Discurso no Senado Federal

CRESCENTE AGRAVAMENTO DAS QUESTÕES SOCIAIS, ESPECIALMENTE DA VIOLENCIA NO PAIS E NO MUNDO, E DA MARGINALIZAÇÃO DE MILHARES DE CRIANÇAS. ESTUDO REALIZADO POR SOCIOLOGOS E ANTROPOLOGOS DA UNIVERSIDADE DE BRASILIA - UNB, DENOMINADO 'O DESMANTELAMENTO DO ESTADO DO BRASIL' QUE ABORDA A SITUAÇÃO DOS IMIGRANTES NO DISTRITO FEDERAL. CRIAÇÃO, PELO GOVERNADOR SIQUEIRA CAMPOS, DO PROGRAMA 'PIONEIROS MIRINS', QUE VISA GARANTIR A FREQUENCIA A ESCOLA E, PARALELAMENTE, SATISFAZER ALGUMAS DAS NECESSIDADES MAIS PREMENTES DA INFANCIA.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • CRESCENTE AGRAVAMENTO DAS QUESTÕES SOCIAIS, ESPECIALMENTE DA VIOLENCIA NO PAIS E NO MUNDO, E DA MARGINALIZAÇÃO DE MILHARES DE CRIANÇAS. ESTUDO REALIZADO POR SOCIOLOGOS E ANTROPOLOGOS DA UNIVERSIDADE DE BRASILIA - UNB, DENOMINADO 'O DESMANTELAMENTO DO ESTADO DO BRASIL' QUE ABORDA A SITUAÇÃO DOS IMIGRANTES NO DISTRITO FEDERAL. CRIAÇÃO, PELO GOVERNADOR SIQUEIRA CAMPOS, DO PROGRAMA 'PIONEIROS MIRINS', QUE VISA GARANTIR A FREQUENCIA A ESCOLA E, PARALELAMENTE, SATISFAZER ALGUMAS DAS NECESSIDADES MAIS PREMENTES DA INFANCIA.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1996 - Página 16890
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO SOCIAL, MENOR ABANDONADO, AGRAVAÇÃO, VIOLENCIA, PAIS.
  • ANALISE, ESTUDO, REALIZAÇÃO, SOCIOLOGO, ANTROPOLOGO, UNIVERSIDADE, DISTRITO FEDERAL (DF), REFERENCIA, SITUAÇÃO, MIGRANTE, REGIÃO, FALTA, ACESSO, EMPREGO, HABITAÇÃO, ATENDIMENTO, SAUDE, ESCOLA PUBLICA, FILHO, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, POPULAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, PAIS.
  • COMENTARIO, POSSIBILIDADE, REINTEGRAÇÃO SOCIAL, POPULAÇÃO CARENTE, APLICAÇÃO, PROGRAMA, COMPLEMENTAÇÃO, RENDA MINIMA, REQUISITOS, OBRIGATORIEDADE, COMPROVAÇÃO, FREQUENCIA ESCOLAR, FILHO, OBJETIVO, RETENÇÃO, POPULAÇÃO, ZONA RURAL, LOCAL, ORIGEM.
  • COMENTARIO, INICIATIVA, SIQUEIRA CAMPOS, GOVERNADOR, ESTADO DO TOCANTINS (TO), IMPLANTAÇÃO, MUNICIPIOS, PROGRAMA, COMPLEMENTAÇÃO, RENDA MINIMA, MANUTENÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, ZONA RURAL, MELHORIA, SITUAÇÃO SOCIAL, POPULAÇÃO, REGIÃO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o noticiário sobre violência no Brasil e no mundo não nos deixa dúvida quanto ao crescente agravamento desse problema social. A insensibilidade e o sadismo dos criminosos atuais, de todas as idades, fazem até parecerem líricas as idéias de um Al Capone, ao afirmar que se pode obter mais com uma palavra amável e um revólver do que somente com uma palavra amável.

Hoje em dia, emprega-se somente a linguagem das armas. Os clamores da sociedade, que se fazem ouvir em resposta, nos alertam para a necessidade de encontrarmos soluções realmente eficazes.

Nos longos anos trabalhando como médico no interior do País, comprovei, à exaustão, o velho preceito de que vale mais investir na medicina preventiva que lançar mão dos recursos extremos da medicina curativa. Esta assertiva corresponde à sabedoria popular, que nos adverte de que é melhor prevenir que remediar.

Há, no entanto, emergências que obrigam o médico a prescrever o uso de antibióticos, para impedir que um processo infeccioso amplie seu espectro de ação. Em último recurso, só a cirurgia, extirpando células malignas e tecidos necrosados, é capaz de restabelecer o equilíbrio orgânico do corpo humano. Contudo, para a maioria dos médicos, a cirurgia equivale à falência da medicina.

