Pronunciamento de Lúdio Coelho em 11/10/1996
Discurso no Senado Federal
CRITICAS DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, ONTEM, A DEMORA DO BANCO DO BRASIL NA LIBERAÇÃO DE FINANCIAMENTO AOS PRODUTORES RURAIS, E CONCLAMANDO OS PARTIDOS POLITICOS A EVITAREM A POLITIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA. IMPORTANCIA DE MAIOR OBJETIVIDADE GOVERNAMENTAL NO TRATAMENTO DA REFORMA AGRARIA.
- Autor
- Lúdio Coelho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
- Nome completo: Lúdio Martins Coelho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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REFORMA AGRARIA.:
- CRITICAS DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, ONTEM, A DEMORA DO BANCO DO BRASIL NA LIBERAÇÃO DE FINANCIAMENTO AOS PRODUTORES RURAIS, E CONCLAMANDO OS PARTIDOS POLITICOS A EVITAREM A POLITIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA. IMPORTANCIA DE MAIOR OBJETIVIDADE GOVERNAMENTAL NO TRATAMENTO DA REFORMA AGRARIA.
- Aparteantes
- Carlos Patrocínio, Marina Silva.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/10/1996 - Página 16892
- Assunto
- Outros > REFORMA AGRARIA.
- Indexação
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- CRITICA, GOVERNO, FORMA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, TRANSFERENCIA, DESEMPREGADO, MENDIGO, ZONA URBANA, DESTINAÇÃO, TRABALHO, OCUPAÇÃO, TERRAS, PRECARIEDADE, REQUISITOS, INFRAESTRUTURA, AUSENCIA, MEIOS DE TRANSPORTE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.
- DEFESA, PREFERENCIA, DESTINAÇÃO, OCUPAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, AGRONOMO, VETERINARIO, TECNICO AGRICOLA, MELHORIA, CAPACIDADE PROFISSIONAL, CIDADÃO, MANUTENÇÃO, FIXAÇÃO, POPULAÇÃO, CRIANÇA, LOCAL, ORIGEM, REDUÇÃO, VIOLENCIA, PAIS.
O SR. LÚDIO COELHO (PSDB-MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, ouvimos Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, num pronunciamento, tratar de dois assuntos ligados ao campo que considero da mais alta importância.
Sua Excelência se referiu à politização da reforma agrária, fazendo um apelo aos Partidos políticos para que não transformassem a reforma agrária numa bandeira política. Ao referir-se ao outro assunto, criticou, com energia, o desempenho do Banco do Brasil.
Tenho acompanhado atentamente o movimento da reforma agrária. Como já tive a oportunidade, em ocasiões passadas, de chamar a atenção da Nação brasileira para esse importante assunto, volto hoje a dizer das minhas dúvidas sobre o que estamos fazendo.
Não estamos conseguindo crédito para os pequenos agricultores e estamos transferindo para o campo uma importante parcela de pessoas, na maioria, completamente desligadas da área rural. E, muitas vezes, transferindo-as para terras inadequadas.
Agora, nessa campanha eleitoral, visitei muitos municípios no meu Estado, Mato Grosso do Sul. No Município de Sonora, por exemplo, tive oportunidade de encontrar pessoas que foram assentadas há cerca de dois anos. Conversando com algumas senhoras extremamente pobres, numa situação de penúria, perguntei se já tinham algo para comer no seu lote, se já tinham plantado mandioca, abóbora, banana. Elas me responderam que a rama da mandioca que estavam plantando não era nem da grossura do dedo indicador, pois a terra era muito ruim e não produzia absolutamente nada.
Tenho me perguntado se é correto o que estamos fazendo com os nossos irmãos, até se é cristão transferirmos essas famílias, às vezes, para lugares absolutamente sem transporte, sem nenhum conforto, condenando seus filhos a não cursar sequer o segundo grau, pois o sistema escolar é muito precário. Com essa propalada reforma agrária que está sendo feita, iremos condenar uma grande parcela da família brasileira a nunca ter acesso às universidades.
Esse assunto precisa ser repensado.
A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. LÚDIO COELHO - Com todo o prazer, Senadora Marina Silva.
