Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE AS PARTICULARIDADES POR QUE PASSA O PROCESSO ELEITORAL EM NOSSO PAIS. CONGRATULANDO-SE COM AS DUAS CANDIDATAS MULHERES, DE ESQUERDA, QUE DISPUTAM A PREFEITURA MUNICIPAL DE MACEIO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • REFLEXÕES SOBRE AS PARTICULARIDADES POR QUE PASSA O PROCESSO ELEITORAL EM NOSSO PAIS. CONGRATULANDO-SE COM AS DUAS CANDIDATAS MULHERES, DE ESQUERDA, QUE DISPUTAM A PREFEITURA MUNICIPAL DE MACEIO.
Aparteantes
Ademir Andrade, Antonio Carlos Valadares, Lúcio Alcântara, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/1996 - Página 16759
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • DISCORDANCIA, ANALISE, GOVERNO, PROCESSO ELEITORAL, JUSTIFICAÇÃO, PERDA, PARTIDO POLITICO, APOIO, GOVERNO FEDERAL, DESCENTRALIZAÇÃO, ELEIÇÕES, MUNICIPIOS.
  • ANALISE, ORIENTAÇÃO, PARTIDO POLITICO, RETORNO, POVO.
  • ANALISE, PROCESSO, ELEIÇÕES, ESTADO DE ALAGOAS (AL), DISPUTA, SEGUNDO TURNO, PREFEITURA, CANDIDATO, MULHER, PARTIDO POLITICO, APOIO, POVO, EFEITO, CRESCIMENTO, CONSCIENTIZAÇÃO, POLITICA.
  • COMENTARIO, RESULTADO, ELEIÇÕES, VITORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), MUNICIPIOS.
  • APOIO, PROPOSTA, MELHORIA, IDONEIDADE, PROCESSO ELEITORAL, CRITICA, MANIPULAÇÃO, IMAGEM VISUAL, CANDIDATO, AGENCIA, PUBLICIDADE.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diversos parlamentares, com mais profundidade, com mais experiência imediata sobre as eleições municipais que acabam de ocorrer, ocuparam esta tribuna. Mas nem por isso minha voz menor pode silenciar-se, porque me parece que também tenho modesta contribuição para fazer, no sentido da compreensão das particularidades por que passa o nosso processo de escolha no País.

É interessante observar-se, de início, que o Governo que fala da globalização, que fala da universalização dos problemas, que fala de uma atividade e de uma compreensão sem fronteiras vem agora se somar às vozes que afirmam que houve uma municipalização das eleições.

Parece-me que essa interpretação de que houve uma municipalização das eleições, de que foram os temas, de que foram os recursos, de que foi a mídia local, municipal que resolveu, que decidiu, que influenciou os resultados finais do pleito deve ser criticada e devidamente considerada.

Lembramo-nos de que a eleição, por exemplo, no Município de São Paulo era considerada como uma espécie de antecipação da reeleição, uma espécie de plebiscito, que verificaria se o eleitorado brasileiro estava ou não disposto a apoiar as pretensões do Presidente Fernando Henrique Cardoso em prol de sua própria reeleição. Mas, de repente, o resultado não foi o esperado. Então, uma outra interpretação, essa do enfeudamento, da localização tópica, da municipalização das eleições, passou a ser o grande guia para interpretar os resultados do pleito.

Parece-me que essa estratégia contém um engodo e procura justificar justamente o fracasso de alguns partidos, oficiais e oficiosos, que sofreram um processo de corrosão, de derrota nessas eleições.

Hoje, o nobre Senador Roberto Requião publica, na Folha de S.Paulo, uma espécie de necrológio do seu Partido, do PMDB. Esse necrológio do PMDB contém as saudades das raízes do PMDB, daquele momento em que o MDB era um partido combativo com bandeiras claras e definidas, com objetivos a alcançar, com programas a serem respeitados.

