mínimo que a sociedade, por meio do Poder Público, pode dar a seus integrantes. Vim a esta tribuna para justamente evitar que mais uma vez se estabeleçam planos de construção para privilegiar apenas um segmento da sociedade em detrimento de um grupo numeroso e tão carente de moradias.

Muito obrigado a V. Exª pelo aparte e ao Sr. Presidente pela condescendência em nos tolerar aqui além do tempo regimental.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/1996 - Página 16764