A Srª Marina Silva - Nobre Senador Lúdio Coelho, as críticas feitas, ainda há pouco, pela nobre Senadora Emilia Fernandes, sobre a ausência de uma política de financiamento por parte do Governo brasileiro e, agora, a que V. Exª está fazendo, sobre os assentamentos realizados sem as mínimas condições para que as pessoas possam desenvolver a agricultura e, dali, tirarem a sua sobrevivência e poder ter dignidade para si e sua família, são altamente procedentes. Quero me ater à reforma agrária em si. Para o Brasil, do ponto de vista social, ela é fundamental, desde que seja realizada mediante todos os mecanismos necessários como o do crédito, da assistência técnica, da presença do Estado através da saúde e da educação. É preciso que essa reforma agrária tire as pessoas da linha da miséria, do descaso completo, para que se dê a sua incorporação ao processo de cidadania. Devemos defender essa reforma agrária e continuar lutando por ela. Por outro lado, se simplesmente dissermos que ela é responsável por essas pessoas serem condenadas a viverem numa situação como a que V. Exª está descrevendo - e com razão, porque é isto que está acontecendo -, não estaremos levando em conta que, se não a fizermos, elas também continuarão em dificuldade. O Senador Carlos Patrocínio acabou de mencionar as condições dessas pessoas; elas não têm acesso à escola, à saúde, a absolutamente nada. Elas estão à margem. Hoje, são mais de 30 milhões os brasileiros nessa situação. Hoje, o Brasil vive, talvez, com apenas 30 milhões de incluídos; o resto é de excluídos. Então, temos que lutar para que a reforma agrária aconteça, e para que aconteça da forma correta. Entendo a preocupação de V. Exª, mas não podemos desistir da bandeira, da tese da reforma agrária, porque, se ela não acontecer e se continuar da forma que está, teremos uma situação pior. O fato de não se fazer a reforma agrária não significa que as pessoas colocarão seus filhos na escola; não vai fazer com que elas possam ter acesso aos benefícios daquelas que estão vivendo em cidades. A minha região é um exemplo concreto dessa situação. Milhares de pessoas saíram do campo porque não têm mais como sobreviver do extrativismo, e estão vivendo em condições de miséria nas periferias das cidades. Muito obrigada.
O SR. LÚDIO COELHO - Muito obrigado Senadora Marina Silva. V. Exª falou uma verdade. Esse pessoal está saindo do campo porque não têm condições de sobreviver - são famílias que nasceram e lá se criaram.
E a Nação está assistindo ao recrutamento de pessoas desempregadas nos grandes centros, mendigos, desocupados, para serem transferidos para o campo. Pergunto: o que será dessas pessoas?
Tenho acompanhado essa questão atentamente, porque sou filho do campo, sou filho do mato, nasci e fui criado no campo. Trabalhei, desde criança, com a minha família toda, e tenho um interesse muito grande em que essas coisas dêem certo.
Apresentei aqui no Senado um projeto de lei dando preferência aos assentamentos de agrônomos, veterinários, técnicos agrícolas e ex-proprietários que perderam suas terras por falta de condições de sobrevivência, para ver se conseguimos profissionalizar mais um pouco essas pessoas do campo.
Penso, às vezes, que se essas famílias em dificuldade permanecessem na cidade, onde, mal ou bem, há saúde pública, energia, escola e mercado de trabalho - inadequado, mas há -, seria melhor do que serem transferidas para áreas desertas, sem assistência alguma. Porque, qual será o mercado de trabalho para essas moças, para os filhos desses casais?
Esse assunto precisa ser tratado com mais espírito prático.
O Senhor Presidente da República criou essa dotação para os pais de crianças que fossem para as escolas. Isso acontece no município de Rio Pardo, no meu Estado. Estamos tirando as crianças do campo, ao invés de pagar as escolas rurais do interior, para que elas permanecessem lá e aprendessem a trabalhar na agricultura. Estamos incentivando a transferência dessas crianças para a cidade. Rio Pardo está cheio de crianças. Há uma preocupação muito grande com a criança trabalhando. E pergunto: será que é pior trabalhar ou cheirar coca e ser guri de rua?
Fui prefeito de Campo Grande por duas vezes. Desenvolvi um trabalho enorme de assistência à criança - e é por isso que estou aqui no Senado, pois nunca fui governador nem parlamentar.
São questões para as quais a Nação precisa estar atenta.