Parece-me, Srªs e Srs. Senadores, que essa eleição marca, felizmente, o retorno às raízes. Não apenas o PMDB sente a necessidade de fazer esse caminho, de acordo com o nobre Senador Roberto Requião, às suas origens, um movimento que seria capaz de reativar e de remoçar esse Partido e outros obviamente envelhecidos, desmoralizados, descredenciados de acordo com o resultado dessas eleições, partidos que se encastelaram em suas lideranças, afastando-se, obviamente, das bases que deveriam conduzir as suas decisões maiores.

O que me parece, todavia, equivocado nas interpretações mais comuns a respeito das últimas eleições é que elas dirigem os seus olhos, a sua preocupação, e procuram entender o processo nas grandes capitais.

Ora, parece-me que essa interpretação é equivocada. Aliás, esse tropismo pelas grandes cidades, pelos grandes partidos tem sido desmentido algumas vezes no processo eleitoral.

Vejamos. Fernando Collor de Mello, partindo de sua pequena Alagoas, sua pequena Maceió, de um partido insignificante, chegou à Presidência da República. E nós continuamos a pensar que são os grandes partidos os responsáveis pelos resultados das eleições, com seus conchavos, conchegos, acordos de cúpula, como se esses acordos tivessem uma repercussão na base capaz de decidir os resultados eleitorais.

Parece-me que este é um grande engano. Não aprendemos as lições que as últimas eleições trouxeram ao Brasil. Se fosse procurar um local onde pudesse enxergar o futuro, ter uma visão prospectiva do processo eleitoral vindouro, ao invés de São Paulo, Rio ou Belo Horizonte, iria me dirigir a Alagoas; iria estudar o fenômeno eleitoral lá, onde, realmente, está o futuro do Brasil.

Os otimistas, ao contrário, acreditam que o futuro está em alguma utopia, em algum São Paulo recuperado. Considero Alagoas muito mais emblemática para as eleições futuras no Brasil do que São Paulo ou Rio de Janeiro.

São Paulo, apesar de um milhão trezentos e vinte mil desempregados, apesar da sua dívida fantástica, apesar da economia informal, apesar de todas as agruras, ainda tem uma estrutura que é capaz de minorar um pouco a derrocada da sociedade brasileira.

Ao contrário, Alagoas não possui essa estrutura. E o povo de Alagoas, os seus eleitores aprenderam ao longo de seus sofrimentos. Eu já estava desesperançado, achando que estávamos sofrendo em vão, e que a fagulha que acende a consciência dos povos excluídos, das classes sofredoras, não se acenderia nunca. Essas, inclusive, eram as previsões de ilustres ex-marxistas e ex-esquerdistas, entre eles Herbert Marcuse, que passou a descrer da capacidade de organização e de reação dos trabalhadores, que estariam sendo hipnotizados pelas grandezas e pelas facilidades da economia da fluência, da economia capitalista.

Alagoas, portanto, é o palco que deve ser examinado, entre outras coisas, porque foi lá, na terra dos coronéis, na terra dos Góis Monteiro, na terra dos Collor de Mello, que duas mulheres - todas duas de partido de esquerda, uma pertencente ao PT, a outra pertencente ao PSB - vão agora concorrer ao segundo turno.

Na terra da violência, na terra dos coronéis, duas mulheres polarizaram, capitanearam as eleições, aposentaram e desmoralizaram o coronelismo de Alagoas. Isso, para mim, realmente tem um significado muito especial.

E como puderam essas mulheres fracas, essas mulheres de esquerda, numa sociedade reacionária e numa sociedade violenta, como sabemos ser a sociedade de Maceió e do Estado de Alagoas, fazer tão fantástico milagre? Não houve milagre desta vez. E, se milagre houve, foi o da consciência, da consciência que se rebelou, da consciência que não aceitava mais a sociedade dos coronéis, o empreguismo que assistimos, para ser apenas o momento anterior ao da demissão de funcionários públicos pelo Collor de Mello, que se arvorava em caçador de marajás. Num primeiro momento, fez os marajás e, no segundo, intitulou-se caçador de marajás. Mas o povo, percebeu e viu essas contradições. Dali saiu não apenas o Presidente Collor, mas também o Presidente do Brasil subterrâneo, PC Farias. E o povo assistiu à divisão, este sim, os dois "brasis". O Brasil da aparência, o Brasil do respeito às instituições e do respeito aparente às leis, e o Brasil subterrâneo, que arrecadava das mãos das empreiteiras e dos empreiteiros os fundos milionários que mantêm ainda hoje os felizardos criminosos que escaparam das garras e da malha da Justiça.

