Discurso no Senado Federal

DANDO CONHECIMENTO A CASA DE OFICIO ENVIADO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PROPONDO REFLEXÕES ACERCA DO DIREITO DE REELEIÇÃO DO PRESIDENTE. ADVERTENCIAS CONSTRUTIVAS PARA O BRASIL SOBRE REELEIÇÃO. PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO II ENCONTRO NACIONAL DOS MENINOS E MENINAS TRABALHADORES RURAIS, ORGANIZADO PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.:
  • DANDO CONHECIMENTO A CASA DE OFICIO ENVIADO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PROPONDO REFLEXÕES ACERCA DO DIREITO DE REELEIÇÃO DO PRESIDENTE. ADVERTENCIAS CONSTRUTIVAS PARA O BRASIL SOBRE REELEIÇÃO. PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO II ENCONTRO NACIONAL DOS MENINOS E MENINAS TRABALHADORES RURAIS, ORGANIZADO PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/1996 - Página 16831
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • LEITURA, OFICIO, ORADOR, DESTINATARIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, ALEXIS DE TOCQUEVILLE, CIENTISTA, FILOSOFIA, ESTUDO, DEMOCRACIA, REFERENCIA, RISCOS, REELEIÇÃO.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, ENCONTRO, AMBITO NACIONAL, MENOR, TRABALHADOR RURAL, ORGANIZAÇÃO, CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA (CONTAG), DEPOIMENTO, CONDIÇÕES DE TRABALHO, PREJUIZO, EDUCAÇÃO.
  • CRITICA, BANCADA, CAMARA DOS DEPUTADOS, APOIO, GOVERNO, AUSENCIA, QUORUM, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, GARANTIA, RENDA MINIMA, BENEFICIO, ESCOLARIZAÇÃO, CRIANÇA.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADOR, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, encaminhei, há pouco, o seguinte ofício ao Excelentíssimo Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso:

      Senhor Presidente:

      Preocupado com o desenrolar das ações desenvolvidas nos últimos dias por Vossa Excelência, com respeito aos esforços do governo para conseguir o direito de reeleição do Presidente, venho encaminhar-lhe o texto que, certamente, é de seu conhecimento por tratar-se de um de seus autores favoritos, Alexis de Tocqueville, que convém agora ser relido.

      Reporto-me ao trecho "Da reeleição do Presidente", do livro "A Democracia na América", onde Tocqueville afirma que "impedir que o chefe do executivo pudesse ser reeleito pareceria, à primeira vista, contrário à razão"... "As leis que proibissem aos cidadãos reeleger o seu primeiro magistrado tirar-lhe-iam o melhor meio de fazer prosperar o Estado ou de salvá-lo".

      Todavia, adverte Tocqueville sobre as razões ainda mais fortes que se opõem ao direito de reeleição, pois vícios naturais aos governos eletivos, quando o Presidente pode ser reeleito, "se estendem indefinidamente e comprometem a própria existência do país".

      Considerando ser o autor uma das pessoas que mais se aprofundou acerca das vantagens do regime democrático e que tantas reflexões positivas fez para aperfeiçoá-lo, julguei importante ler este trecho da Tribuna do Senado, bem como enviá-lo a Vossa Excelência para que possa refletir sobre seu conteúdo e o que for melhor para o Brasil.

      Respeitosamente,

      Senador Eduardo Matarazzo Suplicy

Sr. Presidente, considero este trecho, para o qual me foi chamada a atenção, extremamente ilustrativo dos riscos a que estamos submetidos no Brasil diante do empenho do Presidente Fernando Henrique Cardoso, de seus Ministros e de muitos dos políticos de sua base governamental em tentar, a todo custo, modificar a Constituição para obter o direito de reeleição.

Vejam como é atual a reflexão de Alexis de Tocqueville que, em 1835, escreveu as suas reflexões sobre a democracia na América. Diz ele:

      "Os legisladores dos Estados Unidos teriam ou não teriam tido razão para permitir a reeleição do presidente?

      Impedir que o chefe do poder executivo pudesse ser reeleito pareceria, à primeira vista, contrário à razão. Sabe-se que influência o talento ou o caráter de um só homem exerce sobre o destino de todo o povo, principalmente nas circunstâncias difíceis e em tempo de crise. As leis que proibissem aos cidadãos reeleger o seu primeiro magistrado tirar-lhe-iam melhor meio de fazer prosperar o Estado ou de salvá-lo. Assim, aliás, chegar-se-ia a este resultado estranho: um homem seria excluído do Governo no próprio momento em que tivesse acabado de provar que era capaz de bem governar.

      Tais razões são poderosas, sem dúvida; não podemos, entretanto, opor-lhes outras ainda mais fortes?

