Discurso no Senado Federal

DENUNCIANDO IRREGULARIDADES NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DO ESTADO DE RORAIMA.

Autor
Romero Jucá (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. ESTADO DE RORAIMA (RR), GOVERNO ESTADUAL. :
  • DENUNCIANDO IRREGULARIDADES NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DO ESTADO DE RORAIMA.
Aparteantes
Júlio Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/1996 - Página 16836
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. ESTADO DE RORAIMA (RR), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • ANALISE, ELEIÇÃO MUNICIPAL, DENUNCIA, FRAUDE, IRREGULARIDADE, PROCESSO ELEITORAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), RISCOS, REELEIÇÃO.
  • CRITICA, INEFICACIA, LEGISLAÇÃO, IMPUNIDADE, ABUSO, PODER ECONOMICO, UTILIZAÇÃO, MAQUINA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, ELEIÇÕES, ESPECIFICAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DE RORAIMA (RR), DENUNCIA, DESVIO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, IRREGULARIDADE, REPASSE, GOVERNO FEDERAL.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, ESCLARECIMENTOS, IRREGULARIDADE, LIBERAÇÃO, EMPRESTIMO, ESTADO DE RORAIMA (RR), AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, SENADO, PROXIMIDADE, ELEIÇÕES, DENUNCIA, LOBBY, PARTIDO POLITICO, PARTIDO PROGRESSISTA BRASILEIRO (PPB).

O SR. ROMERO JUCÁ (PFL-RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, só hoje venho à tribuna fazer uma análise das eleições de 3 de outubro, e o faço movido por um sentimento de prudência.

De um lado, ouvi a explanação de outros Senadores, como a que acaba de fazer o Senador Júlio Campos; de outro, meditei sobre o ocorrido nas eleições no meu estado, Roraima.

Venho hoje me pronunciar consciente de que nas eleições de 3 de outubro tivemos dois brasis bem distintos: tivemos a eleição do Brasil desenvolvido, a eleição do voto eletrônico, a eleição da cidadania, a festa do povo nas ruas; e tivemos ao mesmo tempo a eleição em um outro Brasil, onde o abuso do poder econômico, as falcatruas, a corrupção, o despreparo político, a falta de compromisso com a sociedade mostraram o seu retrato.

O Senador Júlio Campos, que me antecedeu, fez um relato das eleições em Mato Grosso, e eu quero aqui fazer um relato das eleições em Roraima e, neste campeonato de mostrar onde ocorreram mais absurdos, desejo demonstrar que, infelizmente, no meu estado conseguimos ganhar esse campeonato da incompetência, da irresponsabilidade e da corrupção.

Não faço essas afirmações satisfeito. Gostaria de, ao contrário, vir a esta tribuna hoje para dizer que em Roraima houve uma festa da cidadania e o respeito à vontade do eleitor. Mas isso não ocorreu.

Vou aqui demonstrar o absurdo ocorrido em Roraima, menos para reclamar do resultado das eleições e mais para discutir e alertar os companheiros e companheiras sobre a questão grave que vai discutida dentro de pouco tempo: a reeleição dos atuais ocupantes de cargos públicos.

Temos um Brasil em que os governantes não respeitam o Erário, não respeitam a lei e fazem absurdos, neste caso, como vamos administrar uma reeleição neste Brasil mais atrasado? Como vamos ter governadores e prefeitos tentando uma reeleição, mas permanecendo em seus cargos públicos, manipulando as verbas públicas, usando a máquina? Como poderemos ter secretários de estado e de prefeituras disputando eleições para Deputado Federal e Senador, mas detentores de todos os poderes administrativos? Como isso será feito?

Não venham me dizer que basta uma lei dura. A lei nós já temos, mas não a respeitamos, nem a aplicamos e, principalmente, não há um aparato que dê poderes ao tribunal e ao Ministério Público para acompanharem os absurdos que são feitos.

Em Roraima, o Governador de Estado, montado em um helicóptero estadual, distribuiu dinheiro para todos os cantos nessa eleição. Pergunto: a justiça eleitoral possuía helicóptero ou avião? Não. E o Ministério Público Eleitora? Também não. Tinha poder de polícia? Não. A polícia era do Governador, assim como os aparatos técnicos e operacionais de transportes. Enfim, a Justiça ficou restrita ao gabinete do Juiz, e o Governo do Estado passou a gastar milhões.

No entanto, Sr. Presidente, o mais grave nessa queima de recursos públicos na eleição de Roraima é o seguinte: ao contrário do que ocorreu em Mato Grosso, conforme denúncia do Senador Júlio Campos, quando foram gastos recursos estaduais, no meu estado o dinheiro que foi usado para comprar votos e definir as eleições foi repassado pelo Governo Federal.