Portanto, o povo de Alagoas, os eleitores de Alagoas e de Maceió, apesar da mídia e da força do poder econômico, sabem quanto custa o desemprego, a fome, a desarticulação da segurança e da polícia, que não dispõe de recursos e que está fazendo greve diante da situação a que foi levada.

Se o nosso futuro não for São Paulo, se não for um futuro grandioso, mas sim o aprofundamento da crise que é prevista por eminentes sociólogos e economistas em todas as partes do mundo, o fenômeno Maceió será difundido pelo Brasil. Haverá o despertar das consciências que perceberam a completa incapacidade que tem a sociedade brasileira do capitalismo brasileiro periférico, do capitalismo selvagem, do processo de acumulação concentradora de renda e do processo de exclusão e de completa falta de interesse real pelo social.

Diante dessa conjuntura, a consciência começa a brilhar e a renascer em Maceió, partindo, aparentemente, de força nenhuma, a não ser das forças desarmadas da consciência sofrida.

Concedo aparte a V. Exª, Senador Ademir Andrade.

O Sr. Ademir Andrade - Eu gostaria, nobre Senador, de neste seu pronunciamento, somar-me à análise que V. Exª faz, registrando - também pretendo fazer uma análise sobre essa questão em momento oportuno - o crescimento da consciência política do povo brasileiro. Creio que Maceió é uma referência. Acrescentaria que a mesma situação de Maceió está acontecendo em Natal, no Rio Grande do Norte, onde duas mulheres, uma do meu Partido, outra do Partido de V. Exª, disputam o segundo turno. De uma maneira geral, o PT, o PSB, o PCdoB e o PPS cresceram em todo o País. Em nosso Estado, inclusive, o PPS elegeu o prefeito numa grande cidade. Nós, do PSB, fizemos seis prefeitos, nove vice-prefeitos, e os partidos de esquerda, todos unidos, ganhamos a eleição em Belém com 46% dos votos, apoiando Edmilson Rodrigues e Ana Júlia, candidatos do seu Partido, chegando perto, Senador Lauro Campos, na segunda maior cidade do Estado do Pará, Santarém, onde perdemos as eleições por menos de 1% dos votos, concorrendo também com uma coligação PT/PSB. Esta, uma demonstração clara do avanço da consciência política do povo brasileiro. E tenho dito, por onde ando, que o futuro deste País, a sua transformação, seu caminho para a justiça e a igualdade sociais será traçado pela luta do povo e pelo comando dos nossos partidos. Era isso que gostaria de dizer a V. Exª. Muito obrigado.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço muito o aparte de V. Exª, que vem dar maior destaque ao meu modesto pronunciamento.

Gostaria de me referir, além dos municípios a que V. Exª alude, também a vários grotões em que o mesmo fenômeno ocorreu, grotões em que o PT e os partidos de esquerda não entravam e que, desta vez, para a surpresa de muitos, marcaram a sua presença com um bom resultado no pleito.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - V. Exª me permite um aparte, Senador Júlio Campos?

O SR. LAURO CAMPOS - Lauro Campos, Excelência.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Desculpe-me, Excelência. A diferença não é grande entre amigos, pois que são todos dois amigos e pessoas de bem, membros desta Casa.