      A intriga e a corrupção são vícios naturais aos governos eletivos. Quando, porém, o chefe do Estado pode ser reeleito, tais vícios se estendem indefinidamente e comprometem a própria existência do país. Quando um simples candidato quer vencer pela intriga, as suas manobras não poderia exercer-se senão sobre um espaço circunscrito. Quando, pelo contrário, o chefe do Estado mesmo se põe em luta, toma emprestada para o seu próprio uso a força do governo.

      No primeiro caso, é um homem com os seus frágeis meios; no segundo, é o próprio Estado, com as suas imensas reservas, que intriga, que corrompe. O simples concidadão que emprega manobras culpáveis para chegar ao poder não pode, senão de maneira indireta, prejudicar a prosperidade pública; se, porém, o representante do poder executivo desce à liça, o cuidado do governo torna-se para ele interesse secundário; o interesse principal é a sua eleição. As negociações, assim como as leis, passam a ser para ele nada mais que combinações eleitorais; os lugares tornam-se recompensa de serviços prestados não à nação, mas a seu chefe. Mesmo que a ação do governo não fosse sempre contrária ao interesse do país, neste caso, pelo menos, não mais lhe serviria. E no entanto, é ela feita apenas para o seu uso.

      É impossível considerar a marcha normal dos negócios de Estado, nos Estados Unidos, sem perceber que o desejo de ser reeleito domina os pensamentos do presidente; que toda a política da sua administração tende para esse ponto; que as suas menores providências são subordinadas àquele objetivo; sobretudo, que, à medida em que se aproxima o momento da crise, o interesse individual substitui-se no seu espírito ao interesse geral. Por isso, o princípio da reeleição torna a influência corruptora dos governos eletivos mais extensa e mais perigosa. Tende a degradar a moral política do povo e a substituir o patriotismo pela habilidade. Na América, ataca ainda de mais perto as fontes da existência nacional.

      "Cada governo leva em si mesmo um vício natural que parece ligado ao próprio princípio da sua vida; o gênio do legislador consiste em saber bem distingui-lo. Um Estado pode triunfar de muitas leis más, e, em muitas vezes, exagera-se o mal que elas causam. Mas toda lei cujo efeito é desenvolver esse germe de morte não iria deixar, afinal, de se tornar fatal, ainda que os seus maus efeitos não se façam perceber imediatamente.

      O princípio de ruína, nas monarquias absolutas, é a extensão ilimitada e desarrazoada do poder real. Uma medida que retirasse os contrapesos que a constituição tivesse deixado a esse poder seria, pois, radicalmente má, mesmo que os seus efeitos parecessem, por muito tempo, insensíveis. Da mesma forma, nos países onde governa a democracia e onde o povo incessantemente atrai tudo para si, as leis que tornam a sua ação cada vez mais pronta e irresistível atacam de uma maneira direta a existência do governo. O maior mérito dos legisladores americanos foi ter percebido claramente essa verdade e ter tido a coragem de pô-la em prática. Conceberam eles ser necessário que, fora do povo, houvesse certo número de poderes, os quais, sem ser completamente independentes dele, todavia gozassem, na sua esfera, de um grau de liberdade bastante grande, de tal maneira que, forçados a obedecer à direção permanente da maioria, pudessem ainda assim lutar contra os seus caprichos e se recusar às suas exigências perigosas. Para isso, concentraram todo o poder executivo da nação numa só mão; deram ao presidente prerrogativas amplas e o armaram do veto, para resistir às usurpações do legislativo.

      Todavia, ao introduzir o princípio de reeleição, destruíram em parte a sua obra. Concederam ao presidente um grande poder, e tiraram-lhe a vontade de fazer uso dele. Se não fosse reelegível, o presidente de modo algum seria independente do povo, pois não deixaria de ser responsável perante ele; mas o favor do povo não lhe seria tão necessário que se visse obrigado a curvar-se em tudo às suas vontades. Podendo ser reeleito (e isto é verdade principalmente em nossos dias, quando a moral política se relaxa e quando desaparecem os grandes caracteres), o presidente dos Estados Unidos é apenas um dócil instrumento nas mãos da maioria. Ama aquilo que ela ama, odeia o que ela odeia; voa à frente das suas vontades, resolve as suas queixas, curva-se aos seus menores desejos: os legisladores desejavam que ele a guiasse, ele, no entanto, a segue.

      Assim, para não privar o Estado dos talentos de um homem, tornaram esses talentos quase inúteis; e, para conservar um recurso em circunstâncias extraordinárias, expuseram o país a perigos de todos os dias."

Assim, Sr. Presidente, acredito que as observações de Alexis de Tocqueville constituem uma advertência que considero extremamente construtiva, não apenas para os dias da América do século passado, mas também para os dias de toda a América atual, incluindo o Brasil.