Assim também ocorre com o corpo social de um país. Também ele pode ser agredido por malformações e mutações que atacam os tecidos sadios, provocando lesões irreparáveis. Nestes casos, a segregação do indivíduo e sua condenação à pena máxima podem ser as únicas soluções. Desta maneira, Sr. Presidente, os presídios e os chamados centros de recuperação de menores atuam extirpando células do corpo social, da mesma forma que a medicina curativa age no corpo humano.

Entretanto, da mesma forma que a recorrência, isto é, o reaparecimento de sintomas da moléstia após a remissão dos mesmos, podem também ocorrer recidivas de comportamentos sociais negativos. Indivíduos como o belga Marc Dutroux, que cometeu crimes hediondos, até quando em liberdade condicional por bom comportamento, e o menor C.A.S., de 16 anos, egresso da Febem, chefe do bando que executou uma estudante e um dentista, no dia 10 de agosto passado, em São Paulo, são exemplos claros de reincidentes de difícil recuperação.

O Brasil contém, atualmente, no seio de sua população, milhares de crianças e jovens marginalizados candidatos à mesma situação em que se encontra o menor C.A.S. A esses é ainda possível a aplicação da medicina social preventiva, de forma a robustecer-lhes a personalidade com valores positivos, que possam "vaciná-los" contra a criminalidade.

Acredito que esse trabalho de atendimento aos menores carentes possa ter maior êxito que aquele desenvolvido por centros de recuperação, nos moldes da Febem. E explico, se me permitem.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dentre as necessidades sociais básicas do todo indivíduo, destacam-se, conforme a Psicologia, a de segurança ou proteção, a de consideração social e a de atividade. A satisfação dessas necessidades é o ponto de partida para a formação de um ser humano ajustado ao seu meio. Em qualquer época da vida, a personalidade pode se desestruturar, se lhe faltar um ou mais componentes psicológicos.

Sabemos como vivem as camadas mais pobres da população brasileira. Mesmo aqui, na Capital da Esperança, nosso trajeto da residência ao Congresso está pontilhado de barracas improvisadas. Em cada semáforo, mães adolescentes, velhos, aleijados e crianças praticamente nos exigem esmolas. Nos estacionamentos públicos, "flanelinhas" de todas as idades "tomam conta" dos automóveis.

São pessoas sem raízes culturais e afetivas; famílias que se foram desarticulando ao longo das estradas; uma camada populacional que os sociólogos e antropólogos da Universidade de Brasília estão analisando em um estudo intitulado "O Desmantelamento do Estado do Brasil". Na pesquisa, que se fundamenta nos migrantes que chegam ao Distrito Federal, os professores convencionaram a expressão "almas penadas", para designar esses excluídos, porque são pessoas que vivem no mesmo espaço da população normal da cidade e não fazem parte dela.

Sem emprego, habitação, atendimento médico e escola para os filhos, muitos abandonaram suas origens, em busca de comida. Segundo a pesquisa da UnB - Universidade de Brasília -, 35% dos entrevistados possuía casa própria - repito, Senhores: 35% possuía casa própria - 61,6% possuía energia elétrica onde morava, e 54,5% água encanada. Mas não tinham comida. Mais de 50% passam o mês com menos de um salário mínimo, sobrevivendo de doações e das esmolas que as crianças ganham. Essas pessoas vivem do presente. Não há entre elas qualquer preocupação com o futuro que vá além da próxima refeição. A utopia a mais longo prazo é comer - afirmam os especialistas da UnB.

De início, nobres colegas, as crianças permanecem à noite com os familiares e lhes trazem as esmolas do dia. Logo, precocemente amadurecidas pelo sofrimento, desgarram-se dos pais e parentes. Formam bandos, quase sempre dominados por adolescentes mais velhos e descobrem que tirar traz mais satisfação do que pedir. Pedir é humilhante, caracteriza a condição inferior; roubar exige coragem, é próprio dos mais fortes. E ler o medo nos olhos e nas vozes dos que são assaltados é, para cada um - talvez para todos - o prazer de, pelo menos naquele instante, sentir-se superior.

Sendo muito jovens, naturalmente inseguros e amedrontados, precisam de estímulo para essas atitudes violentas. Por isso, o contato precoce com a droga: a cola de sapateiro, o crack, a maconha, a cocaína; inevitavelmente, a dependência, a criminalidade, a viagem sem volta.

Não devemos nos esquecer, senhores, de que a droga também entorpece o estômago - portanto, alivia a dor da fome; adormece os sentidos - portanto, diminui o frio; anestesia a alma - portanto, amortece ou anula os sentimentos. Em resumo, a droga elimina a dignidade do ser humano, embrutecendo-o, reduzindo-o praticamente à condição animal. Logo, quem se defronta com um marginal drogado está exposto a um ser primitivo, dominado pelos instintos.

Os centros de recuperação de menores, como o próprio nome indica, têm por objetivo reabilitá-los para que voltem ao convívio social. O primeiro significado da palavra "recuperar", no entanto, é "recobrar (o perdido); adquirir novamente". Da mesma forma, "reabilitar" significa "restituir ao estado anterior (...) regenerar...".