O SR. LAURO CAMPOS - Eu apenas retifiquei V. Exª assim como um socorro a sua memória, mas sem me sentir absolutamente menosprezado ou desdourado com o lapsus linguae de V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Lauro Campos, quero felicitar V. Exª pela oportunidade de brindar esta Casa com um pronunciamento da melhor qualidade, enfocando o problema das eleições municipais, a importância das mulheres, principalmente as ligadas aos partidos de esquerda. Também V. Exª há de verificar que, nessa campanha, todos aqueles vícios que antigamente condenávamos voltaram e, em alguns lugares, de forma bastante acentuada. Ontem mesmo tivemos a oportunidade de ver, desta tribuna, o Senador Pedro Simon falando sobre o financiamento das campanhas eleitorais. Estas, em alguns casos - para não dizer na maioria dos casos -, são feitas de forma a não se mostrar a realidade do ponto de vista de financiamento. Acredito que, como na Alemanha, poderíamos adotar aquele mesmo sistema em que os partidos políticos receberiam da sociedade, dependendo da sua densidade eleitoral, proporcionalmente, os recursos para o embate eleitoral. A forma irregular como ainda se processam as campanhas deixa muito a desejar quanto ao resultado final. Só em casos desse tipo, como ilhas isoladas, é que chegamos a conclusões como essas a que V. Exª está referindo-se. É o caso da cidade de Aracaju onde dois candidatos de oposição estão disputando no segundo turno. O mesmo acontece em Maceió, em Natal, onde duas mulheres disputam a preferência do eleitorado. Quero dizer a V. Exª que, apesar das falhas naturais da nossa democracia, ainda a consideramos o melhor regime. É por meio do embate democrático e da discussão de idéias que conseguiremos conscientizar a população da escolha dos melhores, como fez o Distrito Federal, que escolheu - tenho certeza - os melhores Senadores, entre os quais se encontra V. Exª, Senador Lauro Campos. Muito obrigado.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço, nobre Senador Antonio Carlos Valadares, as suas palavras carinhosas e incorporo o seu raciocínio ao meu pronunciamento.

No Partido dos Trabalhadores e nos partidos da esquerda, têm surgido diversas propostas, entre as quais a defendida ontem pelo brilhante Senador Pedro Simon, no sentido de se constituir um fundo suprapartidário e limitá-lo às despesas eleitorais.

Acredito que um dia possamos realmente evitar que o voto seja uma mercadoria e que se formem esses institutos especializados em fabricar falsas imagens. Eles retiram o caráter genuíno, autêntico do candidato e criam uma personalidade postiça, uma falsa imagem, que passa a dominar o sujeito "assujeitado". É isso o que acontece no nosso País e repete-se pelo mundo afora. Quantas pessoas, quantos artistas, quantos políticos, cujas imagens são importantes na sua vida diária viram-nas crescerem, agigantar-se? São imagens que criam uma autonomização que passam a dominar o sujeito: este que engorda, e a imagem permanece esbelta; o sujeito envelhece, e a imagem tem que se cristalizar. Há um conflito entre o sujeito real e a imagem que passa a acomodá-lo. Vemos em todas as personalidades narcisistas que acontece isto: ficam prisioneiras de suas imagens. Estas imagens são fabricadas nesse período eleitoral por meio dessas indústrias que aí estão, prestando os seus serviços ainda à distorção e ao engodo da consciência dos eleitores.

Por isso mais admiro e rendo homenagens àqueles que se saíram vitoriosos, como estes a que acabamos de nos referir e, em Maceió, àqueles representantes que não tem a seu favor essa pletora de dinheiro para transformar o voto e a consciência em mercadoria, para criar imagens falsas, para, através da mídia, ilaquear a boa-fé dos eleitores.

O Sr. Pedro Simon - Senador Lauro Campos, V. Exª permite-me um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Gostaria de terminar o meu pronunciamento e receberei com muito prazer o aparte de V. Exª, nobre Senador Pedro Simon.