Posso perceber que haveria algumas vantagens no que diz respeito à concessão do direito de reeleição a um presidente que tenha realizado serviços importantes para a nação, mas avalio que os riscos decorrentes do direito de reeleição são ainda maiores. Em especial, temo que seja o Presidente da República a colocar tanta energia no seu projeto relativamente a conseguir o direito de reeleição que algumas energias estão deixando de ser colocadas naquilo que me parece mais prioritário para resolvermos os problemas principais do Brasil.

Ainda há pouco, o Senador Joel de Hollanda falava sobre o problemas das crianças que, em número extraordinário, trabalham precocemente no Brasil.

Estive ontem participando do II Encontro Nacional dos Meninos e Meninas Trabalhadores Rurais, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, convidado que fui pela Direção, pelo seu Presidente, Sr. Francisco Urbano, e pelo seu vice-Presidente, Sr. Avelino Ganzer, e por outros companheiros.

Estive hoje também no Palácio do Planalto quando mais de duzentas meninas e meninos disseram ao Presidente da República das suas condições de trabalho, sobretudo daqueles meninos e meninas que dos 7 aos 16 anos trabalham na roça, normalmente com períodos de trabalho tipicamente como foram exemplificados por uma menina de 14 anos e por um menino de 16 anos, que tinha a altura de um menino de 12 anos, impressionando a todos que o ouviram.

Tipicamente, essas crianças acordam por volta das 6 horas, estão no trabalho a partir das 7 horas e 30 minutos, têm um intervalo para o almoço de 12 horas às 13 horas, depois trabalham, com ligeiro descanso, até às 17 horas, para então irem para casa e às 19 horas se dirigirem para a escola quando ainda têm energia. A escola é das 19 horas às 22 horas ou 23 horas. Para quem acordou de madrugada e trabalhou o dia inteiro, na idade de 7 a 16 anos, esse é um regime quase impossível de ser considerado humano.

Obviamente, as crianças que ainda assim conseguem ir à escola têm um rendimento extremamente abaixo do daquelas crianças que normalmente estão indo à escola, têm tempo para estudar e têm também seu tempo para brincar, tempo de lazer, tempo para adquirirem alguma cultura, seja lendo, vendo televisão, indo ao teatro, indo ao cinema ou também praticando esportes, que é extremamente saudável nessa fase da vida, como em qualquer outra fase, mas, sobretudo, na infância e na adolescência.

O Presidente da República anunciou e assinou emenda constitucional aumentando o limite de idade para que qualquer criança possa estar trabalhando no Brasil. E falou de medidas que venham a possibilitar às crianças estarem trabalhando. Mencionou o exemplo da bolsa-cidadania, instituída parcialmente no Mato Grosso do Sul e em algumas regiões para crianças que trabalham no cultivo da cana-de-açúcar e da soja.

Sr. Presidente, na Câmara dos Deputados, a base governamental, por seis sessões consecutivas, tem procurado evitar que haja quorum para a votação do projeto de garantia de renda mínima, que visa justamente a conceder a cada pessoa adulta ou a cada família no País um complemento que possibilitasse a ida de suas crianças à escola. Seja com o nome de bolsa escola, ou de bolsa cidadania, ou de renda mínima garantida, ou de renda de cidadania, não importa tanto o nome, é importante que se institua, o quanto antes, o direito universal para todas as famílias residentes no Brasil, para todas as crianças que venham a ter o direito que deve ser considerado sagrado. A nenhuma criança deve ser negada a condição de estar indo à escola.

O Presidente também mencionou hoje que é seu propósito procurar acelerar a votação de projetos como aquele que possibilita a desapropriação com maior rapidez de áreas para a realização da reforma agrária.

Sr. Presidente, esta é uma solicitação feita explicitamente ao Senado. Está o Senador Ramez Tebet redigindo o parecer sobre o projeto do Deputado Domingos Dutra, relativamente ao rito sumário. É importante, e já fez inúmeros apelos o Líder do PT José Eduardo Dutra no sentido de que venha esta Casa a votar os projetos relativos a tudo aquilo que possa acelerar a realização da reforma agrária e evitar empecilhos para que se torne uma realidade o direito de um número muito maior de famílias estarem lavrando a terra e tendo o direito à sua sobrevivência digna.

Preocupa-me, Sr. Presidente, tanto empenho na direção de se obter a reeleição e o empenho com energia menor do que a que deveria estar ocorrendo com respeito à instituição de instrumentos que venham efetivamente a erradicar a miséria em nosso País e a melhorar a distribuição da renda e da riqueza.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/1996 - Página 16831