No dia 30 de setembro, portanto, três dias antes da eleição, foi creditado na conta do Governo do Estado um empréstimo, concedido pela Caixa Econômica Federal, no valor de R$16 milhões. Esse empréstimo não poderia ter sido concedido, porque, ao que me consta, não tramitou no Senado qualquer pedido de empréstimo do Governo do Estado e, além disso, consta do Cadin - Cadastro de Inadimplentes do Governo Federal - que o Governo de Roraima tem quatro inadimplências. O Governo de Roraima está inadimplente com a Eletronorte há mais de um ano; com a própria Caixa Econômica, com o INSS e com os Correios. Apenas uma dessas inadimplências já bastaria, de acordo com a lei, para impedir a transferência de recursos públicos para o estado.

Roraima conseguiu, mesmo estando nessa situação, e sem autorização do Senado, R$ 16 milhões, não vinculados a obras, ou seja, recursos livres para que o Governador pudesse, nos três últimos dias da campanha eleitoral, comprar os votos necessários para dar a vitória a muitos dos seus candidatos.

Apresentei ontem a esta Casa requerimento de informações, nos seguintes termos: primeiro, quem autorizou essa liberação de recursos; segundo, qual a explicação de liberação por parte do Cadin para que Roraima pudesse receber esse dinheiro; terceiro, qual a justificativa para o empréstimo, às vésperas da eleição, sem que o Governo de Roraima tenha feito parte de qualquer programa de ajuste de despesas públicas.

O Sr. Júlio Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMERO JUCÁ - Concedo o aparte, com muita satisfação, ao Senador Júlio Campos.

O Sr. Julio Campos - Senador Romero Jucá, ouço com atenção o seu pronunciamento. Estou realmente preocupado com o que vem ocorrendo no nosso Brasil, o Brasil tido como longe dos grandes centros, da imprensa nacional e das denúncias que causam repercussão. Sei que no Estado de Roraima aconteceram fatos tão graves, assim como em Mato Grosso. Ainda hoje, pela manhã, reunida a Mesa Diretora desta Casa, aprovamos o seu requerimento. Causou-nos surpresa que um Governo tão sério, que se diz de austeridade, não se tenha precavido para essa situação. Jamais poderiam os Ministros Antonio Kandir ou Pedro Malan, que são responsáveis pela área econômica, nem mesmo o Diretor do Tesouro Nacional, Sr. Murilo Portugal, liberarem dinheiro a fundo perdido às vésperas de uma campanha para um Estado inadimplente, em situação irregular, que não tem a sua situação normal junto ao Cadin. Então, há dois pesos e duas medidas neste País. Determinados Estados não puderam receber nada porque estavam inadimplentes junto ao Cadin. Roraima, como também o próprio Mato Grosso, recebeu às vésperas das eleições, das mãos do Sr. Presidente do BNDES, uma antecipação de U$23 milhões a título de compra das possíveis ações que a Cemat vai colocar no mercado com a privatização daquela empresa. Ficamos tristes com isso. Parece que as coisas não mudaram neste País. Amanhã, por ocasião da visita ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, no boeing presidencial, vou dizer-lhe da gravidade desse documento. Se V. Exª me permitir, eu gostaria de obter uma cópia dessa sua denúncia para mostrar ao Presidente da República, porque o seu Governo está cheio de pessoas que não cumprem as determinações da lei e que, muitas vezes, fazem politicalha com o dinheiro público. Esse é um assunto muito grave, que tem de ser discutido nesta Casa e levado a público. V. Exª tem a minha solidariedade, porque o fato que ocorreu no seu Estado, lamentavelmente, em piores condições, também ocorreu no meu.

O SR. ROMERO JUCÁ - Senador Júlio Campos, agradeço a solidariedade, o apoio e a preocupação de V. Exª. A questão do recurso para Roraima foi pior. Se houvesse no Orçamento recurso a fundo perdido para qualquer obra do Estado, não estaríamos aqui reclamando. Tais recursos foram repassados por meio de um empréstimo, sem autorização do Senado Federal. A autorização que o Senado concedeu foi para a rolagem da dívida e do equacionamento da dívida pública dos Estados. Roraima não tem dívida com o pessoal porque é um Estado recém-criado e só gasta 20% da sua arrecadação com pessoal; portanto, é um Estado enxuto. Mas, estranhamente, o Governador foi beneficiado com 16 milhões às vésperas da eleição. Procuramos a Caixa Econômica Federal, a Secretaria do Tesouro antes que essa liberação ocorresse e levantamos todas as questões que estamos apresentando aqui.