A minha esperança renasce principalmente no exemplo de Alagoas, aprofundado o nosso sacrifício diante da crise e da desmoralização do capitalismo brasileiro. Haverá, obviamente, ainda a possibilidade de uma retomada da consciência, de uma renovação das forças eleitorais, institucionais, pelos canais institucionais, que serão capazes de, no futuro, trazer um aprimoramento das nossas instituições, o que todos desejamos.

Ouço o nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - É um prazer e uma satisfação assistir a V. Exª na tribuna. V. Exª, na TV Senado, parece estar dando uma palestra. Falo de coração. Nas exposições que faz, vemos o conteúdo e a profundidade daquilo que V. Exª diz. V. Exª é um intelectual e tem, perdoe-me a sinceridade, uma certa dificuldade ao falar para políticos, mas trata assuntos considerados teóricos e intelectuais com profunda seriedade e com profundo conteúdo. Há poucos minutos, passou a pinçar em Alagoas algo muito significativo, sem que deixasse de ter qualquer razão. Não seria preciso uma Erundina, um Pitta, um Conde ou mesmo um Duque em São Paulo. Não. Pois em Alagoas foram buscar, fabricar um gênio. Num País territorialmente grande como o nosso, ou mesmo em qualquer lugar do mundo, é difícil encontrar alguém que - mesmo com a marcante presença histórica de nossa elite dirigente - possa fazer e inventar um Fernando Collor. Quando era Governador do Rio Grande do Sul e Fernando Collor Governador de Alagoas, este veio procurar-me e ficou um dia inteiro em minha casa, almoçou e jantou comigo lá. Pediu-me que apoiasse a candidatura dele para a Presidência da República e que aceitasse ser seu vice. Lá pelas tantas, dizia-me que poderíamos inverter esse processo pelo fato de eu ter sido Ministro e Senador, acrescentando ainda que o Rio Grande do Sul era um estado muito importante. Soube, posteriormente, que ele se ofereceu para ser o vice de Covas. Marília Gabriela, que estreou ontem um novo programa no SBT, disse que o próprio Collor se ofereceu, na época, para fazer o programa Cara a Cara e que a produção chegou à conclusão de que ele não tinha perfil para fazer o programa, que ele não representava nada. Pois a Rede Globo fez um Presidente da República. Venderam-nos a imagem de um homem forte, um homem valente, que tinha todas as condições para o cargo, o representante do máximo que podíamos imaginar. O homem que dizia que político não valia nada, que ele não queria se eleger com o auxílio de deputados, senadores, empresários ou militares. Quer dizer, de repente imaginou-se que ele viria para salvar a Pátria. É o que V. Exª disse: ele foi fabricado. Pois foi em Alagoas que duas mulheres nos surpreenderam. A ilustre Senadora pelo Rio Grande do Sul, que coordena movimento para aumentar a participação política das mulheres, deve estar feliz com esse espetacular aumento da participação feminina nessas eleições. Acho, minha querida Senadora, que em Alagoas as expectativas foram superadas: duas mulheres no segundo turno.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Em Natal também e, por coincidência, do mesmo Partido.

O Sr. Pedro Simon - Então, são duas cidades, Alagoas e Natal. Duas mulheres: do PT e do Partido Socialista em Alagoas e duas mulheres em Natal: do PT e do Partido Socialista. Dois lugares que ninguém imaginava que algo assim pudesse ocorrer - o PT e o Partido Socialista no segundo turno. Alguma coisa aconteceu.

O SR. LAURO CAMPOS - Felizmente.