Estamos assistindo a solicitações do Ministro, todos os dias, para que não se invada prédios públicos, mas S. Exª nunca se referiu à invasão da propriedade, como a que assistimos agora, quando invadiram a propriedade, a casa do agricultor, como se o proprietário rural não fosse amparado pelas leis, como se ele não tivesse segurança.
Assistimos a Nação pregar o sistema empresarial, a fusão de empresas para ter subsistência, e combatemos enormemente o produtor rural, que tem a produção em escala. Parece até que a produção agrícola não deva se dar em escala, que deva ser realizada só por pequenos. É necessário que essa produção por pequenos seja para a sua manutenção, mas tem que sobrar alguma coisa para ele vender, para a Nação exportar. Não podemos fazer só uma economia de subsistência, meu Deus do Céu! Para onde vai a Nação?
A agricultura é o setor que desenvolve empregos da maneira mais dinâmica. E não é na terra que ocupamos mais mão-de-obra; é na produção de pneus, de fertilizantes, de venenos, nas colheitas, na produção de máquinas, no beneficiamento, no empacotamento, na distribuição, nos mercados. É um trabalho em cadeia que deve ser desenvolvido através da produção agrícola.
Parece que temos vergonha de sermos grandes produtores. Não se pode combater o grande produtor como se ele fosse um criminoso. Não entendo que capitalismo é esse! Temos um capitalismo que funde bancos e empresas. Empresas são fundidas todos os dias, para se transformarem em grandes conglomerados capazes de concorrer com o mundo.
Aqui, combatemos o grande produtor como se ele fosse um marginal.
Li nos jornais, ainda hoje pela manhã, que o valor das terras aqui no Brasil Central já caiu 57%. Lá no meu Estado, elas não estão valendo nem a metade, porque a atividade agrícola é absolutamente sem renda. Vejo que os impostos a serem propostos e cobrados pelo Incra são extremamente baratos. Por exemplo, uma terra que vale R$500,00 pagar apenas R$2,00 de imposto, não é muito. Mas o que está ocorrendo é que não temos rentabilidade para pagar nem R$1,00.
Anteontem, conversava com o Senador Fernando Bezerra, contando-lhe sobre a quantidade de pessoas que conheço, lá no meu Estado, que estão sofrendo de depressão. Essa doença da "quebradeira" na área rural está desenvolvendo um processo de depressão fantástico - está muito bom para psiquiatra.
O que vamos fazer? Sou plenamente a favor da reforma agrária. Mas colocar desempregados na agricultura, como se o campo fosse a solução para o desemprego nacional, é um absurdo, ainda mais pago pela Nação.
Quando o camarada acampa, a Nação começa a pagar cesta-básica - sou favorável a que se dê cesta-básica para todos aqueles que não têm renda. Mas também damos financiamento para o assentado, sem nenhum documento. Ele recebe R$7.500,00 quando assenta e mais R$7.500,00 para a cooperativa. E o agricultor nacional, como o Presidente da República disse, não consegue crédito de jeito nenhum.
Sou favorável, Senadora Marina Silva, à reforma agrária. Penso que não é a solução para tudo. Prega-se que aumentaríamos a rentabilidade dessa parcela da sociedade, ela iria consumir mais e iríamos desenvolver mais a nossa indústria.
A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. LÚDIO COELHO - Perfeitamente.