Foi-nos informado que esse dinheiro não seria liberado da forma que o Governo pedia, mas, estranhamente, às vésperas da eleição, o Governo voltou atrás.

Na Caixa Econômica, extra-oficialmente, só há uma explicação para essa liberação do dinheiro. Disseram-me que foi muita pressão do PPB, por isso tiveram que liberar esse recurso.

Ora, preocupa-me essa explicação. Não acredito que o Presidente Fernando Henrique Cardoso comungue com esse tipo de postura. Não é uma pressão do PPB que deve fazer o Governo agir de forma errada. Não foi para isso que o Presidente Fernando Henrique foi eleito; não foi para isso que elegemos e lutamos para eleger o Presidente Fernando Henrique Cardoso. É sempre bom lembrar, inclusive, que o próprio PPB, naquela ocasião, estava em outro palanque e não recebeu os votos da população; quem recebeu os votos foi a coligação PSDB-PFL, com a proposta de moralização e de seriedade.

Se as pressões estão ocorrendo, preocupo-me ainda mais. Não entendo e não posso ficar satisfeito com esse tipo de explicação, que demonstra que o Governo Fernando Henrique poderia estar refém de pressões do PPB e do malufismo.

Quero aqui repudiar essa explicação da Caixa Econômica Federal de forma muito forte. Vou a fundo no esclarecimento dessas questões e irregularidades. Não podemos compactuar com o que houve em Roraima. Dinheiro federal mudou a eleição na Capital, Boa Vista. Com tanta pressão e derrame de dinheiro, com toda compra de votos, a coligação PSDB-PFL ainda teve 41% dos votos válidos. Ganharíamos a eleição se não fosse essa liberação estapafúrdia e a compra indiscriminada de votos ocorrida nos dias que antecederam as eleições. Infelizmente, o Governo Federal, sabendo ou não, foi cúmplice nessa compra e nessa ação irresponsável e irregular durante a eleição em Boa Vista.

Estamos entrando na Justiça, Sr. Presidente, demonstrando a compra de votos. Temos prova da distribuição de material e de dinheiro em Roraima. Estamos procurando a Justiça para que - quem sabe - pelo menos o Tribunal Superior Eleitoral possa remediar e consertar o absurdo que ocorreu em nosso Estado.

Volto a dizer que a pressão feita pelo Governador Neudo Campos e pelo PPB para liberação desses recursos da Caixa Econômica Federal foi espúria. Torna-se, pois, obrigatório o esclarecimento acerca de quem liberou esse dinheiro, quem determinou a liberação, passando por cima do registro da inadimplência do Cadin, enfim, quem foi o artífice dessa armação política que levou o PSDB, o PFL e outros partidos de esquerda da nossa coligação a serem trucidados pelo poder econômico na reta final da eleição.

Disputamos a eleição sem recursos, com seriedade, com propostas, e 41% da população do Estado de Boa Vista votou no nosso candidato. Infelizmente, a compra de votos fez com que não fôssemos vencedores na reta final.

Falo novamente sobre a minha preocupação a respeito da reeleição em determinados locais do Brasil, que não pode ocorrer da forma como se está prevendo. Não poderemos ter reeleição com Prefeitos e Governadores que não se desincompatibilizam dos cargos, sob pena de repetir-se em grande parte ou na maioria dos Estados do Norte, do Nordeste, do Centro-Oeste e, talvez, do Sul do País o mesmo que ocorreu em Roraima com o Governador Neudo Campos e seus aliados políticos.

Sr. Presidente, gostaria que fizesse parte deste pronunciamento o requerimento de informações que fiz na data de ontem.

A Resolução nº 69 do Senado Federal, no meu entender, foi desrespeitada na concessão desse empréstimo ao Governo de Roraima. Os dados do Cadin demonstram que o Governo do Estado de Roraima está inadimplente em quatro processos e, portanto, não poderia receber um tostão desse dinheiro que foi para lá financiar a compra de votos.

Sr. Presidente, lamento ter de vir à tribuna falar sobre esse assunto, mas quero fazer coro com os Senadores que, nesta Casa, denunciaram o abuso do poder econômico. Não basta que tenhamos uma lei eleitoral que puna os abusos. Vamos ter que discutir, na próxima legislação eleitoral, sobre instrumentos operacionais que efetivamente dêem condições ao Ministério Público e à Justiça Eleitoral de atuar, de forma plena, para coibir o abuso de Governadores e Prefeitos que gastam o dinheiro público na compra de votos, mascarando a vontade popular e desrespeitando as leis do nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/1996 - Página 16836