Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DA VOTAÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISORIAS. INCOERENCIA NA EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA QUE PROIBE ACUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS COM PROVENTOS. COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO DE HOJE, INTITULADO 'OS FORA-DA-LEI', QUE DENUNCIA A VIOLAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.:
  • NECESSIDADE DA VOTAÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISORIAS. INCOERENCIA NA EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA QUE PROIBE ACUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS COM PROVENTOS. COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO DE HOJE, INTITULADO 'OS FORA-DA-LEI', QUE DENUNCIA A VIOLAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/1996 - Página 17096
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • CRITICA, IMPEDIMENTO, ACUMULAÇÃO, APOSENTADO, VENCIMENTOS, EFEITO, APROVAÇÃO, CONCURSO PUBLICO, EPOCA, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, INCOERENCIA, GOVERNO, INCONSTITUCIONALIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ALTERAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ALTERAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, VIOLAÇÃO, DIREITO ADQUIRIDO, FUNCIONARIO PUBLICO, ESTADO DE DIREITO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a delicada relação entre o Executivo e o Legislativo vem sendo ameaçada dia-a-dia pelo advento das medidas provisórias.

Lembro a este Plenário e a todos os que ouvem este pronunciamento que as medidas provisórias foram criadas porque íamos ter, ao que tudo indicava, um sistema parlamentarista, que não ocorreu. No plebiscito, ganhou o presidencialismo e ficamos com as medidas provisórias colocadas em nossa legislação de modo muito forte.

Tenho dito desta tribuna que este é o único País do mundo onde o Presidente pode imaginar uma lei, publicá-la durante a noite no Diário Oficial, e, no dia seguinte, 150 milhões de habitantes são obrigados a cumpri-la.

Agora mesmo houve mais um evento: o Governo cuidou da administração pública mediante a emissão das Medidas Provisórias nºs 1.522, 1.523 e 1.524 e dos decretos que as regulamentam.

Essa é uma situação difícil, Sr. Presidente, pois está tramitando no Congresso quase uma centena de medidas provisórias. No ano passado recebemos 402 medidas provisórias. Dessas, 67 foram debatidas em reuniões; 32 Comissões foram instaladas além dessas 67, e as Comissões que deveriam apreciar outras 370 MPs não chegaram a ser instaladas. Das medidas apreciadas, 14 foram aprovadas e 31 foram revogadas. Se tivesse havido reuniões para debater todas as 402 MPs, não teria sido possível realizar sessão no Senado nem na Câmara dos Deputados, portanto, as duas Casas estariam inteiramente paralisadas.

Lembro o caso específico do Proer, que completará um ano no próximo mês - convido todos para a comemoração do aniversário do Proer - e será extinto, pois foi criado com a duração de um ano. Vejam bem: decorreu um ano inteiro, e nós não conseguimos votá-lo no Congresso Nacional.

Outras duas medidas completam três anos. São as medidas provisórias mais definitivas que conhecemos. Uma dispõe sobre Letra do Tesouro e outra, sobre privatização.

No caso específico da medida que trata do funcionalismo público, o choque foi muito maior, porque ela se sobrepõe em alguns aspectos a pontos contemplados no Projeto da Reforma da Previdência, já aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal.

Tenho sempre buscado "empatizar" a situação do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Sabem o Sr. Presidente e os Srs. Senadores que "empatizar" significa entrar no pêlo, na pele de outrem. Pois bem; "empatizando" o Presidente, não sei se não faria o que Sua Excelência tem feito, já que o Congresso nem sempre tem agido com a velocidade que a Nação espera. O Congresso não tem um alto conceito - e com justa razão - na avaliação dos eleitores e dos cidadãos deste País.

Ainda hoje, ao analisar a reforma política a ser efetuada no País, espantei-me ao verificar que, nos quinze primeiros meses desta Legislatura, 95 parlamentares mudaram de partido; que, nos três últimos meses da última Legislatura, 236 parlamentares mudaram de partido, sendo que um deles chegou a mudar de partido sete vezes.