A Srª Marina Silva - Veja bem: estou certa de que a reforma agrária correta melhora as condições de vida, de rentabilidade das pessoas. Constatamos isso através da experiência que temos no Município de Rio Branco, com a minirreforma agrária que fizemos. E isso não é feito apenas pela Prefeitura; são instituições, órgãos do Governo, inclusive a Fundação Getúlio Vargas, que fizeram um levantamento de que aquelas pessoas estão vivendo com dignidade. Elas, além da subsistência, do plantio, das pequenas criações, têm uma renda média de até 5 salários mínimos! Onde uma pessoa, que muitas vezes é analfabeta, semi-alfabetizada, não consegue nenhum tipo de trabalho, conseguiria isso se vive nas cidades? Não consegue! O problema é que a reforma agrária que está sendo feita é inadequada. O Estado deve pagar para que a reforma agrária aconteça? Deve pagar, até porque essa terra generosa e grande um dia foi ocupada de alguma forma por aqueles que hoje são os seus proprietários. Então, se alguém um dia ocupou e ficou com essas concessões, é justo que o Governo faça novas concessões até porque a população aumentou e aos milhões. Portanto, estamos lidando com uma questão complexa, que não pode ser simplificada. Não adianta dizermos que a reforma agrária é importante, mas colocarmos todos os "ses" e "senões" para que ela não aconteça. Então, é fundamental que busquemos viabilizar a reforma agrária da forma como compreendemos que ela dará as respostas de que precisamos. V. Exª faz uma crítica justa, mas não podemos colocar tantas interrogações, sob pena de estarmos fortalecendo a tese de que não deve haver reforma agrária. Como V. Exª colocou, a propriedade produtiva é legítima, mas há muita terra improdutiva neste País que precisa ser ocupada por quem é sem-terra e está vivendo nas condições citadas pelo Senador Carlos Patrocínio. Precisamos, como V. Exª disse, até por uma questão de respeito pela dignidade humana, buscar respostas. Vamos incorporar essas pessoas em que mercado de trabalho? Se entregarmos uma enxada e um terçado a muitos considerados profissionais desqualificados que perambulam pelas cidades, tornar-se-iam profissionais altamente qualificados - conheço milhares de pessoas que se enquadram nessa situação -; ao passo que, se entregarmos uma enxada e um terçado a muitos altamente qualificados aqui na cidade, tornar-se-iam altamente desqualificados, porque não sabem sobreviver dessa forma. Temos, então, que "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" e buscar uma resposta para o problema da reforma agrária. O Governo tem que agir de forma certa. Não deve fazer como em Rondônia, onde as pessoas estão dentro de um "campo de concentração". O INCRA está se esforçando, mas não tem as respostas. Por quê? A cesta básica lá distribuída inclui apenas um pouco de fubá, arroz e nem sei mais o quê! As crianças estão com problemas de saúde. Alguns estão até se decompondo por falta de determinadas proteínas... Não sou médica, mas sei que a alimentação precária está provocando sérios problemas de vista nas crianças. As pessoas precisam desse apoio. O Congresso Nacional tem a obrigação de buscar soluções. O Governo brasileiro, muito mais do que o Congresso Nacional, tem a obrigação de buscar soluções, até porque esse foi um de seus tão mencionados pontos de campanha e com o qual se elegeu já em primeiro turno.
O SR. LÚDIO COELHO - Agradeço o aparte de V. Exª. Tenho a impressão de que deveria ter acompanhado mais atentamente o que está sendo feito em Rondônia, porque, se há esse êxito, as pessoas acampadas estão tendo um rendimento de até 5 salários mínimos, isso é muito bom.
A Srª Marina Silva - Não é em Rondônia. É no Estado do Acre, uma experiência localizada da Prefeitura de Rio Branco, com assentamento de famílias carentes retiradas da periferia. No Estado de Rondônia há um processo oposto: as pessoas estão sendo jogadas como num campo de concentração.
O SR. LÚDIO COELHO - Muito obrigado pelo esclarecimento.
Isso fortalece a tese da municipalização da reforma agrária. O Município, de qualquer maneira, administra melhor que o Estado e melhor que a União. Penso que, se houvesse uma participação mais intensa dos Municípios, talvez pudéssemos dar maior objetividade a um trabalho tão importante como esse.
Ontem vimos na imprensa que diversos Municípios do Estado de São Paulo, Paraná e Santa Catarina tiveram Prefeitos eleitos oriundos, inicialmente, dos sem-terra, ou seja, são pessoas que têm vivência sobre o assunto e que haverão de dar uma colaboração importante a esse setor.
O Sr. Carlos Patrocínio - V. Exª me permite um aparte?
O SR. LÚDIO COELHO - Com muita honra, Senador Carlos Patrocínio.