O Sr. Pedro Simon - Felizmente, alguma coisa aconteceu. Mas também algo aconteceu do outro lado: a imprensa nos conduziu a um Conde - parece até que estamos numa monarquia. Pode ser até uma ilustre figura, dizem até que é um bom cidadão, que é competente, mas, na verdade, foi fabricado pela imprensa. De repente, em São Paulo, aparece um gênio de uma hora para a outra. Defendo a tese, com toda a sinceridade, de que é absolutamente necessário que, na campanha eleitoral, o rádio e a televisão sejam usados exclusivamente pelos candidatos. Sou candidato ao Senado e já tomei a decisão de comprar uma filmadora, de colocar como fundo o meu gabinete e de pedir para um filho meu me filmar. E falarei o tempo que me couber. Quero falar o tempo todo, quero ser eu - como disse V. Exª: velho, com essa cara, dizendo o que quero dizer. Quero que me conheçam. Assim é que deve ser usado o espaço de rádio e televisão. Ainda que fosse matéria paga, mas programa gratuito pago por nós! E de repente fabricam candidatos. Olha, Senador, dá pena de ver: esses profissionais da publicidade dizem com a maior naturalidade que vendem cachaça, cerveja, roupa íntima para mulher e vendem também políticos, como qualquer outro produto. Isso não pode continuar. V. Exª tem toda razão: isso não pode continuar em nenhuma hipótese. Agora, para esse pronunciamento de V. Exª tiro o chapéu. Pronunciamentos que têm sido feitos, que foram feitos ontem, tiro o chapéu. Não vejo os partidos políticos - nem o meu - e não vejo o Governo preocupado em fazer essa análise que V. Exª está fazendo e que, em qualquer lugar do mundo, é o que se faz. Quer dizer, depois de uma eleição na Inglaterra, Alemanha, Itália, França, Argentina comenta-se a eleição na tentativa de interpretar o que o povo quis dizer. Aqui, não. Aqui só se discute a reeleição. A única coisa que interessa ao Presidente da República é a reeleição, e se você abre jornal ou mesmo assiste ao Jornal Nacional só se vê a discussão da reeleição.

O SR. LAURO CAMPOS - Nobre Senador, parece-me que é justamente para discutir apenas a reeleição que eles não podem discutir a eleição perdida.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Lauro Campos, V. Exª me concede um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não, é com prazer que concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Lúcio Alcântara - Gostaria de fazer apenas um breve aparte ao discurso de V. Exª para reiterar algo que disse ontem aqui, aparteando um dos Senadores que comentava o resultado da eleição. Lemos nos jornais que todos os Partidos dizem que ganharam. Já há alguma coisa errada, porque não é possível todo mundo ganhar.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador, só para fazer justiça, acho que não vi ninguém do PMDB dizer que ganhou.