Temos, ainda, problemas sérios de representação: um eleitor de Roraima vale vinte eleitores paulistas. Há, dessa forma, muito a ser feito. Talvez nós, parlamentares, tenhamos de fazer uma reforma antes de qualquer outra, qual seja, a da regulamentação das medidas provisórias. Temos de reformar isso já. E por quê, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores?

O Presidente da República tem pressa e age; e, às vezes, ao fazê-lo, no bojo de uma medida saem algumas incoerências, como nesta de que tratamos - e, ainda assim, penso que agiria da mesma forma.

Ao mesmo tempo em que aplaudo a coragem de Sua Excelência, pois nunca vi um Presidente tão corajoso a ponto de editar uma medida como essa às vésperas de um segundo turno, principalmente quando, em capitais importantes, o seu partido está concorrendo, gostaria de registrar um aspecto lastimável dessas medidas provisórias. Refiro-me ao caso dos funcionários públicos aposentados, que, por via de procedimentos lícitos e à luz da ordem institucional vigente, retornaram ao serviço público, e cuja situação funcional foi objeto de duas emendas aprovadas pela Câmara dos Deputados, em dois turnos de votação, com quorum qualificado, no âmbito da Reforma que ora tramita nesta Casa.

Na realidade, a situação funcional de que estamos tratando pôde ser introduzida a partir da promulgação da Constituição de 1988 - uma vez que, nas Constituições anteriores, havia a vedação expressa. Isso ocorreu mediante emenda oferecida pelo saudoso Nelson Carneiro e acatada pelo eminente Relator, o nobre colega Bernardo Cabral.

Ainda no Governo Sarney, a Advocacia-Geral da União, ao ser provocada pela matéria, exarou parecer favorável à manutenção do status quo sob o entendimento de não haver óbice constitucional à acumulação de proventos de aposentadoria com vencimentos, porquanto não havia vedação expressa no texto constitucional em vigor. Desde então, esse tem sido o entendimento esposado pelos maiores nomes do Direito brasileiro. Aliás foi, com base no referido parecer, que o próprio Senado Federal, a Procuradoria da República, a Câmara dos Deputados, entre outros passaram a dar posse aos aprovados egressos do serviço público na condição de aposentados.

Em artigo publicado na coluna de Janio de Freitas, no jornal Folha de S.Paulo, de hoje, dia 16 de outubro, intitulado Os fora da lei, com muita propriedade, o articulista denuncia a violação do Estado de Direito no caso em pauta, já que o pacote de medidas provisórias editado no dia 14 desrespeita direitos adquiridos, ao atropelar o vitorioso processo negociado na Câmara dos Deputados, mediante a introdução do mecanismo de opção voluntária, que de voluntário tem apenas o nome.

Esse mecanismo, ou melhor, essa determinação da medida provisória vem também ferir o princípio do meu Partido de que direitos adquiridos têm de ser mantidos. Que se faça a regra para os novos, mas quem já prestou concurso e teve consolidado o seu direito não pode perdê-lo de uma hora para outra.

No pacote, estabeleceu-se que, até o dia 14 de novembro, os funcionários devem abrir mão da aposentadoria conquistada como direito legítimo ou do cargo legalmente exercido como direito legítimo.

Ora, na prática, será criada uma situação esdrúxula, uma vez que, se optar pelos proventos, o servidor trabalhará de graça, o que é expressamente vetado pela Lei nº 8.112, de 1991 (é proibido o trabalho não remunerado), se optar pelos vencimentos, o Estado estará impedido de proceder ao indispensável pagamento dos serviços, procedendo à imediata suspensão do pagamento pela atividade atual. Dessa forma, está estabelecido o impasse.

A opção voluntária, no caso, não é voluntária, nem é opção: é a cassação de um direito protegido pela lei e pela Constituição.