O Sr. Carlos Patrocínio - Nobre Senador Lúdio Coelho, V. Exª traz um assunto atual de extrema importância, que deve ser exaurido dentro do Congresso Nacional. Essa questão do Movimento dos Sem-Terra e de reforma agrária está tomando proporções alarmantes, está fugindo do controle do Governo Federal. V. Exª trata desse assunto com um conhecimento de causa. Conhecemos a experiência de alguns núcleos de colonização que, absolutamente, não deram em nada. Por exemplo, no meu Estado, existe o Núcleo de Colonização Bernardo Sayão. Há cerca de 25 anos, tentaram assentar vários colonos nas melhores terras do Estado do Tocantins - as terras localizadas na faixa do rio Lontra são consideradas as melhores. O INCRA - na época devia ser INDA ou IBRA, não lembro bem, sei que não era INCRA -, cuidou dessas pessoas e hoje essas terras voltaram a ser latifúndios, estão nas mãos de dois ou três proprietários. E está acontecendo um fenômeno muito interessante em nosso País, Senador Lúdio Coelho, pelo menos no meu Estado: quem está estimulando a invasão de terras são os proprietários porque a terra baixou tanto de preço, perdeu tanto o seu valor, que hoje quem melhor paga é o INCRA. Estamos vendo levas e mais levas de pessoas que não são dos sem-terra, são alfaiates, barbeiros, "chapas", trabalhadores braçais que estão ocupando essas terras, estimulados pelo proprietário da fazenda. Precisamos fazer algo a respeito. Jamais vi qualquer manifestação deste Plenário contrária à reforma agrária. Todos somos favoráveis à implantação de uma reforma agrária eficaz. Mas o que está acontecendo para mim já é bagunça, já é subversão da ordem. V. Exª tocou em outro assunto também muito importante. Falei sobre a criança abandonada no meu discurso, que é algo que muito me preocupa e a todos nós. Mas existe uma certa hipocrisia quando se fala do trabalho da criança. Agradeço até hoje aos meus pais porque, desde os 10 anos, eles me colocaram para trabalhar, e nunca fui sacrificado. Desde que haja compatibilização entre o trabalho, o lazer e o estudo, penso que a criança deva trabalhar, porque aprende a ser homem desde pequeno. Evidentemente, não concordamos com o trabalho escravo, que penaliza a criança. Penso que o trabalho dignifica não só o homem, mas também a criança. Portanto, V. Exª trata de um assunto muito importante, sobre o qual nos devemos debruçar, fazendo um projeto de reforma agrária sem a conotação ideológica, porque há pessoas que não querem assentamento; querem é fazer balbúrdia. Creio que V. Exª deveria tocar nesse assunto mais vezes, visto que conhece como poucos essa problemática. Hoje estou vendo esta aberração: os proprietários estão estimulando a invasão das suas próprias terras porque quem está pagando melhor é o INCRA. As nossas terras perderam o valor, como V. Exª sabe, por falta de financiamento, pela inadimplência e, afinal de contas, sabemos que, no Sul do País, mais de cem proprietários, que têm tradição no cultivo da terra, estão vindo para as grandes cidades, onde não conseguem ocupação. Esse é um assunto que deve ser muito bem pensado, à luz da realidade e não com uma conotação ideológica, que é como muitas pessoas querem tratar o problema.
O SR. LÚDIO COELHO - Muito obrigado, Senador Carlos Patrocínio. V. Exª é de um Estado em que a atividade rural é predominante, o Tocantins. Aliás, quase todos nós aqui representamos esse Brasil silencioso.
Eu disse aqui, no começo do meu mandato, que se a reforma agrária não fosse tratada com a seriedade devida, iria haver agitações muito fortes. O Plano Real, tão bom para a Nação brasileira, está cobrando um tributo muito alto da área rural brasileira. Hoje o interior brasileiro está à venda. No meu Estado tudo está à venda. Vamos ver se, trocando de mãos, esse setor passa para pessoas mais competentes.
Na minha avaliação, todos os assentamentos feitos nos últimos dez anos não cobrem o êxodo rural provocado pelo Plano Real. Inúmeras fazendas, incluindo as minhas, estão uma tristeza, estão desertas - como sabem, sou fazendeiro e agricultor também. Lá em casa não há mais ninguém, porque não temos mais condições de manter esse pessoal.
Este assunto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem sido muito discutido no Congresso Nacional. Apresentei um projeto dando preferência a pessoas ligadas ao campo, ou seja, o agrônomo, o técnico agrícola, o veterinário e também o ex-com-terra - essa nova categoria, que será logo criada, de pessoas que tinham terra e não tiveram condições de viver dela. Tira-se, então, esse que nasceu no mato e foi acostumado a trabalhar na agricultura e põe-se uma pessoa que nunca mexeu com a terra. Quem sabe o pessoal da cidade é mais competente que os da roça para plantar mandioca, abóbora, quiabo, produtos essenciais à manutenção do dia-a-dia da família?
Vou encerrar meu pronunciamento, agradecendo a atenção dos nobres companheiros.