O Sr. Lúcio Alcântara - É a exceção para confirmar a regra. Pois bem, penso, por exemplo, que a oposição ao Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que é o do meu Partido, teve um grande desempenho nessa eleição. É inegável. Seria querer tapar o sol com a peneira mostrar, por exemplo, que o PT, que é o mais oposicionista e o maior partido de oposição, teve um desempenho muito bom. E quando o Senador Pedro Simon disse que algo mudou do outro lado, pensei que se referia a esse fato. O próprio PT adaptou-se melhor à realidade brasileira. Percorri todo o meu estado agora na campanha e vi, em vários municípios, o PT participando de alianças que lhe possibilitaram, inclusive, eleger numerosos vereadores nesses municípios, como elegeu, que de certa maneira vão ser até uma espécie de sal da terra, vão estar ali com seu espírito crítico, com sua visão progressista para colaborar para o aprimoramento dessas pequenas administrações municipais. Em segundo lugar, penso que, em decorrência da Constituição de 1988 - e aqui estão vários ex-Constituintes, como eu, o Senador Eduardo Suplicy, o Senador Pedro Simon -, houve uma descentralização que prestigiou, que favoreceu os municípios e trouxe, como conseqüência - e não considero que isso seja mau, mas é um fato que temos que identificar -, uma grande anemia política e financeira aos estados. Então, os governadores perderam visibilidade política e deixaram de ser responsáveis por grandes empreendimentos financeiros, econômicos e por grandes obras. Dessa forma, não consegui detectar nenhum Governador que saísse vitorioso dessa eleição nas capitais dos seus Estados. Há muitos prefeitos que estão conseguindo ou que já conseguiram eleger seus sucessores. Por quê? O município está muito mais forte política e financeiramente, e administrativamente penso que isso é bom para o País. Sobre a propaganda, precisamos acabar com esse Horário Eleitoral Gratuito, que não tem nada de gratuito. Há uma compensação fiscal, nunca devassada, nunca divulgada. Não há nada de gratuito sob o ponto de vista da cessão do horário. Quanto à elaboração dos programas, quem já participou de campanha eleitoral - e há aqui vários companheiros com essa experiência - sabe que o maior custo de uma campanha eleitoral está na elaboração do programa, está na equipe de produção do programa, o que é um contra-senso. Não tenho a mesma opinião do Senador Pedro Simon, que deseja que 100% do tempo seja ocupado pelo candidato, mas penso que pelo menos 50% do tempo deveria ser ocupado pelo candidato, que, afinal de contas, é quem vai apresentar suas idéias, gerir a cidade, o País ou o estado e, portanto, tem o dever, a obrigação de expor suas idéias, de se apresentar. Atualmente, são usados vários artifícios, subterfúgios, e vence o que mais tem sucesso em esconder o candidato e as suas idéias e em apresentar o produto que a população mais espera, mesmo que não corresponda à realidade do candidato. Essa questão precisa ser revista e modificada. Penso que é preciso fazer, como V. Exª está fazendo, um balanço isento, um balanço sério da eleição para tentarmos compreender a voz das urnas e não incorrermos na opinião de certos iluminados, que, no máximo, dizem que o povo não sabe votar - o que é uma absoluta inverdade. Penso que o povo até se engana, se equivoca - citou-se aqui há pouco o caso do Collor -, mas isso faz parte da natureza humana. Infalibilidade não é uma condição nossa. De uma maneira geral, o eleitor sabe muito bem identificar o seu interesse, aquilo que se aproxima do que ele deseja. Quero me congratular com V. Exª por estar abordando esse assunto de maneira séria, competente e sempre com a profundidade que caracteriza os seus pronunciamentos.

O SR. LAURO CAMPOS - Nobre Senador Lúcio Alcântara, agradeço de coração a sua manifestação. Como sempre acontece, V. Exª se pronuncia no sentido da seriedade, da isenção e do esclarecimento dos temas que nós Senadores tratamos nesta Casa.

Gostaria apenas de não transbordar o universo das minhas preocupações para não perder de vista o tema central do meu pronunciamento.

Não se pode considerar essas eleições como municipais, como se fossem restritas ao município. A crise é nacional. A falta de recursos é um problema nacional que está dentro de todos os municípios, as dívidas públicas pertencem a todas as instâncias, e assim por diante. A saúde se encontra depauperada em todos os municípios, nos estados e na União.

De modo que não é possível, a não ser como um artifício, dizer que não foi a Presidência da República, não foi o partido da Presidência que perdeu essa eleição, porque ela é medieval, uma eleição dos feudos, dos municípios apenas. Assim, podemos continuar pleiteando a reeleição, porque não perdemos nada nesta eleição.

Escolhi Alagoas para ser o objetivo principal do meu discurso, porque em Alagoas encontro esperança. O sofrimento é muito grande em Maceió, impera o descrédito nos políticos e nas classes dominantes, o descrédito na burguesia enriquecida. O povo sabe como a burguesia se enriqueceu em Maceió, também sabe que depois do governo dos generais, dos marechais e dos coronéis naquela terra sobrou apenas a pobreza e o desencanto.

Portanto, em Maceió é mais emblemática esta eleição do que em outras capitais porque, para o segundo turno, há duas candidatas de partidos de esquerda. Mas não é apenas isso.

Em Maceió a interpretação desta última eleição me parece ser muito mais enriquecedora do que em outros locais. Tenho a esperança de que essa minha interpretação venha a ser confirmada pela prática, uma prática em que o eleitorado brasileiro vai elevar o nível de sua consciência, de sua independência em relação a esses condicionamentos econômicos, à mídia, à fabricação de imagens, à "partidocracia". Tudo isso será, como aconteceu em Alagoas, derrotado ao longo do tempo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/1996 - Página 16759