Sr. Presidente, como recuperar, como recobrar, como reabilitar, se os valores necessários à correta formação da personalidade não foram sequer conhecidos por esses jovens? Por este motivo, não acredito na eficácia desses centros. Para mim, partem de uma premissa errada. Não há o que recuperar. Torna-se necessário inculcar, ensinar, revelar esses valores aos menores carentes, antes que ingressem no contingente da nossa "juventude perdida".

E como fazê-lo, nobres colegas? É aqui que se faz presente e indispensável a medicina preventiva.

O programa de complementação de renda mínima, aplicado à realidade de cada município, tem possibilidade de ser o alicerce da recuperação das camadas mais sofridas. Condicionando o benefício à obrigatoriedade de comprovação da freqüência dos filhos à escola, bem como ao encaminhamento dos mesmos a cursos de qualificação profissional, o Estado estará desencadeando o processo de retenção das pessoas em seus locais de origem. A esse processo os pesquisadores da UnB denominam "desmigração".

É necessário, também, que se busque a socialização daqueles que, independente dos motivos, cedo se desgarraram da família. Pode-se, através de atividades adequadas, desenvolver nessas crianças e adolescentes os sentimentos de solidariedade e de integração à sociedade. Sabe-se que o lazer bem orientado é ferramenta extremamente valiosa na construção de personalidades. Lembro-me de uma experiência, muito elogiada, de recuperação de menores delinqüentes na África, por meio da criação de equipes de futebol.

Recentemente, a autoridade responsável pela segurança da cidade de Nova Iorque declarou em entrevista que, além do policiamento reforçado, um dos aspectos que mais contribuíram para a tranqüilidade social foi o chamado "Basquete da meia-noite". Dessa maneira, os jovens canalizam a agressividade para o desporto, ao mesmo tempo em que aprendem a obedecer às regras características da modalidade. Desenvolvem, aos poucos, os comportamentos inerentes a qualquer atividade em equipe.

Essas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são soluções que talvez possam se adaptar à nossa realidade e constituir um encaminhamento à integração social desses menores.

Seguindo essa linha de raciocínio, o Governador Siqueira Campos, do Tocantins, criou o programa "Pioneiros Mirins", expandindo-o a todos os 139 municípios tocantinenses. Iniciado em março deste ano, os resultados foram tão satisfatórios que, por solicitação das comunidades municipais, o número de vagas teve que ser dobrado.

O programa procura garantir a freqüência à escola e, paralelamente, satisfazer algumas das necessidades mais prementes na infância, por meio de atividades como: esportes, lazer, artesanato, plantação de hortas etc., além do reforço escolar. Atualmente, mais de 15.300 crianças são atendidas por instrutores e militares, em razão de convênio da Secretaria de Trabalho e Ação Social com a Ruraltins e a Polícia Militar. No ano que vem já estarão inscritas 40.000 crianças.

Cada criança recebe uniforme, duas refeições diárias e uma bolsa mensal no valor de R$30,00. As respectivas famílias têm direito, mensalmente, a uma cesta-básica.

Após completar 14 anos, o adolescente ingressa em outro programa, que objetiva a preparação e o encaminhamento ao mercado de trabalho.

É um trabalho de amor, dedicado àqueles que precisam de maior cuidado e atenção. Para mim, esse Programa deverá assinalar, com grande ênfase, a política social do Governo Siqueira Campos no Tocantins. Um exemplo a ser seguido.

Em boa hora, nobres colegas, o Ministério da Educação e do Desporto pretende incluir, no currículo do ensino básico, a orientação sexual e uma nova disciplina, denominada Convívio Social e Ética. Ao constatar que o Brasil passa por um "mal-estar ético", o Ministério espera reforçar a necessidade do comportamento ético, combater tabus e o espírito predominantemente consumista da sociedade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, criamos nossos filhos e netos com o máximo de atenção e cuidado, desde a mais tenra infância; se possível, desde a condição fetal. Esse mesmo cuidado preventivo devemos ter ao priorizar o atendimento à criança - em especial, à infância carente.

De uma forma abrangente, cabe ao Legislativo expedir, sob a forma de leis, o receituário destinado a ser aplicado pelo Executivo e acompanhado pelo Judiciário. Os objetivos dos três Poderes convergem para um só ponto: tornar cada vez mais saudável o corpo social, a população deste País. Estaremos, desta forma, dando cumprimento aos compromissos assumidos em Estocolmo e em Cochabamba.

Não sou absolutamente contrário à ampliação e à modernização do sistema prisional brasileiro. As medidas de emergência podem e devem ser tomadas. Entretanto, como pai e como médico, lembro a este augusto Plenário a incoerência de esperarmos que a violência se reduza, se boa parte do nosso corpo social está doente.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1996 - Página 16890