Logo, é a violação das garantias que caracteriza e define a quebra do Estado de Direito e, com isso, põe o próprio Governo fora da lei e do regime constitucional democrático.

Sensível às múltiplas interfaces da questão e zelosa por dever de ofício no que tange ao Estado de Direito, entendeu a Câmara dos Deputados de preservar os direitos adquiridos, mediante a introdução de emenda reconhecendo a situação jurídica perfeita daqueles que se submeteram a concurso público, ao abrigo da atual Constituição, por ocasião da votação da reforma da Previdência.

Por outro lado, igualmente sensível às razões do Governo para coibir a continuação da prática, cuidou ainda aquela Casa de adicionar outra emenda ao projeto retromencionado, estabelecendo expressa vedação da conduta após a promulgação da emenda constitucional que trata da Previdência.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não pretendemos exaurir a questão nesta oportunidade, mesmo porque entendemos ser o mérito objeto a ser discutido, apropriadamente, quando estivermos tratando da reforma da Previdência o qual deverá ocorrer logo após a eleição de 15 de novembro.

O objetivo principal de termos ocupado esta tribuna, na tarde de hoje, diz respeito à necessidade de acusarmos o duro golpe desfechado pelo Executivo no Congresso Nacional e, principalmente no Senado Federal ao atropelar o processo legislativo iniciado com a recepção do texto iniciado na Câmara dos Deputados, desqualificando, inclusive, o longo trabalho por aquela Casa e frustrando qualquer possibilidade de tratamento mais sério dos pontos já aprovados, em análise no Senado Federal e agora objeto das referidas medidas provisórias.

Penso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores que é chegada a hora de regulamentarmos as medidas provisórias. Oito Senadores elaboraram projeto de lei a respeito. Tudo foi consolidado numa Comissão de onde um relatório foi retirado pelo Senador Josaphat Marinho e encaminhado às Lideranças.

Na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania o nobre Senador José Fogaça foi encarregado de estudar a matéria e, inclusive, já fez o relatório. Precisamos votar essa matéria. Não adiante ficarmos acusando o Presidente da República disso ou daquilo. O Presidente tem de administrar. Quem faz, comete erros, e, nesse aspecto, esse foi um. No bojo de muitas medidas com muitas ações, destaco apenas uma ação, porque fere a legislação, que deveria ser retirada quando da reedição, pois não acredito que vamos conseguir votá-la em tempo hábil, até porque temos o segundo turno das eleições municipais.

De qualquer modo, não se pode culpar a Presidência da República. Temos de culpar a nós mesmos, pois ainda não tivemos a coragem de votar essa matéria. Temos de votá-la e deixar o Presidente com os instrumentos necessários para casos de extrema necessidade e de grande importância, não para coisas rotineiras.

O País, sei, clama por pressa. A globalização, não só do País, em termos de seus Municípios e Estados, mas em termos de todos os países do mundo, com o grande progresso da comunicação, clama por urgentes modificações - tributárias, administrativas, políticas etc.

Hoje mesmo o Governo enviou ao Congresso Nacional - sei que o Senador Romeu Tuma vai falar desse tema daqui a pouco - uma legislação sobre o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. É um desafio para nós. Temos que votá-la antes do final do ano, até 31 de dezembro, para que passe a vigorar já a partir de 1º de janeiro de 1997. Se o Congresso não for ágil, dará um testemunho de que as medidas provisórias precisam continuar a existir. Se isso não mudar, o Congresso Nacional será sempre um Poder menor, de pouca importância, uma vez que a nacionalidade e as suas várias facções não estarão aqui representadas. Então, precisamos tomar uma decisão.

Ao encerrar, deixo meu apelo ao Presidente da República, caso essa matéria não seja votada em tempo hábil, para que sane o problema quando da sua reedição, pois esse aspecto fere a Constituição quando retira um direito já consolidado, claro e antigo. Isso não pode acontecer. Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/1996 - Página 17096